segunda-feira, 20 de junho de 2005

CRÍTICA: HERÓI / I coraçãozinho China

Aleluia, estreou um filme chinês aqui em Joinville, “Herói”, e tá passando um outro, “Clã das Adagas Voadoras”, do mesmo excelente diretor, Yimou Zhang (do belo “Lanternas Vermelhas”) em Blumenau. Ter um festival de cinema chinês aqui em SC é uma idéia bem mais atraente a ter uma, sei lá, Retrospectiva Vin Diesel ou qualquer outra bomba que Hollywood esteja planejando despejar sobre nós. “Herói” se passa dois mil anos atrás e conta um pouco da história da China, quando aquele país ainda não tinha um bilhão e quebrados de habitantes. Nem era um país, mas regiões que guerreavam entre si. Um imperador tirano (redundância?) quer conquistar todas as regiões, mas tem três inimigos, exímios lutadores. Um homem solitário, que calhou de ser o Jet Li, derrota esse pessoal e ganha, como recompensa, a honra de ficar a dez passos do rei. Toda essa sub-trama de que é um privilégio incontestável tomar chá pertinho do poder mostra bem o que é a tirania, em qualquer lugar, em qualquer época.

E agora vem o grande desafio: conseguirei falar de “Herói” sem recorrer aos clichês? Acho que não. Vamos acabar logo com isso: este épico tem imagens de rara beleza, cenas deslumbrantes, é um espetáculo visual, um balé de artes marciais. Tudo é lindo - as aulas de caligrafia na areia, as flores e folhas que mudam de cor, o enxame de flechas, o jogo de varetas, as gotas de chuva. E os próprios atores, claro. Os chineses são muito bonitos (e estão lá pra não me deixar mentir a Maggie Cheung e o Tony Leung, o par romântico de “Amor à Flor da Pele”). E, no entanto, o filme parece ser mais longo do que é. Ele cansa um pouco depois de um tempo, e a mensagem, contada à la “Rashomon”, é bem retrógrada. A produção pergunta se há guerras que são benéficas. Vale a pena matar quilos de gente pra poder unir os povos? Traduzindo pro nosso contexto, é mais ou menos assim: se eu chegasse a dez passos do Bush, eu hesitaria em matá-lo? Afinal, até o Coisa Ruim tem seu lado bom: ele trucida milhões de iraquianos e afegãos pra unir um povo (o americano). Olha, melhor ignorar a mensagem reaça e me concentrar na educativa. Todo mundo em “Herói” diz “por favor” e “obrigado” antes de enfiar a espada em alguém. É um exemplo pras crianças.

Mas por que eu não gostei de “O Tigre e o Dragão” e gostei muito de “Herói”? Difícil explicar. Entrei mais no clima de “Herói”, compreendi a mitologia dos guerreiros voadores, e pelo menos desta vez não há nomes compostos pra me distrair, tipo Velho Touro Sentado ou Cachorro Chorão, só pra ficar nos exemplos aqui de casa. Os nomes em “Herói” são mais simples, Espada Quebrada, Lua, Neve, Sem Nome. E por que gostei mais de “Kill Bill”? Meu chute é que o sangue faz falta à “Herói”. Dá a entender que essas brincadeirinhas com espadas, lanças e flechas são inofensivas. Ninguém nem perde a cabeça, ué. Acho que prefiro minhas vinganças mais vermelhas.

CRÍTICA: DANÇA COMIGO / Baila comigo?

