Numa festa marcada pelo #OscarsSoWhite (pelo segundo ano consecutivo), contamos com o comediante Chris Rock, que já chegou dizendo: "Se eles indicassem os apresentadores, eu nem conseguiria este trabalho. Vocês todos estariam vendo Neil Patrick Harris agora" (aqui toda a transcrição do seu discurso, em inglês).
"Nós queremos oportunidade. Queremos que atores negros tenham as mesmas oportunidades que atores brancos. É isso", declarou Chris. E também: "Este ano, na montagem do 'in memoriam', serão apenas negros que foram mortos pela polícia quando estavam indo pro cinema".
Chris explicou que Hollywood é racista, mas é um outro tipo de racismo. E claro que é. É o racismo da invisibilidade, da falta de oportunidades, dos eternos papéis coadjuvantes para atores não brancos, da falta de representatividade. Mas não deixa de ser racismo.
É importante ressaltar que "pessoas não brancas" têm um outro sentido nos EUA e incluem também latinos, asiáticos, índios (chamados de americanos nativos), árabes... Lá apenas 13% da população é negra. Aqui no Brasil, é mais de 50%. O discurso de Chris, centrado apenas nos negros, ressuscitou a tag #NotYourMule (não é a sua mula), que discute a falta de apoio entre minorias.
Cuáron e Iñarritu |
Vi vários comentários de reaças usando o discurso de Chris para reforçar o que eles dizem sempre: que racismo não existe. Para eles, a prova definitiva é que os últimos quatro Oscars de direção foram para pessoas não brancas: dois para Iñarritu, um para Alfonso Cuarón (ambos mexicanos), um para Ang Lee.
Bigelow ganha o Oscar em 2010 |
Nenhuma mulher. Porém, para Chris, isso não é sexismo. No seu discurso de abertura, ele disse não entender por que temos categorias separadas para atores e atrizes. Deve ser porque, se houvesse uma categoria única, só homens seriam indicados? Assim como só brancos são premiados? Assim como, na categoria de direção, em que entram homens e mulheres, só quatro mulheres foram indicadas na história do Oscar, e só uma ganhou?
O momento mais desastrado do discurso do Chris, pra mim, foi quando ele fala de Jada Pinkett-Smith não comparecer porque seu marido não foi indicado: "Jada boicotar os Oscars é como eu boicotar a calcinha da Rihanna. Eu não fui convidado". Pô, isso de deslegitimar uma luta política por motivos pessoais (Jada só estaria boicotando a cerimônia porque "seu homem" não foi indicado) é no mínimo deselegante.
A piada de Chris que mais repercutiu nos EUA tem pouco sentido pra gente: ao explicar como Hollywood é "racista-sororidade", ele disse "Nós gostamos de você, Rhonda, mas você não é uma Kappa".
Chris afirmou que, nas outras 71 vezes que não houve indicados negros, "negros não protestaram. Por quê? Porque tínhamos coisas sérias pra protestar na época. Estávamos ocupados demais sendo estuprados e linchados para ligar pra quem ganhou melhor fotografia. Quando sua avó está pendurada numa árvore, é muito difícil ligar pro melhor curta de documentário estrangeiro".
Muita gente boa decidiu que Chris estava sendo irônico ao ridicularizar os pedidos de boicote. Eu não vejo assim. Ele foi irônico ao criticar Jada e Will Smith e Spike Lee? Ele foi irônico ao sugerir que ativistas só prestam atenção no Oscar porque não temos mais problemas sérios? (como se ao lutar por uma causa tivéssemos de nos desligar de todas as outras). Ele foi irônico ao descartar a importância de outras pautas?
"Nem tudo é racismo. Nem tudo é sexismo", disse Chris Rock, ao criticar o movimento #AskHerMore, que simplesmente pede que atrizes respondam a perguntas mais relevantes que sobre o vestido que estão usando. Chris demonstra um desconhecimento enorme sobre machismo ao dizer que só perguntam essas coisas pras mulheres porque as roupas dos homens são idênticas. Não, Chris. Perguntam sobre a aparência das atrizes porque vivemos num mundo em que todas as mulheres são avaliadas sobretudo por sua aparência (o que não acontece com os homens). E Chris, como pai de duas meninas, já deveria ter percebido isso.
