domingo, 30 de setembro de 2012

FELIZ ANIVERSÁRIO SURPRESA, SILVINHO

O maridão é lindo e fofinho e hoje é o aniversário dele. Pra comemorar, planejei com minha mãe um super café da manhã/almoço (em outras palavras, brunch. A gente devia ter uma palavra pra isso em português). Só que surpresa, sem que o maridão soubesse. Não é fácil, pois todos nós moramos na mesma casa. 
Eu fui preparar um bolo salgado ontem à tarde, quando o maridão sai de casa pra treinar uma equipe (ele é jogador profissional, professor e treinador de xadrez). Mas não deu tempo e, quando o maridão voltou, o bolo ainda estava assando. Então só tive uma alternativa: fazer algo que nunca faço e que não faço nada bem -– mentir. Falei que estava fazendo o bolo pro aniversário dele porque não teríamos mais nada pra comer hoje.
Na realidade, eu já tinha mentido pra ele antes. Não lembro bem quando foi (talvez em 2009). Eu e minha mãe tínhamos planejado montar uma cesta de café da manhã como presente surpresa pra ele (tem poucas coisas no mundo que Silvinho gosta mais do que café da manhã. Ele crê que a única vantagem de viajar e ficar em hotel é que tem café da manhã). Na véspera fui a uma frutaria/verdureira perto de casa (morávamos em Joinville) comprar um montão de frutas. O maridão só iria voltar de viagem mais tarde. Aí eu tô andando, quase em frente à frutaria, carregando uma sacola de pano, e o carro de quem vem na minha direção? O dele, lógico. Pensei por alguns milésimos de segundo em me esconder, mas ia parecer suspeita. E ele já tinha me visto.
Daí inventei a historinha mais mal contada do universo. Digamos assim: frutas e verduras não são exatamente meus melhores amigos. Logo, é quase tão comum esbarrar comigo numa frutaria quanto numa igreja. O que eu estava fazendo ali? Disse pro maridão que minha mãe tinha saído e me pedido pra comprar frutas pra ela. O que é uma mentira patética. Imagina se iria sair de casa pra comprar frutas pra alguém se não fosse o aniversário desse alguém! Nunca. Mas o maridão acreditou numa boa em todas as besteiras que eu inventei na hora, e perguntou se não queria que ele escolhesse as frutas. Eu disse que não, que ele devia estar muito cansado, tadinho, e que devia ir pra casa.
E lá quem ele encontra? Minha mãe. Que eu falei que tinha saído. E o maridão nem desconfia.
No dia seguinte, entregamos uma cesta linda que havíamos montado pra ele. Cheia de frutas, pães, queijos, cremes, sucos em caixinha, alguns chocolates, que ninguém é de ferro, e sei lá mais o quê, tudo embrulhado em papel celofane. Ele ficou super feliz e... surpreso. Naquele dia eu descobri que poderia get away with murder. Como se fala essa expressão em português? Não sei explicar. Eu me safaria até se tivesse matado alguém, algo assim.
Só pensei que não daria pra mentir duas vezes sobre o mesmo assunto porque o maridão, estrategista e grande jogador de xadrez que é, desconfiaria. Nada. Às vezes eu me pergunto se Millôr não tinha razão: xadrez é um jogo que aumenta a capacidade de jogar xadrez. (Não, sacanagem. Tá provado que escolas que têm xadrez na grade saem-se melhor em matemática e raciocínio lógico. Sem falar que xadrez, como tantos outros jogos, ensina a competir, a ganhar e a perder. É bom pra maturidade emocional. Mas pra saber se o cônjuge tá falando a verdade -- bem, aí o jogo/esporte/arte fica devendo um pouquinho.
Hoje foi tranquilo. Acordamos meio tarde, nove e meia, e fui me vestir. Ultimamente tenho andado só de calça aqui em casa (porque senão os pernilongos no escri trituram minhas pernas), e nada em cima (porque senão o calor acaba comigo, mesmo com ventilador ligado o tempo todo). O maridão viu minha camiseta, estranhou, e perguntou: "Onde você vai toda bonitinha?". Eu, sem uma mentira premeditada, só pude responder: "Não sei". E saí correndo. Lógico que um comportamento suspeito desses não provoca nem cócegas no Silvinho.
Pouco depois pedi pra que ele descesse porque minha mãe estava precisando de ajuda pra alguma coisa (meu arsenal de mentiras já havia se esgotado), e lá foi ele, todo crédulo. E encontrou uma mesa divina lá embaixo. Adorou, tirou fotos, abriu champanhe. Comemos muito. E o incauto realmente não havia desconfiado de nada. "É que eu sou discreto," explicou ele. "Tenho uma outra palavra pro que você é, amore", retruquei eu.
Mas eu te amo desse seu jeitinho aí, lindão. Feliz 55 anos, Silvinho!