Sou suspeita pra falar de um filme chamado “Dança Comigo?” porque já me pronunciei diversas vezes sobre minha paixão por musicais. Não que o título citado acima seja um musical, mas, sei lá, com esse nome um terror sangrento é que não é. Bom, dizem que essa produção americana é uma refilmagem de uma película japonesa de 96 que não vi. Acho horrível quando os ianques pegam uma história legal e a refazem tintim por tintim só porque ela não era falada em inglês, mas também tem o outro lado: o filme japonês não chega a Joinville, o americano, sim. Claro que todos nós podíamos seguir vivendo sem ver qualquer uma das versões, mas “Dança”é bonitinho e não tem vilões. Me fez sair da sessão dando uns passinhos saltitantes, agarrando o maridão e adaptando o título, que virou “Dança Comigo AGORA, Seu Energúmeno”. Se tivesse uma escola de dança de salão por perto, eu nos inscreveria no ato. Mas jamais por 45 dólares a hora, que é o preço da hora/aula em “DC”.

Como você pode notar, estou evadindo o tema Richard Gere o quanto posso. O galã grisalho tá no filme, pra delírio das suas fãs. E aqui ele repete uma de suas marcas registradas, à la “Uma Linda Mulher” e “A Força do Destino”, que é quando ele chega pra sua amada, todo chique num smoking, com uma rosa na mão e sua pose mais sexy. Houve um enorme suspiro coletivo no cinema neste momento. Acho que até os marmanjos emitiram alguns sons. O mais interessante é que o Gere fica mais charmoso à medida que o filme progride, até alcançar o clímax na cena da escada rolante, e tudo isso por causa da dança, acredite se quiser. No começo ele é só um advogado entediado que entra numa academia de dança pra ficar mais perto da Jennifer Lopez, que faz uma instrutora triste (e sua interpretação não é muito mais feliz). O personagem do Gere é casado com a Susan Sarandon, mas eles já estão num estágio do casamento onde os dois são apenas bons amigos. Sabe como no caso Mônica Lewinsky a grande questão era “Sexo oral é sexo?”. Então, em "DC" poderia ser “Dançar com outra constitui adultério?”. A Susan até contrata um detetive particular pra descobrir o que o Gere anda aprontando, e um dos problemas é que há mais atração e empatia nos instantes entre ela e o detetive do que em qualquer cena dela com o Gere.

Os coadjuvantes, aliás, roubam todas as cenas, principalmente a Lisa Ann Walter (não sei quem é, parece que ela esteve em “Todo Poderoso”) como a dançarina sem simancol e o Stanley Tucci como um carinha que tem vergonha de se declarar apaixonado pela dança. Esta, por sinal, é a verdadeira mensagem do filme: homens, parem de achar que dança é coisa de gay. O Gere, que não tem nada de gay, fica bem dançando. Se bem que o Gere fica bem parado, sentado, deitado...

CRÍTICA: A INTÉRPRETE / Alguém aí fala Ku?

Desconfio que “A Intérprete” seria um filme mais interessante se fosse um documentário sobre a profissão. Não que seja ruim, pelo contrário. Comparado às baboseiras que vêm sendo exibidas, é uma maravilha. E deve ser superior àquela outra produção que tá passando com a Nicole Kidman, “Reencarnação”, em que um menininho surge do nada e diz pra ela que é seu marido morto, e ela acredita! (eu vi o trailer). Mas devo confessar que assistir aos cachorrinhos e gatinhos brincando e pulando na vitrine do shopping suscitou mais emoções que “Intérprete”.

A história começa num país da África, Matobo, onde todo mundo fala Ku e onde um ditador sanguinário dizima a população. Não adianta correr pro Atlas pra procurar a tal nação, porque ela não existe. Nem a língua. Aliás, depois dessa tá provado que Hollywood desconhece que boa parte do planeta fala português - eles podiam dar o nome que quisessem à língua que inventaram, e a chamam de Ku?! (as legendas tentaram disfarçar colocando um h, mas não funcionou. As risadinhas eram freqüentes quando alguém dizia “eu domino Ku” ou algo assim). Bom, a Nicole faz uma matobense exilada que não só fala Ku, como é intérprete nas Nações Unidas. E é claro que a Nicole, com sua pele quase transparente e seu cabelo praticamente branco lhe cobrindo metade da face, é a escolha natural pra fazer uma africana. Pra variar, como em quase todos os filmes que Hollywood faz sobre a África, aqui os protagonistas também são brancos, o que já fala bastante sobre o suposto liberalismo da Academia. A idéia é mais ou menos assim: “Vamos mostrar que sabemos onde é a África e que nos preocupamos com ela. Mas como 90% do nosso público é branco, e o único negro que eles pagam pra ver é o Will Smith, vamos encher de astros brancos”. E nem dá pra criticar porque tem muito mais ator negro no cinema americano do que na TV brasileira, e lá eles representam 13% da população, e aqui uns 45%, mas não, não somos um país racista. Racistas são os argentinos.

