quinta-feira, 30 de dezembro de 1999

LISTA ESCOLHE OS 100 MELHORES FILMES BRITÂNICOS

Relação do British Film Institute comete gafes, subestima Hitchcock e faz justiça a clássicos como O Terceiro Homem (foto)

Recentemente, o British Film Institute elegeu os 100 melhores filmes britânicos do século. Surpreso? Sim, parece que existem mais de cem filmes ingleses, mas o instituto tratou de escolher apenas 100. Listas são sempre estranhas, como se sabe. Dependem do juízo muito particular do júri, e fica aquela sensação de injustiça. É como se o pessoal, após ter votado nos 100, dissesse, "Ih! Esqueci! Onde que a gente coloca este?!". Neste final de século e milênio, pode ir preparando seu coração e mente para um bocado de listas. As listagens dos melhores álbuns do milênio unanimemente põe Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, no topo - o que é justíssimo, mas é esquisito esquecer Beethoven, Mozart, esses caras aí que também revolucionaram a música. Pessoalmente, eu adoro quando fazem listas dos 100 melhores filmes dos últimos cem anos, já que não existia cinema antes disso. Deve haver até lista das melhores listas, ó céus.

Bem, voltando ao BFI (não confundir com FBI). Esta lista veio coroar o que todos desconfiavam: que a década dourada do cinema inglês foi mesmo a de 60. Vinte e cinco selecionados, ou um quarto, vem daquele período inesquecível. Porém, desconfia-se desta escolha acertada ao ver o que o BFI pôs como "segundo período brilhante": as décadas de 80 e 90. Tsc, tsc, tsc... Se a produção britânica dos últimos 20 anos fosse assim tão maravilhosa, não estaria apanhando tanto de Hollywood, né? A lista dá-se ao luxo de incluir Shakespeare Apaixonado e Elizabeth (foto) entre os top 100. São bons filmes, mas melhores da história?! Essas inclusões automaticamente depõe contra a lista. É o tal "diga-me com quem andas e eu te direi quem és".

Na primeiríssima posição aparece O Terceiro Homem (1949), de Carol Reed. Com roteiro do escritor Graham Greene, fotografia fantástica em preto e branco e música de corda imitada até hoje, este policial (difícil classificar) conta uma história mirabolante de espionagem e contrabando na Viena pós-guerra. As atuações são tão boas que Orson Welles, o rei dos reis, faz só uma ponta. O filme está cheio de graça e charme e de diálogos incríveis, como este: "Durante os Borgia e seu reino de terror, o mundo foi presenteado com a Renascença, Michelângelo e Da Vinci. E o que 500 anos de democracia e paz suíça criaram? O relógio-cuco". Se O Terceiro Homem não é um clássico indiscutível, então eu não sei o que é.

Em segundo lugar vem outro super clássico: Desencanto (1945, no original Brief Encounter, o que significa "breve encontro"), de David Lean, certamente o maior diretor inglês de todos os tempos. A lista faz justiça a Lean, incluindo seis de seus filmes (e três deles entre os dez maiores). Por exemplo, Lawrence da Arábia (62) chega em terceiro, e Grandes Esperanças (46) em quinto. Lean é chegado a épicos (fez também A Ponte do Rio Kwai e Doutor Jivago, entre outros) e é por isso que Desencanto é seu filme mais peculiar. Impossível imaginar um drama mais intimista.

Desencanto é pura melancolia. Fala de duas pessoas, ambas casadas, que se encontram por acaso em uma estação de trem e perdidamente se apaixonam entre si. Se você já supunha não existir sexo entre os ingleses, Desencanto será sua confirmação. O adultério carnal jamais ocorre (e precisa?). Quer dizer, o que dói mais ao traído: que seu cônjuge tenha uma noite ardente com um desconhecido ou que ele não consiga parar de pensar em outro alguém?

Desencanto vai além do casamento sem paixão, metendo-se na nossa existência vazia. A fala-chave é deferida pelo protagonista, em tom que nem chega a ser irônico: "que vidas excitantes levamos, não é?". É um drama 100% honesto e enxuto, que não perde tempo com frivolidades. Tente assistir sem derramar muitas lágrimas.

