Hoje e amanhã marcam os 52 anos do golpe militar. O golpe realmente aconteceu no 1o de abril, mas como o dia da mentira não pega bem, ele entrou pra história no dia 31 de março.
É impressionante que tanta gente sinta nostalgia por esse período cruel do nosso passado, que tanta gente queira os militares de volta. Agora que estamos próximos a um golpe jurídico e midiático, os ecos de 1964 gritam alto.
Compartilho hoje o post de Shaonny Takaiama, que é jornalista, mora em Alto Paraíso de Goiás, e publica textos no Medium. Ela já colaborou aqui algumas vezes.
É impressionante que tanta gente sinta nostalgia por esse período cruel do nosso passado, que tanta gente queira os militares de volta. Agora que estamos próximos a um golpe jurídico e midiático, os ecos de 1964 gritam alto.
Compartilho hoje o post de Shaonny Takaiama, que é jornalista, mora em Alto Paraíso de Goiás, e publica textos no Medium. Ela já colaborou aqui algumas vezes.
Fui criada em um contexto muito particular. Minha mãe, que nasceu em 1948, viveu durante os difíceis tempos da ditadura militar. Na década de 70, ela morou em São Paulo e cursou História e Sociologia na PUC. Teve como professores alguns ícones, como Marilena Chauí, Gilberto Freyre e Florestan Fernandes.
No dia da fatídica invasão da PUC (em 22 de setembro de 1977), comandada pelo coronel do exército Erasmo Dias, minha mãe estava na universidade e pulou um muro de sete metros para escapar dos militares. E isso a deixou com uma sequela terrível, uma hérnia de disco que ainda dói nos dias de hoje.
Seus colegas, porém, não tiveram a mesma sorte. Minha mãe teve amigos que participaram da Guerrilha do Araguaia e outros movimentos de resistência. Muitos deles foram presos e continuam desaparecidos. Vários amigos da minha mãe foram jogados ao mar de helicópteros, com blocos de concreto amarrados em seus pés.
E muitos deles morreram nos porões da ditadura, em circunstâncias que ainda são desconhecidas, pois só recentemente tivemos acesso aos documentos deste período obscuro da nossa história, com a Lei de Acesso à Informação, sancionada em 2011, e os relatórios da Comissão Nacional da Verdade.
E muitos deles morreram nos porões da ditadura, em circunstâncias que ainda são desconhecidas, pois só recentemente tivemos acesso aos documentos deste período obscuro da nossa história, com a Lei de Acesso à Informação, sancionada em 2011, e os relatórios da Comissão Nacional da Verdade.
Graças à minha mãe, que é a história viva, eu cresci sabendo detalhadamente dos horrores que foram cometidos contra pessoas comuns durante o regime militar.
Monumento Tortura Nunca Mais, em Recife |
Minha mãe me contou certa vez que, quando era estudante, ela dividiu uma casa universitária com mais alguns colegas na Rua Tutoia, em São Paulo, onde funcionava a sede do temido Doi-Codi, o lugar onde 5 mil pessoas foram aprisionadas e 50 foram assassinadas, inclusive o jornalista Wladimir Herzog.
A casa onde minha mãe morava ficava na esquina desse tétrico edifício e não foram poucas as vezes em que um carro preto ficou parado em frente, só observando o movimento daquelas pessoas altamente suspeitas que ali moravam — simples estudantes.
A presença constante daquele carro preto era por si só intimidadora e causava muito terror nos moradores da casa.
A presença constante daquele carro preto era por si só intimidadora e causava muito terror nos moradores da casa.
Também não foram poucas as vezes em que o telefone da casa da minha mãe foi grampeado, ela conta. Não foram poucas as vezes em que minha mãe, que também participou dos movimentos contra o regime militar, precisou se esconder na casa de amigos, quando a barra pesou.
Minha mãe me contou histórias muito mais pesadas, detalhes de torturas físicas, e tudo isso é muito forte. Mas, graças a ela, eu, que não vivi neste período, tenho certeza que qualquer democracia, por pior que seja, é melhor do que uma ditadura. Posso dizer que sou privilegiada por conhecer a história assim tão de perto, por saber como era o clima de medo dos anos de chumbo, mesmo sem ter vivido neles.
Minha mãe me levou à passeata das Diretas Já quando eu tinha apenas 2 anos de idade. Nós lutamos muito para viver em um país com liberdade, e hoje, tudo isso está sendo tirado de nós. A nossa democracia ainda é muito jovem e cheia de falhas, porém, não é pedindo a volta da ditadura militar que os problemas estruturais do Brasil, como a corrupção e a desigualdade social, serão solucionados.
Acredito que quem defende absurdos como Intervenção Militar ou a volta da Ditadura é porque não sabe de fato como é viver em um regime de exceção. Em uma ditadura, o seu direito de ir e vir é cerceado. Em uma ditadura, pessoas são exiladas. Em uma ditadura, todas as liberdades individuais são suprimidas. Em uma ditadura, a sua privacidade é violada e você pode acordar de madrugada com policiais arrombando a sua porta. Em uma ditadura, há graves violações dos direitos humanos. Pessoas são assassinadas em plena rua e à luz do dia.
Em uma ditadura, a imprensa não é livre porque não existe liberdade de expressão. E, por não haver liberdade de expressão, todas as vozes dissonantes são silenciadas. Em uma ditadura, manifestações são proibidas e qualquer reunião de pessoas é vista como subversiva. Em uma ditadura, pessoas são presas sem motivo algum. Em uma ditadura, a repressão também chega aos artistas, que são impedidos de criar.
Em uma ditadura, mães perdem seus filhos, filhos são encorajados a denunciar os próprios pais, casais se separam e amigos deduram amigos. O pânico e a paranoia se instalam e a desconfiança é generalizada. Ninguém confia em ninguém.
Acredito que a face mais cruel de uma ditadura é a forma como ela interfere na vida das pessoas comuns. No livro 1984, de George Orwell, isso fica bem claro. Um casal apaixonado é perseguido porque seu amor não é visto com bons olhos pelo sistema. Porque amar em tempos de ódio é um ato revolucionário.
Para quem não viveu durante a ditadura e não estudou o regime militar na escola — porque as atrocidades cometidas durante este período não estão nos livros didáticos — acredito que uma boa forma de entender essa época é através da arte. Nos livros, nas músicas e nos filmes, as histórias da ditadura que se contam por aí estão muito bem retratadas.
Ouça as canções “Acorda Amor”, “Cálice”, “Samba de Orly” ou “Apesar de Você”, do Chico Buarque. Leia livros como A Casa dos Espíritos (Isabel Allende), 1984 (George Orwell), Brasil Nunca Mais (Dom Paulo Evaristo Arns) e a coleção de livros sobre a ditadura, escrita pelo jornalista Elio Gaspari.
E assista a filmes como Zuzu Angel, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, O Que é Isso, Companheiro, Eles Não Usam Black Tie, Além da Liberdade, etc. Este último filme se passa na Birmânia, o contexto é outro, mas em qualquer país do mundo que vive uma ditadura, a realidade se repete. Há estado de sítio, lei marcial, toque de recolher… Sinceramente, eu não quero viver num país assim.
E assista a filmes como Zuzu Angel, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, O Que é Isso, Companheiro, Eles Não Usam Black Tie, Além da Liberdade, etc. Este último filme se passa na Birmânia, o contexto é outro, mas em qualquer país do mundo que vive uma ditadura, a realidade se repete. Há estado de sítio, lei marcial, toque de recolher… Sinceramente, eu não quero viver num país assim.