Ahn, continuando, a Nicole ouve um diálogo em que um pessoal planeja o assassinato do ditador em plena ONU. Entra em cena o Sean Penn como homem amargurado e agente secreto que vai proteger a Nicole. Eu adoro o Sean, então não vou falar nada de como cada um dos cinco roteiristas do filme (eu disse cinco) deve ter adicionado uma subtrama, e como o próprio personagem do Sean deve ter sido uma dessas colaborações coletivas. Só posso dizer que quando um thriller político consegue ser complicado e previsível ao mesmo tempo é porque ele tem problemas.

Mas gostei de uma das subtramas, a que repete que “vingança é uma forma preguiçosa de dor”, e também da seqüência da explosão de um ônibus. Se bem que, pensando bem, essa cena não tem nada a ver com o resto do filme. E é sempre bom ver dois ótimos atores numa história adulta, dirigidos pelo Sydney Pollack, que já fez obras importantes como “A Noite dos Desesperados” e “Tootsie”. Mas, sinceramente, “A Intérprete” só entra pros anais do cinema por ser a primeira produção filmada dentro da ONU. E isso não é suficiente pra que alguém se lembre do filme na semana que vem.

CRÍTICA: CRUZADA / Cruzada não é sobre a dita cuja

Pois é, aprendi no cinema que mil anos atrás as pessoas promoviam guerras pra impor seu estilo de vida sobre as outras. Ainda bem que a humanidade evoluiu, né? Ahn, só uma dica pra você não se decepcionar demais se for ver “Cruzada” esperando uma aula de história sobre, bem, as cruzadas: o filme não é sobre isso. Nem é esse o título em inglês, mas “Reino dos Céus”. Então não dá pra falar mal da aventura por ela não fazer o que nunca se propôs a fazer. “Cruz” trata justamente de um breve período de paz entre todas aquelas cruzadas que aconteceram na Idade Média. Acho que é 1185, algo assim. Nesta época, Jerusalém, o tal reino, estava sob o comando dos cristãos, mais especificamente de um rei leproso que permitia que os islâmicos rezassem lá. Mas tinha cristão que queria mais era liquidar todos os islâmicos e islâmico que queria tomar o poder em Jerusalém.

Como esta superprodução não é nem de longe um documentário, ela mais ou menos fala dessas coisas sob a ótica de um ferreiro que se envolve nessa salada toda. O ferreiro, e também herói do negócio, é o Orlando Bloom, que a gente já viu em “Tróia” e talvez você tenha visto em “Senhor dos Anéis” (porque eu dormi). Ele é uma gracinha, mas seu personagem é meio estranho - tem o talento de sobreviver quando todo mundo à sua volta morre. É assim, sabe? A gente pisca e de repente o navio que carrega nosso relutante herói sofre um acidente. Depois ele se apaixona por uma princesa, e foi nesse ponto que eu não entendi mesmo. Olha só, o sujeito recebe a proposta de se casar com o que parece ser a única mulher do filme. Ele gosta dela, ela gosta dele, e ela está prestes a se tornar rainha, o que faria dele rei. Convenhamos que deve ter sido melhor ser rei que peão na Idade Media (hoje, com os tablóides sensacionalistas, não tenho tanta certeza). Mas ele recusa por princípios e vai contemplar cavalos no meio do deserto. Ah, outro aspecto obscuro é que ele é francês, seu pai, Liam Neeson, também, e seu arquiinimigo idem. Mas todos falam inglês perfeitamente, tirando o vilão, que tem um leve sotaque francês (em compensação, ninguém, de nenhuma nacionalidade, toma banho).

