quinta-feira, 31 de março de 2011

ENTRE URSOS E AMIGOS-URSOS

Nos créditos finais de O Homem-Urso (veja trailer aqui) eu, comovida, comecei a falar pro maridão: “Se você pensar em quantos filmes de terror são ruins, vai ver que é uma porcentagem enorme. Se você pensar em quantas comédias são ruins, vai ver que é uma porcentagem enorme. Comédia romântica, então, nem se fala...” E ele, me interrompendo, olha pro gato e diz: “Isso daqui vai longe, Calvin”. Mas o que eu quero dizer é que se tem um gênero que satisfaz, em que é duro encontrar um exemplar estragado, esse gênero é documentário. E eu amo docs.
E eu amo Herzog. E amei de paixão Grizzly Man. Bom, nessa vibe de eu amo muito tudo isso, eu tô muito próxima do foco do documentário de 2005, Timothy Treadwell, ecologista que foi morto e comido por um urso em 03. Timothy viveu entre os ursos pardos do Alasca durante treze verões (no inverno eles hibernam, que não são bobos. E não pense que ursos pardos transformam-se em ursos polares no inverno! Não resisti colocar essa atrocidade aqui porque confesso que ela passou pela minha cabeça. O resto da crônica terá um nível mais elevado). Timothy filmou mais de cem horas. Dava palestras de graça e aulas em escolas pra divulgar seu trabalho e a causa dos ursos. Considerava-se protetor deles. E fica meio claro desde a primeira cena do doc que ele era um louco completo.
Sabe aquilo que eu disse de não empatizar com alpinistas que sofrem um acidente e morrem porque, afinal, ninguém em sã consciência deveria estar num lugar inóspito pra começar? Bom, isso se estende ao sujeito retratado no filme fofinho mas mediano Na Natureza Selvagem (esse era tão doido que literalmente queimava dinheiro). E deveria se estender a Timothy, mas Herzog o trata com tanto carinho que é impossível a gente não gostar do malucão. Por mais que todo mundo fale contra ele ― um piloto cruel diz que ele teve o que mereceu e que os ursos provavelmente só não o atacaram antes porque acharam que ele era doente mental; um nativo e curador do museu local conta que seu povo, apesar de viver no mesmo habitat dos ursos, nunca se envolveu com eles, e que Timothy rompeu uma barreira de 7 mil anos ― quem depõe a favor dele é o próprio Herzog, e a voz de um documentarista num documentário é a voz de deus. Herzog vê Timothy como um dos seus. Ele o vê como um colega cineasta em primeiro lugar, alguém meticuloso que adora imagens. E a gente vê que Herzog vai se identificando cada vez mais com seu protagonista. Tá no jeito em que ele mostra os ursinhos de pelúcia na casa na Flórida onde Timothy cresceu, ou no contato gentil que tem com as ex-namoradas do moço. Numa longa sequência em que Timothy surta e vocifera contra toda a civilização diante da câmera, Herzog, cavalheiro, pra tirar o foco do doido narra: “Eu já vi alguém com esse comportamento numa filmagem”. E a gente ri, porque sabe que ele tá falando do Klaus Kinski (com quem, sei lá, com todo aquele cabelão loiro, Timothy até se parece. Veja uma cena do Klaus surtando durante as filmagens de Fitzcarraldo. E esse foi um dos surtos levinhos). E quando chega a hora fatídica em que Herzog ouve o som da gravação do ataque fatal do urso, ele pede pra ex de Timothy parar a fita, e recomenda que ela a destrua. Nesse momento a gente percebe o quanto Herzog gosta do seu sujeito. (E, por mais que minha curiosidade sádica queira ouvir a fita, ela não faz a menor falta. É uma decisão sábia do diretor em não mostrar nem um pedacinho).
Além do mais, eu gosto do Timothy porque, já no início, Herzog faz um amigo ler parte do hate mail (cartas de ódio) que a figuraça recebia. E é aquela coisa típica da direita americana de “Espero que você seja devorado por um animal selvagem, seu ecochato nojento”. E eu funciono também por associação: os inimigos da direita americana são meus amigos. Mas tem um outro motivo ainda mais forte pra eu gostar de Timothy. Se eu conseguisse vencer a paixão que tenho pela civilização, por água encanada e supermercados e luz elétrica e geladeira, e algum dia endoidasse e fosse viver no meio da natureza, eu seria igualzinha ao Timothy. Em questão de minutos eu estaria gritando pro urso mais próximo: “Eu te amo, Úrsula!”, e acariciando as raposas, e tentando dar beijos e abraços nos ursinhos, e me sentindo um deles. Sério, eu me conheço. E eu não iria durar cinco minutos antes de ser encarada por um urso que pensaria “Oba, almoço! É, tenho que tomar cuidado com meu colesterol, mas vou fazer dieta mesmo pelos próximos meses quando o inverno chegar”.
Herzog também mostra afeição por uma presença oculta, mas constante, na trama: a namorada de Timothy, Amie, que morreu junto com ele e que só aparece duas vezes, e que tem medo dos ursos. Ao invés de fugir, ela tenta lutar contra o urso que está dilacerando Timothy. E a dúvida de Herzog é: por quê? E quem responde isso são as próprias imagens anteriores, que mostram um Timothy muito bobão, falando consigo mesmo, e pra câmera, sobre seus problemas com as mulheres e como ele gostaria de ser gay. A gente não sabe quase nada de Amie (seus pais e amigos não quiseram dar entrevista), mas devia ser outra que não batia muito bem da cabeça. Porque Timothy, tudo bem, ele fez isso porque não tinha mais nada pra fazer na vida e porque amava os ursos, mas e Amie? Ela faz isso por um cara?! (Pense em quantos sujeitos você acompanharia até o Alasca pra viver sem conforto, e sob perigo, durante dois meses).
Há também uma discussão filosófica que Herzog levanta sobre a falta de harmonia da natureza e o quanto nós, humanos, somos parecidos com esses outros animais, mas nesse minuto ouvi meu gatinho Calvin emitir seu miado ensurdecedor de que está muito locão, e avisei o maridão que eu iria passar a filmar meu convívio com felinos selvagens. Ele respondeu que tudo bem, mas que iria vender minha última gravação quando chegasse a hora.

