quinta-feira, 31 de março de 2016

GUEST POST: AOS QUE PEDEM A VOLTA DA DITADURA

Hoje e amanhã marcam os 52 anos do golpe militar. O golpe realmente aconteceu no 1o de abril, mas como o dia da mentira não pega bem, ele entrou pra história no dia 31 de março. 
É impressionante que tanta gente sinta nostalgia por esse período cruel do nosso passado, que tanta gente queira os militares de volta. Agora que estamos próximos a um golpe jurídico e midiático, os ecos de 1964 gritam alto. 
Compartilho hoje o post de Shaonny Takaiama, que é jornalista, mora em Alto Paraíso de Goiás, e publica textos no Medium. Ela já colaborou aqui algumas vezes

Fui criada em um contexto muito particular. Minha mãe, que nasceu em 1948, viveu durante os difíceis tempos da ditadura militar. Na década de 70, ela morou em São Paulo e cursou História e Sociologia na PUC. Teve como professores alguns ícones, como Marilena Chauí, Gilberto Freyre e Florestan Fernandes.
No dia da fatídica invasão da PUC (em 22 de setembro de 1977), comandada pelo coronel do exército Erasmo Dias, minha mãe estava na universidade e pulou um muro de sete metros para escapar dos militares. E isso a deixou com uma sequela terrível, uma hérnia de disco que ainda dói nos dias de hoje.
Seus colegas, porém, não tiveram a mesma sorte. Minha mãe teve amigos que participaram da Guerrilha do Araguaia e outros movimentos de resistência. Muitos deles foram presos e continuam desaparecidos. Vários amigos da minha mãe foram jogados ao mar de helicópteros, com blocos de concreto amarrados em seus pés. 
E muitos deles morreram nos porões da ditadura, em circunstâncias que ainda são desconhecidas, pois só recentemente tivemos acesso aos documentos deste período obscuro da nossa história, com a Lei de Acesso à Informação, sancionada em 2011, e os relatórios da Comissão Nacional da Verdade.
Graças à minha mãe, que é a história viva, eu cresci sabendo detalhadamente dos horrores que foram cometidos contra pessoas comuns durante o regime militar.
Monumento Tortura Nunca Mais,
em Recife
Graças à minha mãe, eu conheço histórias de gelar a espinha, sobre as técnicas de tortura mais utilizadas pelos milicos, como a remoção das unhas e dos bicos dos seios, os choques elétricos nas genitálias ou no ânus, o afogamento, o espancamento, os estupros, e também as torturas psicológicas, como a que sofreu a jornalista Míriam Leitão, ex-militante do PCdoB, após ser presa no Quartel do Exército em Vila Velha, no Espírito Santo. Seus torturadores a deixaram nua em uma sala escura durante uma noite inteira na companhia de uma jiboia. Detalhe: Miriam estava grávida.
Minha mãe me contou certa vez que, quando era estudante, ela dividiu uma casa universitária com mais alguns colegas na Rua Tutoia, em São Paulo, onde funcionava a sede do temido Doi-Codi, o lugar onde 5 mil pessoas foram aprisionadas e 50 foram assassinadas, inclusive o jornalista Wladimir Herzog.
A casa onde minha mãe morava ficava na esquina desse tétrico edifício e não foram poucas as vezes em que um carro preto ficou parado em frente, só observando o movimento daquelas pessoas altamente suspeitas que ali moravam  —  simples estudantes. 
A presença constante daquele carro preto era por si só intimidadora e causava muito terror nos moradores da casa.
Também não foram poucas as vezes em que o telefone da casa da minha mãe foi grampeado, ela conta. Não foram poucas as vezes em que minha mãe, que também participou dos movimentos contra o regime militar, precisou se esconder na casa de amigos, quando a barra pesou.