Se “Cruzada” não é ruim, tampouco é muito bom. Coluna do meio pra ele. Pelo menos tem um ritmo e um clima legais, mas é no mínimo sinal de preguiça começar e terminar uma história com legendas explicativas. E achei as cenas de luta bem ruinzinhas. Apesar dos ataques ao forte serem críveis, as brigas corpo a corpo estão mal-editadas e confusas. E nem são violentas. Parece que a guerra apenas faz os homens mais empoeirados. Mas quem amou “Gladiador”, que não é o caso desta que vos fala, não vai ter do que reclamar. O diretor, Ridley Scott, tem no seu currículo uma obra-prima, “Blade Runner” (não a versão do diretor, mas aquela com a narração displicente do Harrison Ford), obras que influenciam como “Alien”, e bombas como “Hannibal”. Mas, se for comparar com o irmão dele, o Tony de “Ases Indomáveis”, ele é um gênio. Ao contrário do que o Ridley fez naquela propaganda bélica chamada “Falcão Negro em Perigo”, aqui ele não levanta a bola dos americanos. Tudo bem, é verdade que os americanos não existiam há mil anos (e nem assim o mundo era melhor), mas digamos que falar de cruzada hoje lembra bastante o que a direita cristã quer fazer com os muçulmanos. Estamos acostumados ao pessoal religioso que adora matar em nome de Deus, e Jerusalém continua sendo um palco de atrocidades. Seria fácil pro Ridley satanizar o comandante islâmico, que é a cara do Bin Laden, e pintar os cristãos como mocinhos. Não é isso que ele faz. Eu contei uns três vilões no filme, e nenhum é islâmico. O protagonista é cristão, mas tá mais pra católico relaxado. E ele perde sua fé. “Cruzada” quase parece o ponto de vista de um ateu que acha estúpido os outros ficarem brigando por lugares sagrados. Certamente não é um filme que justifica o fanatismo.

E no entanto, falta um pouco mais de ousadia à “Cruz”, o que “Alexandre” tinha mais. Se bem que a Idade Média segue exercendo seu fascínio. Talvez a gente ainda precise de um filme sobre cruzadas de verdade, quiçá um mais sério que “Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”.

CRÍTICA: CLÃ DAS ADAGAS VOADORAS / Mais poesia nas artes marciais... Cansei!

Antes da tomada das telas por Darth Vaders e outros impérios do mal, ainda dá pra prestigiar a raríssima invasão chinesa. Chegou agora “O Clã das Adagas Voadoras”, do mesmo diretor de “Herói”, Yimou Zhang. Aliás, minha dúvida continua: é o clã ou a clã? Devo dizer que gostei mais de “Herói”, que pra mim teve mais encanto e imagens mais bonitas. Não que “Clã” seja ruim, mas digamos que eu não esteja exatamente prendendo a respiração pra ver o próximo filme em que a arte marcial seja tratada poeticamente.