quarta-feira, 30 de março de 2011

BOLSONARO E SEU NICHO DE MERCADO REAÇA

Jair Bolsonaro é o típico reaça. Ué, você não sabia que essa espécie existia? Infelizmente existe, e tá longe de ser uma espécie em extinção. É a extrema direita em ação. Gente que apoia o Golpe de 64 (e nem chama de golpe, mas de Revolução, com letra maiúscula – até meados dos anos 80, quando eu estava na escola, ainda se chamava o golpe de revolução), que acha que tudo naquela época era melhor (o que é até estranho, no caso do nobre deputado, já que ele tinha apenas oito anos quando os militares tomaram o poder), que até hoje considera Médici, responsável pelos anos mais repressores da ditadura, o melhor presidente que o Brasil já teve, e que lamenta que os guerrilheiros que se opuseram ao regime ainda estejam vivos (pô, tem uma até no Palácio do Planalto!). Todas as visões que você puder imaginar vão na mesma linha TFP (Tradição, Família e Propriedade). Essa gente é coerente. É a favor da pena de morte, contra a legalização do aborto, contra as cotas raciais (eles não creem que existe racismo no Brasil; aliás, só acreditam num tipo de preconceito – contra o homem branco hétero!), a favor de um modelo de masculinidade na base do “prendo e arrebento, e de um modelo de femininidade que parou nos anos 50 (mulher nasceu pra ser dona de casa, cuidar dos filhos, e obedecer o marido). Odeiam feministas (não é à toa que Bolsonaro, junto com Charlie Sheen, é o maior ídolo dos machistas). Sua maior luta no momento é contra os gays, que eles chamam de gayzistas ou gaystapo. Obviamente são contra o casamento gay, contra a adoção de crianças por gays, contra qualquer tentativa de criminalizar a homofobia ou de ensinar as crianças a serem tolerantes com as diferenças. Pra eles, homossexualidade é doença e/ou desvio de caráter.
Como eu escolho minhas amizades, convivo pouco com gente assim, que segue tão à risca o modelito reaça. O mais próximo que conheço é um ex-militar, pai de amigos de infância meus, do tipo que traumatiza os filhos na base da porrada (ou palmadinha pedagógica, pros que gostam de eufemismos), e que, assim que o menino completa 15 anos, o leva pra um prostíbulo pra perder a virgindade. Putz, tá cheio de reaça assim na internet. Os que me conhecem me odeiam, porque discordamos em exatamente 100% de qualquer assunto possível e imaginável. Somos opostos extremos.
Desconhecer que essa gente existe, ou que se resume ao deputado, me parece um pouco de ingenuidade. Por isso também me soa estranho assombrar-se com as declarações que Bolsonaro deu na segunda no programa da Band, o CQC (que nunca vi; não suporto os tiques do Marcelo Tas, e uma câmera que copia seus tiques parece um pesadelo pra mim. Você pode ver o vídeo aqui). O deputado pelo PP (partido do Maluf, entre outras figurinhas carimbadas) respondeu a perguntas gravadas. Entre elas, o que ele faria se apanhasse o filho fumando unzinho (encheria de porrada, e, se tortura é agir com energia, então sim, ele torturaria), o que faria se o filho fosse gay (pra ele não há a menor chance disso acontecer, já que é um pai presente que deu aos fihos uma boa educação), se no exército há muita “viadagem” (ele respondeu que são poucos os gays, mas os que “aparecem” são tratados como se deve – o que, vindo dele, não deve ser boa coisa). A resposta mais polêmica ficou pro final, quando Preta Gil quis saber o que ele faria se o filho se apaixonasse por uma negra. Bolsonaro respondeu com aquela educação que lhe é peculiar (a mesma com que se orgulha de educar os filhos): “Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Não corro esse risco, meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu”.
Eu acho que o escrotossauro pensou que ainda estava falando sobre a hipótese do filho ser gay, porque faz parte da cartilha da direita associar gays com promiscuidade (e pedofilia). Não que Bolsonaro não seja racista. Geralmente, a pessoa acolhe um pacote completo de preconceitos, e quem discrimina uma minoria costuma discriminar todas. Mas racismo é crime inafiançável no Brasil, e não creio que ele responderia de forma tão abertamente racista se tivesse entendido a pergunta.
A filha de Gilberto Gil disse que vai processá-lo, e é possível que ele seja levado ao Conselho de Ética da Câmara para se explicar. Ele conta com essa desfaçatez chamada imunidade parlamentar. Sinceramente, não acho que vai acontecer alguma coisa com ele, que já está no sexto mandato. Esse tipo de polêmica faz com que ele ganhe votos entre seu eleitorado fiel, não que os perca. Ele atende a um nicho de mercado que pensa igualzinho a ele e tem ódio do “politicamente correto” (porque, pra eles, ser politicamente incorreto é poder dizer todos os preconceitos que sempre falaram, sem serem contestados. Esse nicho não é pequeno. Dê uma olhada nos comentários do Terra, se tiver estômago). Por isso acho até graça um repórter perguntar pro Bolso se sua pregação anti-gay não poderia lhe tirar votos. Santa ingenuidade, Batman! É essa postura que lhe dá votos! Ou alguém vota no Bolso pelos seus lindos olhos azuis?
Mas sabe, vivemos numa democracia. Por mais que eu gostaria que nojentinhos com esse pensamento tenebroso sumissem da face da Terra, eles têm o direito de existir, de se manifestar, e de sentirem-se representados no Congresso.
Quanto ao programa televisivo, ele não está interessado em discutir coisa alguma. Só em audiência. E conseguiu. Pro CQC, pro Ratinho (ainda existe?), pra praticamente qualquer transmissão na TV, é o Ibope que mede o sucesso ou fracasso de um programa. Pra eles não convém contestar preconceitos, mas usá-los como chamariz. Marcelo Tas e equipe devem estar felizes da vida com tamanha repercussão.
Não adianta querer censurar Bolsonaro ou culpar o sistema político brasileiro (como se nos outros países não existissem políticos reaças!). O que se deve fazer é combater esse tipo de pensamento. É bom que tanta gente esteja indignada com as declarações do deputado. Que essas pessoas entendam que ele está longe de ser o único. Talvez, quando esse pensamento se tornar socialmente inaceitável, políticos como Bolsonaro deixem de ser eleitos. Mas pessoas que pensam desse jeito reaça sempre vão existir, em todo lugar. O que espero é que elas se tornem tão pouquinhas que não consigam ter força nem pra eleger o síndico do prédio onde moram sós.

