quinta-feira, 30 de abril de 2009

ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE “O COBRADOR”

Lázaro Ramos vai ao dentista em O Cobrador. Aqui eu falo do conto, mas ilustro com fotos do filme de 2007.

Esses dias deu vontade de reler, pela enésima vez, “O Cobrador”, do Rubem Fonseca. É um conto curtinho, de menos de vinte páginas, narrado em primeira pessoa pelo sujeito que se intitula cobrador. Não sei por que a vontade em reler o conto, se foi pela minha discussão sobre a pasta de dente ou das cenas de estupro (estou escrevendo mais sobre isso, apenas não finalizei, ainda). Aí notei que O Cobrador tá comemorando trinta anos. É de 1979. Eu nem lembro quando li o livro (que tem vários contos, todos excelentes, além do que leva o título) pela primeira vez. Mas sempre fui fascinada por Rubem Fonseca. Ele é o máximo. E sou do time que prefere seus contos a seus romances. Mas vou deixar uma análise mais detalhada do conto pra outra hora. Por enquanto só queria compartilhar algumas coisinhas.
Tipo, adoro a obsessão do personagem/protagonista por dentes. Não por acaso, o conto começa no dentista, onde o Cobrador aguarda, com dor, sua vez de ser atendido. Os trechos em itálico eu tirei do conto:
Ele [o dentista] olhou com um espelhinho e perguntou como é que eu tinha deixado os meus dentes ficarem naquele estado.
Só rindo. Esses caras são engraçados. (p. 165)
Quando o dentista tenta cobrar por ter arrancado seu dente, ele diz que não tem dinheiro. O dentista bloqueia sua saída, o Cobrador tira sua arma e destrói o consultório:
Eu não pago mais nada, cansei de pagar!, gritei para ele, agora eu só cobro!
Dei um tiro no joelho dele. Devia ter matado aquele filho da p***. (166)
Eu tinha certeza absoluta, das outras vezes que li o conto, que na lista de itens que constam da dívida da sociedade para com o Cobrador, estava inclusa pasta de dente. Mas não tá. Uma das relações: Estão me devendo comida, buc***, cobertor, sapato, casa, automóvel, relógio, dentes, estão me devendo (166). Dentes, não pasta de dente. Sobre duas moças que o protagonista observa na praia, ele conta: Elas riem, riem, dentantes (175). Esse dentantes é tudo pra mim. Porque o narrador já mostrou o quanto dentes são importantes pra ele. Não precisa falar mais nada. Com esse simples adjetivo inventado, ele passa a imagem que essas moças são lindas (pra ele), e que elas têm todos os dentes. Esse é um dos meus trechos preferidos do conto:
Fico na frente da televisão para aumentar o meu ódio. Quando minha cólera está diminuindo e eu perco a vontade de cobrar o que me devem eu sento na frente da televisão e em pouco tempo meu ódio volta. Quero muito pegar um camarada que faz anúncio de uísque. Ele está vestidinho, bonitinho, todo sanforizado, abraçado com uma loura reluzente, e joga pedrinhas de gelo e sorri com todos os dentes, os dentes dele são certinhos e são verdadeiros, e eu quero pegar ele com a navalha e cortar os dois lados da bochecha até as orelhas, e aqueles dentes branquinhos vão todos ficar de fora num sorriso de caveira vermelha. Agora está ali, sorrindo, e logo beija a boca da loura. Não perde por esperar. (168)