HEBE, ÍCONE DA TV, MORTA

Homenagem de Mauricio de Sousa a Hebe

O que dizer sobre Hebe Camargo, que morreu ontem? Não sei se eu já tinha ouvido falar dela antes da estreia do seu programa no SBT, em 1986. Mas provavelmente sim, porque ela era um ícone, maior que as emissoras pelas quais passou. Nunca vi um de seus shows inteiros. Sei que ela era simpática e sorridente, e eu gosto disso. 
Politicamente ela era insuportável, uma grande reaça. Ela adorava o Maluf e sempre fazia campanha pra ele, não dando a mínima pras inúmeras suspeitas de corrupção. Normal pra quem participou da Marcha pela Família em 1964, que serviu de amparo civil ao golpe militar (nesta entrevista de 25 anos atrás pra Playboy, ela conta que marchou sem querer), pra quem apoiou Collor em 89, e pra quem emcabeçou o ridículo Cansei em 2007 (que foi menos causado pelas denúncias de corrupção do que ao acidente da TAM em Congonhas -- os conservadores atribuíam a culpa de todos os desastres aéreos ocorridos em ares nacionais ao Lula). Pelo menos ela criticou a contratação do Rafinha pela Rede TV. De uma forma meio puxa-saquística, mas criticou.
Fora isso, ela era uma dondoca, cercada de socialites. E, desculpem, não tenho muito respeito por essa gente. Mas reconheço as qualidades de Hebe. O sucesso do programa, que fazia várias mulheres sentirem-se amigas íntimas da apresentadora, era todo dela. Recentemente, numa das minhas viagens para palestras, liguei a TV no hotel e, zapeando pelos canais, parei por uns instantes no programa da Hebe. Não sei exatamente, não lembro se a Claudia Leitte estava começando ou acabando de cantar alguma coisa, mas achei as duas com um discurso bastante empoderador pras mulheres.
Hebe sempre foi independente. Morou junto durante anos antes de casar, o que não era nada comum na época (década de 50). Como tantas as mulheres, fez um aborto (em 1947). Declarou isso publicamente décadas mais tarde e disse que não se arrependou. Falava sempre de sexo, distribuía selinhos, não parecia ser tão conservadora no seu dia a dia como era nas suas horrorosas predileções políticas.
Fico triste que ela morreu, porque ela foi um nome importantíssimo na tevê brasileira. Mas falem aí, que certamente vocês sabem mais dela do que eu jamais soube. 
Ish, agora vi que já tive um pesadelo com a Hebe. Eta god!

sábado, 29 de setembro de 2012

VAMOS VOTAR EM MULHERES

Num outro post, eu falei da importância que é a gente ter muito mais mulheres na política. Só pra lembrar, o Brasil ostenta a vergonhosa 141a posição num ranking de 188 países no quesito mulheres no poder. Domingo que vem iremos às urnas, e vamos fazer um esforço para votar em candidatas de esquerda que representem a nossa luta. Hoje publico dois textos de candidatas.

