domingo, 30 de abril de 2017

NO QUE A FIGURINISTA E O ATOR TEREM TIDO UM CASO MUDA A REALIDADE DO ASSÉDIO?

No final de abril, a coluna de fofocas do jornal O Dia noticiou uma "reviravolta" no caso. Segundo o colunista Leo Dias, a figurinista Su Tonani não quis processar o ator José Mayer porque eles haviam tido um caso extraconjugal no passado. Su nega ter sido amante dele.
Primeiro, não entendi como o colunista chegou a esta conclusão. Não no sentido de ter havido um caso no passado entre os dois, mas que esta seria a razão por Su não querer processá-lo. Pode haver mil e um motivos para ela não seguir adiante com a denúncia. Ela pode achar que o pedido de desculpas dele encerra a questão. Pode achar que, ao ser afastado da próxima novela da Globo, Mayer já foi punido o suficiente. Su pode não querer se expor ainda mais. 
Vi reaças e mascus comemorando essa "reviravolta", usando-a para dizer que feministas são mentirosas, que toda acusação de assédio e estupro é falsa, essas asneiras que eles falam sempre
Ué? No que o caso deles mudaria alguma coisa? Porque eles já tinham transado no passado -- segundo o colunista, não segundo Su -- isso daria ao ator acesso incondicional e irrestrito à figurinista por tempo vitalício? Isso daria a ele o direito de tocar na sua genitália sem consentimento? Ou de chamá-la de vaca na frente de toda uma equipe? Mesmo se eles ainda fossem amantes quando aconteceu o assédio, mesmo se eles fossem casados, pô, isso daria direito a um marido agir dessa forma?
Recomendo a análise da minha amiga Valéria Fernandes sobre essa reviravolta. E lembro que não há dúvida que houve assédio. O próprio José Mayer reconheceu e pediu desculpas. Então realmente fico sem entender a comemoração reaça. 
Lembro também que o protesto das atrizes no início do mês foi fantástico. Elas não individualizaram a questão, não saíram necessariamente em defesa da figurinista (ou contra o galã). O recado delas foi claro: chega de assédio. Além de pregar a sororidade com o "mexeu com uma, mexeu com todas". 
Foi lindo, e esse tipo de atitude pode ter sido um divisor de águas contra o assédio sexual na classe artística. E como elas são famosas, essa mensagem influencia um monte de gente.
Que droga pesada é o machismo, que faz pessoas discordarem de uma mensagem tão importante!

UPDATE em 5/5: Em outro texto para o Agora é que São Elas (blog feminista hospedado na Folha), Su escreveu um bonito texto, "Me deixem deixar de ser vítima: me deixem voltar a ser eu". Nele, Su diz que não foi amante do ator, não fez acordo, não foi demitida. 
Diz ela: "A minha história é a história de uma mulher jovem que não aceitou o assédio de um homem com mais poder que ela. Neste caso, o ator rico e famoso. O Brasil não está acostumado a lidar com este tipo de história. Eu sei. Mas não barateiem a minha história. Até porque ela é de muitas de nós."
E ela explica por que decidiu não processar o ator: "Sinto que a minha história teve começo, meio e fim. Terminou na terça à noite, 04 de abril de 2017, com um pedido de desculpa da Rede Globo e uma carta de confissão do José Mayer, ambos lidos no Jornal Nacional. Senti que tive a justiça que desejava. Pouco creio que a punição criminal para o meu caso tenha alcance maior que já tivemos. Mais potência. Seja mais transformadora."
Como eu disse, há vários motivos para uma mulher não seguir adiante com a denúncia. Isso não significa que ela estava mentindo. Parem de duvidar da vítima. E parem de tentar encontrar justificativas para encaixar uma vítima numa narrativa aceitável. Assédio é algo muito comum e deve ser combatido.

sábado, 29 de abril de 2017

QUANTAS VEZES NICOLE KIDMAN TERÁ QUE PROVAR SEU TALENTO?

Semana passada ou retrasada li esse loooongo artigo de Anne Helen Petersen traduzido e publicado pela BuzzFeed sobre a (também longa) carreira de Nicole Kidman. 
O artigo é longo mas vale uma leitura atenta. Ele fala da dificuldade que é envelhecer em Hollywood, já que os papéis pra mulheres acima dos 40 começam a rarear. Fala de como os atores não precisam ter que ficar provando seu talento a cada filme, ao contrário das atrizes. E fala, claro, da carreira dessa incrível estrela. 
Muitas coisas eu nunca tinha me tocado. Por exemplo, tanta gente assume que seu casamento de mais de dez anos com Tom Cruise foi bom pra carreira de Nicole, mas foi exatamente o oposto. Leia o artigo e entenda.
Sem falar que o texto me fez ver alguns de seus trabalhos mais recentes, dos quais eu (desatenção minha, eu sei) nem havia ouvido falar. Vi Grace de Mônaco (não é ruim; os franceses vaiaram o filme em Cannes porque faz os franceses ficarem mal na fita). E vi a minissérie Big Little Lies. Amei! Prometo que vou escrever sobre ela. Se você ainda não viu, corra pra ver. São só sete episódios, que tratam de sororidade, violência doméstica, estupro, maternidade, e vários outros temas importantes. 
Reproduzo aqui o excelente artigo da BuzzFeed.

Os críticos possuem uma expressão para se referir a uma atriz, anteriormente desvalorizada ou desconhecida, quando ela faz uma atuação brilhante: ela é uma revelação.
