sexta-feira, 30 de julho de 2021

QUEM DISSE QUE LULA E O PT PREFEREM ENFRENTAR BOLSO NAS ELEIÇÕES DE 2022?

Hoje a pesquisa Atlas apontou que, se a eleição presidencial fosse agora (antes fosse! Suspiros...), Bolsonaro, com desaprovação de 62%, perderia para todos os candidatos da dita terceira via no segundo turno (Ciro, Dória, Mandetta etc), e inclusive de Haddad (PT). De Lula, então, nem se fala. 

As dúvidas são se teremos eleição ano que vem (ora por causa de um impeachment do Coisa Ruim, o que parece cada vez mais improvável agora que o Centrão tomou posse do governo, ora por algum golpe de Estado que o Capetão promova), se Bolso vai de fato concorrer (esta semana ele sugeriu pela segunda vez que talvez não, e é fato que ele não tem partido), se haverá um candidato da terceira via eleitoralmente viável, e se Lula conseguirá ganhar já no primeiro turno. 

As chances por enquanto são grandes. Claro que ainda falta mais de um ano pra eleição, e que as coisas podem mudar até lá, mas o retrato atual é que Lula tem quase a mesma porcentagem de votos que todos os candidatos (incluindo aí Bolso) somados. O jornalista Rogério Tomaz mostrou que, embora os veículos não mencionem isso, se forem considerados os votos válidos, Lula já tem mais de 50%

O sociólogo Marcos Coimbra, presidente do Instituto de pesquisa Vox Populi, disse hoje em sua coluna na Carta Capital que Lula não precisa de Bolsonaro para vencer as eleições do ano que vem. Coimbra começa assim: 

"Lula lidera as pesquisas por seus méritos, não pelos defeitos de Bolsonaro. A dianteira que tem não é função de o capitão ser aquilo que é, o traste que vemos, uma pessoa desprezível e um governante ridículo. No meio político, em especial na mídia, ainda há quem insista na lengalenga de que Lula torce por Bolsonaro, deseja que seja ele o adversário e faz corpo mole em relação ao impeachment. Como se Lula quisesse enfrentar Bolsonaro, pois só assim ganharia.

Nada disso é verdade. Nenhuma pesquisa corrobora o raciocínio. Mostram é que Lula não precisa de Bolsonaro para vencer. Nas pesquisas relevantes, o petista tem, hoje, algo em torno de 45% das intenções de voto, em qualquer cenário de primeiro turno. Nenhuma dá a ele menos que 55% no segundo, independentemente dos (muitos) nomes testados.  

O ex-presidente alcançou esse tamanho faz tempo e o mantém faça chuva ou faça sol. Preso em Curitiba, vítima da farsa judicial encenada por Moro e seus rapazes, proibido de falar por um ato de força militar, sofrendo o ataque ininterrupto da mídia corporativa e alvo da mais intensa campanha de desmoralização que as Organizações Globo jamais desfecharam contra alguém, Lula, no fim de agosto de 2018, tinha 39% das intenções de voto, segundo o Datafolha. Nessa pesquisa, feita entre 21 e 22 de agosto, a 40 dias da eleição, Bolsonaro estava 20 pontos atrás, com 19%, a metade de Lula. Nem se fabricasse duas facadas teria chance de ganhar". 

É importante que Coimbra afirme isso porque realmente é uma narrativa que temos ouvido bastante: que Lula (e o PT em geral) não está interessado no impeachment de Bolso porque prefere a polarização com Bolso para ganhar mais fácil. Bom, pra quem não está interessado no impeachment, até que o PT vem lutando bastante por ele. Nas últimas três manifestações contra Bolso, o que mais se viu foram bandeiras do PT (muito mais do que de outros partidos). Deputados e ativistas petistas se empenharam em divulgar os protestos nas redes sociais. 