terça-feira, 29 de março de 2011

NOTINHAS DE QUEM NÃO VIU BBB E TORCE PELA MARIA

Gente, não vi nem um só dia (aliás, nem um só minuto) de BBB 11. O anterior eu acompanhei quase inteiro, por causa do Marcelo Dourado. Continuo achando o cara um ogro e agora um ogro extremamente burro, depois de saber que ele já gastou todo o dinheiro que ganhou e que está pensando em dar palestras de auto-ajuda (imagino que o tema será como fazer 1,5 milhão de reais render mais). Dourado representou, e representa ainda, tudo de ruim que uma emissora pode querer alçar para a categoria de péssima influência. Mas a Globo já nos enfiou o Collor goela abaixo, e isso teve consequências piores pro país.
Não vi um só minuto de BBB 11, mas fiquei sabendo de umas coisinhas. Aviso: poucas coisinhas. Qualquer um que viu dez minutos do programa sabe muito mais sobre ele do que eu. Mas eu leio, e no início, me incomodou chamarem a Paula de Jabulani. Vi forte gordofobia em todo o tratamento que deram pra Paula, mas pelo menos ela aguentou firme e foi longe. Não se pode dizer o mesmo da Ariadna, que saiu no primeiro paredão. O que li sobre a transexual foi de encabular mesmo. Altos preconceitos. Mas pelo menos um “Volta Ariadna” ou algo assim foi parar no Twitter. De toda forma, não foi mera coincidência que os três emparedados na primeira semana eram três negros. Me avisem quando algum negro ganhar o BBB, ok?
Depois li que um tal de Diogo, ou Gago, foi se tornando o ogro da vez. Numa briga com Paula, ele a chamou de “p*ta gorda” ou algo do gênero. E também foi idiota com outras participantes. Mas, ao contrário de Dourado, ele saiu com alta porcentagem dos votos.
Li que havia um outro babaca na casa, um tal de Maurício, ou Mau-mau, que ficou com uma moça bonita chamada Maria, foi embora, voltou (quando quem deveria ter voltado era Ariadna), disse que Maria não era pra casar, desdenhou a morena, fez aliança com outros machinhos. E, um a um, todos eles foram eliminados. Maria ficou. E, pelo que vi, pela campanha no Twitter de #mariacampea, ela pode bem ser a favorita pra ganhar hoje. Se vencer, será a terceira mulher em onze edições a conseguir essa façanha. As outras duas foram mulheres humildes e fora do padrão de beleza. Parece que mulher bonita não ganha BBB porque o público acha que ela já vai levar uma bela grana posando pra alguma revista masculina.
Os outros dois que concorrem com Maria não são má gente, pelo que me consta. Daniel é gay e meio chatinho (ele brigou com Maria a respeito de um karaokê?!). Wesley é hétero, mas parece que trata Maria muito bem e não é nada homofóbico. Mesmo assim, eu torço pra que vença Maria. Só por ela ser mulher, confesso. Sei muito pouco sobre ela. Sei que ela rastejou atrás do Mau-mau. Putz, rastejar por um cara legal já é péssimo, mas rastejar por um escrotossauro é pior ainda. Acho que na final ela se recuperou e foi perdoada pelas besteiras que fez (e imagino que todos os confinados devem ter feito besteiras).
Domingo tarde da noite, no alto da minha ignorância, fui torcer por Maria no Twitter e já vaticinei que espero que ela ganhe o último BBB. Último por quê, várias pessoas me perguntaram: você tá sabendo alguma coisa que a gente não sabe? Não, claro que não. Eu sou sempre a última a saber de tudo. Mas li que a audiência do BBB 11 foi a pior de todas as edições (que era de 50% no Ibope no primeiro BBB e agora está em 25%). Li uma multidão de gente reclamar que este era o pior BBB ever. Sei que vários Big Brothers ao redor do mundo estão sendo cancelados, por pura falta de público. Ouvi que a Globo teve problemas com o Ministério Público, que deixou claro que não iria aceitar um “vale tudo pelo Ibope” por parte da emissora. E portanto pensei (e foi um pouco de wishful thinking, admito) que pudesse ser o último BBB. Mas a @flaviadurante, que entende tudo de TV, me disse que, apesar da pior audiência, este BBB teve o maior faturamento de todos.
Como minha profecia que este seria o último BBB foi pelos ares, tentei argumentar que esta edição foi menos pior em matéria de preconceito. A Lucrécia (aquela que teve a audácia de ficar na minha frente – ahn, beeem na minha frente – no bolão do Oscar) não achou que este BBB foi melhor que o 10 em termos de menor preconceito. Ela disse que esta edição contou com dois homens machistas e um misógino, enquanto o preconceito do BBB Dourado foi contra gays. @Andreiafcruz lembrou que Diogo, além de xingar a Paula, também gostava de espalhar que tinha transado com mil mulheres e que as mulheres de hoje estavam muito p*tas pro seu gosto. Mas, pra ela, tá muito melhor que a edição passada, pois Diana que é bissexual e beijou todo mundo sobreviveu cinco paredões. Já a @claraaverbuck, que passou semanas escrevendo profissionalmente sobre o programa (e que foi a responsável pelo Troca de Família bater a audiência do BBB), respondeu: “olha, nadei em BBB. E te digo que jamais vi tanto misógino suscitando monstros”. Perguntei pra ela se a vitória da Maria não compensaria um pouco, e Clara respondeu: “Seria lindo demais. E eu acho que ela ganha! Jogo virou no final. Aguardemos”.
Tomara que Maria ganhe. Vi inúmeros comentários espalhados por aí de homens que a chamam de p*ta e dizem que ela significa a desvalorização da mulher brasileira. Imagino que quem diga isso seja órfão do Dourado, não?
Bom, fico aqui na torcida por Maria. E pra que este seja o último BBB.