É com muita satisfação que compartilhamos com as leitoras do blog feminista Escreva, Lola, Escreva as propostas da nossa candidata Silvia Ferraro, do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), para a prefeitura da cidade de Campinas, em SP. Silvia é a única candidata mulher às eleições municipais: uma candidata trabalhadora, feminista e socialista.
Em Campinas, as trabalhadoras enfrentam inúmeras dificuldades. A falta de creches é um exemplo: estima-se que Campinas possui hoje 80 mil crianças em idade de educação infantil. Porém, apenas 30 mil estão matriculadas em creches, sendo a maioria destas viabilizadas por meio de Parcerias Público-Privadas, as chamadas “Naves-Mães”, que são de baixa qualidade e não asseguram o direito das trabalhadoras à vaga nessas unidades.
Além disso, mesmo nestas creches ativas na cidade, existe uma fila de espera de 6.400 crianças. Outro exemplo dramático: em uma cidade com uma população de mais de 1 milhão de habitantes majoritariamente feminina, as mulheres que sofrem violência de todos os tipos contam apenas com uma Delegacia da Mulher. No ano de 2011, foram registrados inúmeros casos de estupros, o que fez com que muitas campineiras saíssem às ruas na Marcha das Vadias. O que o governo local fez? Nada. Na contramão disso, em seu programa Silvia tem destacado a importância de ampliar o sistema de proteção à mulher (como as casas abrigo), bem como punir efetivamente os agressores. Diante disso, o PSTU participa ativamente dessas iniciativas de luta das mulheres na cidade.
O governo dos poderosos e corruptos incentiva a violência contra a mulher e contribui para a morte de centenas de mulheres todos os anos em virtude de abortos clandestinos (essa já está entre 2º e 3º lugar como causa das mortes maternas). Sobre isso, no primeiro semestre de 2012 teve repercussão na mídia de Campinas uma carta do Arcebispo Metropolitano aos fiéis católicos em que recomendava o voto naqueles candidatos que “defendem a vida”, o que, na concepção da Igreja, quer dizer: naqueles que não são favoráveis à descriminalização do aborto. Silvia se pronunciou:
“É impressionante como a hipocrisia impera entre os candidatos. Fui a única candidata a defender a descriminalização do aborto como uma questão fundamental de saúde pública! No Brasil, são estimados 1 milhão e 400 mil abortos feitos por ano. Uma em cada mil mulheres morre em consequência das condições inadequadas. Das que sobrevivem, milhares ficam com sequelas. As mulheres que morrem são as pobres que não têm condições de pagar caríssimo em clínicas clandestinas. Devemos defender a vida das mulheres que continuam morrendo e a Igreja deve parar de ser hipócrita ao proibir o uso de preservativos e de anti-concepcionais. Devemos defender a educação sexual nas escolas, o acesso a todos os métodos contraceptivos. Anticoncepcionais para não engravidar e aborto legal e seguro para não morrer! Esta é a única posição de quem defende a vida sem hipocrisia!”
O programa feminista e socialista de Silvia inclui também a luta contra a opressão aos LGBTs. Por isso, defende a criminalização da homofobia; e a distribuição de um kit anti-homofobia para combater a violência contra lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis nas escolas.
O PSTU acredita que a pauta das mulheres é parte fundamental de qualquer programa que pretende enfrentar radicalmente o atual sistema, capitalista, em que a exploração de centenas de milhares de trabalhadoras alimenta todos os dias o lucro de poucos. Para nós, não é secundário falar dos temas que afligem a vida das mulheres, ao contrário, acreditamos que cada passo que se avança na luta por seus direitos é uma conquista de valor incalculável para a classe trabalhadora em geral. Uma nova sociedade não poderá surgir sem que nela as mulheres possam viver livremente, amar livremente, sonhar livremente.
Aqui em Fortaleza os conservadores também estão fazendo campanha para que a população não vote em quem defende a criminalização do aborto (que é um código para valores que não ficam só nisso). Aqui eu já decidi: pra vereadora, votarei em Sonia Braga (não a que vocês estão pensando), do PT-CE (13222). Acho que mudei de ideia (vejam o PS abaixo).
Em Curitiba, uma ótima opção para vereadora, além da Xênia Mello (PSOL-PR, 50069) é a Juliana (PT-PR). 
Ela me enviou a apresentação da fanpage dela no Facebook: "Juliana Souza, 24 anos, é assessora da Secretaria de Formação Sindical da CUT, formada em Artes Cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná. Integrou a companhia SUBJÉTIL como atriz e produtora e sempre participou dos movimentos sociais, foi representante discente no Colegiado da faculdade, participa da direção da Juventude do Partido dos Trabalhadores no Paraná e atua nos movimentos de mulheres e LGBT. 
Na CUT trabalhou no projeto Formação para Formadoras, na divulgação da Lei Maria da Penha e no combate à violência contra a mulher. Atualmente desenvolve cursos de formação sindical, que resgata a história de luta e conquistas da classe trabalhadora. É locutora da Rádio Parada Lésbica nas segundas à noite, blogueira e militante das causas das Mulheres, LGBT, Cultura e Juventude".
Ela também me mandou algumas artes que faz junto com sua esposa. Tudo é feito por elas, já que "a campanha é jovem, feminista, LGBT e sem verbas". Ela também tem um blog

