segunda-feira, 30 de setembro de 2013

RECONHEÇA SEUS PRIVILÉGIOS PARA PODER MUDAR O MUNDO

O fardo do homem hétero, sem necessidades especiais, rico e branco: 
Por que vcs estão reclamando? Não veem que eu também carrego fardo? 

Em junho, quando estive no II Congresso da ANEL (Assembleia Nacional dos Estudantes - Livre!), em Juiz de Fora, decidi falar sobre privilégios na minha mesa, que era sobre opressões. Fui bem recebida e, de lá pra cá, bastante gente tem me pedido para publicar essa listinha de privilégios aqui.
A pessoa mais recente que me pediu isso foi numa palestra na Unicamp, em Limeira, na semana passada. Essa moça me disse que algumas dessas frases são extremamente eficientes em fazer as pessoas pensarem. Então vamos ver.
Faz um tempão que falo de privilégios, um tema que deixa muita gente indignada. Afinal, ninguém gosta de assumir que tem privilégios. Preferimos acreditar que trabalhamos muito e que merecemos chegar onde chegamos. Que estamos aqui por mérito próprio, fruto unicamente do nosso esforço, sem que a forma como a sociedade é estruturada tivesse qualquer influência. 
Em linhas gerais, privilégio é andar por uma estrada sem grandes buracos, sem lama, bem transitável -- e nem sequer reparar nas boas condições da estrada. Isso não significa que a vida pra quem tem privilégios será um mar de rosas. Todos têm problemas e frustrações. Só que há muito menos obstáculos pra quem é homem cis (identificado como homem desde que nasceu) branco hétero de classe média e sem necessidades especiais. O mundo foi feito pra esses caras. Eles são o padrão.
Por outro lado, homens têm que deixar de fazer uma série de coisas que são consideradas pouco másculas, como abraçar e demonstrar afeto. É como se tivessem que pagar pelo privilégio masculino cooperando com uma versão idealizada da masculinidade. Uma versão que não traz benefícios pra ninguém.
Nunca me canso de repetir que eu sou muito privilegiada. Tirando o privilégio masculino, que não tenho, tenho todos os outros. Por isso, foi fácil escrever sobre privilégios masculinos, mas complicado tentar me colocar na pele de negrxs e homossexuais e ver os privilégios que eu tenho, e que são negados a eles. Esta semana ainda, publicarei uma lista de privilégios cisgêneros (pessoas que se reconhecem com o gênero designado pela sociedade, ou seja, pessoas não trans).
Eu luto para que meus privilégios deixem de ser privilégios e sejam direitos de todos. Por exemplo, frequentar uma universidade pública de boa qualidade deveria ser um direito de todos que quisessem trilhar esse caminho. Mas, no Brasil, algo tão simples se transforma em privilégio. Quem está numa universidade é desde já um privilegiado. 
Reconheça seus privilégios.

É não ser considerado “disponível” apenas por estar sozinho. 
É ser escutado porque pode ter algo interessante a dizer, não por ser atraente.
É não te disserem o tempo todo que, pra você ser um homem completo, você precisa ter filhos.
É poder sair à noite e se preocupar apenas em ser assaltado.
É poder cometer muito mais acidentes no trânsito e ainda assim ser visto como um bom motorista, porque mulher é que é barbeira. 
É poder ter uma vida sexual ativa, com várias parceiras, e ser festejado por isso, chamado de garanhão, playboy.
É ninguém achar que seu corpo está à venda.
É ser ensinado que ser ouvido é mais importante que ser visto. 
É poder beber até cair sem ser estuprado.
É ter toda uma linguagem que te adota como padrão. (Se eu falar “Olá, leitoras”, leitores não se sentirão contemplados).
É poder ver anúncios misóginos, só notar a beleza das modelos, e rir de quem protesta da misoginia dos anúncios (vai lavar louça!). 
É poder ver como "opressão" as meninas bonitas não se interessarem por mim.
É ter toda uma ciência feita por homens para legitimar o seu comportamento e o seu domínio como “natural” e “instintivo”. 
É achar que você tem direito a todos esses privilégios porque Deus -- que é Pai -- quis assim. Ou porque está na bíblia. Ou simplesmente porque sempre foi assim