A expressão é usada há décadas e já foi usada para descrever Julie Delpy ("La Passion Béatrice"), Gwyneth Paltrow ("Emma"), Scarlett Johansson ("A Outra"), Jennifer Lawrence ("Inverno da Alma"), Anna Kendrick ("Amor Sem Escalas"), Lake Bell ("(Des)Encontro Perfeito"), Natalie Portman ("Cisne Negro"), Lupita Nyung’o ("12 Anos de Escravidão") e Kristen Stewart ("Acima das Nuvens"). E esta palavra foi usada para descrever Nicole Kidman em 1995 com seu papel em "Um Sonho Sem Limites" e novamente em 1999, em um matéria na revista "Newsweek", para descrever sua performance em "The Blue Room" — uma peça que exigiu da atriz a interpretação de dez personagens diferentes.
No último caso foi o diretor da peça, David Hare, que se referiu a Kidman, então com 32 anos, como "uma revelação". "Dava para observar suas limitações técnicas no ensaio geral da pré-estreia", recordou. "Duas semanas depois, no momento da estreia, suas limitações haviam desaparecido. Em duas semanas ela foi à faculdade e aprendeu como ser uma atriz de palco. Você não vê essa riqueza de textura física na arte dramática britânica, essa quantidade incrível de pinceladas."
"Havia uma famosa afirmação sobre John Gielgud dizendo que ele atuava do pescoço para cima", prosseguiu Hare. "Nicole atua de cima para baixo."
“Revelação” possui uma conotação de conhecimento escondido, revelado repentinamente: Eu não sabia que Nicole Kidman valeria meu tempo, sugere a palavra, mas agora eu sei que vale. E embora isso faça sentido quando crianças e desconhecidos são aclamados como “revelações”, há um diferente tipo de insinuação quando um observador do sexo masculino — e eles quase sempre são homens — utiliza a palavra para descrever o desempenho de uma atriz do sexo feminino. Existe uma insinuação sutil de que, quando uma mulher — principalmente uma mulher bonita — chega às telas, isso se dá pelo fato de sua aparência ou de seu corpo — não devido ao seu talento. Quando uma atuação desmente isso, é considerada uma revelação.
Nicole Kidman vem servindo revelações há três décadas. Ela foi uma revelação aos 21 anos, quando enfrentou um Billy Zane fora de si em um iate no filme "Terror a Bordo", em 1989, novamente em 1995, com "Um Sonho Sem Limites", mais uma vez em "The Blue Room", mais outra em "Moulin Rouge", "As Horas" e "Dogville"... e, mais recentemente, interpretando Celeste na série "Big Little Lies", da HBO. Enquanto os atores masculinos colhem os louros do brilhantismo de uma única performance durante anos, as mulheres precisam se recandidatar à grandeza todos os anos, combatendo uma indústria amplamente impulsionada pelas fofocas sobre suas vidas pessoais e suas aparências.
Motivo pelo qual a franja de Nicole Kidman em "Big Little Lies" foi a melhor coisa que aconteceu em sua carreira na última década: ela faz com que seja impossível discutir sobre sua testa, forçando que a conversa se centre em seu talento. 
Mesmo assim, a ideia de que Kidman — que já foi indicada quatro vezes ao Oscar, onze vezes ao Globo de Ouro e nove ao SAG Awards — continua tentando provar sua legitimidade como atriz aponta para uma diferença mais enraizada (e previsível) no tratamento dos talentos de Hollywood. Entre homens e mulheres, é claro. Mas também de mulheres cuja fama é notada como uma extensão de sua proximidade com homens famosos — e sua capacidade de atração para eles — e aquelas que são “autenticamente” talentosas.
O que não é sugerir que Hollywood historicamente não tenha sido mais fácil para uma mulher branca e hétero como Nicole Kidman do que para muitas outras. Mas nenhuma mulher com tanto talento quanto Kidman deveria ser obrigada a provar continuamente que é uma força a ser levada à sério.
Nicole Kidman muitas vezes é comparada a um anjo pré-rafaelita, a uma presença que brilha no escuro, a uma peça de porcelana, a um cavalo puro-sangue. Mas, antes de se tornar um puro-sangue, ela era uma potranca desajeitada. "Eu não era bela", disse Kidman sobre sua infância. “Eu era repulsiva — desajeitada, destrambelhada. Eu tinha pernas muito, mas muito compridas mesmo, e nada além disso. Eu ficava surpresa quando alguém olhava para mim."
Falar sobre sua esquisitice quando era uma criança é, claro, uma maneira de falar o quão bonita ela é como adulta. Mas mesmo quando Kidman era jovem e supostamente esquisita, ela conseguia papéis: aos 20 anos ela já tinha aparecido na nova versão do clássico australiano "Bush Christmas", estrelado o sucesso de bilheteria dos anos 80 "Bicicletas Voadoras" (1983) e escandalizado espectadores ao aparecer brevemente nua em "Windrider" (1986) antes de ganhar um papel na minissérie australiana "Vietnam" (1988).
"Vietnam" ajudou a consolidar seu nome no mercado australiano, mas foi com "Terror a Bordo", um suspense psicológico coestrelado por Sam Neil e Billy Zane, que ela chamou a atenção da crítica e do público americano. Na época, havia um sentimento na Austrália de que o país havia finalmente produzido uma atriz apta para o mercado internacional. O diretor de "Terror a Bordo", o australiano Phillip Noyce, disse à revista "Sydney Mail": “Ela será uma grande estrela internacional. Não há dúvida quanto a isso". O jornal "Sun Herald" listou todas as fontes de notícias que fizeram cobertura dela para demonstrar que “Nicole tornou-se, como dizem,o assunto do momento.”
Perfis, entrevistas e análises, todos destacavam seu talento — “capaz de exibir na tela qualquer emoção solicitada pelo diretor”, como o "Herald" publicou. Apesar disso, eles estavam mais obcecados com a sensualidade, por assim dizer, do assunto do momento.