Só por curiosidade: Billy Wilder, o grande, ficou tão encantado com Desencanto que não pôde tirá-lo da mente. Transportou um dos personagens secundários da trama (o amigo que empresta a chave de seu apê ao "adúltero") para sua comédia Se meu Apartamento Falasse, desta vez na condição de protagonista. Isso que é criatividade.

Um dos (poucos) belos filmes dos anos 90, Trainspotting (1996; foto) aparece na lista como o mais bem posicionado entre as produções atuais, em 10º lugar. Assim como Desencanto, também trata de vazio existencial, mas usa as drogas pesadas e um ótimo senso de humor para passar sua mensagem, que, imagino, deve ser algo como "viva e deixe viver".

Agora, às injustiças. Hitchcock mal é visto na lista. Será que deixou de ser inglês quando foi filmar nos Estados Unidos? Aliás, este é um dos problemas do BFI. Como decidir qual filme é britânico e qual é americano? Vamos ao caso de Laranja Mecânica (1971), que amarga a rídicula 81ª posição na lista (eis aí um típico exemplo do "ih! Esqueci!"). O americano Kubrick passou quase metade da sua vida em Londres. Por que só Laranja Mecânica é inglês? E 2001, Uma Odisséia no Espaço, e Doutor Fantástico, e O Iluminado, todos ausentes da lista? Muito estranho.

Outra: Quatro Casamentos e um Funeral é simpático (está na 23ª posição), mas nem com extrema boa vontade pode ser considerado superior a Um Peixe Chamado Wanda (em 39º lugar; foto). E, sinceramente, só para ficar entre os recentes, Ou Tudo ou Nada e Traídos pelo Desejo (25ª e 26ª posições, respectivamente) serão melhores que Segredos e Mentiras (40º lugar)? Não creio.

E atenção para a melhor notícia deste artigo: todos os filmes citados acima estão disponíveis em vídeo, inclusive em Joinville. Veja-os, não só para aumentar sua cultura cinematográfica, mas também para entender porque Hollywood continua aceitando de braços abertos os talentos britânicos (se bem que só depois de eles se renderem ao sistema). Se pensou em Ridley Scott, Alan Parker, Stephen Frears, Neil Jordan (Adrian Lyne não conta), acertou. Longa vida aos ingleses!

Os 50 mais

1- O Terceiro Homem

2- Desencanto

3- Lawrence da Arábia (foto)

4- Os 39 Degraus

5- Grandes Esperanças (foto)

6- As Oito Vítimas

7- Kes

8- Inverno de Sangue em Veneza

9- Sapatinhos Vermelhos

10- Trainspotting (foto)

11- A Ponte do Rio Kwai

12- Se (foto)

13- Quinteto da Morte

14- Tudo Começou no Sábado

15- Rincão das Tormentas

16- Carter, o Vingador

17- O Mistério da Torre

18- Henrique 5º

19- Carruagens de Fogo

20- Neste Mundo e no Outro

21- The Long Good Friday

22- O Criado (foto)

23- Quatro Casamentos e um Funeral

24- Alegrias a Granel

25- Ou Tudo ou Nada

26- Traídos pelo Desejo (foto)

27- Doutor Jivago

28- A Vida de Brian

29- Os Desajustados

30- Gregory's Girl

31- Zulu

32- Almas em Leilão

33- Como Conquistar as Mulheres (foto)

34- Gandhi (foto)

35- A Dama Oculta

36- Assalto à Milanesa

37- Momento Inesquecível

38- Os Commitments - Loucos pela Fama

39- Um Peixe Chamado Wanda

40- Segredos e Mentiras (foto)

41- 007 Contra o Satânico Dr. No

42- As Loucuras do Rei George

43- O Homem que Não Vendeu sua Alma

44- Narciso Negro

45- Coronel Blimp

46- Oliver Twist (foto)

47- Papai é Nudista

48- Performance

49- Shakespeare Apaixonado

50- Minha Bela Lavanderia (foto)

Veja a lista completa aqui.

domingo, 26 de dezembro de 1999

CLÁSSICOS: APOCALYPSE NOW / Vinte anos depois do Apocalypse

O melhor dos inumeráveis filmes sobre a Guerra do Vietnã já nasceu como obra-prima do cinema

Quando Apocalypse Now foi finalmente apresentado ao mundo, depois de quatro anos intermináveis de filmagens, a comoção não poderia ter sido maior. Este filme de duas décadas atrás foi imediatamente saudado como obra-prima, ainda que imperfeita, posto que ocupa até hoje. Com justiça, é considerado um dos melhores trabalhos sobre a Guerra do Vietnã, se não o melhor. Em geral, quando se fala desta guerra horrorosa, a primeira e única até agora perdida pelos americanos, mencionam Apocalypse, O Franco-Atirador e Platoon. Vai saber porque omitem Nascido para Matar, de Kubrick...