Pra quem tem alguma dúvida sobre por que o discurso do Chris Rock não foi bacana, sugiro ver o que reaças e demais pessoas abertamente racistas acharam dele. Ficaram extasiadas. Pra mim isso é uma regra: se as piores pessoas do mundo estão achando uma coisa legal (ou ruim), e se você tem a mesma opinião que elas, reveja urgentemente a sua opinião.
Eu gostei da gravação em que Chris vai a um bairro negro (EUA continuam sendo um dos países mais segregados do planeta) e pergunta sobre os filmes indicados. Me identifiquei com uma mulher que nunca tinha ouvido falar em Ponte dos Espiões e duvidou se era um filme de verdade.
Também gostei da montagem dos filmes indicados com atores negros em "papéis brancos". Sem dúvida Joy seria uma história completamente diferente se tivesse uma protagonista negra, e A Garota Dinamarquesa nem existiria (trans e negra? Esqueça). O segmento de Perdido em Marte foi o mais divertido: os atores dizendo "Oi, astronauta negro" e perguntando "Será que poderíamos só deixá-lo lá?"
Mas e a piada de Chris sobre as três crianças? Alguém entendeu? Ele estava falando de trabalho infantil? Jogar uma piada de meros segundos e mandar o público checar soa como preguiça das grandes.
E a coroação do "nem tudo é racismo" veio ao convocar Morgan Freeman pra anunciar melhor filme. Freeman é um grande ator, sem dúvida (se bem que quase todos os papéis que interpreta são para fazer com que o protagonista branco cresça como pessoa), mas ele também é famoso por um vídeo que os reaças aplaudem de pé: aquele em que ele lamenta que exista um "mês da história negra" porque, pra ele, isso é desnecessário, e o jeito de acabar com o racismo seria parar de falar no assunto.
Um momento emblemático sobre a falta de diversidade de Hollywood ocorreu quando a figurinista britânica Jenny Beavan se dirigiu ao palco para receber sua estatueta por Mad Max. Jenny, sem maquiagem, sem pintar o cabelo, foi com roupa "normal". Este gif realmente é impressionante. Caras, ela acabou de ganhar o Oscar. Ela é colega de vocês, trabalha na mesma indústria. Custa aplaudi-la só um pouquinho? Certo, talvez eles já tivessem aplaudido antes.
Talvez Iñarritu, com os braços cruzados, estivesse bravo porque Mad Max ganhou mais uma (e sua principal concorrência na maior parte dos Oscars técnicos era com Regresso). Mas que pegou mal pacas, pegou. E não é só a falta de aplauso. São também os olhares de desaprovação, as risadinhas, a medição de cima pra baixo.
Em outra premiação, nos Baftas, Stephen Fry a havia chamado de "bag lady" (mendiga). Isso só porque ela não se veste de modo convencional. Esta foi a décima indicação de Jenny e sua segunda vitória. Ou seja, ela é hiper bem sucedida na sua área. Mas, pros colegas e pro público, é um escândalo ver numa noite de gala uma mulher idosa acima do peso usando calça e jaqueta de couro.
Mais tarde, o vice-presidente Joe Biden entrou no palco para pedir um compromisso de todo o país para intervir em situações em que o consentimento não pode ser dado (ele estava falando de estupros nas faculdades) e apresentar um número de Lady Gaga.
No momento mais emocionante da noite (um dos poucos que fizeram o público aplaudir de pé), a artista cantou (cheia de dor e raiva, diva absoluta) "Til it Happens to You", canção do documentário The Hunting Ground, que trata de cultura de estupro.