UPDATE: Maria ganhou! Que maravilha! Fico feliz. Pelo pouco que vi no Twitter tá todo mundo comemorando. Tem hashtag "Chupa Mau-mau" e "Maria Campeã". Espero que os preconceituosos tenham ficado bem abalados. Ainda bem que não é todo ano que um ogro como o Dourado vence!

segunda-feira, 28 de março de 2011

FEMINISTAS MENTEM OU LIVRO MENTE SOBRE FEMINISMO?

Semana passada duas leitoras, a Camila e a Mariana, me pediram pra explicar um livro que acabou de ser lançado, Mulher sem Culpa, de uma tal de Carrie Lukas. Na realidade, a pergunta que as duas me fizeram foi “Que p#$/%!a é essa?!”. Porque, né, olha só a descrição do livro que está em todos os meios de divulgação:

O feminismo prometeu às mulheres que elas poderiam ter tudo: uma carreira maravilhosa, igualdade de condições com os homens, prazer e liberdade sexual sem compromisso. Disse a nós que os homens não eram assim tão necessários, e que a ideia de ser mãe e dona de casa era para as fracassadas profissionalmente. Porém, o que se observa é que a mulher está sobrecarregada, angustiada e confusa com seus desejos legítimos, que muitas vezes contrariam a "modernidade" da condição feminina atual. Neste livro (politicamente incorreto), a autora corrige as mentiras e os equívocos que as mulheres têm ouvido das alas feministas mais radicais, e finalmente dá um sopro de alívio para que a mulher possa fazer suas escolhas sem culpa, e ser feliz com elas na sociedade moderna.