Minha mãe me contou histórias muito mais pesadas, detalhes de torturas físicas, e tudo isso é muito forte. Mas, graças a ela, eu, que não vivi neste período, tenho certeza que qualquer democracia, por pior que seja, é melhor do que uma ditadura. Posso dizer que sou privilegiada por conhecer a história assim tão de perto, por saber como era o clima de medo dos anos de chumbo, mesmo sem ter vivido neles.
Minha mãe me levou à passeata das Diretas Já quando eu tinha apenas 2 anos de idade. Nós lutamos muito para viver em um país com liberdade, e hoje, tudo isso está sendo tirado de nós. A nossa democracia ainda é muito jovem e cheia de falhas, porém, não é pedindo a volta da ditadura militar que os problemas estruturais do Brasil, como a corrupção e a desigualdade social, serão solucionados.
Acredito que quem defende absurdos como Intervenção Militar ou a volta da Ditadura é porque não sabe de fato como é viver em um regime de exceção. Em uma ditadura, o seu direito de ir e vir é cerceado. Em uma ditadura, pessoas são exiladas. Em uma ditadura, todas as liberdades individuais são suprimidas. Em uma ditadura, a sua privacidade é violada e você pode acordar de madrugada com policiais arrombando a sua porta. Em uma ditadura, há graves violações dos direitos humanos. Pessoas são assassinadas em plena rua e à luz do dia.
Em uma ditadura, a imprensa não é livre porque não existe liberdade de expressão. E, por não haver liberdade de expressão, todas as vozes dissonantes são silenciadas. Em uma ditadura, manifestações são proibidas e qualquer reunião de pessoas é vista como subversiva. Em uma ditadura, pessoas são presas sem motivo algum. Em uma ditadura, a repressão também chega aos artistas, que são impedidos de criar.
Em uma ditadura, mães perdem seus filhos, filhos são encorajados a denunciar os próprios pais, casais se separam e amigos deduram amigos. O pânico e a paranoia se instalam e a desconfiança é generalizada. Ninguém confia em ninguém.
Acredito que a face mais cruel de uma ditadura é a forma como ela interfere na vida das pessoas comuns. No livro 1984, de George Orwell, isso fica bem claro. Um casal apaixonado é perseguido porque seu amor não é visto com bons olhos pelo sistema. Porque amar em tempos de ódio é um ato revolucionário.
Para quem não viveu durante a ditadura e não estudou o regime militar na escola  —  porque as atrocidades cometidas durante este período não estão nos livros didáticos  — acredito que uma boa forma de entender essa época é através da arte. Nos livros, nas músicas e nos filmes, as histórias da ditadura que se contam por aí estão muito bem retratadas.
Ouça as canções “Acorda Amor”, “Cálice”, “Samba de Orly” ou “Apesar de Você”, do Chico Buarque. Leia livros como A Casa dos Espíritos (Isabel Allende), 1984 (George Orwell), Brasil Nunca Mais (Dom Paulo Evaristo Arns) e a coleção de livros sobre a ditadura, escrita pelo jornalista Elio Gaspari. 
E assista a filmes como Zuzu Angel, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, O Que é Isso, Companheiro, Eles Não Usam Black Tie, Além da Liberdade, etc. Este último filme se passa na Birmânia, o contexto é outro, mas em qualquer país do mundo que vive uma ditadura, a realidade se repete. Há estado de sítio, lei marcial, toque de recolher… Sinceramente, eu não quero viver num país assim.