Lendo isso, hoje em dia, eu não consigo não lembrar do Coringa. Ainda bem que não pode mais comercial de bebidas alcóolicas fortes na TV. Nunca vi um comercial de uísque que não fosse elitista. Eu me identifico com a passagem. Não que eu sinta ódio de classe (acho que eu não tenho mais ódio contra nada e ninguém), mas entendo perfeitamente como a TV pode fomentar o ódio de classe. A TV está toda hora dizendo “Compre. Compre. Compre” - inclusive pras pessoas que não têm dinheiro pra comprar nada. E talvez o garoto pobre também ache que sua identidade só estará completa com o tênis da moda. Por que só o garoto rico pode sofrer lavagem cerebral pra acreditar nessas besteiras? A propaganda também atinge os pobres. Acho fácil ver TV e concluir “estão me devendo”.
Quer dizer, quando foi a última vez que você viu escrito “ódio de classe”, “luta de classes”, esses termos? Parece que, desde que o pensamento único decidiu que o comunismo está morto e enterrado, os conflitos de classe deixaram de existir. É como o pessoal decretar que direita e esquerda são conceitos batidos, sem utilidade nos dias atuais (curiosamente, quase todo mundo que diz isso é de direita). Por isso, talvez, “O Cobrador” pareça datado hoje. Ou não, não sei. Cidade de Deus mostrou um tiquinho que não. Mas ele também fala do passado.
A parte que eu mais odeio do conto é a do estupro, em que o protagonista finge ser um bombeiro (?) para entrar num apartamento, daí tranca a empregada e estupra a patroa. O que mais detesto é que, apesar d'ela resistir (“Não tiro”), ele diz que no final ela gosta: Como já não tinha medo de mim, ou porque tinha medo de mim, gozou primeiro do que eu (174). A cena é curta, e não há muita descrição. E, além do mais, a narração é só dele, e é uma narração um tanto econômica, que pula qualquer filosofia. Então só porque o narrador/protagonista acha que ela goza não significa que ela goza. Não sabemos nem a reação dela quando ele termina. No entanto, quantos leitores param pra pensar? A maior parte tende a ver como verdade absoluta a única narração que nos é apresentada.
Eu estava procurando algum artigo na internet que falasse das três décadas de “O Cobrador” (nadinha), e encontrei uma análise acadêmica do conto, escrita por uma aluna de um curso (paranaense) de especialização em Literatura Brasileira. E co-assinada por uma doutora. Já ouvi falar como funciona isso: o orientador(a) exige que seu aluno coloque seu nome na publicação, para render a ele, orientador, um número maior de publicações. Vergonhoso. Felizmente meus orientadores são profissionais éticos e nunca exigiram isso. Claro, pode haver casos em que o orientador realmente colabora e seja co-autor do artigo. Mas prefiro acreditar que uma doutora não redigiria um trecho assim, como está presente no terceiro parágrafo, em que a análise descreve o estupro em “O Cobrador” como parte do “envolvimento amoroso” do protagonista. Segundo essa análise, a vítima é uma moça da classe média-alta “que a princípio reluta em se entregar, mas acaba demonstrando que sentiu prazer com o estupro”. Primeiro, “envolvimento amoroso”? Como assim? Desde quando estupro tem a ver com amor? “Reluta em se entregar”?! É uma descrição interessante para uma moça que é surpreendida de manhã em seu apartamento por um sujeito que, apontando-lhe um revólver, a manda tirar a roupa, ela recusa, ele lhe dá uma coronhada, rasga sua roupa e a estupra. Quem diz que ela sentiu prazer? O narrador-estuprador. Acredite nele se quiser. Mais tarde essa análise diz que “os atos sexuais são meticulosamente descritos”. Uai, leram um conto diferente do que eu li.
Falo um pouquinho mais do “Cobrador” aqui.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