Se alguém ler o troço, me avise, que não tenho vontade nenhuma. Esse discursinho eu conheço, sinceramente, desde que era adolescente. Até anotei num dos meus diários da época (devia ter 13 ou 14 anos) a reclamação de uma professora que eu gostava muito, mas que achava que eu tinha fixação (palavras dela) pelo feminismo. O que ela me disse não foi nada incomum: que as mulheres ganharam bastante com o feminismo, mas também perderam muito, pois ela, por exemplo, depois de trabalhar o dia inteiro, ainda tinha que chegar em casa e fazer a limpeza do lar (e imagino que ela tinha o privilégio de classe de ter empregada). E já naqueles tempos (anos 80) eu respondia: Mas a culpa dessa injustiça é de quem? Do feminismo ou do machismo que continua imperando na sociedade?
De lá pra cá, li e ouvi dezenas de vezes a mesma história (e inclusive já escrevi sobre isso). Geralmente é uma lamúria vinda das mulheres (de classe média, óbvio, pois mulher pobre sempre trabalhou). Elas dizem que bom mesmo era quando a gente não tinha tantas conquistas e podia ficar em casa cuidando dos filhos. E claro que tá cheio de homem que adora acreditar nisso. Sempre houve livros contra as feministas. Esse é um discurso reciclado que rende muito dinheiro. Uma americana conservadora, Phyllis Schlafly, fez toda uma carreira em cima de malhar o feminismo. Engraçado ver mulheres que pregam que o melhor pra humanidade é a mulherada cuidar da prole trabalhar tanto! Mas se é por uma boa causa, parece que pode.
Bom, gente, existe um livro enorme e muito interessante de ler chamado A Mística Feminina, da Betty Friedan. É um clássico feminista publicado em 63 (que pode ser lido grátis, em pdf, aqui). E o que Friedan fez foi conversar com centenas de mulheres americanas dos anos 50 e ver se, num dos períodos mais conservadores da história (em que o número de matrículas de mulheres nas escolas e faculdades caiu pela primeira vez em um século, porque era vendida a ideia que educação era só um hobby que a mulher fazia antes de arranjar marido e constituir família), perguntar se elas eram felizes. Sua conclusão, bastante alarmante, é que não, não eram, que faltava alguma coisa em suas vidas, que só aquele ambiente doméstico e restrito não era suficiente. Então, pra começar, esse conceito de que a mulher vivia num paraíso cai por água. Pra quem não acredita num amplo estudo como o da Friedan, e prefere se basear em testemunhos de gente que conhece, recomendo conversar com suas avós. Vejam a visão que elas têm do prazer e do sexo, por exemplo. É uma geração inteira que mal conheceu o orgasmo, e eu tenho um pouco de dificuldade em imaginar como alguém pode ser feliz sem algo tão importante como o prazer sexual.
Mas, voltando ao livro de Carrie Lukas, perceba como a descrição já coloca no mesmo balaio “mentiras” do feminismo como carreira maravilhosa, igualdade, prazer sexual, inutilidade do homem, e o fracasso da dona de casa. Bom, sei lá, eu sou mulher e feminista e nunca considerei os homens desnecessários. O que o feminismo diz é que não há apenas um modelo de felicidade (casar e ter filhos), e que mulheres (e homens) devem ter liberdade para escolherem o que querem. Nunca vi uma feminista dizer que ser dona de casa é pra quem fracassa profissionalmente (aliás, em boa parte dos casos, donas de casa nunca tiveram uma carreira fora de casa, então como é esse fracasso de quem nunca tentou?). O que o feminismo diz é que é importante ser independente, e isso inclui o lado financeiro. Quem é independente não precisa suportar abusos, ué. Alguma mentira nisso?