Foi por uma série de acasos que Apocalypse veio a se tornar o que é. Para início de conversa, quem havia sido escalado para dirigi-lo era ninguém menos que George Lucas, que abandonou o projeto para primeiro se dedicar a Loucuras de Verão e, depois, a Guerra nas Estrelas. O roteiro original, escrito em 1969, quando a intervenção dos EUA não era ainda vista como desastrosa, descrevia soldadinhos a la John Wayne, e levava a assinatura de John Milius, direitista de carteirinha. Se quiser ter uma noção do fascismo de Milius, basta assistir a Amanhecer Violento, sobre adolescentes mascadores de chiclete que defendem sua cidade de uma invasão comunista. Pode-se imaginar que Apocalypse teria sido um tanto diferente com Lucas e Milius.

No fundo, sem Francis Coppola, o filme nunca teria sido realizado. Só que Coppola alternava crises de depressão e megalomania e estava a um passo da loucura. É impossível falar de Apocalypse sem abrir um parênteses para o ego de Coppola na época. Em 1975, quando assumiu as rédeas do filme, Coppola era tido como um deus, e não para menos. Acabava de ver duas de suas obras (O Poderoso Chefão II e A Conversação) nomeadas ao Oscar de melhor filme no mesmo ano - fato único na história do prêmio -, e nadava em dinheiro. Ou seja, estava no céu. Por isso que a queda foi tão brusca.

Coppola teve enormes dificuldades para escalar seu ator principal. Robert Redford, Jack Nicholson, Gene Hackman, Al Pacino, Steve McQueen - todos foram sondados e recusaram, já que não queriam passar seis meses na selva. Finalmente, contratou Harvey Keitel, e o despediu logo depois, por razões mal explicadas. Chamou então Martin Sheen para o papel de sua carreira. Sheen se empenhou tanto que, no meio das filmagens, teve um ataque cardíaco. Quase morreu aos 37 anos, o que significaria o caixão também para Apocalypse.

Ah, a história! Um capitão americano no Vietnã é enviado, numa missão secreta, até o Camboja, para liquidar um oficial (de seu próprio exército) que havia enlouquecido e inaugurado uma seita. No caminho, ele presencia uma série de atrocidades.

A cena mais famosa é a que mostra Robert Duvall, no comando de uma tropa de helicópteros que bombardeia uma escola vietnamita, incentivando seus homens a aproveitarem as ondas e surfarem ao som da "Cavalgada das Valquírias", de Richard Wagner. A verdade é que Duvall rouba o filme como o demente que diz "adoro o cheiro de napalm pela manhã", e que nem sequer pisca durante o fogo cruzado. Sua imagem virou a marca registrada de Apocalypse.

O filme foi rodado nas Filipinas, entre tufões que derrubavam cenários e rebeliões armadas, além de muitas drogas. O documentário da esposa de Coppola, Hearts of Darkness - O Apocalipse de um Cineasta, também disponível em vídeo, expõe claramente como os atores e a equipe viviam dopados.

O final de Apocalypse traz Marlon Brando, e é a parte imperfeita deste clássico, por ser confusa e pretensiosa demais. Brando não criou nenhum problema, apesar da obesidade e de não ter lido o livro de Joseph Conrad, Coração das Trevas, no qual o filme é inspirado.