É poder andar de mãos dadas com seu amor. E beijar em público. 
É não haver insultos relacionados a sua orientação sexual.
É não ter um monte de igreja querendo te curar e salvar enquanto te agride. 
É ninguém jurar que você vai direto pro inferno por gostar do "sexo oposto".
É não ter que decidir quando vai contar pros seus pais que vc é hétero.
É sua família não te botar pra fora de casa e nunca mais falar contigo por causa da sua sexualidade. 
É não ser espancado na rua por fascistas que suspeitam do seu jeito.
É, quando ligar a TV ou ir ao cinema, ver pessoas como vc, que te representam e te inspiram. 
É poder adotar crianças e a sociedade te congratular por isso, não te achar um pervertido. 
É não considerar que uma doença é punição divina pela sua vida sexual. 
É ninguém falar pra vc: “Prefiro ter um filho assassino a ter um filho heterossexual”. 

É nem perceber que a primeira coisa que as pessoas reparam em vc não é a sua cor.
É ter muito menos chance de ir pra cadeia.
É, quando se é criança e brincar de boneca, as bonecas serem da sua cor. 
É o padrão de beleza levar a sua cor. E seu cabelo nunca ser chamado de bombril ou de ruim.
É ter muito mais chance de ingressar numa faculdade por ser branco.
É, numa faculdade, as pessoas acharem que você está lá porque estudou muito e mereceu entrar, não porque uma lei me beneficiou.
É achar que as leis e toda a estrutura da sociedade não te beneficiam. 
É as pessoas não te descreverem apenas pela sua cor. 
É, na TV e no cinema, as pessoas da sua cor terem papéis diversos e completos, não fazerem papéis de serviçais, ser protagonistas. 
É ter pessoas que te avaliam geralmente serem da sua cor. 
É ninguém se negar a sentar do seu lado no ônibus (a menos que vc seja gordx).
É ninguém associar a sua cor ao seu cheiro. 
É quase todos os escritores que fazem parte da grade curricular da sua escola/faculdade serem da sua cor.
É todos os heróis da pátria serem da sua cor.
É todos os presidentes do seu país (o cargo mais alto a que alguém pode aspirar) terem sido da sua cor. 

Quando finalmente nos damos conta dos nossos privilégios, podemos começar a entender as opressões que pessoas sem esses privilégios têm. Sem saber de nossos privilégios, desqualificamos as opressões, e inventamos besteiras como “orgulho hétero”, ou “quero usar camiseta escrito 100% branco”.
Admitir os seus privilégios não é abrir mão deles. É apenas compreender melhor o mundo, e o lugar que você ocupa neste mundo. E, pra mudar o mundo, precisamos saber de onde partimos e para onde queremos ir. 
- Seu estilo de vida é uma abominação.
- Mas sou assim desde criança.
- As Escrituras dizem que isso é do demônio.
- Mas quem eu estou machucando sendo desse jeito?
- É do mal! Você deve renunciar a este comportamento!
- Mas e se for natural?
- Não há prova disso!
SER CANHOTO NA IDADE MÉDIA

domingo, 29 de setembro de 2013

TIETAGENS

Adorei a tietagem organizada a que fui submetida por um pequeno grupo de meninas no final do Congresso dos Estudantes da Unicamp. Aliás, adorei participar do Congresso. 
Amei as falas de todo mundo que dividiu a mesa comigo. Pessoas realmente especiais: Silvio, Esther, Luis Claudio. Aprendi muito. E gostei também de todas as falas do público, totalmente engajado. 
Destaco uma do Luiz Gustavo, 31 anos, negro e gay, um fofo, e prestes a terminar o doutorado, sobre quando decidiu fazer parte da militância: "No movimento gay tem muito racismo. No movimento negro tem muita homofobia e machismo. E agora?"
Ele felizmente encontrou grupos de luta sem preconceitos.
Ok, mas voltando à tietagem. Elas foram muito graciosas. Disseram que eu era mais que uma pessoa, eu era um... estado de espírito! Recebi email de uma das lindas meninas, a Dandara:

"Primeiramente gostaria de parabenizá-la pela ótima participação na mesa de opressões do 11º Congresso dos Estudantes da Unicamp. Estava tão empolgada com sua presença que não lembro se cheguei a parabenizá-la. De qualquer forma, parabéns! Juro que tenho educação.
Nós amamos conhecê-la, de verdade! Você, seu blog e muitas leitoras que sempre colaboram com textos ou até mesmo comentários foram/são muito importantes para construir a forma com que vemos a sociedade, a forma com que lidamos com o machismo a fim de desestabilizá-lo, a forma com que aceitamos melhor nossos corpos etc. A lista é enorme!
Lola, eu acho que você nem imagina o quanto você é importante na vida da maioria dos seus leitorxs. Você não entende! Muitas vezes encontramos em seu blog as palavras reconfortantes que não nos serão ditas no dia-a-dia, muitas vezes porque não conseguimos compartilhar nossas angústias. No seu blog tenho a certeza de que não estou sozinha, a certeza de que só a luta contra as opressões é que vai nos livrar de todas essas amarras. 
Minhas amigas que estavam comigo no Congresso (Érica e Maressa) também querem te fazer um carinho:
'Lola, cada vez que leio seu blog me sinto mais forte! Enquanto leio os artigos confesso que chego até a ensaiar a minha fala para quando receber cantadas, mas me lembro que o cara pode ser capaz de me agredir pela minha atitude. Mas não pagamos pra imaginar, né?! Então minha força volta, maior ainda! Obrigada por ser um exemplo pra nós, Obrigada por ser como nossa mãe, obrigada por ser nossa voz!' (Maressa) 
'Querida Lola, adoro essa boa sensação que tenho todas as vezes que leio o seu blog, é bom saber que não só para mim mas para muitas outras pessoas o seu blog é como um lugar de conforto, onde podemos confiar umas nas outras. É bom saber que existe esse lugar onde podemos gritar todos os dias 'A CULPA NÃO FOI MINHA', ou podemos todos os dias afirmar 'EU SOU LINDA'  ainda que todas as 'evidências' digam o contrário! Enfim, obrigada Lola por fazer que nos sintamos como pessoas, e por nos mostrar que não estamos sozinhos nessa luta diária!' (Érica)
Bom Lola, para não estender demais este e-mail, queria fazer um comentário bem sucinto. Quando você disse que nós mulheres temos que pensar em tudo: como vamos para a aula, com quem iremos voltar à noite e todas essas preocupações que realmente nos são pertinentes, parecia que estava usando a minha vida como exemplo (acho que muitas mulheres têm a mesma impressão lendo seus posts). 
Não importa o quão ótimo foi meu dia, eu sei que à noite, quando sair da aula, vou ter que enfrentar o medo de ficar em um ponto de ônibus sozinha! Eu tenho 20 anos e não consigo me lembrar desde quando o medo do estupro se tornou o maior medo da minha vida. É pavoroso ter que ficar contando os minutos no relógio, torcendo para o ônibus passar logo. É horrível pensar em 'como deveria ter saído de casa com roupas mais largas' (mesmo sabendo que não tem nada a ver com a roupa). É extremo ter que andar com objetos afiados como forma de proteção.
Sonho que não precisarei enfrentar esse medo pelo resto da minha vida. E que bonito que é sonhar! Por isso não poupo adjetivos para dizer mais uma vez que você é muito importante, seu blog é fundamental E nos torna cada vez mais fortes! Obrigada! Obrigada mesmo!"
Ah, decidi publicar este email porque sou diariamente atacada pelos quatro cantos, e eu quase nunca falo nada (e o pessoal que me xinga ainda me chama de barraqueira!). Aí fica a impressão que sou odiada. Mas creio que o carinho que recebo é muito, muito maior que o ódio. 
Sexta que vem, dia 4 de outubro, às 19 h, estarei em Belo Horizonte pra palestra de abertura do 1o Encontro Nacional do Mulheres em Luta. 
O encontro será realizado na Pousada do Rei Sarzedo, mas a abertura será bem mais central: no Sintell, na R. Senador Lúcio Bittencourt, 140. Recomendo muito que vc vá! Aqui tem tudo sobre o evento.
Posso pedir pra vc comprar o meu livrinho? Restam agora uns 70 exemplares...
Amanhã é aniversário do Silvinho. Ele faz 56 anos. Parabéns, lindo amado maridão!

sábado, 28 de setembro de 2013

GUEST POST: AS VEZES QUE MINHA CONFIANÇA FOI ROMPIDA

A A. me enviou este relato.