Sem falar que, pelas pesquisas, Lula ganha fácil de todos os candidatos no segundo turno. Sem a participação de Bolso, aumentam as chances do petista vencer já no primeiro turno. A aposta de que o antipetismo falaria mais alto e todos se uniriam contra Lula não se ancora na realidade. Como diz Coimbra quase no final de seu texto:

"Há quem diga que Lula está com 45% porque não surgiu, 'ainda', uma opção de 'terceira via', coisa que só quem não conhece ou não consegue entender as pesquisas afirmaria. Em todas, são oferecidos os nomes dos postulantes a esse papel e, como pululam, os institutos chegam a incluir mais de uma dezena de hipóteses. Nenhum se destaca: na pesquisa recente do Ipec, Lula obtém sete vezes (49%) a intenção de voto do melhorzinho, que aparece em terceiro lugar, atrás do capitão (com 7%). Sozinho, o ex-presidente tem quatro vezes a soma de todos. 

Estamos indo para a eleição de 2022 com Lula no seu tamanho histórico e, portanto, mais uma vez, favorito. A direita e a centro-direita não conseguem se desvencilhar do capitão, um candidato horroroso, mal avaliado e antipatizado. Substituí-lo tende, porém, a ser inútil, como as pesquisas deixam claro. A “terceira via” só tem nomes eleitoralmente frágeis, de baixo enraizamento popular e pouco conhecidos. Contra qualquer um deles, o favoritismo de Lula permanece".

Pois é. O favoritismo de Lula é tão grande que a gente treme só de pensar o que a elite, a mídia tradicional e o deus mercado terão de fazer para impedi-lo que volte à presidência.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

COMO SÃO FEITOS OS BOTS QUE TE CONTROLAM

Um rapaz (que prefere não se identificar) da área de TI escreveu este ótimo e detalhado artigo explicando pra gente como funcionam os bots criados para alterar a opinião pública. 

Bot é um diminutivo da palavra robot, que significa robô. No contexto de programação e internet é usado para programas de computador que são capazes de simular ações de seres humanos.

O meu primeiro bot foi programado há 30 anos. Era um bot que simulava um jogador no videogame de computador que eu estava desenvolvendo. Um jogo de ação de combate aéreo, similar ao conhecido jogo de Atari 2600, o River Raid. Assim, em vez de ficar pressionando teclas ou usando o joystick para ver se o que acabei de programar estava funcionando adequadamente, apenas assistia a ação, tomava notas, percebia se tinha algo errado. O bot desviava de naves e disparos inimigos, disparava contra eles e tentava marcar pontos. Depois de um tempo de testes voltava a programar o jogo para corrigir os defeitos que identificava.

Também programei bots para testar programas de computador de outros tipos. Os bots preenchiam formulários com nomes, datas, escolhas e enviavam o formulário para ser processado. Preenchiam de forma aleatória, com valores diferentes, para facilitar a descoberta de erros. Se o bot identificasse a palavra erro no formulário automaticamente salvaria a tela, que poderia ser analisada depois.

Atualmente, uso um bot que copia dados de um sistema para o outro sem precisar ter acesso ao código de nenhum dos dois. São muito úteis. Transformo uma tarefa de 5 minutos em 1 minuto sem desgastar os meus tendões.

Um dos bots que programei para aprendizado era capaz de jogar alguns modos de um jogo que eu gostava de forma independente. O objetivo era ver as mensagens que se compram com dinheiro do game. Deixava o bot atuando durante a madrugada para conseguir moedas e diamantes. Quando acordava via as mensagens pagas com o que havia conseguido. As mensagens eram bem engraçadas. Era uma trapaça, mas não afetava ninguém. Era só uma forma de não gastar meu tempo com tarefas repetitivas.

Mostrei para um amigo esse último bot. Ele teve a ideia de criar um bot para fazer colheita de seus amigos num famoso jogo do saudoso Orkut. Tirou umas dúvidas comigo, mas ele mesmo desenvolveu o bot. Eu não achei lá muito legal, pois ele estava trapaceando os seus amigos. Deixava-os frustrados. Perguntavam como ele não dava sossego, se ele não dormia para ficar jogando, já que ele não os deixava acumularem nenhuma produção.

