A J. me enviou este email:
Acompanho teu blog faz teeempo, e sou feminista faz tempo também, para falar a verdade, desde pequena. Minha mãe é feminista, lutou pelas causas aqui no Brasil e nos EUA também quando era jovem, e meu pai, mesmo sendo homem, é um homem feminista, apoia todas as causas, e foi assim que ele conheceu minha mãe!
Bom, Lola... Acredito que aparência não tenha nada a ver com feminismo, mas vamos lá.
Eu sou super, super vaidosa, não exageradamente, mas gosto de moda. Gosto de estar bonita para MIM MESMA, mesmo assim, não malho, nem nada. Isso veio comigo desde pequena, sempre amei me vestir, me maquiar, mas nunca nada dentro dos padrões da sociedade. Tenho 22 anos, tenho um namorado, o único da minha vida, só comecei a namorar ano passado e foi consequência, porque nunca me importei com namoros, nem sexo, nada disso. Enfim. Sou modelo fotográfica.
Quando não estou diante das lentes, eu me visto e me produzo para mim mesma.
E vamos lá: vamos imaginar o seguinte exemplo, que acontece e MUITO. Quase todo dia.
Estou eu, feliz que comprei um casaco novo. Coloco ele, coloco a calça, faço a maquiagem, o cabelo, e saio com meus pais, ou namorado, ou amigos. Estou eu lá, feliz de estar saindo, querendo ter um momento bom...
Aí no shopping ou na rua, topo com algumas mulheres (sempre estão em grupo), e elas começam a me olhar super feio. Com inveja, fazem tentativas de me rebaixar fazendo cara de deboche, ou até mesmo rindo na minha cara.
Eu não quero ser arrogante, mas onde eu passo, todo homem me olha. Recebo cantadas nojentas e algumas menos nojentas, daquelas que o cara passa por você e fala ''Olha essa loira aí, hein''. E não, não gosto do assédio masculino, mas tive de aprender a conviver com ele.
Acontece que quando os homens me olham, elas parecem ficar com ainda mais recalque.
Lola, é uma inveja... Sempre sofri com isso. Ando de cabeça baixa, para tentar diminuir o assédio dos homens, mas também para as outras mulheres não verem meu rosto. Já cheguei no cúmulo de mudar o trajeto que eu fazia em algum lugar só para não passar perto desse tipo de mulher.
Muitas mulheres me elogiam, dizem que eu pareço uma boneca. Nessas eu vejo a bondade vindo delas. Mas e essas que agridem? Que tentam rebaixar?
Qual seu pensamento sobre isso e seu conselho para mim?
As mulheres deveriam ser irmãs, não é? Deveriam se apoiar, não é? Por que tem umas que não podem ver uma mais bem vestida, com um cabelo bonito, e já querem rebaixar? E eu não me cuido e me visto para outras mulheres nem homens. Mas sim, para MIM! Me olho no espelho e estou feliz como estou, como de tudo, não me coloco em dietas, amo meu corpo, e meu namorado (que sempre me acompanha nos protestos feministas e é um exemplo de homem, como meu pai) gosta do meu corpo magro, mas natural, sem exageros, como ele é, não entro nessa neura de ter de entrar num padrão de magreza ou de mulher super musculosa.
Mas me responda, por favor, Lola. Por que tem mulher que é assim? Inveja, tenta rebaixar? Ri da outra, como se a outra fosse uma palhaça?
E aquelas meninas em escolas que são agredidas por serem consideradas belas? O que você pensa sobre isso?
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Quando mulheres apoiam outras
mulheres, coisas incríveis podem
acontecer |
Eu sofro com isso, Lola. Eu saio para ir no supermercado, e já tem duas ali juntinhas que começam a me medir de cima pra baixo e ficam dando risadinha. Já não consigo mais sair de casa porque sempre tem uma menina, ainda mais meninas jovens, 14, 15 anos, com os ficantezinhos, todas iguaizinhas num padrão, que ficam me olhando torto, feio, tentando debochar.
Eu tenho vontade de ir até essas mulheres e falar: ''Por que você está rindo? Me olhando feio? Eu sou uma mulher, como você! Não sabe respeitar a outra?''
Por que tem mulheres que insistem em atacar a irmã? As mulheres deveriam estar juntas por uma causa, se apoiarem. A sociedade já é tão difícil. Por quê, Lola?
Meus comentários: Querida J., a resposta óbvia é que nós, mulheres, fazemos parte desta sociedade machista. Os preconceitos que aprendemos desde bebês não afetam só os homens, afetam a gente também. Não estamos imunes. Ninguém está. A gente se pergunta: como pode existir mulher machista? Como pode ter negro racista? Gay homofóbico? Ou mesmo pobre de direita? Aquela frase famosa da Simone faz todo sentido: "O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos". Há cúmplices de sobra!
A gente também aprende que mulheres não podem ser amigas de verdade, que sempre vamos competir com a outra pela atenção de um homem, que mulheres são traiçoeiras e mentirosas, sempre dispostas a roubar o namorado ou marido alheio. Imagina o que é crescer acreditando nessas besteiras! Ao mesmo tempo, a gente aprende que o que mais vale na vida é a aceitação dos homens, que a opinião dele é mais importante, que devemos nos comportar direitinho (sem rebeldias feministas!) para ganharmos sua afeição e, com isso, sua proteção. E proteção contra quem? Não contra as mulheres, que duvido muito que alguma que te olhe feio na rua irá te atacar. Infelizmente não posso garantir o mesmo dos homens.
Tem muita mulher que passa a ser fiscal da aparência de outras mulheres, da sua sexualidade, do seu comportamento. Assim como tem menina que te olha feio e ri de você por te achar bonita, tem muitas que fazem isso com quem acham feia. Elas não têm sororidade, não sentem que estão no mesmo barco, não veem que isso acontece também com elas. Ou talvez aconteça e elas querem se vingar em outra mulher, vai saber.
Você apontou que isso só costuma acontecer (ou acontece mais) quando elas estão em grupo. Imagino que dói, mas não é nem pessoal. É um jeito dessas meninas se unirem como grupo atacando alguém fora do grupo. É uma estratégia baixa e que geralmente funciona. Se funciona com países (que escolhem um inimigo imaginário para se unirem contra ele), como não vai funcionar com grupinhos muito menores?
É triste, mas julgar a aparência de outras mulheres (que estão fora ou dentro do padrão) não é incomum nem entre feministas. Ou seja, insistem em atacar a irmã. Quiçá não vejam aquela mulher como irmã.
Falar é mais fácil que fazer, e vale pra todas as pessoas, homens e mulheres, mulheres feministas e não feministas: dane-se o que elas pensam da sua aparência, das suas roupas, do seu comportamento. Não ande com cabeça baixa. Cabeça erguida. Não desvie o olhar. Fitar de volta é considerado desafiar (faça isso e observe quantos homens que estavam te "cantando" passam a desviar o olhar assim que você devolve a ação). Se já estão falando mal de você mesmo, que te achem logo convencida e arrogante.
Lógico que essa atitude do "Vai encarar?" tem que ser segura. Você tem que acreditar no que está fazendo. E não é simples ignorar a opinião alheia, nunca é. Mas tente, querida. E continue se indignando por ter que fazer a pergunta do título.