E vocês, já têm suas candidatas?  
P.S.: Que horror, gente! Estava falando com uma leitora no twitter e ela me disse que foi a um site tentar encontrar uma candidata com seu perfil, e o site recomendou Isabel Carneiro (PSOL-CE, 50555). A leitora me perguntou se eu já tinha ouvido falar nela, e eu respondi que o nome me soava familiar. Dã! É claro que o nome é familiar! Eu a conheci ontem, no debate sobre aborto! Ela é bem novinha, totalmente feminista, e fala super bem. Não sabia que ela era candidata. Meu voto pra vereadora é dela.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

POR UM BRASIL SEM HIPOCRISIA

Só a hipocrisia pra explicar porque aborto é um tema tão tabu. Motivos pra interromper uma gravidez sempre existiram, o que explica porque abortos sempre existiram. E sempre vão existir, independente da minha opinião sobre o assunto. Isso porque a decisão de ter ou não um bebê não é minha, e nem deve ser do Estado, e muito menos da igreja. Deve ser de quem está grávida.
Hoje é Dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto. Esta data é importante porque continuamos sendo dos países mais atrasados do mundo em matéria de direitos reprodutivos. 
Na terça, o Uruguai mostrou que é mais inteligente que a gente e aprovou o aborto (ainda precisa passar no Senado). Um deputado da oposição ao governo de esquerda de Pepe Mujica se recusou a votar com seu partido, que exigia que o aborto continuasse proibido. Justificou ele: “Há dois tipos de sociedades que condenam o aborto: as que têm um poder religioso tão forte a ponto de submeter as liberdades ao dogma, como as muçulmanas, ou as democráticas porém hipócritas, como a nossa”. A nossa também.
Infelizmente o Brasil, que também deveria ter um governo de esquerda, aliou-se à bancada religiosa. Em fevereiro, peritos da ONU colocaram o governo contra a parede. Citaram a cifra assombrosa de 200 mil mulheres mortas por ano por abortos clandestinos, e perguntaram: o que vocês vão fazer? Vocês vão continuar se aproveitando da divisão da sociedade sobre esse assunto para não fazer absolutamente nada? O governo só balbuciou que essas decisões não cabem ao executivo.
Em abril, o Supremo Tribunal Federal aprovou que grávidas de fetos anencéfalos podem abortar sem ter que recorrer à Justiça. Parece mentira, mas nossas leis retrógradas forçavam a gestante a levar em seu ventre até o final da gravidez um feto que nasceria morto, ou morreria minutos depois. E parece mentira também que até para derrubar uma crueldade dessas apareceram montes de fanáticos para crucificar as mulheres, clamando que um bebê sem cérebro têm direito a nascer, e que milagres acontecem, e que se dane a mãe porque, no mundo da religião, a mulher tem duas opções: ser manjedoura ou ser caixão.
Em junho, na Rio+20, um retrocesso, mais uma vez causado por líderes religiosos: o termo direitos reprodutivos ficou fora do relatório final da ONU como meta de saúde pública.
Agora o Brasil discute a reforma do Código Penal, já que o texto ficou estacionado em 1940. A inovação, proposta pela Comissão do Senado, é que uma mulher possa fazer aborto até a 12a semana de gravidez. Só que tem um detalhe: ela precisaria de um laudo médico ou psicológico comprovando que não pode arcar com a maternidade. Seria um avanço em comparação às leis arcaicas que temos hoje, mas, ainda assim, está muito longe do ideal -- a mulher continuaria sob a tutela do Estado. O corpo seguiria não sendo dela.
Não tem jeito. Toda discussão sobre a legalização do aborto descamba em duas vertentes: ora a religiosa, ora a mesma velha regra de controlar o corpo da mulher. Um corpo que, numa sociedade patriarcal e misógina, está sempre sob suspeita. Um corpo que é visto apenas como receptáculo de um ser muito mais importante que a mulher, que é o feto (ainda mais se for menino). Por isso que acho complicado ser feminista e ser contra a legalização do aborto. Ser feminista e ser pessoalmente contra o aborto (ou seja, se você engravidar, não vai abortar)? Beleza, entendo totalmente. Mas estender a sua vontade para bilhões de mulheres, ainda mais sabendo que um milhão de abortos clandestinos são realizados no Brasil todo ano, e que milhares de mulheres morrem em decorrência desses abortos malfeitos? E é uma atitude elitista, porque raramente são as mulheres ricas e de classe média que morrem em abortos clandestinos.
Quem crê que a gestação começa na concepção condena até a pílula do dia seguinte. Afinal, ela é abortiva, mesmo que esteja “assassinando” um grãozinho de pó imperceptível. Para outras pessoas, cientistas inclusive, só há vida com o desenvolvimento do cérebro, o que demora semanas pra acontecer. Não dá pra menosprezar a importância do cérebro nessa história (até porque é ele também que comanda o sentimento de dor). É só ver que, no caso de um adulto, quando há morte cerebral considera-se que a pessoa está morta, mesmo que ainda possa ser mantida “viva” através de aparelhos.