Nessas eleições no Brasil e em outras estrangeiras fomos influenciados pela ação desse tipo de bot. A democracia, que funciona com a apresentação de propostas, visões políticas e alianças, não foi apenas desenvolvida por seres humanos como você. Usou-se de muito dinheiro para acrescentar bots que tiveram o poder de influenciar a opinião pública.

Os bots usaram de informações das redes sociais para descobrir os maiores medos de nossa população. Tivemos campanhas com divulgação de notícias falsas alinhadas a esses medos. Se temos por exemplo quem tenha medo de ser assaltado sem ter como reagir, podemos receber uma fake news falando que armas serão distribuídas gratuitamente para a população.

Os medos que serão explorados podem ser alinhados com qualquer ideologia. Podem passar mensagens prometendo que casas e carros serão confiscados, que direitos trabalhistas serão eliminados, basta descobrir a quais mensagens a maior parte da população é suscetível e escolher o candidato que vai representar a solução para esses medos.

Se num post sobre um candidato você vê dezenas de comentários de apoio -- às vezes exaltando a visão dele, que pode em parte ser parecida com a sua -- você pode começar a se identificar cada vez mais com o candidato em questão. Se o processo se repete mais vezes, você pode sentir uma identificação praticamente absoluta, sentindo que o candidato fará no governo o que você desejaria que fosse feito. Infelizmente, uma boa parte desses comentários vieram de bots. Tente lembrar do tanto de vezes que vocês viram comentários apoiando um candidato, desde anos antes dessa eleição, sem às vezes sequer fazer sentido no contexto.

Quando somos manipulados em massa, passamos a ser nós mesmos os bots que vão até a urna apertar os botões em favor do candidato. Isso não dá para fazer com bots de internet, então nós mesmos fazemos. E achamos que estamos fazendo o certo, que estamos participando do processo democrático, que estamos escolhendo. Não há raciocínio, não há análise, não há tomada de decisão. Só estamos reagindo aos nossos medos. Escolheram por nós e vamos lá apenas para apertar os botões. E sequer tem a ver com inteligência. Mesmo as pessoas inteligentes não são imunes às mensagens falsas direcionadas para explorar os seus medos.

Considerem o quanto isso é, no mínimo, desonesto. Você está interagindo com programas de computador. Eles tem fotos, tem nomes de pessoas, tem amigos que o seguem (normalmente, mais bots). Em alguns casos há o cuidado de se criar uma história para os bots, posts como fotos de aniversário, por exemplo. Alguns são capazes de até conduzir um diálogo, respondendo e fazendo perguntas, concordando, te convencendo. Você pode interagir apenas com bots um dia inteiro e nem perceber.

Todas as redes sociais e formas de comunicação que usam meio eletrônico estão sujeitas aos bots. As mais utilizadas como Facebook, WhatsApp, Instagram e Twitter são particularmente mais vantajosas para se investir. Algumas redes são usadas também para coleta de informações. Uma simples reação de risada numa reportagem em que há denúncia de violência contra uma lésbica pode indicar o perfil do usuário. Juntam-se várias reações similares, comentários e interesses e se consegue bastante precisão.

Bots precisam de recursos computacionais, programadores de computadores como eu, psicólogos, marqueteiros e publicitários para que as mensagens programadas funcionem melhor e atinjam um grande público. Isso tudo custa muito dinheiro. E, se custa muito dinheiro, o investimento não será feito por pessoas comuns, ainda que essas possam ajudar a propagar as mensagens pessoalmente ou por outras formas de comunicação. Será feito por quem tem muito poder econômico. Quem tem muito poder econômico pode até desejar algumas mudanças que sejam boas para a população, mas o seu objetivo primário será sempre aumentar o seu próprio poder econômico. Qualquer lado numa eleição pode usar esse recurso, mas é certo que uma parte será mais beneficiada que a outra. Basta verificar quem será mais beneficiado economicamente.

