Tá, você já notou que trata-se de um filme pra macho. Eu particularmente percebi isso quando o protagonista dá uma cotovelada nocauteadora num sujeito que o ameaça. Nós, mulheres, teríamos outras formas mais civilizadas de abordar o assunto. Mas, apesar de "Dia de Treinamento" não ser o programa adequado pra se levar a namorada, até que o filminho é decente. Até um certo ponto, bem entendido. Na meia hora final, a trama degringola legal e fica até constrangedora.
Mencionei a palavra protagonista no parágrafo acima, e o diacho é que o personagem central não é o policial malvado do Denzel Washington, que levou o Oscar de ator principal, e sim o policial bonzinho do Ethan Hawke, que foi indicado pra melhor ator coadjuvante. São essas tramóias de Hollywood que permitem que, sei lá, o Michael Douglas seja considerado o principal de "Wall Street", só pra citar um exemplo. É claro que o policial do Denzel é mais interessante, mais marcante, mais sexy que o do Ethan, mas sempre tive a impressão que o protagonista deveria ser quem aparece mais. Vivendo e aprendendo.
O filme inteiro praticamente se passa dentro de um carro com esses dois personagens. O Denzel mostra como ele é corrupto e o Ethan mostra como ele é íntegro e idealista. O Denzel usa montes de colares, rouba dinheiro de traficantes e enfia uma caneta goela abaixo de um deles pra que ele vomite pedras de crack. E o Ethan torce para mudar o sistema e abandona tudo que está fazendo pra salvar uma donzela em perigo. É o velho embate do bem contra o mal de novo. Vamos fazer uma aposta pra ver quem vence? Não espere novidades. Ethan chega bastante perto da maldade, mas se regenera a tempo de emergir como o tradicional herói americano. A maldade não é apenas Denzel, mas as ruas de Los Angeles, repletas de gangues e drogas. Lembra de "As Cores da Violência"? É igual. Há outros clichês também, como a questão racial (tira branco/tira negro), tudo embalado em músicas do gênero.
No entanto, "Dia de Treinamento" é envolvente. Tem um ritmo razoável, diálogos mordazes, e ótimas interpretações, e é sempre bom saber que Scott Glenn e Tom Berenger estão vivos. É estranho que tanta ação ocorra em um dia só, mas a gente faz vista grossa. O problema é o fim. Aí o cinemão aplica a pena de morte de praxe e o bem triunfa. Quer dizer, quando um sujeito semi-morto cai repentinamente em cima de um carro em movimento, você sabe que está em terreno conhecido. Pra piorar, a melodia que fecha a produção insiste que "isto não é a América". Se a gente tivesse alguma dúvida sobre a benevolência dos States, o final dissipa nossas ilusões. América, terra das oportunidades. A situação não anda boa, mas o policial herói vai consertá-la.