Portanto, o pessoal contra aborto trabalha sempre com expectativa de vida. E essa é uma coisa que pouca gente comenta, mas essa expectativa é bastante tênue. Quem nunca ouviu falar de uma mulher que teve um aborto espontâneo? Eu conheço um monte. O caso mais triste foi de uma colega (numa escola em que eu trabalhava) que estava fazendo tratamento pra engravidar havia anos. Quando finalmente deu certo, ela e o marido contaram pra todo mundo. Só que pouco depois ela perdeu o bebê. Ela ficou arrasada, até porque os “Parabéns!” e “Pra quando é?” e “Como vai se chamar?” continuavam vindo. Cada vez que isso acontecia, ela chorava. Muito.
O que pouca gente comenta é que 25% das gestações resultam em aborto espontâneo no primeiro trimestre. Ou seja, é a coisa mais comum que existe. Tanto que, em inglês, existe uma palavra para abortos naturais (miscarriage) e outra para abortos provocados (abortion). É tão comum que muitas gestantes evitam contar que estão grávidas pra parentes e amigxs. Elas só contam após o primeiro trimestre, após o “bebê vingar”. Mas aborto natural é um assunto tão tabu que uma leitora que tinha acabado de sofrer um aborto espontâneo, em abril, deixou seu depoimento, relatando não ter encontrado quase nada na internet sobre um tema que é tão frequente.
Por que gastamos tanta saliva pra condenar o aborto induzido, ao mesmo tempo que fingimos não ver que uma em cada quatro gestações termina em aborto espontâneo? Será porque a ideia de interromper uma gravidez passa a ser bem menos terrível quando sabemos que isso acontece naturalmente, querendo ou não? Afinal, estamos falando em legalizar o aborto para que ele seja realizado mais ou menos no mesmo período em que ocorre o aborto espontâneo (no primeiro trimestre). E, por mais triste que seja ter um aborto espontâneo, quando isso ocorre não se fala em funeral, não se tem um nome pro feto. Ele não era um bebê, muito menos uma criança. Ele era uma expectativa de vida. Que não se concretizou.
Outra questão interessante é aquela do “se você não queria um bebê, por que não se cuidou?” –- que é sempre dirigido apenas à mulher. Bom, eu defendo que as pessoas usem sempre camisinha, que “se cuidem”. Mas você já parou pra pensar como é comum engravidar sem querer? Eu já li uma estatística que dizia que metade dos casos de gravidez era não planejada. Aí me corrigiram e falaram que o porcentual estava mais pra 80%. Em outras palavras, a esmagadora maioria das gravidezes são sem planejar. Atenção: não planejado não é necessariamente indesejado. A pessoa pode não ter planejado, e ainda assim vir a gostar da ideia e, a partir daí, desejar a gravidez.
Esta é uma vantagem que os casais gays têm sobre os casais hétero, e ninguém fala nisso, né? Casais gays não ficam grávidos acidentalmente. Eles têm mais tempo de pensar, de planejar o futuro. Pais que planejam a gravidez não são necessariamente melhores que os que não planejam, mas convenhamos: é bom poder ter controle da situação. E nós héteros não temos. Duvida? Pergunte pra sua mãe ou pai se você foi fruto de uma gravidez planejada. Porque as chances são que você (e eu) não fomos.
Onde eu quero chegar com isso? Só quero mostrar que engravidar sem planejar não é irresponsabilidade de jovens inexperientes de 16 anos. Não é aquela pessoa que pensou que transar uma vez sem se preocupar com anticoncepcionais não daria problema. Estamos todos no mesmo barco. Gravidezes acidentais acontecem. Pelo jeito, somos uma espécie que se reproduz meio sem querer. E vamos continuar nos reproduzindo, mesmo que muitas mulheres decidam que aquele não é o momento apropriado pra ter um filhx. 
Mas é aí que parece estar o problema: na autonomia da mulher sobre seu corpo. Uma sociedade patriarcal abomina abrir mão desse controle. Então fica a pergunta aos que insistem tão veementemente que nosso corpo não nos pertence: vocês são pró-vida ou apenas pró-feto ou pró-nascimento? Porque essas mesmas pessoas que são contra o aborto também são as que desprezam mães solteiras, as que não querem que o governo invista em creches, as que não aceitam nenhum modelo de renda mínima, as que são contra as cotas nas universidades públicas, e as que são a favor da pena de morte e da violência policial. Então realmente fica parecendo que o conceito de pró-vida de vocês acaba alguns segundos depois do nascimento. E a vida é um pouquinho mais longa que isso.
Vamos deixar de hipocrisia. O aborto já é realizado em massa no Brasil. Com a descriminalização, ele deixaria de pertencer à esfera policial e passaria a ser parte da esfera da saúde. Com a legalização, as vidas de muitas mulheres seriam salvas e, provavelmente, o número de abortos cairia (foi isso que aconteceu nos países que legalizaram o aborto). Em outras palavras, já passou da hora dos pró-vida-até-o-parto-depois-salve-se-quem-puder aceitarem discutir seriamente o aborto. Se a preocupação de vocês é com a vida, vocês estão fazendo isso errado. 