TORTURA NUNCA MAIS?

Esta é incrível. Um jovem de 24 anos prestou boletim de ocorrência contra uma boate badalada aqui de Joinville, a Moom (eu sou velhinha e não vou a boates faz muito tempo, não conheço). Parece que os seguranças da boate o levaram a um quarto escuro, onde lhe deram chutes e socos. Tá, até aí, não deve ser o primeiro nem o último caso. A gente ouve sempre falar nisso quando é contra pessoas pobres que foram pegas furtando alguma coisa de supermercados. Não estou defendendo quem rouba ou se comporta mal numa boate, mas quem tem que punir é a Justiça, não os seguranças do local. E a punição não deve ser com força física. O que chama a atenção é a declaração de um dos sócios da boate: “A Moom é uma boate, não é uma casa de tortura. Não há sala escura. O que tem é um corredor que dá acesso aos fundos da casa. É por lá que são retirados os clientes que provocam confusão. Pela porta da frente há risco de constrangimento e de atrapalhar os demais clientes”. Sou totalmente a favor que pessoas que bebem demais e começam a brigar dentro de uma boate sejam postas pra fora. Mas é estranho, pra dizer o mínimo, que tenham que passar por um corredor escuro nos fundos. Colocar alguém pra fora sempre vai provocar constrangimento, ué. E retirar alguém do meio de uma multidão é arriscado, seja pela porta da frente ou por trás. Já acho muito suspeito isso dos fundos. Agora, não sei se o artigo foi escrito às pressas ou o quê, mas veja o que o sócio diz: “Eu já tinha saído da boate quando aconteceu o episódio. Mas o que me contaram foi que o jovem estava muito agressivo e que foi preciso até dar choques para acalmá-lo”. Hã? Eu li direito? Choques?! Tipo choque elétrico? É o único choque que conheço. Um cliente é levado pra uma sala nos fundos onde recebe choques e a boate não é uma casa de tortura?!
Por favor, alguém me diga que o repórter só entendeu errado e trocou, sei lá, cheques por choques.

AS OBRAS DA NOSSA INFÂNCIA

Sugestão da minha mãe, vulga Mamacita, que tornou-se uma comentarista de mão cheia aqui no blog e depois sumiu: quais foram os livros e/ou filmes que marcaram a sua infância e/ou adolescência? Eu já falei sobre isso ao mencionar Forever, um livro da minha adolescência, e dois dos filmes que aterrorizaram minha infância. Como você pode ver, não se trata de nenhum clássico da literatura ou do cinema. Fico chocada até hoje que quando vi “o filme com uma mulher chamada Charlotte e o piano que tocava sozinho” eu não tinha a menor idéia de que a protagonista era a Bette Davis! Tudo bem que aos oito anos a Bette era tão desconhecida minha quanto o Shakespeare (hoje íntimo meu, o velho Shake), mas pouco depois, quando passei a ser fã número um dela, como não uni os dois pontinhos? Então, agora é com vocês. Minha mãe pediu, e eu quero saber de tudo - escrevam o nome de livros e filmes que foram importantes pra vocês quando vocês ainda eram um projeto de gente. E, se possível, expliquem por que essa obra foi tão marcante. E já aviso que vou morrer de inveja de quem nasceu anteontem e teve infância na década de 90 e cita como livro marcante... Harry Potter! Ou tudo pode piorar: Crepúsculo.

terça-feira, 28 de abril de 2009

TUDO SOBRE A PANDEMIA, OU AS ÚLTIMAS DO NATE

Gosto muito do meu coleguinha blogueiro Nate, o falso conservador americano. A última dele foi dizer que não entendia muito bem o que era a gripe suína e perguntar se pandemia não era uma... epidemia de pandas!
Outro dia ele sugeriu que o Partido Republicano, enfrentando um índice de aprovação baixíssimo, mudasse seu nome para Partido de Deus e das Armas. Ou: o Talibã Americano.
Mas uma das expressões dele que eu amei não vou conseguir traduzir. O governo do Bush não gosta de admitir que torturava prisioneiros e suspeitos, e o Nate afirma: como é necessário, não é tortura! Ele diz: “I'm a waterboard-is-half-full kind of guy”. Waterboarding é aquele método de tortura de quase afogar alguém. Nate faz uma referência ao velho estilo otimista de “o copo está meio cheio”. Tá, a gente mata a piada quando tenta explicá-la.
E sobre a Miss Califórnia que provavelmente perdeu sua chance de ser coroada Miss América por ter se declarado contra o casamento gay, Nate concorda com quem diz que o sagrado matrimônio só pode ser entre um homem e uma mulher. Como Adão e Eva, sabe. Na bíblia não tem nada sobre Adão e Ivo (ou, como se diz em inglês, Adam and Steve). De acordo com Nate, “Apesar da vergonha, de terem sido expulsos do Paraíso, e de um de seus filhos ter assassinado o outro, Adão e Eva tiveram o tipo de relacionamento que todos nós deveríamos copiar”.
Ah, eu adoro ironia e sarcasmo!