Apocalypse, orçado em US$ 12 milhões, terminou gastando uns 40 mi. Muito desse dinheiro era de Coppola, que ganhou de brinde um colapso nervoso. Se valeu a pena? Digamos apenas que foi a última obra-prima de Coppola - e uma das últimas do cinema.

sábado, 20 de novembro de 1999

QUANDO O ASSUNTO É CHACINA, A GENTE VALE QUANTO GANHA

Diagrama da Veja: a cobertura da mídia não é igual para crimes envolvendo ricos e pobres

Chacina no cinema? Horror no shopping? Carnaval da mídia? Tudo isso e mais um pouco neste acontecimento lamentável do estudante de medicina que atirou a esmo durante uma sessão de cinema em São Paulo. Ainda vamos ler ou ouvir muitos detalhes sórdidos. Dos noticiários de TV a gente espera qualquer coisa, que todo Jornal Nacional tem um pouco de Cidade Alerta, mas de repente toda a mídia escrita dita "séria" assume seu lado Notícias Populares ou O Dia. Páginas e mais páginas narrando a mesma coisa, chafurdando-se em sangue. Os jornais nos oferecem cadernos especiais, deslocam vários reportéres, não economizam nas fotos coloridas, derramam-se em análises.
Na mesma semana, na mesma cidade, só que um pouco mais longe do ar-condicionado, duas crianças foram baleadas na cabeça em frente à uma padaria da periferia. Depois, mais mortos num casamento evangélico. A diferença na cobertura é gritante. Poucas linhas sobre os pobres; mandam um estagiário qualquer para a reportagem e não se fala mais nisso. Afinal, chacinas em subúrbios são corriqueiras, acontecem (literalmente) diariamente e faz tempo que os jornais pararam de gastar tinta publicando nome de vítima que ninguém vai ler.
Porém, no caso do atentado no shopping, entrevistam até amigo de vítima. Sinceramente, há algo mais inútil do que perguntar pra alguém "o que você achava do falecido"? Sendo amigo, então, é saliva à toa. O adjetivo mais modesto usado para descrever a fotógrafa assassinada foi "brilhante". Precisamos mesmo saber algo sobre ela para sentirmos pena e indignação? Quando criança pobre recebe tiro, mal entrevistam a mãe.
Outras tantas páginas estão sendo gastas para descrever o sentimento dos freqüentadores de shopping. Uma senhora diz que assim não dá, que, francamente, ela ficará preocupada em deixar as filhas adolescentes no cinema enquanto vai fazer compras, que estão querendo estragar suas poucas opções de lazer. Ao balbuciar essas sábias palavras, nem ela nem o jornalista têm a mínima idéia sobre o apartheid social em que vivemos.
A mídia dá todo esse destaque à matança do shopping não só porque público que folheia jornal é de classe média, mas também porque jornalista - quem cria e redige - também pertence a esse estrato. Esse negócio que repórter corre atrás da notícia, esteja ela onde for, é pura balela. Deve ser incômodo empoeirar a roupa de griffe em uma visita às ruas esburacadas da favela. Cobrir notícia em centro de compras está mais dentro de seu habitat natural.
Por um lado, é bastante normal que nos interessemos mais pelos nossos semelhantes. Se ocorre algo no nosso prédio, ficamos mais atentos do que se fosse em outra rua. Gostamos daquela sensação mórbida de que "poderia ter acontecido conosco". E também nos identificamos, pelo menos esteticamente, com as vítimas e com o assassino que, na pior das hipóteses, assiste aos mesmos filmes que a gente.
Mas não precisamos exagerar. Lembro, de memória, de outros desastres envolvendo a classe média e da cobertura exacerbada da imprensa: as viúvas da TAM, a explosão do shopping de Osasco (shopping é shopping, nem que seja em cidade-satélite), a falência da Encol, a queda do Palace 2 (foto)... Na mesma época em que caiu o edifício do Sérgio Naya (quem?) havia acabado de ocorrer um desabamento de barracos, com muitos mais mortos. Mas quem pediu donativos foram os sem-teto da classe média, aqueles que ganhavam mais em uma semana do que os favelados em um ano. É difícil esquecer o apelo de uma das vítimas do Palace: "precisamos urgentemente de ticket-combustível".
No fundo, falamos do atentado no shopping com uma pontinha de orgulho, como se tivéssemos enfim importado o modelo americano. E o que é bom para os EUA é bom para o Brasil, certo? A classe média continua fazendo o que sempre fez: olhando para o próprio umbigo. O que eu realmente queria saber é quem decretou que a vida de um economista vale mais do que a de um faxineiro. A mídia e quem mais?

sexta-feira, 5 de novembro de 1999

CRÍTICA: SEXTO SENTIDO / Enfim, um terror que dá medo no cinema

O menininho que não quer ver dead people

"O Sexto Sentido" faz todo o sentido. Este suspense psicológico, em cartaz em SC, pelo jeito vai continuar nas salas por um bom tempo. Até agora, não conheci uma só alma que não tenha gostado do filme, se assustado com ele e adorado o final, a grande vedete. Pode ler isso sem susto que não tenho a mínima intenção de ser uma estraga-prazeres e entregar o desfecho.