Hoje temos duas lindas trilhas sonoras pra protestar pelo Dia Latino-Americano da Legalização do Aborto: “Ventre Livre de Fato”, das Católicas pelo Direito de Decidir, com letra de Luana Hansen e Elisa Gargiulo (vou incluir aqui a foto que ela tirou comigo na última vez que estive em SP. Eu nem sabia que ela era a famosa Elisa!). E “Diga Sim às Nossas Vidas”, do SOS Corpo, grupo feminista de Recife. 
Hoje, daqui a pouquinho, às 14 horas, vou participar deste seminário sobre a legalização do aborto. Será na UFC, campus Benfica, Centro de Humanidades III, Depto. de Ciências Sociais, Auditório Luiz de Gonzaga. Apareça!

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

MOÇA LEILOA VIRGINDADE, E O QUE A GENTE NÃO FARIA

Bastante gente tem me pedido pra eu comentar a notícia sobre a brasileira leiloando a virgindade. Pra quem não sabe, um produtor australiano está rodando um documentário chamado Virgins Wanted. Dois anos atrás, ele procurava virgens. 
Catarina, brasileira, hoje com 20 anos, e Alex, russo, 23 anos, se inscreveram e receberam 20 mil dólares cada e acompanhamento psicológico. Outras três ou quatro pessoas virgens também se inscreveram, mas acabaram desistindo. O documentário, pelo que entendi, pretende falar dessas experiências iniciais. O ponto polêmico que atraiu a mídia é que esta primeira vez está sendo leiloada.
Até agora, e o leilão prossegue até meados de outubro, o maior lance para Catarina é de 155 mil dólares; para Alex, mil. O produtor garante que os jovens ficarão com todo o dinheiro.
Há uma série de regras para essa relação sexual, que acontecerá nos ares, num avião particular, para que não haja problemas com as leis de qualquer país. Não pode beijar, não pode fazer sexo oral nem anal, e tem que usar camisinha. Não há especificações quanto ao sexo do comprador ou compradora -– o que quer dizer, na prática, que já tem um monte de gente fazendo piadinha sobre Alex ter que transar com um homem.
Mas quem quer saber de Alex? Só se fala em Catarina, talvez por ela ser brasileira, certamente por ser mulher, e pelo valor que sua virgindade vem alcançando. O que vejo nos comentários das notícias é gente condenando a moça, dizendo que este mundo está perdido, ou fazendo a avaliação física dela (“eu não dava nem cinquenta reais”). Ela diz que está bem, que não se considera uma prostituta, que quer usar parte do dinheiro para um projeto de casas populares, e que depois estudará medicina na Argentina.
Bom, o que dizer dessa história toda? Primeiro, o óbvio ululante: o corpo é dela, e ela tem o direito de fazer o que quiser com ele. É prostituição, porque é trocar sexo por dinheiro, mas concordo com o que ela diz numa entrevista -- que isso não faz dela uma prostituta: “Quando alguém faz uma coisa uma vez na vida, não é considerado dessa profissão. Se você tira uma foto e sai legal, não é fotógrafo por isso”.  Ela vai se prostituir uma vez, e espero, pela estigmatização que a profissão tem, que não seja vista como prostituta pro resto da vida. A hipocrisia é que muita gente que condena a prostituição é também freguês dela.