Tem outra: muitos estudos indicam que uma sociedade em que a mulher trabalha e ganha tão bem quanto o homem automaticamente diminui a miséria dessa mesma sociedade. É pá-pum, automático mesmo, porque quando se eleva a condição de vida de uma mulher, eleva-se, por tabela, também a de seus filhos. É muito prejudicial prum país ter metade de sua população ganhando menos. Sabe-se que as mulheres no mundo têm apenas 10% da renda dos homens e só 1% de toda a propriedade. Ou seja, é um fato: as pessoas mais pobres do mundo são mesmo mulheres (por isso causa estranheza que autores falem das conquistas femininas como se já tivessem acontecido). Se as mulheres melhorarem de vida, a pobreza diminui. Não há nenhum mistério nesse cálculo.
Mas há ainda uma outra explicação para que tantas mulheres de classe média tenham que trabalhar. Até uma época, o “chefe de família” ganhava bem o suficiente para sustentar toda a casa. Com o achatamento de salários dos anos 80 (anos de governos reaças como o de Ronald Reagan e Margaret Thatcher), com a destruição de sindicatos, com o fim de vários auxílios estatais, a situação mudou. Para uma família de classe média manter seu padrão de classe média, só com dois adultos trabalhando. Fica a pergunta: isso foi culpa do feminismo ou de governos conservadores extremamente anti-feministas?
É adorável como a descrição do livro fala em “desejos legítimos” da mulher. Tipo, querer ser independente e ter condições iguais aos homens não é legítimo!
Daí o livro é definido como politicamente incorreto. Não precisava nem dizer. Politicamente incorreto virou sinônimo de “Senta que vamos voltar no tempo e defender as práticas mais fascistóides possíveis”. Quando ler que um livro/filme/peça/show/humor/autor/whatever é politicamente incorreto, prepare-se para ouvir opiniões machistas, racistas e homofóbicas, seguidas por um revisionismo histórico que coloque o homem branco hétero como o verdadeiro discriminado através dos tempos. Não falha.
Que mulheres possam fazer suas escolhas sem culpa é exatamente o que defende o feminismo. O livro de Carrie parece defender que mulheres tenham a única escolha de voltar pra casa pra fazer o trabalho doméstico. Escolha que nunca foi tirada pelo feminismo. E aí, quem está mentindo?
Finalmente, o livro quer ser um sopro de alívio para as mulheres angustiadas e sobrecarregadas. Sei. O livro quer é faturar uns trocados à custa de muitas mulheres que procuram um culpado por continuarem sobrecarregadas, ou infelizes por não alcançarem um padrão de beleza inatingível. Quando uma mulher precisa encontrar tempo para se matar numa academia de ginástica pra cumprir sua cota de sacrifício por ser mulher, ela vai culpar quem? Todo um modelo que lhe diz diariamente que ela é feia por não se enquadrar num padrão de juventude e magreza, ou o feminismo? Quando uma mulher chega em casa à noite depois de trabalhar duro e tem de limpar a casa e cuidar dos filhos, ela vai culpar quem? Uma estrutura que permite que o marido desabe no sofá vendo joguinho de futebol de terceira divisão sem ter que mexer uma palha nos afazeres domésticos, ou o feminismo? Ah, muito mais fácil culpar essa abstração chamada “ala mais radical do movimento feminista”. Seja lá o que for isso.