Noyce a escolheu para o papel, pois ela tinha "aquela pureza, beleza, sensualidade, inocência e fragilidade". O "Sun Herald" a descreveu como “muito feminina para interpretar uma estudante, muito desengonçada para uma mulher e que, ignorando o biquíni que usava, senta com as pernas cruzadas como um homem: tornozelo direito sobre o joelho esquerdo”. Ou, como prosseguiu o escritor Dorian Wild: "Olhe para ela, com aquelas longas e incríveis pernas, e você entenderá o que se passava na cabeça de Nabokov quando ele escreveu 'Lolita': um rosto oval perfeito, o queixo orgulhoso e desafiador e o olhar daqueles olhos azuis pálidos dizendo que ela não será dominada. Nem seu espírito, de forma alguma".
O autor faz uma tentativa para que Kidman fale sobre seus antigos namorados — incluindo Tom Burlinson, de "Herança de um Valente" — mas ela se nega a comentar. “Eu não falo sobre isso”, diz ela, antes de soltarem a pergunta querendo saber se era verdade que Warren Beatty “a desejava tanto que queria morar com ela". “Ah, a famosa pergunta”, respondeu ela. "Claro, eu conheci Warren Beatty. Ele foi bem legal comigo e me deu alguns bons conselhos."
A reportagem pode parecer revoltante, mas é um modelo para o que estava por vir: o breve reconhecimento de seu talento; a obsessão, em vários tons de conveniência, com sua aparência; a preocupação com sua vida amorosa. 
Reconhecidamente, esta é apenas a fórmula para homens escrevendo matérias sobre estrelas femininas — especialmente se você incluir algum comentário sobre o que ela está comendo, e a presunção de que ela está flertando com você. Essa fórmula foi sempre elevada com Kidman para incluir como ela parecia diferente, pelo menos comparada a outras estrelas em ascensão de Hollywood. Isso e, em breve tornando-se o padrão, o fato de ser casada com uma das estrelas de cinema mais famosas do mundo.
Kidman conheceu Tom Cruise nos bastidores de "Dias de Trovão", onde ela interpreta uma jovem e improvável médica que se apaixona por um piloto de corridas. O filme, assim como a interpretação de Kidman, foi pouco substancial, mas foi dirigido por Tony Scotss e produzido por Don Simpson e Jerry Bruckhelmer, a mesma equipe que refinou o apelo de Cruise em "Top Gun - Ases Indomáveis". "Dias de Trovão" arrecadou 157 milhões de dólares ao redor do mundo e, quando Cruise se divorciou de sua primeira esposa, Mimi Rogers, e começou um relacionamento com Kidman pouco tempo depois, acabou fornecendo os ingredientes para um verdadeiro festival de fofocas.
Ao contrário dos casais de celebridades de hoje em dia, cujos romances se desenrolam em frente aos paparazzi e/ou são documentados pelas próprias estrelas, o romance de Cruise e Kidman foi um turbilhão e seu casamento privado. Eles se casaram quando Cruise tinha 27 anos e Kidman apenas 22. O próximo filme de Kidman foi "Flertando, Aprendendo a Viver" (1991), com sua colega de escola Naomi Watts, vencendo o prêmio de Melhor Filme do Instituto Australiano de Cinema, mas mal apitando no radar norte-americano.
Kidman sofreu para conseguir um papel em Hollywood — parte disso, como o diretor de "Um Sonho Distante", Ron Howard, contou à revista "Newsweek", devido às “pessoas que a tratavam com desdém por ser casada com Tom”. Ela desceu de patamar em uma série de papéis secundários que a colocaram como a outra metade pouco superestimada de Cruise: pouco interessante em "Billy Bathgate - O Mundo a Seus Pés" (1992), afetada e inquieta com Cruise em "Um Sonho Distante" (1992), observando Michael Keaton morrer em "Minha Vida" (1993) e assustada com Alec Baldwin em "Malícia" (1993).
Kidman era, como admitiu a revista "Entertainment Weekly", “mais conhecida como um apetrecho” de Cruise. "Um Sonho Distante" arrecadou 138 milhões de dólares ao redor do mundo, mas isso foi visto como um desempenho abaixo da média para a maior estrela de cinema do mundo. Mesmo assim, Cruise ressaltou o quão igualitário era o relacionamento deles e o quão consagrado o casamento deles se tornou.
“Eu sempre coloquei minha carreira acima de tudo, até conhecer Nicole”, contou à revista "Rolling Stone". "Agora fazemos tudo em conjunto. Agora no meu dicionário a palavra 'trabalho' não significa missão difícil e terrível." Um amigo disse à revista "People" que o relacionamento deles dava certo porque "ambos não querem ser apenas grandes estrelas, mas os maiores campeões de bilheterias do mundo". Kidman foi escalada em 1994 para o elenco do filme "Batman Eternamente", enquanto Cruise apareceu em "Entrevista com o Vampiro" e assinou contrato para estrelar "Missão Impossível". A dominação do mundo parecia estar próxima — mesmo que apenas um deles fosse levado a sério.
Não está muito claro o que levou Kidman a ligar para Gus Van Sant, mais conhecido por dirigir o filme independente LGBT "Garotos de Programa", enquanto ele estava escolhendo o papel de uma âncora de notícias ligeiramente desequilibrada em "Um Sonho Sem Limites". Meg Ryan tinha desistido do papel; eles estavam de olho em Patricia Arquette ou Jennifer Jason Leigh. “Ela conseguiu meu número em algum lugar”, lembrou Van Sant, e disse a ele que estava “predestinada a interpretar esse papel”.
Van Sant por fim a escolheu, e Kidman foi considerada, mais uma vez, uma revelação. Parte disso foi apenas uma questão de momento : "Um Sonho Sem Limites" foi lançado apenas três meses após o fracasso de "Batman Eternamente". Mas a imprensa adorou o filme: Quem diria que Nicole Kidman sabia atuar? É como se a presença de Cruise tivesse encoberto toda sua carreira até então. O próprio Van Sant admitiu que não sabia quem ela era até se encontrarem, e então descobriu que tinha adorado assisti-la em "Terror a Bordo".