Em campanhas anteriores tivemos, obviamente, outras formas de manipulação. Só que uma coisa é você receber uma notícia falsa ou tendenciosa vindo da TV, rádio ou jornais impressos, outra é você receber uma mensagem falsa de uma pessoa em quem você confia. E uma mensagem baseada nos seus maiores medos. Você acredita mais, automaticamente, pois a confiança que você tem na pessoa é transferida em parte à mensagem.

Temos que pensar nas perguntas a seguir, procurar informações e lutar para conseguirmos manter algo que poderemos chamar de democracia.

Conseguiremos provar a existência de bots que manipulem eleições?

Esses bots são ilegais?

Se não são, deveriam ser?

Deveriam obrigar que os bots fossem identificados como bots e, em se detectando uso indevido não identificado, penalizar os culpados?

Que empresários investiram para que esses bots fossem utilizados nas campanhas eleitorais?

O investimento foi declarado?

O que esperam de retorno para esses investimentos?

Estou me sentindo muito manipulado, o que posso fazer?

Como você se sente ao saber de tudo isso?

Como poderemos prevenir ou limitar os efeitos dessa manipulação no futuro?

quarta-feira, 28 de julho de 2021

A MASCULINIDADE É VIOLENTA: SUBVERTAM!

Faz uns dias a Subversiva publicou este importante texto no seu Instagram e mandou pra mim: 

Ser um agente masculino em nossa sociedade é suprimir tudo aquilo que é tido como fraqueza, e muitas vezes, essa fraqueza são elementos tidos e expostos como feminilidade.

Todo homem que desvie desse padrão de masculinidade deve ser punido. E toda mulher que também desvirtue do seu papel de gênero deve ser punida. E quando os homens fracassam nessa ótica do que eles deveriam ser e ter, atacam todos aqueles outros que não fazem parte dessa teatralidade de papéis.

Quando um homem fracassa no que ele entende como lugar no mundo por direito, ele se refugia em seus iguais. Ele busca a solidariedade em quem, assim como ele, fracassou.

Esse ressentimento em relação à sociedade e essa busca eterna pelo poder, o desejo de ter o lugar que “é seu por direito”, faz com que homens e meninos busquem na deep web um espaço de acolhimento para as suas frustrações.

A minha geração cresceu com a popularização da internet que tornou-se terreno fértil para que homens com inabilidade social e que fracassaram na ideia de potência de sua própria masculinidade proliferassem ódio a todos aqueles que entendem como culpados pelos problemas do seu mundo ideal.

Surge então a figura do INCEL, que muitas vezes é encarada não como um problema social, e sim como uma parcela mínima da população masculina que não devemos levar muito a sério, pois o potencial destrutivo é mínimo.

Em qualquer ida ao 4chan, ou a grupos de vocês sabem quem no telegram ou wpp, é possível observar o mesmo padrão: fetichismo em relação a armas, exaltação à masculinidade viril, ódio a tudo aquilo que é diferente, e culto à própria masculinidade. Por ser um sintoma social subjetivo, e não físico, material, não levamos tão a sério o que cientistas sociais, antropólogos, feministas, e tantos outros expõem há décadas: MASCULINIDADE MATA.

Quando a mídia reportou sobre o massacre em Suzano, a tragédia foi anunciada sem expor os contornos da situação, os atiradores -- um jovem e um homem adulto -- atiraram de forma letal contra mulheres, e de forma não letal contra homens. O massacre de Realengo havia sido nesse mesmo padrão.

Por que essas informações não foram massivamente veiculadas? Há muitos outros massacres com esse mesmo perfil.

