domingo, 31 de março de 2019

DITADURA NÃO SE COMEMORA, SE CONDENA

Hoje marca 55 anos de um golpe militar que, em qualquer país sério, seria rechaçado. Infelizmente, o Brasil não puniu seus algozes, não fez as pazes com a história, o que permitiu que atrocidades como Jair Bolsonaro e sua corja fossem geradas. 
Na realidade, o golpe aconteceu no dia 1o de abril, mas como pega mal pros milicos celebrarem a "revolução" (na minha época de escola, na primeira metade dos anos 1980, o golpe ainda era ensinado assim) no dia da mentira, eles inventaram que foi em 31 de março.
Isso não é nada perto da mentira maior -- a de que, se não fosse o golpe, o Brasil viraria Cuba. Não existe nenhuma análise histórica que valide essa teoria da conspiração, que geralmente vem dos mesmos mentecaptos que inventam que Bolso acabou com a ditadura comunista dos 13 anos de PT (ditadura? PT comunista? Onde? Quando?).
Minha camiseta é de luto por uma data que nunca deveria ter existido, muito menos ser comemorada, e de luta. Para que possamos voltar a ter um país verdadeiramente democrático. Porque no momento está no poder um miliciano incompetente que deveria ter sido cassado quando celebrou um torturador na sessão de impeachment de Dilma.
#NuncaMais! 