Quando a colunista de fofocas Liz Smith perguntou a Kidman se a incomodava o fato de as pessoas "acharem que ela já saiu pronta da cabeça de Tom e que não tivesse nenhum passado próprio", ela admitiu que isso a confundia. “Eu achei que as pessoas tivessem assistido a 'Terror a Bordo' ou algum outro trabalho meu da Austrália”, disse ela. “Muitas pessoas achavam que 'Dias de Trovão' era meu primeiro filme, então eu precisei ficar toda hora exibindo meu currículo.”
Mas esse resumo — somado ao desejo de Kidman de interpretar um seleção variada de papéis, de Shakespeare a Ibsen — não era tão atrativo quanto falar sobre seu marido, ou seus relacionamentos ou sobre como é ser muito, muito, muito famosa. Em cada matéria, Kidman lutava para se desvincular da fama de seu marido — e dos boatos que rodeavam o relacionamento deles. Quando pressionada com a teoria de que seu casamento era de fachada, em uma reportagem da revista "Vanity Fair" em 1995, ela disparou: "Eu fico ofendida quando as pessoas dizem que eu casaria com alguém por conveniência", disse. "Eu acho isso um comentário muito machista, porque as pessoas estão dizendo 'ela casou em troca de fama e dinheiro'. Isso é besteira."
"Após certo tempo, isso passa a ser apenas entediante", disse a uma repórter da "EW", após ser convidada a folhear uma série de revistas de fofocas detalhando os vários boatos rondando seu casamento. "Você recebe as mesmas perguntas várias e várias vezes. Eu queria que ao menos uma vez perguntassem sobre o meu trabalho."
O peso de Cruise era tão intenso que Kidman resolveu bani-lo do set de filmagens de "Um Sonho Sem Limites". "Ele é uma presença muito forte no set e isso está distraindo as pessoas."
Tanto Cruise quanto Kidman subestimaram o quão poderosa era essa distração. “Nós fomos ingênuos a princípio”, Kidman contou à "EW". "Nós mal sabíamos que existia tudo isso acontecendo por aí. Essa coisa de Sra. Tom Cruise." Essa "coisa" mudaria de característica e estrutura ao longo dos anos seguintes, mas o seu elemento-base — a capacidade de ignorarem seu trabalho para falar de sua vida pessoal — continuaria o mesmo.
Até mesmo a diretora Jane Campion, que escalou Kidman pela primeira vez em um filme quando a atriz ainda era uma estudante na Austrália, deixou de levá-la a sério. Após terminar "Um Sonho Sem Limites", Kidman voltou seus olhos para uma adaptação que Campion estava planejando fazer de "Retratos de uma Mulher", sua sequência após lançar o queridinho da crítica "O Piano". Campion aconselhou Kidman durante a primeira vez que trabalharam juntas para que ela "protegesse seu talento". Mas, conforme Kidman recordou, “Jane assistiu a alguns dos trabalhos que eu fiz nos EUA e decidiu que eu não tinha o espírito para o projeto” — que ela, na verdade, não tinha “protegido seu talento”. Kidman gritou ao telefone com Campion, que não havia assistido a "Um Sonho Sem Limites"; elas tiveram uma "briga horrível", segundo Kidman.
Mesmo assim, elas decidiram seguir em frente juntas. A própria Campion teve uma revelação: “Eu estou acompanhando Kidman cena após cena e chegou um momento em que ela começou a representar de uma maneira que eu não podia imaginar", disse à revista "Newsweek". "Ela me surpreendeu." Sua opinião é que Kidman, na verdade, poderia atuar nos "dois segmentos” — "De 'Batman' a 'Retratos'.”
O diretor de "Batman Forever", Joel Schumacher, tinha uma maneira diferente de descrever a capacidade de Kidman. “Nicole é uma ótima atriz coadjuvante”, disse ele, “com o rosto e o corpo de uma estrela de cinema”. Esta é uma ideia que atormentou muitos atores e muitas atrizes — alguém pressupõe que a fama de cinema e a boa atuação não são a mesma coisa, que a beleza esvazia o talento e vice-versa.
A versão de Campion para "Retratos de uma Mulher" teve muita inspiração no cinema de Vanguarda, confundindo críticos e espectadores que esperavam algo mais "Merchant Ivory". A versão de Isabel Archer interpretada por Kidman amplificou a noção de que a própria atriz— cuja pele era constantemente descrita como de "porcelana”, “pálida” com olhos azuis “frios” — era uma rainha do gelo.
Parte dessa percepção surgiu pelo fato de Kidman recuar, mesmo que discretamente, de Hollywood. 
Após adotarem sua filha Isabella, em 1992, Cruise e Kidman adotaram um filho, Conor, em 1995. A atriz passou a ser menos vista em público e as aparições da família eram mais conservadoras. Anos depois, Kidman diria o seguinte: "Eu achei que era minha obrigação colocar um vestido lindo e ser vista e não ouvida". No entanto, na época, isso foi interpretado como algo bem esnobe. "Embora eu já esteja mais fora do meu casulo agora, eu ainda posso ficar muito, mas muito tímida", disse ela em 1999. "Isso costumava irritar Tom. Nos íamos a festas e eu mal abria o bico. Ele não entendia."