No fim, entraram dezenas de sobreviventes com dizeres escritos nos seus braços ("Não é sua culpa", etc). Ninguém entendeu como a canção mais linda e poderosa das cinco não ganhou. Ganhou a de 007 Spectre, em que o vencedor Sam Smith se autoproclamou (incorretamente) o primeiro cara abertamente gay a receber um Oscar.
Pouco depois Brie Larson levou seu merecido Oscar de melhor atriz pelo lindo O Quarto de Jack, em que ela interpreta uma sobrevivente de sequestro, abuso de todos os tipos e estupro. No discurso, Brie não falou nada de violência, mas pelo menos fez questão de abraçar todas as sobreviventes que participaram do número incrível de Lady Gaga.
Na vitória mais esperada (e festejada) e toda a cerimônia, Leonardo DiCaprio usou seu prestígio para alertar sobre a mudança climática: "A mudança de clima é real, está acontecendo agora mesmo, é a ameaça mais urgente a nossa espécie, e precisamos trabalhar juntos e parar de procrastinar. Precisamos apoiar líderes em todo o mundo que não representem os grandes poluidores e as grandes corporações, mas que representam toda a humanidade, para os povos indígenas do mundo, para as bilhões de pessoas sem privilégios que são as mais afetadas, para os filhos dos nossos filhos, e por essas pessoas cujas vozes foram apagadas pela política da cobiça". É sempre bom ver um superastro que não pensa apenas em si mesmo.
"Como assim, vocês apostaram no Regresso?" |
As maiores surpresas da noite, além da inexplicável derrota da canção de Diane Warren cantada por Gaga, foram Stallone perder o Oscar de coadjuvante (ele era o favorito) para Mark Rylance, a estatueta de efeitos visuais para Ex-Machina (essa categoria era das mais indefinidas, mas esperava-se Star Wars, Mad Max ou Regresso), e filme. O Regresso tinha um leve favoritismo, mas A Grande Aposta havia levado o prêmio do Sindicato dos Produtores. Venceu o que abordava o tema mais sério, digamos assim: Spotlight, sobre a investigação jornalística dos abusos sexuais cometidos por membros da igreja católica.
Mas foi um Oscar chatinho, morninho, e, na minha opinião, sem discursos (ou filmes) que entrarão para a história (talvez tirando Mad Max, que muda pra sempre o padrão do cinema de ação e, quiçá, a participação feminina dentro desse cinema).
No Brasil, se falou mais da Gloria Pires comentando o Oscar do que o Oscar em si, pelo pouco que pude acompanhar. Parece que não foi bonito.
Meu tradicional bolão do Oscar foi bem interessante, embora eu só tenha acertado 14 das 20 categorias. No bolão pago, com 14 participantes, o vencedor absoluto foi Rafael Moreira Fabro, que acertou 18 (ele só errou ator coadjuvante e efeitos visuais; acertou até melhor canção, o desgraçado!).
Até uma certa hora, Rafael esteve empatado ou seguido de perto por Camila, Claudemir e George, mas no final eles, que terminaram em segundo lugar, fizeram três pontos a menos. Parabéns, Rafael! Me mande sua conta para que eu possa depositar os R$ 280.
Lolinha Furiosa grita no meio do deserto |
No bolão grátis, que contou com 243 participantes, cinco pessoas ficaram empatadas em primeiro lugar, com 16 acertos cada: Eduardo Harger, Dandan, Isabel Wittmann, Livia Matos, e Andrei Ferreira. Parabéns a vocês também, pessoas! Espero que ano que vem vocês arrisquem a sorte no bolão pago, seus pão duros miseráveis!
Quem chegou para animar a festa |
Mas, em outras palavras, o Rafael ganhou de todo mundo. Que nem eu em 2015! Bons tempos... O maridão disse que ainda me ama, apesar de eu não ganhar o bolão há um ano.
Agradeço de coração a todxs que participaram dos bolões e ao Júlio César, que mais uma vez organizou tudo. Sem você, o bolão não aconteceria. Ainda me lembro quando eu preenchia as apostas de todo mundo à mão...
Espero que o Oscar 2017 tenha mais diversidade e seja mais memorável.