BONS COMERCIAIS DE CERVEJA, ACREDITE SE QUISER


Meu feriado da última terça seria dedicado a acabar de escrever a minha tese e começar dois outros artigos, mas não rendeu, infelizmente. A culpa foi de vocês, queridas leitoras(es). A Talita recomendou o comercial da cerveja Carlton Draught (acima). Vender cerveja sem ser machista já é incrível, a julgar pelos exemplares do gênero, e este anúncio é muito fofo, bem-feito e divertido, batendo na tecla do “É um comercial grande e caro / este comercial precisa vender muita cerveja”. Minha única reclamação é quanto à ausência de mulheres e negros. Só tem homem branco no vídeo. Mulheres e negros não bebem cerveja não? Ok, como a marca é australiana, realmente o há muitos negros por lá. Afinal, os homens brancos que lá se instalaram se encarregaram de matar quase todos os aborígenes (e eu nunca tinha parado pra pensar nisso até ver uma palestra na UFSC de um doutorando brasileiro que estudou na Austrália, mas aborígenes são, sim, considerados negros). Mas e mulheres, também não tem na Austrália? Tudo bem, eu até posso entender essa ausência feminina no comercial se me concentrar na repetição da palavra big e huge (grande, enorme) que faz uma associação (que pra mim parece óbvia) com uma obssessão masculina, o tamanho do pênis. Enfim, gosto do comercial: ele vende o produto (dá vontade de beber alguma coisa - no meu caso, água - depois de ver toda aquela gente se mexendo), faz graça da indústria publicitária, e de bônus ainda faz rir. Isso sem desrespeitar nenhuma minoria. Viu como é possível?

Também não vi nenhum problema com este outro comercial da mesma marca, uma paródia à clássica cena de Flashdance. Ele não inova muito (é fácil colocar um cara gordinho de collant imitando os movimentos da Jennifer Beals, ou da dublê da Jen, como ficou provado), mas arranca sorrisos de quem conhece o filme. E não é ofensivo, é? Pra mim só ficou faltando a assoadinha básica do jurado resfriado. É papo de quem foi adolescente nos anos 80, não se preocupe.

Aí, dando uma olhada, encontrei este bom comercial da Guinness. A marca irlandesa costuma produzir anúncios preconceituosos, mas este eu gostei. Ele cutuca a direita cristã americana (que crê no criacionismo) e é bacana, principalmente por causa do slogan no final, “Boas coisas surgem para aqueles que esperam” (tradução horrível, eu sei. É que “Good things come to those who wait” é comum na língua inglesa, e não sei se tem equivalente em português. A Patricia está certa: sugeriu "Quem espera sempre alcança"). Minha queixa refere-se ao fato de comerciais de cerveja raramente incluirem negros. E aí, quando é pra mostrar um que fala de evolução, colocam um negro? Não é um pouco racista? Bom, pelo menos mostra que todos os humanos, independentes da raça, vêm do mesmo vermezinho. Ou pelo menos os homens (desculpe, não resisti).