Após a relativa decepção com "Retratos", Kidman parecia ter mudado de trajetória: ela atuou com George Clooney em "O Pacificador" (1997), um suspense bem comum, e com Sandra Bullock em "Da Magia à Sedução" (1998). Em seguida, ela e Tom se mudaram para Londres e estrelaram mais uma vez um filme juntos, "De Olhos Bem Fechados", de Stanley Kubrick (1999) — uma produção envolta em atrasos, controvérsias e especulação sobre cenas de orgias. Kidman e Cruise enfrentaram boatos de que um terapeuta sexual tinha sido trazido ao set de gravações para "ensiná-los" a como fazer sexo.
Capa da Time no final da
década de 90: apesar de
Nicole ser 10 cm mais alta
que Tom, na imagem é
ele o gigante
Parte dessa esquisitice originou-se da própria perda de interesse de Cruise, sua insistência em interpretar personagens ultramasculinos e suas declarações sobre o relacionamento de ambos, que sempre pareciam ser ensaiadas pela assessoria de imprensa. "Minha primeira reação ao encontrar Nic foi de puro desejo” (Cruise, em declaração para a "EW", em 1995). “Foi isso que aconteceu para nós, os dois Ls — lust (desejo) e love (amor)” (Kidman, em uma entrevista de divulgação, também em 1995).
Conforme Cruise — e por extensão, o relacionamento deles — tornaram-se o centro das conversas a seu respeito, a revelação de "Um Sonho Sem Limites" acabou desaparecendo. "Se há uma palavra que pode ser utilizada para definir Kidman", declarou a revista "Rolling Stone" em 1999, "é a palavra subestimada".
Até mesmo seu êxito nos palcos com "The Blue Room" — que ela começou a interpretar logo na sequência após os dois anos do processo de filmagem de "De Olhos Bem Fechados" — não restabeleceu essa opinião; em vez disso, seu talento foi novamente apenas reinterpretado como atrelado ao seu corpo.
Um crítico de Londres deu uma famosa declaração sobre seu desempenho, ao se referir a um momento em que ela aparecia brevemente nua (por um período significativamente menor que seu parceiro de cena), chamando-a de "Viagra teatral". Em entrevista concedida a Liz Smith para o site "Good Housekeeping", Kidman disse: “As pessoas têm dito para mim que agora eu só interpreto papéis sensuais. Mas não passa de coincidência o fato de que meus dois trabalhos mais recentes foram baseados em temas eróticos".
É claro, uma das maneiras mais fáceis de desqualificar uma mulher é chamá-la de puta ou vadia, arrogante ou objeto sexual — todos códigos, de diversas maneiras, para de algum modo quebrar as regras da feminilidade. E assim que esses rótulos começam a se fixar em uma atriz, eles passam a afetar seu valor comercial. Baz Luhrmann começou a sondar Nicole Kidman para "Moulin Rouge" enquanto ela ainda estava se apresentando com a peça "The Blue Room", mas, conforme a "Vanity Fair" divulgou posteriormente, ela “ainda transmitia uma imagem de pessoa distante e fria para os espectadores”, e ainda “havia alguma resistência a ela vinda de algumas das forças por trás do projeto”.
Luhrmann venceu a briga, e Kidman e Cruise voltaram para a Austrália em 1999, onde ela começou a filmar "Moulin Rouge". O casal tinha resistido ao alvoroço de "De Olhos Bem Fechados", amplificado pelas críticas medianas e pela morte súbita de Kubrick enquanto o filme estava em estágio de pós-produção. O relacionamento deles nunca esteve tão forte, pelo menos para os amigos e a família. Até Cruise entrar com o pedido de divórcio.
Os motivos para o fim do casamento de Cruise e Kidman não foram muito claros — Cruise, por exemplo, foi citado limitando-se a dizer "ela sabe o que fez" — mas a narrativa permaneceu firmemente do lado de Kidman, em parte porque ela foi forçada a entrar no circuito de divulgação de "Moulin Rouge" poucos meses após Cruise fazer o pedido de divórcio. E lá estava Kidman, nas entrevistas, repetindo que ela foi apanhada totalmente de surpresa pela partida de Cruise e chegando a revelar que havia sofrido um aborto espontâneo pouco tempo depois. E nas telas víamos Kidman morrendo de amor... ou pelo menos morrendo de uma forma que gerava simpatia.
A simpatia por Kidman significava celebrar Kidman — primeiramente em "Moulin Rouge", que a rendeu indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro como Melhor Atriz, e em seguida com o filme "Os Outros" (2001), um suspense psicológico de mistério ambientado na Inglaterra pós-guerra. A revista "People" nomeou Kidman como a “Mulher Mais Bonita do Mundo” em 2002. Enquanto isso, Cruise estava interpretando um babaca em "Vanilla Sky" e boatos surgiam de que estaria namorando Penelope Cruz.
Era fácil saber para quem torcer. Ainda assim, embora "Moulin Rouge" e "Os Outros" tenham sido um sucesso de crítica e bilheteria, isso não evitou que o desempenho de Kidman em "As Horas" (2002) a alçasse mais uma vez ao posto de revelação. Uma matéria de capa da "Vanity Fair" a colocou como sendo esse seu primeiro trabalho de sucesso pós-separação, destacando como, enquanto o mundo estava obcecado com seu casamento, “Kidman fez algo bem mais útil: ela provou a si mesma que é um grande talento, uma atriz incrível que pode estar na tela com os melhores atores, lado a lado, e sair com sua credibilidade intacta”.
Era bem mais fácil tratar a transformação de Kidman em "As Horas" como reveladora porque ela “enfeiou” para o papel de Virginia Woolf, usando uma prótese de nariz e um peruca despenteada. Assim como todas as atrizes que "se enfeiam", a feiura serviu como modo de acentuar sua verdadeira beleza. Seu desempenho ao interpretar alguém sem elegância tornou-se impressionante devido a quão fora do normal aquilo deve ter sido.