quarta-feira, 30 de março de 2016

"CLIQUE AQUI PARA SER LINDA"

Recebi este email da P.

Olá Lola, tudo bem? Tenho 15 anos e meu nome é P.  Eu tenho acompanhado seu blog faz pouco tempo, mas gosto muito do modo como você escreve e de diversos assuntos que aborda!
Você já deve estar cansada de ter de falar sobre isso, eu imagino. Mas eu não tenho ninguém para desabafar e não sei para quem devo pedir ajuda.
Eu gostaria de ser linda! Eu me sinto muito triste e vazia quando as pessoas me chamam de feia. Desde pequena os meninos vivem rindo de mim. Uma vez, ao me declarar para um menino que eu gostava (eu deveria ter uns 12 anos), eu recebi um: "Você é muito feia! Nunca que eu vou gostar de um troço desses!" Eu me senti arrasada e ao chegar em casa chorei muito!
Se eu pudesse escolher, teria nascido de pele clara, nariz afilado, lábios finos, cabelos lisos e pele clara (típico padrão caucasiano e típica aparência que eu não tenho).
Parece que quando você é bonita, tudo gira mais fácil, as coisas parecem fluir bem. Muitas mulheres reclamam sobre estar acima do peso, mas meninas magras como eu sofrem bastante também. Ainda mais aqui no Brasil, aonde parecemos ter uma certa pressão para ter corpos curvilíneos ou "bombados". 
Eu evito entrar em sites de moda e comprar revistas sobre tal assunto para não me sentir inferior àquelas modelos lindas e perfeitas. Sempre que me olho no espelho (coisa que tenho evitado até), eu sinto vontade de morrer. Queria que existisse um botão "CLIQUE AQUI PARA NASCER LINDA". Com toda a certeza eu já teria apertado um botão desses!
"Meninas negras estão ficando mais
bonitas?" - matéria da revista Ebony
de fevereiro de 1966
Na minha sala eu sempre escolho sentar muito afastada das outras pessoas, mesmo que eu não consiga enxergar muito bem o quadro, eu faço isso para não ter de me sentar do lado das meninas mais bonitas da sala. Todos elogiam elas.
Faz pouco tempo que uma professora de Português estava falando sobre beleza e foi citando o nome de todas as meninas da sala, dizendo que todas tinham cabelo bonito, porém ela não citou o meu nome e depois recebi várias piadinhas.
As pessoas deveriam entender que eu não pedi para nascer com esse cabelo armado e cacheado, com esse nariz achatado, lábios volumosos ou pele parda. Eu simplesmente nasci desse jeito e não queria! 
Sempre sonho em fazer diversas cirurgias plásticas e até clareamento de pele! Vivo no cabeleireiro para alisar esses cachos que tanto detesto.
Ultimamente eu só tenho me sentido vazia e triste com a minha aparência. Por mais que eu tente esquecer ou qualquer outra coisa. O quesito BELEZA sempre volta pra minha mente. Tenho evitado sair muito de casa para não ter que ficar expondo minha feiura para as pessoas. O grau do meu óculos é alto e faz eu parecer muito mais feia (se é que isso é possível). Eu não sei para quem posso pedir ajuda.