De todo modo, esses comerciais mais inteligentes e bem bolados são uma brisa de ar fresc
o perto dos clichezões do gênero. Uma outra leitora (não encontrei o comentário dela!) recomendou o comercial da cerveja Cintra como um suprassumo do machismo. Realmente, dá pra discordar? Uma loira de bíquini entra muda e sai calada de um bar à beira da praia, enquanto seu corpo é minuciosamente observado por todos os homens do local (pra que mais uma mulher iria servir, mesmo? É um bom exemplo do male gaze, o olhar masculino). Quando ela se agacha pra pegar uma cerveja (enquanto homem que é homem não se agacha nem pra pegar sabonete, certo?), o garçom conta pra galera qual é a tatuagem da loira: “Tô dentro”. Que parece ser mais um grito de guerra dos carinhas do que da moça, né? Tá dentro do quê, muié? Aquela comunidade do bar te exclui como pessoa e só te aceita como símbolo sexual. Aí a gente passa os olhos pelos comentários do YouTube (tá, sei que esses comentários deveriam ser evitados a todo custo) e vê esta pérola: “toda mulher brasileira tinha que ser igual a essa loira”. Desconfio que o leitor fascistóide não se referia apenas à forma física e à “claridade” da modelo, mas também a subserviência, ao silêncio, ao gosto que ela tem de cumprir sua única função na vida - ser apreciada sem moderação.
E então, os comerciais de cerveja que você anda vendo ultimamente estão mais pro lado criativo e não-discriminatório ou pro lado estúpido, velho e batido do “bunda de loira vende”? Ou esta pergunta em si já é uma ofensa a sua inteligência?