Leio seu blog desde o final de 2010. Às vezes concordo com seu ponto, às vezes discordo, mas sempre reflito -- e isso é o principal, acho. E pode ter certeza que foi por ter te descoberto que o feminismo e ativismo que andavam adormecidos em mim (você conta que quando criança já se declarava feminista; eu, aos cinco, quando minha mãe me contava histórias bíblicas, pedia para parar porque "eram machistas"). Mas hoje quero contribuir com mais um relato das histórias de horror que todas nós temos para contar.
O post da S. mexeu demais comigo em relação a isso. 
Quando era criança, tinha uns sete ou oito anos e brincava na rua, um adulto estava sentado próximo e se masturbando, com o pênis pra fora. Na época nem pus maldade, pensei num "sujeito estranho" olhando as brincadeiras de um bando de meninas de oito anos, mas uma amiguinha, mais velha, gritou, saiu correndo para a casa de uma vizinha (nos levando junto) e ligou para seu pai para tirar o sujeito dali. Como não aconteceu nada, de fato, fisicamente, ficou marcada só a estranheza.
Depois, lá pelos onze anos, havia aquela mania da puberdade dos meninos tentarem pegar nos peitos das meninas. O engraçadinho que tentou isso comigo no colégio foi moído na porrada -- e a diretora, ao chamar meus pais para conversar, disse que na verdade ele bem que estava merecendo isso mesmo e eu não teria punição nenhuma.
Até aí, tudo lidado sem traumas, mas já são abusos que muitas sofrem. Agora é que as coisas começam a ficar sérias...
Aos 15, fui estudar numa escola de ensino médio reconhecida como uma das melhores do Brasil, dessas que tem vestibulinho para ingresso e fama nacional. Chegando lá eu era a gordinha, otaku, tinha acabado de me mudar para a cidade e tinha notas muito acima da média -- ou seja, um ímã de bullying. E ele veio de todos os jeitos e todas as direções, Lola. Foi o ano mais difícil da minha vida -- e tive de enfrentar sozinha, pois não tinha amigos.
A escola (omissa de tudo no bullying -- que não era, lógico, uma exclusividade minha) resolveu organizar algumas atividades para comemorar a semana do meio ambiente, nas quais os alunos precisavam obrigatoriamente se inscrever. Uma delas era uma caminhada até uma clareira próxima. Todas as pessoas com quem tinha alguma conversa amigável não foram, sobrando para mim umas poucas pessoas da minha sala (que me evitavam, misturar-se com os losers pra quê) e eles, os bullies. Que não me davam um minuto de sossego. 
Entre as pessoas que iam, comecei a conversar com um menino de outra classe, que ainda não conhecia, e que também era um dos alvos de bullying -- no caso dele, porque os meninos acreditavam que ele era gay. Imagina duas vítimas de bullying juntas, rodeadas pelos bullies. Imagine o inferno de passar horas ouvindo, além dos desaforos de sempre, "ah, tão namorando!", "ah, que casal lindo!" sem nenhuma voz dissonante, ninguém para nos proteger.
E fomos tão perseguidos e hostilizados que os bullies conseguiram: para deleite deles (que tiraram até fotos), o sujeito se irritou de verdade e me beijou. Não o culpo por isso -- ele era tão vítima quanto eu. Só que eu nunca tinha sido beijada antes, foi meu primeiro beijo -- e ter minha intimidade jogada na cara do colégio todo não foi divertido.
E as próximas duas semanas foram bullying em cima de bullying em relação àquilo. Por sorte, vieram as férias, mas em agosto não tinham arranjado nenhum assunto novo para me deixar em paz. E tinha foto, e tinha isso, e tinha aquilo. Se não fosse uma greve, não sei se teria sobrevivido àquele ano. Sim, foi a fase da vida onde pensei mais a sério em suicídio. Porque era insuportável, realmente insuportável viver daquela forma. 
A coisa foi tão violenta que meus pais me colocaram em tratamento. E, no ano seguinte, fiquei com meu crush numa festinha, o que fez um bem danado à minha autoestima. E fui procurando entre os outros excluídos as amizades, respondendo os bullies à altura, ficando mais cínica e violenta do que gostaria. E com um medo irracional de me destacar no que quer que fosse, o que trouxe consequências nefastas para minha vida adulta.