sexta-feira, 29 de março de 2019

O TWITTER E UM EXEMPLO DE HOMEM QUE NÃO ACEITA SER CORRIGIDO

Meu perfil no Twitter, agora com foto de capa e verificação

Ontem aconteceu uma coisinha não muito importante no Twitter.
Bom, em primeiro lugar, aconteceu uma coisona (além de eu estar na capa do UOL)! Minha conta finalmente foi verificada (pra quem não sabe, é aquele sinalzinho azul de check que fica ao lado do nome). Como trolls já criaram e continuam criando contas no Twitter me imitando, é bom ter a conta verificada, suponho. Semana passada mesmo uma ação orquestrada dos reaças derrubou várias contas de pessoas de esquerda. A minha foi uma delas. Não chegou a cair, mas ficou indisponível (nem sei direito, estava viajando, na UnB). 
Eu já tinha tentado verificar minha conta antes, mas não deu. O Twitter exigia o número do celular, e eu não tenho celular. Mas o pessoal continuava pedindo pra que eu verificasse minha conta. Quando fui tentar novamente, vi que o Twitter não estava mais aceitando! Uma seguidora querida já tinha falado com alguém no Twitter e me pôs em contato com ele. Ele me pediu pra mandar links de publicações minhas na grande mídia (que parece que é o requisito pra ter a conta verificada hoje -- ser de interesse público). 
Espero que, com a conta verificada, eu fique mais protegida a ataques orquestrados e a imitações. 
Tá, agora a coisinha. Ontem pela manhã eu fiz um tuíte falando do discurso ridículo de uma deputada estadual reaça, e disse que, pra ser reaça hoje em dia, é pré-requisito ser misógino. Até pra mulheres conservadoras. Não quero dizer com isso que pessoas de esquerda não são machistas, racistas, LGBTfóbicas. São sim, a gente vê direto. Mas é uma vergonha pra alguém de esquerda ser assim. Pra direita, é motivo de orgulho. 
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Um rapaz que não conheço e não sigo respondeu meu tuíte com um clichê. Ele afirmou que mulheres machistas são muito piores que homens machistas. Todo mundo já escutou isso, né? E simplesmente não é verdade. Então respondi pra ele que mulheres machistas (elas existem; não faço parte da galera que acha que mulher não pode ser machista, só reproduzir machismo -- pra mim, isso é, além de uma passada de pano nas mulheres machistas, uma retirada de agência delas) raramente matam mulheres, enquanto homens machistas cometem feminicídios todos os dias. 
O rapaz, com boas intenções, respondeu que mulher machista é pior porque "desabona todo o trabalho das que não são". Pô, é pensar muito pouco do nosso trabalho achar que o discurso absurdo de uma mulher machista desabona todo o nosso trabalho. Só desabona o dela! Acho que tem um fundo de machismo no pensamento do rapaz, aquilo de achar que uma mulher representa todas as mulheres (sabe quando uma mulher dirige mal e alguém aparece pra xingar todas as mulheres? Ninguém vai xingar todos os homens porque um deles dirige mal). 
Até aí, tudo bem. Ele disse "Certo" e não mais nos falamos (até porque eu saí pra dar uma palestra na UFC que levou a tarde inteira). Mas um outro rapaz, este que eu seguia e ele me seguia também, também quis dar pitaco sobre a deputada. E a chamou de "mal amada".
Apesar de seguir o rapaz, eu não o conheço. Nos últimos meses decidi ser menos seletiva sobre quem seguir. Antes eu demorava pra seguir alguém, tinha que conferir nossas afinidades e tal. Mas comecei a achar injusto eu ter tantos milhares de seguidores (um número que aumentou com maior rapidez durante as eleições, e hoje está em mais de 72 mil) e seguir tão pouca gente. Quero dizer, não era tão pouca, já eram mais de mil e poucas, o que é muito mais gente que eu conheço na vida real. Agora já estou seguindo quase 4 mil e 300 pessoas. Se a pessoa é gentil, interage comigo, faz um tuíte bacana, se é feminista e/ou professor(a) e eu vejo que me segue, eu sigo de volta. 
Lógico que dessa forma eu passei a seguir muita gente sem saber quase nada sobre essas pessoas. Mas tem dado certo. O pessoal conversa, é simpático, divertido. Eu já tive que dar unfollow (parar de seguir) numas cinco pessoas (uma porque continuava na vibe "Se o PT tivesse apoiado o Ciro ele seria presidente", um discurso desonesto e já insuportável; outra porque ela passou a se posicionar contra a legalização do aborto como se fosse uma fundamentalista religiosa; ah, e outro foi esses dias! Eu segui um carinha que parecia legal, e depois vi que ele havia mudado seu nome para "Liberação do Psy" ou algo do tipo. "Psy" é um dos apelidos do mascu Marcelo). Creio até que já dei block numa delas, mas não lembro. Hoje foi meu segundo block numa pessoa que eu seguia.
Então, sobre o rapaz que chamou a deputada reaça de "mal amada". Acredito que, se um cara me segue, talvez ele queira aprender um tiquinho comigo sobre temas feministas. Eu vejo como uma obrigação pedagógica avisar quando alguém que parece boa gente está sendo machista. Então escrevi pra ele: "'Mal amada' é uma ofensa machista. Vc não deve usar ofensas machistas, mesmo para mulheres machistas". 
Eu acho que fui educada. Talvez, se estivesse com mais tempo, eu teria explicado pra ele por que "mal amada" é um termo machista (porque se refere à sexualidade de uma mulher e é visto como "falta de rola", como se "rola" fosse a salvação da lavoura. Além disso, não existe exatamente uma contrapartida para os homens; "mal amado" não é muito popular). Uma outra seguidora se meteu na conversa e foi um amor, pedindo indiretamente para que o rapaz repensasse a fala. 
Ele respondeu a ela: "é sou resultado de uma sociedade podre, às vezes meu lado podre transparece igual neste comentário, por isso vcs são fundamentais. bjs". Que bom, né? Ele aprendeu!
Ahn, não exatamente. Logo em seguida, ele me mandou cinco DMs (direct messages, que só podem ser enviadas se as duas pessoas se seguem), que você pode conferir acima. Uma delas foi "feminista de merda". E isso tudo porque eu disse pra ele não usar termos machistas como "mal amada". 
Antes de sair pra palestra, dei uma olhada rápida no perfil dele e vi que ele já estava falando mal de mim publicamente. E havia indiretas também, como esta: "Certas ativistas, ditas defensoras de minorias e feministas, são pólvora para a munição dos bolsonaros, são co-responsáveis por esta desgraça de eleição. Só não querem ver!!!!!!!!!!!"
Quando voltei, ele já havia me bloqueado, e eu o bloqueei também. Mas é isso que muitas feministas chamam de "esquerdomacho"? É um termo que eu não gosto e evito usar. Nem sei se esse rapaz era mesmo de esquerda. Mas o que uma simples correçãozinha faz com o ego de um homem, não? E ele me chama de "vaidosa"!
E aí, isso já aconteceu com vocês? Quem vocês seguem ou deixam de seguir ou bloqueiam no Twitter? 