segunda-feira, 27 de abril de 2009

QUALQUER BARULHO ALTO INCOMODA

Aconteceu na Inglaterra este mês, e virou notícia na seção “bizarra” dos jornais: um casal foi condenado pela Justiça a pagar uns R$ 650 de multa (mais 970 de custos do processo) por incomodar os vizinhos com sexo considerado barulhento demais. Os vizinhos, auxiliados por uma instituição ambiental, gravaram os sons e os apresentaram no tribunal como prova. Imagino que a história não teria chamado tanto a atenção se não viesse embalada já como piada pronta: uma das vizinhas queixosas é parcialmente surda! E mesmo assim ela disse que não conseguia dormir direito há dois anos, desde que o casal se mudou pro prédio.
Acho até chato falar, parece que sou a maior velhinha puritana e tal, mas tenho de ser totalmente solidária com os vizinhos nesse caso. Qualquer barulho constante é uma grande dor de cabeça. O maior problema da minha vida durante uns três anos turbulentos foi a música dos vizinhos. Sem nenhuma noção de cidadania, eles colocavam caixas de som na rua, em frente a suas casas (eram duas casas), e faziam festas que duravam o dia inteiro. Isso todo final de semana. Às vezes começava às 8 da manhã e ia até às 3 da madrugada. Você não faz ideia do transtorno. Não dava pra fazer nada em casa. Ler era difícil. Assistir TV, impossível (a barulheira de fora encobria o som da TV). A gente fazia tudo que podia - pedia pra eles abaixarem, chamava a polícia (que às vezes vinha, e assim que ia embora, o som voltava ao que era antes), fazia abaixo-assinado, levava à justiça (eles nos enganaram e disseram que não iriam mais cometer aquelas barbaridades, e assim não levamos o processo adiante. Mas eles não obedeceram, e teríamos que abrir um outro processo do zero. Desistimos, porque estávamos indo pra Detroit). Contactamos um órgão ambiental diversas vezes, e ele nos informava que o barulho de uma casa não pode ultrapassar o de um liquidificador ligado (em qualquer horário do dia e da noite), e que não respeitar esse limite era passível de multa. Mas, pra nossa tristeza, os técnicos do tal órgão só podiam vir medir o barulho durante a semana, e meus vizinhos faziam o pagode nos finais de semana. Nossa vida era um inferno. Eu fantasiava uma morte dolorosa pros responsáveis. Naquela época passei também a imaginar qual super poder eu mais gostaria de ter. Ser a Mulher Borracha, que poderia esticar o braço e desligar o aparelho deles? Ou ser a Mulher Invisível, que poderia entrar já quebrando (e esfaqueando) tudo? Ou ter capacidade do tipo Scanners, que pudesse fazer que os aparelhos de som (e os donos dos aparelhos) explodissem só com a força da minha mente? Juro, era impressionante o tempo que eu gastava torcendo pela tortura e morte deles. Outros vizinhos não aguentaram a zona e se mudaram. Felizmente, alguma coisa aconteceu com os barulhentos durante a nossa viagem. Um deles passou a levar sua religião evangélica mais a sério (ele é crente faz tempo, mas achava que ter Jesus no coração, beber até cair, e me ameaçar de morte podiam andar juntos). Outro conheceu uma moça e vai casar. Os demais cúmplices, eu não sei. Só me interessa que, desde que voltamos pra cá, nunca mais houve uma zorra como aquela. Ainda bem, porque, sinceramente, nada afeta tanto a qualidade de vida como um problemão desses.
Claro que o que aconteceu na Inglaterra é diferente. Duvido que a intenção do casal barulhento fosse atrapalhar (ao contrário dos meus vizinhos, que sentiam prazer por deixar toda a rua nervosa. Eles estavam marcando território, como os cães machos fazem usando xixi). E é muito chato interferir na vida sexual de alguém. Cheira um pouco à inveja - aquele casal tá tendo mais prazer que a gente! E ouve só como eles transam todos os dias, e cada transa dura duas horas e meia! Mas, sinto muito, depois de tudo isso que passei com os arruaceiros daqui, eu me solidarizo com os vizinhos ingleses. Os gemidos deviam ser altos mesmo se até uma pessoa surda podia ouvi-los. E qualquer coisa que invada o nosso espaço regularmente atrapalha, seja sons de prazer, seja a nona sinfonia de Beethoven, seja a voz do próprio deus (Chico Buarque).
Moro numa casa há quase 16 anos, desde que nos mudamos de SP pra Joinville. Mas todo mundo que já viveu em apartamento sabe como as paredes são finas. Lá em Detroit, vivemos num apê, mas como o prédio era antigaço, as paredes eram grossas. Ainda assim, demos a má sorte de pegar um vizinho que ouvia música super alta. Nada comparado com Joinville, mas atrapalhava bem. A gente deixou passar umas semanas pra ver se era só uma má fase. Não era. Então escrevi um bilhete educado, pedindo encarecidamente que a pessoa abaixasse o som, e o deixei por baixo da porta dela (a gente nem a conhecia). Ela atendeu no ato e pronto, nunca mais ouviu música que ia além dos seus domínios. Eu acho que tem gente que nem sabe que tá incomodando.
No entanto, acredito que a maior parte saiba. O casal inglês sabia; eles haviam recebido 25 reclamações. A questão é se dá pra se controlar durante o sexo e gemer mais baixinho. Bom, você e sua cara-metade já transaram num lugar onde estavam hospedados? Ou na casa dos pais? Ou mesmo num hotel que não fosse motel? Acho que a gente tende a se controlar mais nessas situações. Sei que o pobre casal inglês estava na sua própria casa, mas a nossa liberdade termina onde começa a dos outros. E, pro pessoal do lado, escutar duas horas de sexo ao vivo devia ser tão incômodo quanto a Eguinha Pocotó que os meus vizinhos ouviam a todo volume.