Minha resposta: Ô, querida P., emails como o seu partem meu coração. Sabe, seu texto fala bastante da sua aparência e de como você está insatisfeita com ela. Fica evidente que você gostaria de ser linda. Mas você nunca explica o porquê. Por que "ser linda", nesses moldes restritos em que você (e a sociedade) define a beleza, seria tão importante pra você? No que mudaria a sua vida?
Se você fosse "linda", o menino pra quem você se declarou aos 12 anos teria aceitado te namorar? Não dá pra saber. Existem milhares de razões pra alguém não se interessar por outra pessoa (e uma delas nem é pessoal, é timing: naquele momento você não quer, ou não pode, ou está em outra). Todo mundo -- até as top models -- já foi rejeitado por alguém. E daí? A gente chora um pouquinho, remenda nosso coraçãozinho, e segue em frente. 
Se você fosse "linda" a professora de Português te elogiaria? Algum babaca deixaria de fazer piadinha sobre você? (babacas também fazem piadas sobre pessoas bonitas). Você sairia mais de casa? Você leria mais revistas femininas? (pra quê?) Você se sentaria mais próxima das pessoas na aula, o que te possibilitaria enxergar o quadro? (por favor, deixe de sentar longe já! Você tem que enxergar o quadro!). Algumas pessoas parariam de te chamar de feia? É tão importante assim o que acham de ti? (pergunta retórica: eu sei que é, principalmente nessa idade). 
Querida P., olha só o que você considera feio: cabelo armado e cacheado, nariz achatado, lábios volumosos, não finos, pele parda (além de magreza e, suponho, gordura). Você sabe que este não é o "padrão caucasiano". Agora é parar pra pensar sobre quem determina que o que foge ao "padrão caucasiano" é feio, indesejável, e deve ser mudado. Quem determina que precisamos clarear a pele, fazer cirurgias plásticas para afilar o nariz e diminuir os lábios, viver no cabeleireiro pra alisar e domar (essa é a palavra) os cachos? E por que você vai na onda dessas regras claramente racistas? Você já percebeu que este é um padrão racista, certo?
O primeiro romance da americana Toni Morrison, única negra até agora a ganhar o Nobel de Literatura, é de 1970 e chama-se O Olho Mais Azul (The Bluest Eye). Recomendo muito que você leia. É sobre Pecola, uma menina um pouco mais jovem que você. Ela tem 11 anos, é negra, considerada feia, e sofre os piores tipos de abusos. Toda noite antes de dormir ela reza para ter olhos azuis. Ela sabe que olhos azuis (e cabelos loiros) são tidos como bonitos, e ela supõe que, se tivesse olhos azuis, as pessoas não seriam tão cruéis com ela. Ela imagina que, se tivesse olhos azuis, todos a sua volta pensariam: "Não devemos fazer coisas ruins diante desses olhos bonitos". Toda a sua vida automaticamente melhoraria.
No prefácio da edição de vinte anos do livro, Morrison conta que sua inspiração foi uma amiga de infância, quando ambas estavam nas séries iniciais na escola, e a menina, negra, disse que queria ter olhos azuis. “Implícito no seu desejo estava auto-ódio racial. E vinte anos depois, eu ainda estava pensando sobre como se aprende isso. Quem contou pra ela? […] Quem havia olhado pra ela e determinado que ela tinha tão pouco valor na escala de beleza?”
Concurso Miss Bahia 2012
(A Bahia é o estado mais negro do Br.
80% da população é negra ou parda)
É bem provável, P., que quem tenha contado pra você que cabelo crespo ou cacheado e nariz achatado e pele escura são feios também tenha contado a mesma coisa pro menino que te rejeitou e pros caras que te chamam de feia e pra sua professora. Contam isso pra gente desde que nascemos. A gente ouve nas músicas, vê nos filmes, na TV, nas capas de revistas, nas listas de "mais bonitas" de qualquer coisa, quem é vista como feia e quem é vista como bonita. A gente vê isso centenas de vezes por dia desde a mais tenra infância, e ainda assim cresce achando que padrão de beleza é algo natural, que não sofremos lavagem cerebral, que nossos gostos são meramente pessoais, e que quem questiona o padrão o faz por inveja e mimimi.
A gente aprende a se odiar e a odiar quem está fora do padrão. Crianças negras e pardas aprendem desde cedo que são feias. Você aprendeu direitinho. Há vários experimentos tristes em que meninas negras de 3, 5 anos têm que escolher, entre uma boneca negra e outra branca, quem é a boneca bonita, quem é a boneca inteligente (porque nossa baixa autoestima sobre a aparência afeta tudo, até nosso desempenho escolar). Essas meninas sabem que são negras e escolhem as bonecas brancas como as mais bonitas e inteligentes.
A narradora de O Olho Mais Azul, Claudia, também uma menina negra, fala sobre a boneca branca que ganhou no natal: “Adultos, meninas mais velhas, lojas, revistas, jornais, vitrines –- o mundo todo concordava que uma boneca de olhos azuis, cabelo amarelo e pele rosada era o que toda menina mais almejava.” Mas Claudia tem um jeito diferente do de Pecola de lidar com o ódio racista da sociedade: ela desmembra suas bonecas.
P., não vou tentar te convencer que beleza não é importante (mas pense: pra quê você gostaria de ser linda? Você quer participar de algum concurso de miss?), ou que você é linda, ou que o padrão de beleza precisa ser desconstruído. Mas gostaria que você pensasse sobre por que você quer tanto ser algo que não é (no caso, branca)? Já está na hora de você questionar os padrões que impuseram pra você. Não os aceite. Rebele-se. Revolte-se. 
Em vez de você querer um botão de "clique aqui para ser linda", que tal um botão de "clique aqui para eu parar de me incomodar com o que babacas dizem de mim"? Ou um botão de "clique aqui para eu me aceitar do jeito que eu sou"? Ou: "clique aqui para eu começar a questionar um padrão de beleza racista e excludente"? 
Talvez o melhor fosse um botão de "clique aqui para o mundo apreciar todos os tipos de beleza", mas, na falta desse botão, vamos de "clique aqui para ter orgulho do meu cabelo, do meu corpo, da minha cor".
Infelizmente, não tem botão. É um aprendizado que leva anos. Comece a se amar hoje. 