Clã” fala da China em 859, quando a corrupta dinastia do suco de laranja Tang está chegando a seu fim graças a várias organizações que a combatem. Uma delas é a tal clã. Ou o tal clã, você que sabe, dessas adagas que dão piruetas no ar antes de atingir suas vítimas. Mas tudo isso é pretexto pra um romântico triângulo amoroso envolvendo uma dançarina e lutadora cega e dois policiais que a seguem pra tentar alcançar os líderes do clã. O problema é que o filme é longo, ou pelo menos parece longo, e isso de um enganar o outro e o outro enganar um acabou enganando esta espectadora aqui, que se cansou depois de um tempinho. Daí passei a me preocupar com questões mais ecológicas. Por exemplo, mataram muitos cavalos durante as filmagens? Não vi nenhum aviso em mandarim afirmando que os cavalinhos não foram machucados. E tem os esquilos também. E todas aquelas árvores cortadas, então? A seqüência mais deslumbrante passa-se numa floresta de bambu, mas há outra mais pro começo com um Jogo do Eco - que não tem nada a ver com o resto da trama, mas serve como deixa pra aparecem dezenas de belos tambores. E a gente sabe que tá vendo uma fantasia quando o carinha pergunta pra heroína se ela já ouviu falar do tal jogo, ela diz que sim, e de repente surgem todos aqueles tambores que devem ter levado uma década pra fazer. E francamente, por mais crédula que eu seja, só consigo aceitar que alguém que recebeu uma adagada no coração ande com grande desenvoltura se me falarem que trata-se de um guerreiro lendário e imortal. Isso tava claro em “Herói”, mas aqui... Aliás, parece que o diretor ouviu minha queixa sobre a falta de sangue em “Herói” e decidiu: “É sangue que você quer? Então toma!”. E jogou um pouquinho de tinta vermelha nas cenas finais.

E mesmo assim, se “Clã” é pra ser uma história de amor, não fiquei nada comovida. Talvez, como me xingou um leitor que certa vez odiou o que escrevi, eu seja uma crítica cinematograficamente frígida. Ou talvez eu estivesse ocupada demais pensando nos cavalinhos e em como as coisas mudam pouco ao longo dos séculos. Assim: a mulher não quer fazer sexo, o homem insiste, e pra engabelá-la insiste que o caso é sério. E os patrões daquela época não deviam nada aos de hoje, dando ordens como “Não tira a adaga das suas costas” e “Sabe aquele um que você ama? Mate-o” (com outras palavras, claro, e em mandarim).

Desnecessário dizer que os chineses seguem lindos. A Ziyi Zhang é bonitinha, mas o Takeshi Kaneshiro é um colírio. Se eu fosse adolescente, cobriria meu quarto com posters desse ator. Mas talvez o que eu tenha gostado menos sobre a personagem da Ziyi é que ela é quase estuprada vezes demais pro meu gosto. E o que gostei mais do Takeshi é seu manejo com arco e flecha. Quisera eu usar flechas igual ao nosso herói: quatro de uma vez, todas atingem o alvo ao mesmo tempo. Enquanto isso, de volta à realidade, descubro que o maridão não consegue acertar nem o vaso do banheiro.

CRÍTICA: STAR WARS, A VINGANÇA DOS SITH / A vingança contrataca?

Nunca pensei que algum dia escreveria sobre um episódio de “Star Wars”. Sempre mantive distância da série. Nem em 1977, quando eu tinha dez aninhos, me senti instigada a ir ao cinema. Ano retrasado, por aí, vi “O Ataque dos Clones” sem querer, numa viagem de ônibus, o que não me fez sentir a menor vontade de correr atrás dos outros quatro capítulos. Mas agora assisti ao "Episódio 3 - A Vingança dos Sith” porque juraram que ia ser o último (duvido, deve pintar mais uma trilogia). Como quase todo crítico da minha idade, só posso falar da série pensando no que ela representa pessoalmente. No meu caso, nada. Não sei se é por ser mulher. Não lembro que filme ruim já dizia que uma das diferenças básicas entre meninos e meninas é que só os meninos fantasiam em lutar com espadas de sabre de luz. É evidentemente uma coisa fálica. Eu só não sabia que os trecos cortavam. Ou seja, somando as comparações tipo “quem tem o maior?” com o medo da castração, a gente acaba com uma visão falocêntrica do negócio. A própria série mostra bem essa divisão entre os sexos. Os guris crescem pra ser ótimos guerreiros, úteis num mundo mergulhado em guerra permanente, bem parecido com a filosofia de um certo país, logo o mais poderoso do planeta. As garotas crescem pra ser princesas delicadas com penteados medonhos, prontas pra ser salvas por seus heróis encantados.