A história envolve dois personagens principais. Um, o psicólogo infantil que, após levar um tiro de um ex-paciente, tenta recomeçar sua vida. Seu casamento está em frangalhos, já que a mulher não fala com ele. E seu arsenal de pacientes fica reduzido a um menininho que lhe lembra muito aquele que atirou nele.

Este garoto de uns oito anos tem uma peculiaridade: ele vê pessoas mortas. Nós, os espectadores, não vemos o que ele vê até mais ou menos metade do filme, o que ajuda a criar um clima. Como todo mundo está cansado de saber, o que não enxergamos é bem mais aterrorizante do que o que nos é mostrado em technicolor. Tal qual o menino, não entendemos o que os fantasmas querem com ele. Serão perigosos, podem machucá-lo, ou simplesmente querem se comunicar com ele?

É então que o diretor e roteirista Shyamalan exibe toda a sua perspicácia. Antes dos plufts aparecerem, ele usa um recurso hitchcockiano. Quem assistiu a "Os Pássaros" notou que, anteriormente ao ataque das aves, o mestre põe na tela a sua cena mais gráfica, uma vítima sem os olhos, para que saibamos que os passarinhos não estão pra brincadeira. Em "O Sexto Sentido" é parecido. Shyamalan tranca um garoto em pânico com um fantasma. Ouvimos seus gritos e depois checamos as marcas. Quando os mortos realmente começam a pipocar, ficamos com medo porque vimos como eles podem ser perigosos.

Meu fantasma favorito é o do pré-adolescente que entra no quarto do nosso pequeno herói e diz, "Vem cá que vou te mostrar onde papai guarda o revólver", e, ao se virar, exibe um belo rombo na cabeça. Outros cadáveres não são tão bem sucedidos e parecem mais saídos de filmes trash. É o caso da fantasma do trânsito e dos três enforcados na escola. Pode ser porque as cenas estão iluminadas demais, e aparição combina mais, até rima, com escuridão.

Sobre o tão aclamado final, tenho uma confissão a fazer. Não pensem que estou me gabando não, mas eu adivinhei o fim. Isso é incrível - eu, que até hoje não entendi como termina "De Olhos Bem Fechados"; eu, para quem meus alunos teens, ó suprema humilhação, tiveram de explicar o desfecho horripilante de "A Bruxa de Blair". O que quero dizer é que se até eu, uma negação para prever conclusões cinematográficas, pude decifrar o remate de "O Sexto Sentido", então talvez ele não seja tão surpreendente assim. Mas é super bom, do tipo que faz com que a gente relembre o suspense e queira vê-lo mais uma vez, só pra conferir.

Bruce Willis está bem no que deve ser seu melhor papel desde "Pulp Fiction", mas quem rouba o filme é o ator-mirim Haley Joel Osment, que certamente será indicado ao Oscar de coadjuvante, e já entra como favorito. Tomara que este menino tenha futuro e não desapareça como os talentos precoces Culkin, Linda Blair, Tatum O'Neal. A lista é infinita e só quem se salva mesmo é Jodie Foster. Primeira coisa que Osment deve fazer para assegurar seu lugar em Hollywood? Mudar de nome. Três nomes dificilmente pegam.

Shyamalan homenageia todos os clássicos certos, como "O Bebê de Rosemary" e "Repulsa ao Sexo", ambos de Polanski; Hitchcock, "O Exorcista", e, obviamente, "O Iluminado". Ganha um doce o primeiro diretor de terror desta década que não diga que sua maior influência seja Kubrick.