domingo, 26 de abril de 2009

DILMA COM CÂNCER

É uma notícia horrível, e só acabei de saber agora, através do Blog da Dilma: a ministra da Casa Civil e provável candidata do PT à presidência, Dilma Rousseff, está com câncer linfático. Ao lado de médicos, ela convocou a imprensa ontem para falar do caso. A simples cena de um político rodeado por médicos já me traz um trauma: Tancredo Neves. Mas Dilma está bem, e foi inteligente em deixar clara sua doença. Como o câncer foi descoberto (através de um nódulo na axila) no seu primeiro estágio, as chances de recuperação são de 90%. Mas ela terá que fazer quimioterapia para garantir que o tumor não volte nos próximos anos. Ela já comunicou que não pretende alterar sua agenda frenética como “mãe do PAC”.
Por enquanto, portanto, nada muda no cenário eleitoral. Dilma continua sendo candidata. Terá a empatia das pessoas. É uma pessoa forte pacas. Mas, claro, estamos falando de câncer. É preocupante.
Se você quiser mandar uma mensagem de apoio a ela, este é o email:
casacivil@planalto.gov.br
Bom, Dilma sempre teve meu voto. Agora tem meus votos de melhoras rápidas.

SE FILMES PUDESSEM SER RESUMIDOS NUMA FRASE

Senhor dos Anéis: "Anão destrói propriedade roubada".

Minha querida leitora Daiany me recomendou um post americano com alguns resumos desconfortáveis de filmes. Gostaria de ter esse talento pra resumir tramas em uma só frase. Segue minha tradução das minhas frases favoritas, mas atenção: o humor não é politicamente correto de jeito maneira. Só que também ninguém tá faltando com a verdade nessas pérolas.

Blade Runner - Homem sem talento aparente acidentalmente persegue andróides, não consegue matar a maioria, transa com um deles.

Boogie Nights - Rapaz deformado entra na vida do crime.

O Demolidor (Demolition Man, aquele com o Stalla e o Wesley Snipes) - Num futuro em que a criminalidade foi totalmente erradicada, homem negro rouba e mata.

Donnie Darko - Adolescente que sofre de alucinações é esmagado por avião.

E o Vento Levou - Proprietária de escravos branca e rica gosta de ser estuprada, perde o bebê.

A Escolha de Sofia - Mãe ama um de seus filhos muito mais que o outro.

O Exterminador do Futuro - Gravidez indesejada gera complicações.

Feitiço do Tempo - Misantropo sinistro se aproveita de anomalia entre tempo e espaço para perseguir colega de trabalho.

A Garota Ideal (Lars and the Real Girl) - Homem retardado não sabe para quê serve um brinquedo sexual.

Jornada nas Estrelas - Comandante obcecado por sexo põe sua tripulação em perigo constante.

Procura-se Amy - A prova de que homossexualidade é uma brincadeira passageira e sinal de desvio sexual.

Rambo III - EUA providenciam armas, equipamento e treinamento aos terroristas por trás do 11 de Setembro.

Seven - Detetives incompetentes não conseguem impedir um só homicídio de um serial killer, killer gives cop head (amei essa, mas não dá pra traduzir o duplo sentido, dá? Significa “assassino dá cabeça a policial” e “assassino faz sexo oral em policial”).

E a melhor frase, porque é a mais sucinta:
300 - Gays matam negros.
Ri muito! Você teria alguma sugestão?

sábado, 25 de abril de 2009

7) VIAGEM AO SUL DO SUL: COMIDA E ARGENTINO

A alface que me perdoe (e odeio dizer a alface).

Eis a penúltima parte da minha saga ao sul do Sul, em 2003. Leia antes as partes 1, 2, 3, 4, 5, e 6. E vamulá, gente, comente! Nem que seja pra falar mal de argentino ou pra defender a honra brasileira. Porque eu falo maaaal de vocês aqui.