Essa estratégia pode ser exercida como uma forma de isca para arrebatar o Oscar, mas, no caso de Kidman, foi mais como uma contranarrativa vigorosa. Será que talvez, apenas talvez, um nariz falso fariam todos calarem a boca sobre seu ex-marido? E embora tanto Cruise quanto Kidman tenham enfatizado como ela era livre para seguir sua própria carreira, o sucesso de "As Horas" — seguido pouco tempo depois por papéis de prestígio em "Dogville", de Lars von Trier, na adaptação de "Revelações", de Philip Roth e no ganhador do Oscar "Cold Mountain", de Anthony Minghella, todos lançados no período de um ano — posicionaram sua carreira pós-Cruise como um sucesso. Ou, como a "People" ridiculamente colocou, um “reaparecimento.”
O divórcio de Cruise parece ter liberado Kidman, pelo menos fisicamente. Cruise e ela haviam concordado que eles nunca poderiam ficar separados por mais de duas semanas, o que, como consequência, dava as cartas sobre os papéis que eles poderiam aceitar. No entanto, após o divórcio, ela pode ir à Romênia filmar "Cold Mountain" e à Inglaterra filmar "As Horas". O divórcio “abriu a possibilidade para muitos trabalhos”, disse ao jornal "The Guardian", “o que foi ótimo para mim”. Ela também envelheceu, seus filhos cresceram e a atriz ganhou mais confiança, parte disso por ouvir o conselho de Kubrick que dizia para "respeitar seu talento e se dar um pouco de espaço e um pouco de tempo".
Talvez, em parte, devido à curiosa maneira com que muitos tinham persistido em esquecer que ela já tinha um talento a ser respeitado. 
Ainda assim, Kidman usou o recém-descoberto respeito para se arriscar nos anos seguintes em filmes de vanguarda, independentes e no mainstream. Ela teve alguns relacionamento, alguns públicos (Lenny Kravitz), outros privados (Robbie Williams), mas conseguiu manter o assunto em seus papéis, que às vezes eram controversos ("Reencarnação"), outras vezes exagerados ("Mulheres Perfeitas") e às vezes apenas um suspense direto e reto bem mainstream ("A Intérprete").
Em “Uma Teoria Unificada de Nicole Kidman”, o crítico do jornal "The New York Times", A.O. Scott, argumentou que os papéis de Kidman após a separação de Tom Cruise a transformaram de uma “atriz talentosa” em uma estrela de cinema — uma declaração memorável, já que ela vinha sendo tratada de maneira oposta durante a maior parte de sua carreira. Ainda assim, Scott apontou o que, após a sequência de filmes em 2003, pareceu bem memorável: "Nós não torcemos necessariamente pelos personagens que a Sra. Kidman interpreta — eles estão, na maioria das vezes, condenados em qualquer situação — tanto quanto nós torcemos para a mulher que os interpreta. Ela fez do sucesso dela o objeto de nosso desejo".
Nicole Kidman muito
jovem, ainda na
Austrália
"Kidman fez isso recusando-se a seguir os caminhos habituais traçados por mulheres bonitas e ambiciosas que conseguem, contrariando a tudo e a todos, se tornarem estrelas de cinema", continuou Scott. "O caminho mais comum— embora dificilmente seja o mais fácil — é o de queridinha, que passa, com desvios ocasionais em territórios mais selvagens, por comédias românticas alegres e melodramas de redenção. Embora existam muitas variações de 'queridinhas" — Meg Ryan, Julia Roberts, Renée Zellweger e Kate Hudson estão entre aquelas com reivindicação crível recente ao título— o atributo crucial é um certo tipo de calor, ao mesmo tempo simpático e sensual, algo que pode deixar os homens adultos caidinhos e com o qual as mulheres adultas podem se identificar."
Porém, Kidman construiu um caminho diferente, interpretando personagens que são por sua vez voluntariosos e desagradáveis, presos por suas circunstâncias e se destruindo contra elas, nem culpados e tampouco exatamente inocentes. Pode ser difícil, como aponta Scott, pensar em outra atriz que "demonstrou uma afinidade tão acentuada para o masoquismo heroico e o martírio romântico". A ternura de Kidman, sua bravura, sua sagacidade e sua malícia podiam fazê-la parecer com uma alienígena — mas também a fez parecer com um vício do qual você não gostaria de se abster. Durante aquele breve período de tempo, Kidman parecia inevitável, invencível: a melhor e mais interessante atriz trabalhando em Hollywood.
Esse sentimento durou cerca de dois anos. "A Intérprete" foi muito monótono, "A Pele" foi muito esquisito, "A Feiticeira" muito bobinho, "Invasores" muito ficção, "Margot e o Casamento" uma grande decepção para os fãs de Baumbach aguardando um novo "A Lula e a Baleia". Kidman abraçou seu talento e sua tolerância para narrativas não-lineares em seus papéis indie, mesmo enquanto se inclinava ao glamour e ao melodrama clássico de Hollywood em seus filmes mainstream. Estes filmes mainstream e os cheques que os acompanhavam a desqualificaram como atriz indie — ao mesmo tempo em que seus filmes independentes a tornaram "muito estranha", muito desagradável, muito estridente, muito seja lá o que for.
Quando um homem faz isso — veja como exemplo a famosa lógica de Steven Soderbergh “um para eles, um para mim”, e o anseio de Brad Pitt/ George Clooney/ Matt Damon para fazer isso acontecer — acaba sendo aclamado como o novo paradigma para o sucesso de Hollywood: a tão desejada reconciliação entre a arte e o mercado.
Quando Kidman faz isso, ela se corta ao meio. Em vez de se duplicar, ela se torna nada — ou pelo menos nada de valor. A ausência de valor da metade para o fim dos anos 2000 foi preenchida com uma nova série de boatos: dessa vez sobre seu relacionamento e casamento com a estrela da música country australiana Keith Urban; a internação de Urban em um clínica de reabilitação, pouco tempo após o casamento; o relacionamento com grande exposição ao público de seu ex-marido com Katie Homes; as alegações de que a Cientologia a rotulou como sendo uma "pessoa repressiva" e cortou o contato com seus filhos adotados.