Eu não acredito em fantasmas, almas penadas ou duendes, certo? Mas devo confessar que fiquei petrificada durante a exibição do filme. Olhava para a poltrona vazia do lado e por alguns microsegundos da minha fértil imaginação imaginava uns cadáveres sentados. Depois de assistir a "O Sexto Sentido", você também vai ver pessoas mortas por um tempo.

domingo, 19 de setembro de 1999

MONTY PYTHON, PAI DO TV PIRATA, FAZ 30 ANOS

Humor da gangue inglesa sobrevive e ainda delicia videomaníacos

Em setembro, comemoram-se os trinta anos de idade de um dos grupos mais engraçados, escrachados e irreverentes do cinema e da TV: o Monty Python. Infelizmente, esta gangue inglesa partiu para carreira solo na década de 80, e um de seus integrantes morreu, mas suas influências continuam vivíssimas. Sem Monty Python não haveria TV Pirata ou seu sucessor menos sutil, o Casseta e Planeta, só para ficar no nível nacional.

Dá pra conferir alguns dos filmes do Monty em vídeo. E Agora para Algo Completamente Diferente é uma série de esquetes hilariantes e ridículos, uma ótima introdução a este tipo de humor sofisticado e tipicamente britânico. Em Busca do Cálice Sagrado é um mergulho à Idade Média, com cenas antológicas como a do cavalheiro que perde seus braços e pernas em uma batalha mas ainda quer lutar. Quando seu adversário desiste da luta já ganha, o toco de homem que sobrou grita "covarde!" (é interessante que esta comédia só foi realizada porque o beatle e fã George Harrison doou um milhão de libras ao grupo). Monty Python Ao Vivo no Hollywood Bowl é outro exemplo fascinante. E é uma pena que um de seus filmes mais conhecidos, O Sentido da Vida - aquele que contém o gordo que come até estourar -, não esteja disponível em vídeo.

Porém, o melhor da gangue é mesmo A Vida de Brian, que está completando duas décadas de existência. A história do pobre-coitado que nasce na mesma noite que Jesus e passa o resto de seus dias sendo confundido com o Messias é nada menos que um clássico. Bom, evidentemente não é para todos os gostos, principalmente para o público muito religioso, já que esta comédia tem o dom de ofender cristãos e judeus por igual.

A Igreja Católica teimou com o Je Vous Salue, Marie, de Godard, e com A Última Tentação de Cristo, de Scorsese, e ultimamente veio ameaçando com boicotes ao Dogma. Mas não disse um pio sobre o muito mais ultrajante A Vida de Brian. Decidiu simplesmente ignorar a blasfêmia e fugir da polêmica - que é o que também deveria ter feito com os outros, certo?

Depois de uma abertura inovadora, com direção de arte de primeira, os três reis magos são vistos errando o caminho e indo parar na manjedoura de Brian. O diálogo que se segue é absolutamente nonsense. Mais adiante, o Brian já adulto tenta ouvir o Sermão da Montanha, mas há muita gente, o som é ruim e alguns "ouvintes" iniciam uma briga. Então ele vai para um apedrejamento, onde a participação de mulheres é proibida, o que obriga todas as ávidas a jogarem pedras a usarem barbas postiças e disfarçarem a voz fina.

No Coliseu, que tem sacrifícios na matinê para crianças, Brian vende guloseimas e junta-se a um grupo judeu revolucionário, que quer derrubar os romanos. Antes, precisa passar por um teste, pichando "Romanos vão embora". Como seu latim não é bom, um soldado romano o corrige e o pune: "Agora escreva isso de novo cem vezes".

O filme mostra o povo disposto a seguir os falsos profetas, e Brian, a contragosto, logo ganha seus fiéis seguidores. Qualquer coisa que ele faz é tida como milagre, qualquer sandália perdida vira objeto de culto.

No final, Brian - assim como uma multidão inteira - é crucificado. Um sorridente e afável soldado romano com uma lista nas mãos recebe as futuras vítimas com o comentário "Crucificação? Ótimo". Acontece então o hino do alto-astral e do otimismo, com todas as pessoas pregadas nas cruzes balançando a cabeça e cantando "Veja Sempre o Lado Bom da Vida" (esta música foi recentemente regravada por Art Garfunkel para Melhor é Impossível). A canção traz ainda esta pérola, que sintetiza o pensamento do Monty Python: "Se do pó viestes e ao pó voltarás, o que tens a perder?". Pois é, é de se pensar.