quinta-feira, 28 de março de 2019

JOVENS DEPUTADAS QUE NÃO NOS DEIXAM NAUFRAGAR NESTE MAR DE LAMA

Fernanda do Psol derrubando o sinistro do MEC

Ontem foi um dia para se destacar na Câmara dos Deputados.
Claro que, pra variar, houve muitas notícias ruins. A pior deve ter sido o TSE condenar a coligação do PT e Fernando Haddad por divulgar durante as eleições "conteúdo negativo" contra Bolsonaro. Você leu direito. Bolso usou caixa 2 pra disparar milhões de fake news acusando Haddad de, entre outras coisas, criar o kit gay, a mamadeira erótica (mitos que nunca existiram), e de ter estuprado uma menina de 12 anos. Não só a candidatura fascista não foi cassada -- deveria ter sido! -- como o TSE condenou a vítima de tantas fake news. Haddad terá que pagar R$ 176 mil por sua campanha ter dito que Bolso tinha "pontos de vista repulsivos" e por citar o editorial do New York Times afirmando que o voto em Bolso seria uma "triste escolha". Acredite se quiser!
Aí hoje eu leio uma notícia similar: o Ibama exonerou José Olímpio Augusto Morelli. Certo, nunca tinha ouvido falar do sujeito, mas ele era um servidor que multou Bolso em 2012 por pescar dentro da Estação Ecológica de Tamoios, em Angra dos Reis. Morelli apenas cumpriu sua função. Bolso estava cometendo um crime (um entre muitos na sua longa carreira). O atual sinistro do Meio Ambiente (que defende as mineradoras) justificou que o fato de Bolso estar com uma vara de pescar não significava que ele estava pescando. Não, né? Ele provavelmente estava estocando vento com a vara. 
Ontem um deputado asqueroso, ex-ator pornô e estuprador de mãe de santo (foi só uma piada, segundo ele) chamou Manuela D'Ávila de "vadia". Sinceramente, pode isso? Pode um cara ocupar a plenária da Câmara para despejar sua misoginia?  
Ontem também foi o dia em que a sinistra Damares (que, vale lembrar, coordena um ministério que deveria ser a favor das mulheres) patrocinou a fala de uma deputada estadual do PSL -- uma jovem que processou e perdeu sua orientadora -- contra o feminismo. É esta a piada: um ministério de direitos humanos promovendo discursos e livros contra um movimento que luta pelos direitos das mulheres (no fundo, a deputada estava divulgando seu livro antifeminista).
Nos últimos dias, ela tem se esmerado na oratória. Num de seus discursos na Assembleia em SC, disse que todas as conquistas das mulheres não foram alcançadas pelas mulheres -- foram concessões dos homens. Porque, sabe, os homens acordaram de bom humor num dia e pensaram: vamos deixar as meninas irem pra escola! E isso de votar, né?, vamos permitir que as mulheres votem também! Somos tão bonzinhos!
A atuação da sinistra e desta e de tantas outras deputadas conservadoras prova que, para ser reaça, é pré-requisito ser machista. Mais que machista -- misógino mesmo. 
Mas nem tudo foi esse show de horrores. Ontem a maravilhosa deputada federal Sâmia Bonfim (Psol-SP) colocou o sinistro das Relações Exteriores Ernesto Araújo contra a parede (veja o vídeo). O Brasil mais uma vez deu vexame na ONU ao descumprir orientações sobre a saúde das mulheres. Sâmia lembrou que o tema de saúde reprodutiva e sexual envolve muitos outros, como planejamento familiar, gravidez na adolescência, mortalidade materna, acesso a contraceptivos, combate a doenças venéreas. O sinistro teve a pachorra de dizer que, pro governo, dentro "desse assunto vem, de contrabando, a promoção do aborto". Taí um olavete falando com todas as letras que promover medidas contraceptivas, por exemplo, promove o aborto! Como tudo nesse governo, nada faz sentido. 
Ontem também foi o dia de duas deputadas federais humilharem o sinistro da Educação. "Humilharem" ao simplesmente fazerem perguntas, como a da Fernanda Melchionna (Psol-RS), que questionou quem era o verdadeiro ministro da educação, ele, Vélez, ou Olavo de Carvalho. Já Tabata Amaral (PDT-SP) chamou de desrespeito ao Brasil como um todo a falta de propostas e de dados sobre gestão. Foi um belo discurso
De olavete sobre olavete que está
quase sendo defenestrado do MEC
Todos os nomes que ocupam os ministérios deste (des)governo, sem exceção, são absurdos. Mas o papel do MEC é uma papelão hors concours. Em três meses, está tudo atrasado, com gente sendo demitida o tempo todo, puramente por ideologia (se não seguir a cartilha do Olavão, fora). Para ver o desastre completo que é um governo de direita, basta observar o que o MEC anda fazendo.
Ainda bem que temos jovens e aguerridas mulheres para combater o ódio. 