terça-feira, 29 de março de 2016

MEU APOIO A SHIRLEY E À FEMINISMO SEM DEMAGOGIA

Eu não estou no Facebook por absoluta falta de tempo, então quase nunca fico sabendo do que acontece por lá. 
Um dos motivos de não estar lá é lembrar do que me disse uma vez uma leitora querida, já há alguns anos. Ela moderava a Feminismo Sem Demagogia. Mesmo estando em três moderadoras (hoje são bem mais), elas não davam conta de cortar todas as ofensas e ameaças deixadas lá. 
A FsD é a maior página feminista do Brasil no FB, com 1 milhão e 300 mil seguidorxs. Pode-se não concordar com tudo que o site declaradamente marxista e classista diz, mas sua abrangência e influência são indiscutíveis. Mascus e reaças em geral sabem disso e não deixam a página em paz. Vivem denunciando, hackeando, tentando derrubá-la. É importante frisar que não é um ou outro indivíduo perturbado que odeia mulheres e a esquerda. São grupos organizados. 
Páginas feministas não só não recebem qualquer proteção no Facebook como são constantemente canceladas. A FsD foi cancelada duas vezes. Na primeira vez durou apenas 24 horas. Depois da administração entrar com recurso, o FB "devolveu" a página. Agora ela está fora do ar desde o dia 22 de março.
Ela foi derrubada em 21 de janeiro, depois de um post que parabenizava Amanda Palha, travesti que passou em primeiro lugar na UFPE. O post incentivava mulheres trans e travestis a continuar estudando. Não é doido derrubar uma página por elogiar uma travesti que ingressou numa universidade? Mas aí se vê quem são os caras que têm como missão na Terra atacar feministas. 
Às vezes as próprias administradoras do FsD tiram a página do ar para protegê-la de ataques (é tirá-la do ar ou cair por denúncias em massa). Grupos que comumente atacam a página (e outras feministas) são Faca na Caveira, Orgulho de Ser Hétero, QLC, um grupo chamado GOEC que se reúne numa comunidade chamada Cartola e numa rede russa, VK (esta não no FB). Eles costumam atacar de madrugada, quando grande parte das moderadoras da página -- mulheres que trabalham e estudam -- estão dormindo. 
Se eu estivesse no FB (não estou; há uma página feita por uma fã, mas sem atualizações há tempos), não tenho a menor dúvida que estaria sempre sendo denunciada e derrubada. E certamente já tentaram derrubar e hackear este bloguinho centenas de vezes. Já li mascus reclamando que blogs do Blogspot são quase impossíveis de hackear. Ufa!
No dia 19 de março, um grupo de misóginos dessa rede russa divulgou uma lista das administradoras do FsD, colocando nome completo, RG, CPF, endereço e telefone residencial. 
O último grande ataque à FsD, que resultou no seu cancelamento, começou quando uma administradora negra, Shirley Silvério, foi atacada em seu perfil pessoal. 
Alguns dos muitos ataques racistas e machistas a Shirley
Ela postou uma foto com seu lindo cabelo natural, black power, e em troca recebeu dezenas de insultos racistas e machistas. 
Coisas como: "Volta pra senzala", "macaca", "imunda", além de inúmeras alusões a marcas de palhas de aço, porque já sabemos que misóginos têm fixação por lavar louça. E, lógico, as habituais montagens com sua foto e ameaças de morte e estupro. 
Janaína entrevista Shirley
Shirley, que é militante do PSTU, deu uma entrevista à página do partido. "Quando você ataca uma mulher negra, você está atacando a negritude", disse ela na entrevista. Ela ainda enfatizou que as fotos que postou simbolizam sua transição, bem quando passou a aceitar seu cabelo natural. 
Em seu blog, a Feminismo sem Demagogia explica o que aconteceu e cobra a prometida sororidade de todas as feministas, inclusive das feministas negras que ignoraram os ataques a Shirley:

A Verinha, uma das criadoras da página, me escreveu: "Algumas páginas começaram a se manifestar, como foi o caso de uma grande página feminista, que só publicou minha postagem sem dizer nada a respeito, deixando um monte de gente entrar nos comentários -- muitas mulheres banidas da FsD por defender a crença em racismo reverso, por acusar mulheres que abortam de assassinato, por racismo etc -- festejarem a queda da página, sem nenhuma intervenção para ajudá-las a entender que o banimento foi correto, já que elas persistem com reprodução de ideologias de ódio. Olha, tá lamentável mesmo, tá de desanimar."
Felizmente, Shirley teve apoio do Quilombo Raça e Classe e da Secretaria de Negras e Negros do PSTU, que lhe deu assistência jurídica. Ela narra sobre sua denúncia: "Fiz o BO no DECRADI -– Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, foi bem bacana, nunca pensei que seria tão bem tratada em uma delegacia. A escrivã falou que conhece a página, daí chamou outra que conhecia também, papeamos tanto, sobre feminismo, política, sobre a PUC, a mãe da escrivã dá aula pra mim. Falaram que vão cuidar do meu caso com muito carinho."
Vamos esperar que cuidem mesmo, do mesmo jeito que, no dia 16 de março, a polícia civil prendeu quatro administradores de páginas de ódio responsáveis por ataques racistas às atrizes Taís Araújo, Cris Vianna e Sheron Menezzes, e à jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju. 
Esperamos que esse tipo de investigação e ação da polícia não aconteça apenas quando os alvos dos racistas são famosos. 
E tem mais: um superintendente da Polícia Federal já me disse que misoginia e homofobia não são crimes, logo, não são investigados. Mas racismo é crime. Portanto, precisa ser investigado e punido (e precisamos também criminalizar misoginia e homofobia). 
Toda a minha solidariedade a Shirley e à página Feminismo sem Demagogia. Gente, vamos levar mais a sério o "Mexeu com uma, mexeu com todas". Não pode ser "Mexeu com alguém que não é minha amiga, não mexeu comigo", ou "Mexeu com quem não é da minha corrente feminista, não mexeu com todas". Os grupos que nos atacam incessantemente sabem muito bem quem é o inimigo (nós!). Eles são fortes porque são unidos. E a gente?
A Feminismo sem Demagogia está com uma nova página