No início deste ano o assassinato de Sol também não permeou os debates de ódio às mulheres e grupos de incels na internet, mesmo que o assassino tenha escrito que odiava mulheres tanto no seu livro, que foi enviado a Lola Aronovich, quando em vários fóruns da internet. Por que não nos debruçamos sobre a materialidade que compõe esse tipo de crime?

Lola Aronovich não conhecia o assassino do caso de Sol, mas ele a conhecia. Lola é autora de um blog feminista desde 2008, professora de Literatura em Língua Inglesa na Universidade Federal do Ceará, casada, e foi/é vítima de ódio massivo desses grupos de incels, que à época nomeou de MASCUS em seu blog.

Recomendo que pesquisem sobre o CASO LOLA ARONOVICH pois ela e sua família foram/são perseguidas por incels, que Olavo de Carvalho ajudou a divulgar. E apenas um adendo breve, pois, nesse caso, o hackerativismo do Anonymous foi fundamental para que a resolução fosse positiva.

Em abril de 2018 foi sancionada a lei nº 13.642/18, conhecida como lei Lola, que concerne à investigação de crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres.

Mas, como a maior parte das leis no Brasil, não há efetividade no cumprimento desta lei. Qualquer ida a vários sites podem comprovar tal questão, é uma estrutura complexa e precisamos modificá-la desde já.

Subvertam!

terça-feira, 27 de julho de 2021

MARIDÃO NÃO ME TROCARIA POR NINGUÉM

Lolinha carente: Diz que você não me trocaria por ninguém!

Silvinho, sem prestar atenção: Ninguém!

Eu: Diz que você não me trocaria nem por uma top model que viesse acompanhada de quatro gatinhos.

Ele: Não entendi a parte dos gatinhos. Ela viria com os nossos gatinhos ou com os dela?

Eu: Os dela. Assim, imagina uma top model que viesse com gatinhos bem educados, que não te acordassem de madrugada...

Ele: Nada a ver. Diz que a top model pode vir sem os gatinhos!

segunda-feira, 26 de julho de 2021

OLIMPÍADAS, OPORTUNIDADES DE NEGÓCIOS BASTANTE ESCUSOS

Apesar de ter visto a competição de skate que deu a medalha de prata aos fantásticos Kelvin Hoefler e Rayssa Leal e estar encantada com a segurança de Rebeca Andrade (e amar ginástica olímpica), confesso que esta Olimpíada não me cativa, pelo menos por enquanto.

Talvez tenha a ver com o horário, talvez seja pela situação catastrófica do Brasil (não consigo parar de pensar em política), talvez seja pela pandemia. Talvez seja solidariedade com os japoneses, que não acham que a Olimpíada deveria estar sendo realizada agora. Assim como os brasileiros foram contra a Copa América. Pandemia não combina com grandes eventos esportivos (ou melhor, grandes eventos, ponto. Ou eventos, simplesmente). 

Eu já fui uma que dizia que prefere anos pares aos ímpares, já que são anos de Olimpíadas e Copa do Mundo. Fui daquelas que vibrou quando o Brasil foi escolhido pra sediar a Copa do Mundo em 2014 e as Olímpiadas no Rio em 2016. Era um outro Brasil. Estávamos ainda em 2007, e a gente formava um país que decolava, não um que se parece mais com as sobras espatifadas no chão de um desastre aéreo, como agora. 

Tenho que admitir que nem sediar a Copa nem a Olimpíada foi bom pra gente. Muito, muito dinheiro jogado fora. Não sobrou nada pra contar a história (e engana-se quem pensa que só aqui foi assim. Essa é a regra. Os países que sediam sempre perdem grana).