TURISMO GASTRONÔMICO

Gastronomicamente falando, os pontos altos da nossa viagem ao sul do Sul foram três: a seqüência de fondue em Gramado e Canela, o churrasco em São Lourenço do Sul e os sorvetes em Montevidéu. Permita-me discorrer sobre eles, salivante leitor, com exceção do fondue, já descrito em uma crônica. Você já se esqueceu do garçom em Canela que corrigiu meu glorioso francês, né? Então, em São Lourenço tem um restaurante excelente chamado Casa Nostra. Ou seria Cosa Nostra? Certo, talvez o nome não seja um bom indicador, mas o lugar é ótimo mesmo e serve comida farta por preços acessíveis. Se algum dia você for pra Lagoa dos Patos, aceite a dica da Lolinha Guia Turística.
Terceiro item: sorvetes uruguaios. Estou babando só de pensar neles. Olha, por mais que eu adore vocês brasileiros, tenho de admitir que seu gosto pra doces é de baixo nível. Sem querer ofender, vocês gostam das coisas doces demais. Eu e o resto do mundo temos um gosto mais refinado. Ao invés de brigadeiro, a gente prefere chocolate amargo. Não deixe que o nome te confunda. Só porque é amargo não quer dizer que seja amargo mesmo, só não é tão doce. Eu já vi vocês colocando açúcar no café, e, sinceramente, é ridículo. Vocês tomam açúcar com café, não café com açúcar. Pronto, agora falei. Torço pra não perder mais da metade dos meus oito fiéis leitores. Em Montevidéu eles vendem sorvete de chocolate amargo, e é uma delícia. Por que não fazem aqui?
Se eu menciono os pontos altos gastronômicos, também devo falar dos baixos. O mais fundo do poço foi um almoço num restaurante à beira da estrada em Gravataí. Eu comi a menor chuleta que já vi na vida enquanto o maridão olhava fixo pra um filé de frango duríssimo. Ele viu o meu desdém com o prato e comentou: "Eu sei que você não está gostando da comida quando começa a atacar a alface". É bom ter um homem que nos conhece tão bem. Mais tarde, numa pousada, ele insistiu que eu havia odiado o quarto. E disse: "Se aqui tivesse alface, você a comeria".

O ARGENTINO DE CAPÃO

Depois da viagem ao Uruguai, iniciamos o longo retorno pra Joinville. Primeiro demos aquela abastecidinha básica em São Lourenço do Sul, e logo tomamos o litoral. Paramos em Capão da Canoa, no norte do Rio Grande, não muito longe de Torres. Já tínhamos estado lá há dois anos e gostamos. As praias não são grande coisa, o mar é aquele de afogar Lolinhas, mas a cidade é bonita. Procuramos a mesma pousada onde havíamos ficado. É de um argentino que se lembrava da gente, o malucão. Ele é de meia idade, boa pinta e simpático, de um modo excêntrico. Ofendeu-se quando lhe perguntei se era de Buenos Aires. Como você vê, os portenhos não têm péssima fama apenas fora da Argentina. Bom, enquanto falava com a gente, ele disparava broncas com seu portunhol carregado: "O que esses tênis están fazendo secando en cima de mi jardin?". Os parcos funcionários não pareciam temê-lo nem um pouquinho.
Conversa vai, conversa vem, eu e o maridão revelamos que nossa próxima parada talvez fosse Imbituba. "Imbituba? Una porqueria!", ele rebateu imediatamente. Ahn, talvez Laguna? "Otra porqueria!". E começou a destilar veneno. Disse que Capão também era uma porcaria, mas olhou em volta, viu a bela pousada que tinha, e se arrependeu: "Bueno, Capón no és una porqueria total. Pero el viento és una porqueria!". Parece que o vento por lá é forte e constante. Mais pra frente, contamos que vivíamos em Joinville. Ainda fiz um adendo: "Não vai dizer que é otra porqueria, né?". E ele, muito sério: "No, Joinville no. Joinville és mui linda, de una forma diferente". Em seguida, ele nos recomendou o que chamou de um paraíso desconhecido: Ibiraquera. Noutra crônica eu falo de Ibiraquera, prometo.
O mais divertido de toda essa história foi que pedimos pro argentino que, na manhã seguinte, a pousada nos acordasse pontualmente às oito. Dito e feito. Na manhã seguinte, a figuraça bate à nossa porta e, com seu jeito mal-humorado e absolutamente cativante de ser, grita: "Ocho... Y media...".