domingo, 27 de março de 2011

ANATOMIA DE UM GATO

Esta crônica já tem alguns anos, mas nunca foi publicada na internet. Acho que hoje o maridão não faria a piadinha que fez sobre a gata e o gato. Estamos (eu e ele) mais feministas atualmente.

Li um livro fascinante sobre gatos chamado El Gato, que está em espanhol e eu entendi tudinho, e, através desta leitura e de intensa observação dos meus gatinhos (não, não é que eu esteja com falta do que fazer), descobri dados que quero compartilhar sobre esses felinos maravilhosos. Se você não gosta de gatos, eu respeito, e sugiro um psiquiatra e terapia intensiva. Mas leia isto mesmo assim, que talvez você passe a olhar os gatunos com outros olhos. Se você gosta de gatos, parabéns, você não está sozinho. Se, de repente, algum gato passar os bigodes por esta crônica e quiser discordar de alguma informação, favor entrar em contato comigo.
Gatos têm quarenta ossos a mais que as pessoas, quase todos na cauda e na coluna. E têm mais de 500 músculos esqueléticos. Nós, humanos, temos 650, mas compare o nosso tamanho. Além disso, gatos são carnívoros. Todo seu corpo é feito pra receber carne. Preciso avisar o Calvin, meu gatinho amarelo, que gosta de cenoura e batata cozida. Sobre as famosas almofadinhas que eles têm nas patas, travei o seguinte diálogo com o maridão (eu que comecei):
– Sabe por que gatos têm almofadinhas nas patas?
– Ahn... Pra não fazer barulho?
– Isso. Mas sabe pra não fazer barulho pra quê? Pra caçar!
– E você pensava que era pra quê?
– Sei lá, pra não perturbar a gente quando pulam na cama...
– Sei. Podia ser pro gato não acordar a gata quando chega tarde em casa.
Subir em árvores é fácil pros gatos, que usam as poderosas patas traseiras e as unhas. Já descer é que são elas. Basicamente, eles têm que se jogar de cabeça e endireitar o corpo enquanto caem. Quando um gato fica ilhado no alto de uma árvore, sua expressão parece dizer “por que diabos fiz isso?” Outro dia vi o gato do vizinho subir numa árvore num momento de insanidade temporária. Só percebeu a enrascada em que havia se metido ao voltar ao normal.
Ah, se gatos têm um sexto sentido? Não se sabe. O que sabemos é que os cinco que têm funcionam melhor que os nossos. Beeem melhor.