Pode ser que o meu desdém pela série se deva também ao fato de “Star Wars” ter revolucionado o cinema. E não foi pra melhor. O sucesso ajudou a infantilizar os filmes. De repente, não eram mais historinhas juvenis que eram feitas pra crianças (geralmente meninos) de 9 a 12 anos - eram todas as produções. E se os adultos quisessem ver algo mais adequado a sua faixa etária, bom, problema deles. Com o tempo, os adultos ou pararam de ir ao cinema ou se conformaram com a situação. Hoje em dia praticamente tudo em Hollywood é pensado pro espectador mirim. E essa praga começou naquela galáxia distante de 77.

Qualquer “Star Wars” é como um videogame. Parece que os personagens vão mudando de cenário a cada nova etapa. São filmes interativos, feitos pro garoto curtir a aventura, jogar o game, brincar com os bonequinhos à venda, entrar num site pra discutir a trama e, nos casos mais patológicos, desses que demandam internação imediata mesmo, vestir-se como seu personagem favorito e ir às convenções. Tudo isso, claro, rende uma montanha de dinheiro ao George Lucas que é, sei lá, um pouco mais que um puro sonhador visionário. O cara é um megaempresário, e sabe bem o que faz. Ou quase, já que é famoso também por escrever diálogos chinfrins e dirigir mal os atores. Mas ninguém que vai prestigiar “Star Wars” se interessa por atuações ou diálogos, né?

Bom, agora que já dei minhas impressões sobre a série, melhor falar da “Vingança”. Aqui a gente testemunha o jedi Anakin virar Darth Vader. Como eu vi “Clones”, pude constatar que o Hayden Christensen, que faz o Anakin, é ruim que dói. Mas aqui ele até que tá bem. Gostei do misto de pesadelo e premonição que ele tem com a morte da sua mulher. Ele nem desconfia que será ele que vai causar sua morte, de um jeito ou de outro. E quer saber? Compreendi totalmente a motivação do Anakin. Olha só, ele sonha que a amada vai morrer durante o parto. Vai pro sábio Yoda e ele lhe diz, ó não liga não, aprenda a se desprender. Daí vai pro conselheiro malvado e ele lhe diz, ó, se você virar mau, eu te ensino umas coisinhas sombrias pra salvar seu amor. Quem não se tornaria um Darth Vader dada essa escolha?

E entendi o porquê do encanto que a série tem entre as crianças. Coitadinho, o Anakin é mandado já pro seu quarto. Ele pode até participar de um conselho aí, desde que não seja considerado um adulto, quero dizer, um mestre. Dá pra se identificar. Mas as cenas de batalha cansam, e todo o excesso visual e sonoro, idem. Dizem que esse terceiro capítulo da trilogia, ou melhor, da sexologia sem sexo, é o mais violento. O Anakin mata até jedis pequenininhos, o que mais ou menos justifica que a censura não seja livre. Mas o Lucas continua fiel ao seu estilo “nada de sexo no espaço” (é notório como ele, em 77, mandou engessar o peito da Carrie Fisher, princesa Leia, pra que os seios não ficassem pulando quando ela se mexesse). Desta vez o Lucas evita chocar seu público com imagens de gestantes. A Natalie Portman, grávida de gêmeos, engorda meio quilo.

Pois é, definitivamente não é meu tipo de filme. Pra se ter uma idéia, a cena que mais me divertiu foi quando alguma criatura intergalática chuta o R2D2. Mas é impressionante, de tirar o chapéu mesmo, como cada novo capítulo da série alimenta a franquia inteira. Imagina se, com um público tão fiel e vasto à sua disposição, o Lucas vai fechar a fábrica. Claro que não. Ele pode até ser um nerd sonhador, mas não é bobo. A moral deste texto todo é que não sou mais virgem de “Star Wars”. Não doeu. Mas tampouco me transformou numa pessoa mais sábia, num Yoda da vida.