A outra história aconteceu quando já era adulta e formada.
Fui fazer um concurso no RJ e uma amiga muito querida de anos me ofereceu para ficar na casa dela. Aceitei (eu a adoro, apesar de que nosso relacionamento foi estragado para sempre pelo que vem a seguir). Fui, fiz as provas e depois fomos com amigos para um bar (dentre eles, um ex-caso dela pelo qual ela ainda não tinha se desapaixonado de todo). E o sujeito começou a dar em cima de mim efusivamente, e ela não gostou nada, e eu cortava (muito tentada a ficar, porque ele era na época extremamente charmoso). E pedi ajuda para o marido dela, que me ajudasse a lidar com o assédio. Ok.
Fomos para casa, ela desmaiou de bêbada assim que entramos, eu fiquei meio agitada, perdida, sem saber o que fazer. O marido dela foi conversar comigo, vendo meu estado, falando sobre a vida... até que ele me beijou. 
Eu: O QUÊ? Saia do meu quarto, agora. -- e o afastei e ameacei gritar e fazer um escândalo.
E coloquei um móvel na frente da porta e fui rolar na cama sem sucesso pra tentar dormir, já que só iria embora no dia seguinte e não tinha desculpa plausível para sair da casa dela antes disso. E pensando no que a [escritora canadense] Margaret Atwood disse, sobre abuso: a pior parte não é o ato físico, é quando você vê que sua confiança foi quebrada, aquele golpe irreversível na sua confiança.
O dia seguinte passou, e o cara foi me levar na rodoviária. No caminho, ele vira e diz: "Você me beijou só para provocar a Fulana de Tal?" (Pô, oi, quem beijou quem aqui?!). E veio com toda aquela conversa de meu-casamento-está-péssimo para cima de mim. Aham. Como se não fosse a conversinha mais clichê do universo. E me coagiu a beijá-lo "de verdade" quando me deixou na rodoviária. Achei que seria pior para mim negar -- mas saí destruída. Minha primeira reação foi ligar para outra amiga e contar tudo, com detalhes.
No dia seguinte, no msn, a amiga com quem me hospedei veio tirar satisfações sobre eu ter aceitado o flerte do... ex-caso dela. E pensei que, a conhecendo, eu NUNCA poderia dizer UMA PALAVRA do que o marido dela fez comigo. Sabe aquela história de feminista até apertar meu calo? É ÓBVIO qual seria o lado no qual ela ficaria nessa situação.
E por gostar muito dela, nunca quis me afastar, apesar de ter mudado um pouco o relacionamento e ter ficado com nojo eterno do marido dela. Não consigo perdoar. Não consigo esquecer. Queria que a máscara dele caísse, que as pessoas vissem o que ele realmente é. Mas pelo que sinto POR ELA, resolvi que nunca falaria uma palavra disso. Nunca a exporia. O marido que abusa de uma hóspede na casa DELA. 
E essa é minha maior dor no caso, sabe -- saber que fui abusada, quem foi meu abusador, mas que tinha MUITO a perder se falasse qualquer coisa. A bem da verdade, recentemente pensei: e se ele só fez isso porque sabia que sou leal a ela e nunca diria nada a ninguém? Já que a sociedade e a cultura em peso estão ao lado dele?
E o cara ainda me perseguiu na internet por uns tempos, mesmo não tendo retorno. Parou só quando comecei a namorar. E penso: por respeito a mim ou ao meu namorado, meu "dono"? 
E é o que me faz solidária a quem não denuncia, a quem guarda para si: há um mundo de ses e porques que não podemos tangenciar. E como o abuso pode ter muitas formas -- dou graças aos céus de não ter sido estuprada, mas meu abuso não foi violador, de certa forma? Não foi a quebra de confiança de alguém que eu julgava que não me faria nenhum mal? E me ver como objeto, e desrespeitar outras pessoas no processo? 
Enfim, muito obrigada pelo blog, por dar voz a quem precisa de uma palavra amiga, por mostrar que não é só com a gente. E que a culpa não é nossa, nunca é nossa.