quarta-feira, 27 de março de 2019

BOLSO E SUA QUADRILHA NÃO SÃO BIPOLARES, SÃO VIS

Emanuelle, professora de História da Arte e pesquisadora em Crítica e História da Arte Contemporânea, terminando o doutorado no Museu de Arte Contemporânea da USP, pediu para chamar a atenção de quem se refere aos milicianos no poder como bipolares.
Diz ela: "Para muitas pessoas pode ser mimimi, mas para quem é portador do transtorno, essa banalização no emprego da palavra tem uma carga pesada, ainda mais quando associada com tudo o que há de pior acontecendo no momento. As pessoas precisam também saber que existe tratamento para a bipolaridade (assim como para outros transtornos), tanto medicamentoso quanto psicanalítico, o que permite que tenhamos uma vida normal, profissionalmente, socialmente e afetivamente. Enfim, obrigada mais uma vez pela contribuição nessa causa".
Compreendo o que Emanuelle diz. Qualquer pessoa que lê o meu blog ou Twitter sabe o quanto eu detesto Bolso e sua famiglia. No entanto, eu não gostava quando chamavam o presidente de "saco de bosta" ou algo que fizesse alusão a sua bolsa de colostomia. Afinal, muita gente precisa usar bolsa intestinal, e tudo que essas pessoas não precisam é de mais preconceito. Isso não equivale a defender Bolso, e sim de não discriminar quem pode ter uma doença (o Robson narrou como foi a difícil adaptação à bolsa; a Jana fez um vídeo explicando por que é um desserviço rir da colostomia de Bolso).
Vamos ouvir a Manu: 
Oi Lola, tudo bem? Te escrevo para fazer um pedido porque você é uma das pessoas que mais admiro, cuja voz ecoa e transforma a visão de tantas outras sobre os mais diversos assuntos. Tenho visto nas redes, principalmente no Twitter, muitas pessoas se referindo aos Bolsonaros e capangas como sendo bipolares, isso quando há recuos de falas e pautas (algo que tem sido muito comum, inclusive).
Creio que as pessoas de fato desconheçam o que é, como se manifesta, como se trata e como se comportam os portadores desse transtorno psíquico tão sério, que inclusive ceifa muitas vidas. Bipolares não são indecisos, não mudam de ideia e intenção à cada 24h e não são incoerentes. Quem está governando sofre na verdade de vários outros transtornos -- vileza, extrema ambição, falta de humanidade, perversidade, etc. Mas o principal deles é o mau-caratismo mesmo. 
Procuramos dentro dessas bolhas virtuais em que vivemos criar núcleos de apoio, de luta e de resistência. São pautas comuns que nos aproximam, mas cada indivíduo em si carrega suas lutas pessoais, que são pesadas também. Nós, os bipolares, assim como todos os outros portadores de transtornos psíquicos, sofremos diariamente com o preconceito. 
Muitos nos vêem como loucxs, não confiáveis, instáveis, sujeitos a realizar qualquer coisa de forma não racional. Esse preconceito muitas vezes está dentro da própria família. 
Não quero agir como uma censora e nem policiar as falas alheias, mas considero importante que as pessoas entendam que psicofobia é também uma forma de preconceito, e ficar comparando a conduta de pessoas tão nocivas à sociedade, ao país e à humanidade com a de bipolares não ajuda em nada o combate a este preconceito, pelo contrário, atrapalha pra caramba. 
Enfim, escrevo para você porque como disse, te admiro assim como sei que tem milhares de pessoas que também te admiram. Orbitam ao seu redor pessoas maravilhosas, que apenas podem estar precisando de alguns esclarecimentos. Se você puder compartilhar este apelo, serei imensamente grata, tanto quanto sou por tudo que aprendi e aprendo com você há pelo menos 10 anos que te sigo. Eu sei que existem temas mais urgentes a se lidar, mas a relevância desse não pode ser desconsiderada, principalmente em respeito àqueles que fazem parte desse grupo.
No mais, muito obrigada, mesmo, por tudo o que você faz, pela sua coragem, força e pelo exemplo de ser humano que me influencia e me incentiva a ser uma pessoa cada vez melhor. Um grande beijo.