Reproduzo aqui parte do artigo do jornalista Sérgio Augusto, publicado ontem no Aliás, suplemento do Estadão. Quem quiser ler o artigo inteiro, veja aqui

Desde os tempos de Platão, os Jogos Olímpicos servem aos interesses da política e do comércio 

Japão não dá sorte com a Olimpíada. Os Jogos de 1964 tiveram de ser empurrados para o outono por causa da canícula que escaldou a ilha naquele verão. Desta vez foi uma pandemia. Estamos assistindo com um ano de atraso à Tóquio 2020. Com os mesmos problemas que justificaram seus adiamentos anteriores. Não só a pandemia persiste, com variantes indomáveis, como o calor deste verão na terra do sol nascente promete ser o mais inclemente dos últimos tempos.

Vários casos de covid-19 foram registrados antes mesmo do início da competição e não será surpresa se superarem os doping. Nessa especialidade, aliás, o Brasil foi um dos primeiros destaques, com o levantador de peso Fernando Reis, pego há dias no exame antidoping. O atleta é um admirador do clã Bolsonaro, mas, infelizmente para ele, Augusto Aras não faz parte do COI (Comitê Olímpico Internacional).

A imensa maioria dos japoneses (83%) não queria a Olimpíada em casa. Sentem-se inseguros, receiam que a afluência em massa de atletas e torcedores do mundo inteiro descontrole e revitalize a circulação do vírus. Sem contar os problemas inerentes ao certame, com ou sem pandemia e maçarico no céu.

Jules Boykoff, que escreveu extensamente sobre a política da Olimpíada, reiterou faz pouco tempo, no Washington Post, que os Jogos são um desastre financeiro para as cidades que os hospedam. Todos os jogos olímpicos desde 1960 estouraram seus orçamentos, com perdas determinadas pelo influxo de turismo, publicidade e consumo.

Recente estudo revelou que, desde 2007, os Jogos custam em média US$ 12 bilhões, incluindo a de estádios e vilas olímpicas, que, invariável sina, ficam entregues às baratas depois do megaevento, melancólicas ruínas construção sem valor arqueológico. Estima-se que Tóquio 2020 irá custar quatro vezes mais que a estimativa original de US$ 7,5 bi.

Festim para as elites cosmopolitas, os Jogos sacrificam primeiro as comunidades mais carentes. Para abrir espaço para suas arenas, os de Atlanta, em 1996, derrubaram habitações que abrigavam 4 mil pessoas. Os de Los Angeles, em 1984, investiram uma fortuna em segurança militarizada cuja consequência mais visível foi o recrudescimento da violência contra pretos e pobres da periferia.

E nem tocamos nos escândalos de corrupção -- antes, durante e depois dos Jogos. É tanta grana rolando que aquelas cinco argolas do logo olímpico já podiam ter sido substituídas por cifrões entrelaçados.

Carlos Arthur Nuzman, nosso mais perene cartola olímpico, comprou votos para que o Rio sediasse os Jogos de 2016, perdeu o trono, mofou alguns dias no xadrez e voltou à sua banca advocatícia. O novo presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, o ex-judoca Paulo Wanderley Teixeira, já foi denunciado por fraudes numa licitação. Se maracutaias fossem reconhecidas como modalidade olímpica, nosso estoque de medalhas não caberia numa arca de bom tamanho. [...]

Como todo fenômeno social, o esporte tem bases materiais, econômicas e políticas bastante claras. Não é uma ideia, nem um valor, uma abstração qualquer, boa ou má, e sim uma que prática, para se viabilizar, requer administradores, regras, tempo, educação, dinheiro e publicidade -- cada vez mais dinheiro e publicidade, diga-se. [...]

Não se iludam: desde os tempos em que Aquiles media frames perto das muralhas de Troia que os jogos olímpicos têm servido aos interesses da política e do comércio. Nos idos de Píndaro e Platão, uma diligente malta de camelôs e relações-públicas de atletas dominava o sopé do monte Olimpo. Os comerciantes de azeite disputavam a tapa a preferência dos melhores participantes, pois era com azeite que os atletas daquele tempo lubrificavam seus corpos. Ontem, azeite; hoje, Coca-Cola, Asics, Nike, Toyota, Samsung e marcas que tais.