Eu, pessoalmente, não gosto de prostituição. É um trabalho em que mulheres, na sua imensa maioria, alugam seus corpos para homens. E isso não acontece porque homens gostam de sexo e mulheres não (essa mentira absurda que tanta gente adora repetir). Acontece porque quem ainda detém a maior parte do capital no mundo são homens. Acho que, numa sociedade que não fosse patriarcal, a prostituição não existiria, ou seria muito restrita. Mas sou a favor da legalização da prostituição, e nunca condenaria ou discriminaria uma prostituta. Elas devem ter direitos assegurados como qualquer outrx profissional.
Mas estamos falando de leiloar a primeira vez. Espero que o destaque que este caso vem recebendo não incentive outrxs jovens a se prostituírem. Até porque se alguém pensa que vai ganhar 150 mil dólares por uma noite, pode esquecer. A imensa maioria das prostitutas não é top de luxo. 
Pelo pouco que sei, leilão de virgens sempre foi comum em casas de prostituição. Até posso entender o fascínio que ser o primeiro tinha pro comprador quando “mulher honesta se casava virgem”, mas hoje em dia o hímen perdeu muito de sua importância (ainda bem!). Suponho que deve ser uma questão de status pra quem tem uma fortuna sobrando e não sabe o que fazer com ela.
Bom, sabe o que tudo isso me lembra? Um filme de quase vinte anos atrás, Proposta Indecente, que a maior parte de vocês nem deve ter ouvido falar porque não estava viva na época. Demi Moore e Woody Harrelson formam um casal apaixonado, mas com dificuldades financeiras. Eles vão pra Las Vegas e lá conhecem o milionário Robert Redford, que oferece um milhão de dólares pro Woody se ele permitir que a Demi passe uma noite com ele (ela tem que consentir, claro). Todo mundo topa, e isso quase destrói o casamento. É uma lamúria só.
Aí eu lembro de duas coisas: uma, do texto hilário da Libby, uma de minhas críticas de cinema favoritas. Ela conta que imaginava que, terminada a noite, Demi chegaria em casa, abriria a porta, e Woody gritaria: “Iupiiii! Estamos ricos!”. Ao que Demi responderia: “Como assim, 'estamos'?”
A outra coisa que me lembro é que, devido ao sucesso do filme, fizeram uma pesquisa com mulheres em SP. A pergunta era: “Por um milhão de dólares, você faria sexo com o Robert Redford?” E a imensa maioria respondeu que não! Tá, pra ser franca, não lembro direito se a pergunta envolvia o Redford, que hoje tá meio velhinho, 76 anos já, mas em 1993... Acho que envolvia sim. Tipo, levanta a mão quem transaria com o Redford de graça! (Eu! Eu!). E levanta a mão quem pagaria um pouquinho pra transar com ele (aí eu me calo por questões éticas: sou pão dura).
Sinceramente? Acho que a maior parte das pessoas de qualquer sexo toparia rapidinho ganhar um milhão de dólares por uma noitada (e nem precisa ser com o Redford). Quase todo mundo sonha em ficar rico sem grande esforço, o que explica a arrecadação das loterias. Tem um montão de gente criticando a Catarina por leiloar sua virgindade. Essa mesma gente trocaria de lugar com ela num piscar de olhos.