terça-feira, 26 de março de 2019

DEMITIDA DE EMISSORA POR NÃO EMAGRECER

Um caso recente causou bastante comoção. E isso é ótimo. Significa que o pessoal não está aceitando bem a situação. 
Michelle Sampaio, uma jornalista respeitada da Rede Vanguarda (afiliada da Rede Globo no Vale do Paraíba, SP) foi demitida da emissora por estar acima do peso, após 16 anos de casa. Michelle engordou 24 quilos durante a gravidez, e, depois de dois anos, não conseguiu eliminar tudo que queria. Ou o que a emissora queria. Enquanto estava tentando emagrecer, ficou nos bastidores. Ela disse no texto que publicou no seu Instagram respeitar "a posição da empresa". Não vai processar.
Ao blog de Mauricio Stycer, Michelle deu mais detalhes. Contou ter recebido ordens da direção para voltar ao seu peso. Não foi a primeira vez que a emissora fez esta cobrança. Em 2017 outra repórter, Marcela Mesquita, também não pôde aparecer na tela por estar fora do peso "ideal". Outra colega, Amanda Costa, narrou a mesma coisa.
Michelle também acrescentou: "Não acho que seja preconceito. Eles têm padrões. Acho apenas que poderiam ter me dado a chance de fazer o meu trabalho".
Ao ler a notícia, lembrei na hora do fantástico livro da Naomi Wolf, um clássico. O Mito da Beleza foi publicado em 1991, mas, quase três décadas depois, ele permanece atual. No livro, Naomi fala de como é comum um telejornal contar com uma dupla de apresentadores -- ele, muito mais velho, gordo, cabelo grisalho, bem fora do padrão de beleza; ela, eternamente jovem, magra e bela, ambos geralmente brancos. (Se você ainda não leu O Mito da Beleza, tá esperando o quê? Tem aqui, grátis, em português!).
Quase trinta anos depois, este é o padrão de apresentadores que ainda vemos.
No domingo à noite, a Globo negou que tenha despedido Michelle por causa do peso. Não convenceu muita gente.
Entendo perfeitamente que Michelle não queira processar a emissora. Ela já deve estar marcada apenas por ter exposto publicamente o motivo de sua demissão. Mas gostaria muito que ela lesse O Mito da Beleza para entender que os "padrões" configuram preconceito estrutural e enraizado. Padrões estão aí para serem quebrados. Só por ser um padrão não quer dizer que esse padrão não seja discriminatório e preconceituoso.
Ontem à tarde um jornalista da Fórum, Lucas Vasques, me ligou para ouvir algum posicionamento meu acerca do caso. 
Eu disse a ele basicamente o que escrevi aqui. Ele me contou que, nos anos 90, uma outra jornalista passou pelo que aconteceu com Michelle. Ela também não processou a emissora. A matéria de Lucas é bem reveladora.
É terrível que, tanto tempo depois, quase três décadas, tão pouco tenha mudado. Homens são avaliados por seu talento e credibilidade; mulheres, por sua aparência. 
A propósito, você deve ter visto imagens de Michelle enquanto lia este textinho. Como disse uma divertida leitora no Twitter, "Se essa moça é gorda, eu sou o Planeta Júpiter, com anéis e tudo".

