Reproduzo aqui um texto que a página Professores Contra o Escola sem Partido publicou sobre uma polêmica no Enade que eu nem estava sabendo:
Nessa última semana, parece que a página do Escola Sem Partido e outras associadas a ele encontraram um novo alvo para onde dirigir seu discurso paranoico. Depois da polêmica com a redação do ENEM, a bola da vez é uma questão do ENADE (avaliação para alunos do ensino superior) que tratava da importância do nome social para pessoas trans, pedindo que a resposta fosse dada respeitando-se os direitos humanos.
Assim como foi com o ENEM, os ataques do Escola sem Partido e cia se concentraram nesse último, batendo na tecla do senso comum de que exigir o respeito aos direitos humanos seria uma forma de impor a "ditadura do politicamente correto", doutrinando estudantes e censurando a liberdade de expressão dos estudantes. Outros, como o canal Mamaefalei, seguiram o caminho de desqualificar a questão pois ela não teria nada a ver com com uma avaliação de alunos de cursos superiores como engenharia, por exemplo.
Vamos discutir esse assunto mais a fundo aqui na página ainda nessa semana, então só vamos fazer algumas considerações a respeito:
1. O ENADE é composto de um total de 40 questões, sendo somente 10 dessas do componente de Formação Geral, que representa um peso de 25% no valor total da prova. Como as críticas não parecem se dirigir às 10 questões como um todo, mas somente a que trata do nome social, parece que o problema não é com o modelo da prova em si e sim com o assunto dessa questão. Como se assumir abertamente transfóbico não deve passar uma impressão muito boa, a saída parece ser a acusação de "doutrinação ideológica".
2. Uma prova de conhecimentos gerais implica na discussão de temáticas que estão presentes tanto na vida acadêmica quanto na vida social dos estudantes. O debate sobre o direito ao nome social pode até não ser um tema do campo da engenharia, mas cursos de engenharia a princípio devem estar abertos para todos os tipos de pessoas, inclusive pessoas trans. O objetivo do ENADE é construir "referenciais que permitam a definição de ações voltadas à melhoria da qualidade dos cursos de graduação por parte de professores, técnicos, dirigentes e autoridades educacionais." Isso envolve não só discussões sobre o currículo ou sobre a estrutura física dos cursos, mas também sobre relações de convívio e acessibilidade.
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3. Fazer essa questão ou o ENADE como um todo não é obrigatório. O comparecimento na prova do ENADE e o preenchimento do cartão de identificação é obrigatório, mas não a realização da prova. A prova não está avaliando estudantes individualmente, mas sim os cursos que estes frenquentam. Os resultados individuais no ENADE afetam os conceitos dos cursos, mas não dos alunos. É muito comum que estudantes de graduação boicotem o ENADE por um número variado de razões sem que para isso precisem sair prejudicados. Dessa forma, parece um tanto estranho classificar uma questão específica cuja resolução não é obrigatória como um exemplo de "doutrinação".
4. Sobre a questão do respeito aos direitos humanos e a liberdade de expressão, tratamos muito disso na época da polêmica do ENEM, mas vale sempre reforçar: PRECONCEITO NÃO É OPINIÃO! Não dá para usar o argumento da liberdade de expressão como argumento de autoridade. Direitos são complementares e interdependentes. Não se pode usar de um direito para violar o outro. O direito à liberdade de expressão não pode ser usado para violar a dignidade humana de grupos vulneráveis como pessoas trans. Só porque você pensa assim, não quer dizer que você deva agir assim. Vivemos em sociedade, certas regras precisam ser seguidas.
5. O nome social é um direito garantido pelo governo brasileiro e embasado juridicamente no campo dos direitos humanos.
6. Isso não é uma defesa ao ENADE. Entendemos que esse modelo de avaliação externa é insuficiente para promover políticas públicas que garantam um modelo democrático de universidade.