sábado, 26 de março de 2011

SOBREVIVENDO À DENGUE

Escrevi um post imenso que prometi pra duas leitoras do Twitter mas vou deixar pra publicá-lo na segunda, se não se incomodam. Enquanto isso, vou falar da minha saúde, ou falta de. Ontem à tarde, depois de todas as aulas e tal, fui ao médico. O exame sorológico comprovando se eu e o maridão estamos com dengue não deu outra: estamos mesmo. Ou melhor, estávamos. Agora estamos chegando na terceira semana e quase todos os sintomas já desapareceram. O médico nos deu alta, o que me pareceu um tanto estranho porque nem eu nem o maridão ficamos de licença, paramos de trabalhar ou qualquer coisa assim. Comparado aos relatos de dengue que derrubam (a pessoa fica de cama sem força pra nada), até que sobrevivemos bem. Mas faltou avisar o meu fígado, que ainda está doentinho. Sei disso porque muita coisa que como me faz passar mal. Na realidade, a única coisa que não me faz passar mal é sopinha de legumes. E existe um limite pra quanta sopa um ser humano pode aguentar. Mafalda, te homenageio! Anseio por um churrasco. Pra piorar, ontem, no hospital, o maridão desandou a falar de pavê, e eu fiquei morrendo de vontade de preparar um pavê super achocolatado. Vai ter que esperar, eu sei.
Mas só mesmo dependendo das reações do meu corpo pra saber como anda meu fígado, já que a Unimed se recusou a fazer (pela segunda vez) outro exame laboratorial de fígado antes de completar um mês. O médico pediu, o plano de saúde negou, e eu fiquei esperando uma hora no laboratório pra ver se alguém convencia a droga do plano que, sabe, eu tô com dengue, e o primeiro exame revelou problemas no fígado, então talvez um outro exame possa ser importante pra ver se meu fígado tá se recuperando? Finalmente, não aguentei mais e perguntei: “Quanto é esse exame se eu tiver que pagar por conta própria?”. Na realidade eram dois exames além do de sangue que o médico havia pedido, e a Unimed só topava fazer o de sangue. Sabe quanto custavam os outros dois? 26 reais! Era essa miséria que a porcaria do meu plano de saúde se recusou a pagar. Imagina se algum dia eu precisar de um transplante, uma cirurgia... A iniciativa privada é tão boa pra humanidade.
Aí fui fazer o exame de sangue. Foi o quinto desde que começou a suspeita da dengue. Só os primeiros dois não doeram. E nenhum pôde ser feito no meu braço direito porque, aparentemente, eu não tenho veias lá. Ontem não deu certo me furar no braço esquerdo (não que não tentaram), então a enfermeira decidiu tirar sangue da minha mão! Da minha mão, gente! (mas doeu menos que no braço). A enfermeira querida ainda disse que é bom eu nunca precisar de internação hospitalar, porque se eu depender das minhas veias, eu tô perdida. Eu sabia que existia uma boa explicação pra eu nunca me viciar em drogas injetáveis. (Não que eu não teria dificuldade pra me viciar em qualquer tipo de droga, eu que não sei fumar, não sei engolir comprimido, e passei boa parte da minha vida com nariz entupido. Agora que vivo em Fortaleza meu nariz funciona esplendidamente).
O maridão estava de bom humor e se pôs a comparar nossos exames de sangue. Era um tal de “E leucócitos, você tem algum? O quê?! Só 4200? Não sei como alguém pode viver com tão poucos leucócitos. Eu tenho 6 mil”. Aí ele via algum número que eu ganhava dele (como nas plaquetas: agora as minhas estão em 289 mil, contra 221 mil dele), e dizia que aquele troço não devia ser muito importante.
Enfim, estamos ficando bem. Mas esses dias eu li alguma coisa falando de carnaval e pensei: ué, o carnaval já passou? Aí lembrei que passamos o carnaval meio de cama (não no bom sentido).
Mas, como disse a Aiaiai, tenho que estar plenamente recuperada pra páscoa.