segunda-feira, 25 de março de 2019

O MAIOR ESQUEMA DE SEGURANÇA DA MINHA VIDA

Preciso deixar registrada como foi minha participação no evento Mulheres que Transformam, organizado pelo Decanato de Extensão da UnB.
Bom, foi tudo ótimo. Aconteceu na última quinta. Foram, na realidade, duas palestras. Uma, de manhã, no campus Darcy Ribeiro, em que eu, a socióloga e YouTuber Sabrina Fernandes, a historiadora Ana Flávia M. Pinto (uma das responsáveis pelo Festival Latinidades), e a professora Gina Vieira falamos por cerca de 20 minutos cada uma. 
Com todo o respeito e admiração por Sabrina e Ana Flávia, a fala mais comovente foi a de Gina, que criou o Projeto Mulheres Inspiradoras. Hoje adotado em várias escolas de Brasília, o projeto, vencedor de prêmios internacionais, faz com que estudantes valorizem mulheres (começando pelas pessoas de suas famílias). É lindo!
Sabrina e eu no almoço
A palestra da tarde, no campus Planaltina, foi comigo e com a física Elisabeth Andreoli de Oliveira, da USP. 
Amei a fala de todas elas, e também a energia e o carinho que podiam ser sentidos vindos do público, principalmente na parte da manhã, no auditório lotado. Foi muito bacana mesmo. Eu sempre guardo ótimas memórias de todas as minhas palestras na UnB (a primeira em 2011). 
Mas o que me chamou a atenção desta vez foi o enorme aparato de segurança. Gostaria de contar tudo, mas não posso, pra não comprometer futuras ações. Só posso dizer que nunca passei por nada igual. Até quinta minha maior proteção tinha sido numa roda de conversa no Sesc Tijuca, em 2015, em que tive que entrar pelo estacionamento. Cinco guardas me acompanharam por todo lugar (no final tirei foto com eles). 
Quinta na UnB destacaram trinta seguranças pra me proteger (e proteger o público e as outras palestrantes também). Havia uma rota de fuga programada. No caminho entre os dois campi, fui levada num comboio de três carros. Passei mais tempo com os seguranças da UnB (todos muito simpáticos e competentes, conversamos bastante) que com as outras pessoas. 
Num momento com um deles, enquanto esperávamos na sala do vice-diretor, ele me disse que haviam cuidado da segurança do Lula e do Dalai Lama do mesmo jeito que estavam cuidando da minha. Eu respondi que no caso deles eu entendia perfeitamente, mas eu era uma mera professora e blogueira. 
Breno vestindo a camiseta do fascismo
Gostei do trabalho de inteligência e planejamento que a equipe realizou. Por exemplo, ao chegar na UnB, de manhã, um dos responsáveis me mostrou a foto do Breno, e disse que ela havia sido distribuída a todos os seguranças. Breno gravou um vídeo em junho avisando que iria se matar e me "levar junto". No final de fevereiro, mandou um email jurando pelo túmulo de seu pai que a quadrilha neonazista iria contratar um pistoleiro e que deste ano eu não passaria. 
Porém, pelo que entendi, não houve alguma ameaça específica ao evento da UnB. Foi mais o momento político mesmo, que eles consideraram de alto risco para uma feminista que vem sendo ameaçada há anos. 
Eu não estou acostumada com nada disso. Entendo que precisem me proteger porque a situação realmente não é nada boa, depois do massacre de Suzano e de tantas ameaças. 
Entendo também que a UnB tenha mais cautela que outras universidades. Afinal, Marcelo, líder do Dogolachan (preso em maio de 2018 e condenado em dezembro a 41 anos de cadeia), estudou brevemente na UnB (me falaram que ele se matriculou em Letras Japonês mas não chegou a cursar nenhuma disciplina), em 2005, e passou meses em 2011 e 2012 prometendo um atentado lá. Muito mais recentemente, a professora e ativista Débora Diniz recebeu ameaças pesadas, que a fizeram sair do Brasil. E algo que eu não sabia, e que agrava a situação: o DCE da UnB está nas mãos da direita. 
Auditório lotado antes do início
Só posso agradecer a proteção, mas não é algo que eu quero me acostumar. Gosto de andar livremente por aí, ainda mais nos ambientes democráticos que são as universidades públicas. E o pior: quando há um esquema de segurança desses, geralmente não podemos tirar fotos e retribuir abraços da plateia no final. E isso faz muita falta. 
Eu e Belle em sua casa
Antes da palestra começar, uma moça entregou este bilhetinho pra minha amiga Belle, que o entregou pra mim:
"Lola, querida Lola, não quero perder a oportunidade de poder te agradecer. Ler você já é muito libertador e empoderador. Tenho tido uma trajetória longa, e, por vezes, doída, para ser a mulher que escolhi ser, cada vez mais livre das amarras instituídas e mais conectada com meus ideais. Obrigada por sua coragem, por sua luta. Você inspira e move muitas de nós. Com amor e respeito, Luana".