Kidman estava trabalhando menos, e parecia consenso popular de que o trabalho que estava fazendo era decepcionante — em parte porque ela supostamente "arruinou" seu rosto com Botox. Ao fazer a análise de "Margot e o Casamento", a crítica de cinema Stephanie Zacharek, do site "Salon", escreveu que “a pele de Kidman... se tornou sua maior limitação, um limite além do que ela pode se estender”. Manohla Dargis disse que seu rosto “parecia uma máscara”; O "The Sun" criticou sua “testa paralisada”, um jornal australiano comparou sua testa a uma “TV de tela plana”. Uma crítica de 2010 da "EW" sobre o filme "Reencontrando a Felicidade" chegou a receber o título “O Retorno do Rosto de Nicole”.
Esse artigo, assim como muitas outras críticas sobre o trabalho de Kidman no final dos anos 2000, dizia que ela se prendeu na falta de mobilidade de seu rosto. “Uma flexibilidade facial aumentada vai expandir suas opções de trabalho”, escreveu Lisa Schwartzbaum, e “trazer de volta a atenção da crítica ao seu considerável talento na atuação”. Apesar disso, Schwartzbaum admitiu que Kidman estava também simplesmente tentando se manter empregada como uma atriz de quarenta e poucos anos em Hollywood. O público rejeitava seu Botox, mas há muitas evidências, representadas nas carreiras agora interrompidas de muitas contemporâneas de Kidman (principalmente Meg Ryan e Demi Moore) que, sem isso, ela não conseguiria novos papéis. A atenção não estaria apenas desviada, ela não estaria presente de forma alguma.
E então Kidman começou, bem aos poucos, a desaparecer da atenção americana. Filmes independentes como "Obsessão" (2012), onde ela faz uma deliciosa interpretação lembrando "Um Sonho Sem Limites", passaram quase desapercebidos. Papéis em filmes de prestígio como "Reencontrando a Felicidade", "Olhos da Justiça" e "O Mestre dos Gênios" pouco mudaram o cenário. Até o último mês você poderia perguntar a alguém o que Nicole vem fazendo desde 2010, e a pessoa provavelmente mal saberia responder — embora ela tenha feito 15 filmes durantes os últimos sete anos.
Um pouco de sua invisibilidade pode ser atribuída à mudança das dinâmicas de Hollywood. Filmes com orçamentos intermediários batalham muito para obter êxito, e o lucro que conseguem na maior parte das vezes é obtido por meio de exibição sob demanda, que é bem menos lucrativa.
Kidman, mesmo assim, foi capaz de sair na capa da revista "Vogue" — assim como fez em 2015, naquele que foi considerado um ano arrasador —, mas o filme que ela estava divulgando ostensivamente, "Rainha do Deserto", do diretor Werner Herzog, foi engavetado e somente agora está sendo lançado adequadamente nos cinemas; o outro filme que gravou naquele ano, "Desafiando a Arte", de David Bateman, arrecadou apenas 262 mil dólares nas bilheterias. "Grace de Mônaco" — enquadrado pelos Weinsteins como sendo um filme feito com o intuito de arrecadar prêmios no Oscar — foi vaiado em Cannes, um fracasso tão grande que acabou sendo vendido ao canal de televisão Lifetime Channel.
Eu já assisti à grande maioria desses filmes quase invisíveis, cujos elos em comum são a dedicação de Kidman. Não existe algo como Kidman fazendo corpo mole em um papel, em parte porque não existe algo como uma atuação-padrão de Kidman. Anthony Minghella disse em 2002 que cada um dos filmes de Kidman era "muito diferente e peculiar. Eles fazem você sentir como se existisse um instrumento extremamente rico lá".
Ela frequentemente interpreta papéis históricos, mas cada uma dessas mulheres é situada diferentemente em sua própria história: algumas são agudas e resistentes, outras são maleáveis e despreocupadas. 
Ela foi uma vilã, um gênio passivo-agressivo, uma megera, uma mãe de luto. E embora "Grace de Mônaco" seja um filme mal-sucedido, Kidman não foi escalada erroneamente como Grace Kelly — outra mulher encurralada pela sua própria ambivalência em relação ao estrelato e ao trabalho, à tensão entre beleza e capacidade, às percepções de frieza e fragilidade e ao preço de viver uma vida pública.
Com o passar do tempo, Kidman saiu dos holofotes. Ela era ainda era um nome reconhecível, mas ficava a dúvida se alguém um dia iria levá-la a sério.
Até "Big Little Lies". Isso foi, de diversas maneiras, um avanço natural: durante a última década, a televisão se tornou o lar de muitas atrizes que a) estão com mais de 30 anos ou b) se recusam a fazer parte de franquias de super-heróis. 
A colega de elenco de Kidman, Reese Witherspoon, descobriu que a melhor maneira de conseguir um papel para uma mulher de sua idade era simplesmente produzir a si mesma. Juntas elas convenceram Liane Moriarty, a autora do livro "Big Little Lies", a fazer a adaptação do livro para a TV. Elas venderam a série para a HBO, conseguiram com que o diretor de Witherspoon em "Livre", Jean-Marc Vallée, comandasse todos os sete episódios e contrataram outras três estrelas: Laura Dern, Shailene Woodley, e Zoë Kravitz.