domingo, 12 de setembro de 1999

CRÍTICA: DE OLHOS BEM FECHADOS / Um filme que pisca

Último trabalho de Kubrick é inquietante, mas está longe de ser uma obra-prima

É difícil analisar De Olhos Bem Fechados, último filme de um gênio, sem se lembrar a toda hora de seu diretor, Stanley Kubrick. Isso, de não separar autor da obra, é frequente, ainda mais quando o realizador morre logo em seguida. Mas a pergunta que não quer calar, e que deve ser considerada, é: o que acharíamos do filme se ele não fosse de Kubrick?
De Olhos Bem Fechados é interessante, sem dúvida alguma, mas inconsistente. É frouxo, e faz que pensemos o tempo todo que Kubrick faleceu antes de realmente terminá-lo. Tem toda a pinta de obra inacabada e imperfeita. Agora, não deixem que digam que é chata, pois não é, em nenhum momento. É um filme estranho, não sujeito a classificações, adulto, inquietante, insatisfatório.
Começa bem, com um Tom Cruise meio que marido típico, desses que não olham mais para a mulher. Nicole Kidman, sua esposa, radiante em um vestido de festa, implora tanto por um elogio que afinal o recebe, sem que Tom, no entanto, tenha lhe dirigido o olhar. Não é isso, claro, que nos informa que o casamento não vai bem, e sim o comportamento de Nicole, que flerta com um cavalheiro, que discute com o marido, até revelar-lhe algo surpreendente: de que teria abandonado a família por um caso de uma só noite com alguém que só vira de relance.
O atordoado Tom sai por aí, talvez tentando entender a alma feminina. Acaba entrando em uma orgia ultra-secreta e as coisas se complicam. E, assim como fica incompleto, inútil até, resumir o filme, entender seus múltiplos temas é missão impossível. É sobre quê? Sobre sexo? Talvez seja, mas seria um filme de sexo sem sexo. Sobre desejo (que também inexiste), sobre a morte, sobre sonho versus realidade? Você decide.
Por falar em sexo, você deve ter ouvido falar das cenas da orgia, dos 65 segundos que foram “censurados” naquele país puritano que é os Estados Unidos. Para que De Olhos Bem Fechados não recebesse uma classificação que proibisse o drama para menores de 17 anos (matando-o financeiramente, no contexto atual de bilheteria), foram sobrepostas imagens de computador cobrindo os atos. Fique sabendo que a versão passada no resto do mundo, inclusive no Brasil, é a integral. Americano se choca à toa, não? Esses 65 segundos frustrantes mostram uma orgia ritualística, paradona, com poucos participantes e muitas máscaras. Os dois segundos de O Iluminado, quando o passado do hotel vem à tona, descobrindo dois homens fantasiados fazendo sexo oral, têm mais suspense e sabor.
Algumas cenas em De Olhos Bem Fechados estão desconexas, não parecem ter nada a ver com nada. Por exemplo, por que Tom liga para a filha do paciente que morreu, aquela que havia dado em cima dele? Tampouco fica claro por que ele procura a prostituta. Porém, nada é tão sem nexo como as bobagens que foram e são ditas a respeito. Os jornais continuam contando a história como “casal de médicos...”? Que casal de médicos, cara-pálida? Só o personagem do Tom é médico, o de Nicole é ex-curadora de arte, desempregada. Já li também que ambos seriam psicólogos, sexólogos... Correu o boato que Harvey Keitel foi despedido (e para seu lugar chamado Sydney Pollack) por ter sido pouco profissional e ter tido uma ereção com Nicole - sendo que não há uma única cena em que esses dois personagens tenham qualquer coisa ligada a sexo. E basta Tom ir a um necrotério para a internet inteira gritar, em coro: necrofilia no último do Kubrick! Tsc tsc tsc.
Entretanto, há algumas verdades a serem ditas: o roteiro é ruim, os diálogos sofríveis. Todos os personagens repetem as perguntas, na base do “O que você acha?” - “O que eu acho? Vejamos...” Se isso fosse cacoete de um só personagem, faria sentido, especialmente se fosse o do Tom, já que o cara é confuso e abobalhado (sacanagem chamarem-o de Forrest Gump), mas todos têm esse vício. E o pessoal fala devagar.
De Olhos Bem Fechados merece ser apreciado e deve ser visto. Mas não é, absolutamente, uma obra-prima. Por mais que gostaríamos que fosse, por tudo que Kubrick representa para o cinema.