Quando o primeiro episódio foi ao ar em fevereiro, todos os elogios foram direcionados para Witherspoon. “A atuação de Reese Witherspoon em 'Big Little Lies' é a melhor de sua carreira”; “Reese Witherspoon é boa demais.” Foi só após o terceiro episódio — onde Kidman e Alexander Skarsgård, que interpreta Perry, seu marido abusivo, participam de uma sessão de terapia em casal — que todo o burburinho de grandiosidade aumentou pela primeira vez para incluir, e então se centralizar, em Kidman. O site "Vulture" dedicou uma publicação inteira para fazer uma interpretação detalhada da cena; o site Vox a chamou de "uma das cenas mais fascinantes que você verá na televisão nesta temporada".
"Há algo encerado, atento e autocontrolado sobre Kidman, de modo que, mesmo quando está sorrindo, ela nunca parece liberta", escreveu Emily Nussbaum na revista "The New Yorker", descrevendo o efeito acumulado dos papéis de Kidman. “Enquanto os outros atores se especializam na transparência, Kidman tem um talento diferente: ela pode usar uma máscara e ao mesmo tempo fazer você sentir como é se esconder atrás dela.”
Durante semanas, a atuação de Kidman foi tudo sobre o que eu queria falar. E eu inclusive tinha me esquecido do quanto ela me tocou e me surpreendeu durante anos. E eu inclusive tinha me focado em sua testa paralisada — e poderia ter continuado, caso sua franja no papel de Celeste não tivesse tornado isso impossível. E, ainda assim, não foi por acaso que foram as mulheres, e não os homens, que notaram a revelação deste papel mais profundamente: Mike Hale, escrevendo para o "The New York Times", criticou duramente "Big Little Lies", fazendo uma comparação com "Desperate Housewives"; Robert Rorke do "New York Post" a chamou de “uma novela de alta classe.”
Kidman virou uma revelação no passado ao se tornar um símbolo sexual, quando atuou para um diretor independente, quando cantou em cena, quando se enfeiou em um filme do Oscar — todas modalidades e gêneros reconhecidos pelos críticos (do sexo masculino) como prestigiosos. Mas, quando ela aparece em uma série "de mulheres", produzida e dominada por mulheres, isso pausa ou evita o reconhecimento por completo.
Isso é duplamente ofensivo: Matt Damon, Tom Hanks, Liam Neeson, Robert Downey Jr., Will Smith e outros atores que já foram considerados revelações navegam por mares de papéis duvidosos, se rendendo à autodegradação em papeis de super-heróis, e mesmo assim crescem na disposição dos críticos em levá-los a sério. 
Enquanto isso, Kidman — assim como Witherspoon e Dern, assim como Stewart e Woodley, assim como muitas outras atrizes, de todas as idades e que não se chamam Meryl Streep — tem que provar seu talento acima da importância de seus atrativos físicos todas as vezes em que aparece na tela.
Kubrick disse uma vez a Kidman que ela era um “puro sangue” — e Cruise era uma “montanha russa”. Mas esse é o oposto da forma como eles são tratados, tanto pela crítica quanto comercialmente. As estrelas masculinas sobrevivem com seu pedigree perceptível; as estrelas femininas precisam se prender aos equipamentos de alguém e escalar cada montanha, aguentar cada declínio, fingir surpresa e gratidão cada vez como se fosse a primeira vez, tentando parecer bonita enquanto você resiste à vontade de vomitar.
Algo acontece, no entanto, quando você alcança certa idade, com certa quantidade de dinheiro. 
Você tem a capacidade de continuar fazendo aquilo que te impulsiona. No ano passado, Kidman enfrentou sua idade (e ganhou uma indicação ao Oscar) com o filme "Lion: Uma Jornada Para Casa", gravou "Big Little Lies" e voltou a trabalhar com Jane Campion para a segunda temporada de "Top of the Lake", que está programada para ir ao ar em algum momento no meio do ano — junto a interpretação de Kidman no suspense gótico sobre a Guerra Civil de Sofia Coppola, "O Enganado". Uma sequência, em outras palavras, para bater de frente com o "Auge da Nicole" no começo dos anos 2000.
E então, por ser Nicole Kidman, ela aparecerá em um filme de Kevin Hart... e precisará aguardar a próxima oportunidade que terá para provar novamente o seu valor.
Parte do que torna as estrelas elementos inesquecíveis de nossas vidas são suas capacidades em abranger temas e ideias de vida mais amplos. É por esse motivo que falamos, criamos boatos e ficamos obcecados com suas vidas pessoais. É o fator "assim como nós" que adiciona textura e capacidade de reconhecimento para a sobrenaturalidade de suas exibições na tela. E embora espalhemos boatos sobre estrelas masculinas, são apenas as mulheres que podem ser englobadas pelas narrativas e especulações sobre suas vidas domésticas: sobre como seus corpos mudaram, de onde veem seus bebês, como seus relacionamentos desmoronaram, como elas mantêm a casa, decoram sua sala de estar e colocam sua maquiagem.
O pessoal, em outras palavras, continua a ofuscar o profissional: um cenário que deve parecer familiar para qualquer mulher que luta para se estabelecer distanciando-se de seu desempenho como mãe, parceira e corpo. 
Esse pode ser o legado de Kidman e o que sua imagem vem a representar: essa jornada exaustiva, enervante e sem fim para ser levada a sério. Para ser considerada, em outras palavras, com a mesma boa fé que outra pessoa consideraria um homem.
Em 1998, Campion apontou a razão pela qual era tão difícil para as pessoas aceitarem a ideia de que Kidman era uma boa atriz. "Mulheres fortes sofrem punições", disse ela. "Mas é muito mais perigoso ser um acessório de Hollywood, da maneira que ela começou. Ela veio para a linha de frente agora." Isso diz algo sobre a persistência de Kidman, o fato de que, 20 anos depois, ela ainda vem se colocando à frente, provando seu valor e provocando revelações — embora essa palavra diga mais sobre nós mesmos do que sobre ela.