A R. me enviou este relato que destruiu meu coração em pedacinhos e depois tacou fogo. Foi coincidência porque recebi o relato pouco depois de chegar a dúvida da leitora sobre o que fazer com a amiga que cheira mal. Olha, só sei que o mundo é muito cruel e intolerante com qualquer pessoa que fuja um tiquinho que seja do padrão.
Sou uma leitora recente e me senti acolhida pelos relatos de tantas outras moças. Não sei se a minha história se encaixa no perfil do blog, porque não é o abuso sexual que li em muitos posts, mas me sinto agredida de certa forma e gostaria de contar.
Tenho 23 anos e sofro desde os 19 de um problema que acomete apenas um por cento da população, a hiperidrose. Transpiro em excesso e com isso vem a bromidrose, que é o cheiro ruim da transpiração no corpo. No meu caso o suor acontece nas axilas, pés e mãos.
Sou uma leitora recente e me senti acolhida pelos relatos de tantas outras moças. Não sei se a minha história se encaixa no perfil do blog, porque não é o abuso sexual que li em muitos posts, mas me sinto agredida de certa forma e gostaria de contar.
Tenho 23 anos e sofro desde os 19 de um problema que acomete apenas um por cento da população, a hiperidrose. Transpiro em excesso e com isso vem a bromidrose, que é o cheiro ruim da transpiração no corpo. No meu caso o suor acontece nas axilas, pés e mãos.
Sempre fui cuidadosa com a higiene pessoal, roupas e calçados. Quando comecei a transpirar bastante redobrei os cuidados, tomo tantos banhos quanto possível, cuido muito da depilação e higiene das axilas e também do trato com os pés, sempre limpos, esfoliados, sem micose alguma. Nessa trajetória usei inúmeras fórmulas caseiras e arriscadas, além de muitos produtos receitados, todos sem resultado. Passei por mais de um médico que riu da situação. Eu senti que precisava passar por um psicólogo e este foi um dos que me desrespeitaram. Ele nem imaginava o quanto ensaiei pra entrar naquela sala e começar a contar minha história! Depois dessa com o psicólogo não me senti à vontade pra falar sobre o assunto com outras pessoas.
Quando iniciei a faculdade, já estava trabalhando. Trabalhava o dia todo e em seguida ia de van pra faculdade. Não dava tempo de passar em casa pra tomar banho, então eu levava uma camisa extra, sabonete, toalhinha e desodorante. Assim, no trabalho mesmo, eu fazia uma higiene improvisada, trocava camisa, meias e calçado. Mas antes de acabar a primeira aula o suor entrava em ação e cheirava mal, um cheiro que atravessava o calçado e não tinha jeito. Na van e na sala de aula eu era o motivo das indiretas e piadas. Ouvia coisas como “nunca vi uma moça cheirar igual macho”, “mulher porca é f***”, “banho não tira pedaço”, “não adianta se arrumar pra vir à aula e chegar fedendo”.
O pessoal notava o cheiro, mas não notava que eu tinha sentimentos!
No trabalho as indiretas e caretas continuavam. Um dia cheguei e um colega tinha afastado minha mesa das demais, eu ficava longe de todos. Vale dizer que sempre fui competente e gostava do meu trabalho, mas os comentários acabavam comigo. Pedi demissão e quando voltei à empresa para assinar alguns documentos havia uma cestinha de higiene pessoal, presente dos colegas de departamento.
Eu segui com tratamentos ineficazes, cada receita nova era uma esperança de chegar cheirosa, de cabeça erguida, digna de assistir uma aula sem incomodar a galera com cheiro de suor. Pensando que minhas roupas e calçados estivessem com o odor entranhado e que lavar bem já não adiantava, refiz o guarda roupa e comprei sapatos novos. Nunca tive grana sobrando, mas era para o meu bem estar. As coisas não mudaram e tranquei a faculdade, pois estava esgotada. Fui ficando retraída, cabisbaixa, introspectiva. Achava que qualquer pessoa era mais digna por ser “limpa”. De tanto escutar até de pessoas que eu queria bem que “fulano é muito limpinho” “sicrano é tão cheiroso”, me peguei várias vezes com a sensação de que meu corpo de certa forma era sujo.
As alternativas que pareciam mais eficazes eram a simpatectomia, uma cirurgia que destrói a cadeia simpática (responsável pela transpiração), mas na maioria dos casos após a cirurgia o paciente desenvolve o suor compensatório, que pode ocorrer em grande volume nas nádegas, coxas, virilha, costas ou barriga. Fiquei com medo desse suor compensatório e optei por outro tratamento, interromper as atividades das glândulas sudoríparas com toxina botulínica, o botox. Foi uma maravilha, recebi a aplicação de botox apenas nas axilas. Fiz apenas nas axilas, e durante os seis meses me senti bem melhor. Infelizmente não dava pra desembolsar essa grana a cada semestre.
Aprendi lendo que o que causa o odor são as bactérias encontradas nos locais do suor, que começam a se decompor, gerando o odor fétido. O suor sozinho não tem cheiro. As bichinhas são resistentes; as fórmulas que os médicos me receitaram nunca funcionaram. Algumas pessoas que obtém bons resultados dizem que depois de um tempo usando o antibiótico as bactérias acostumam. Minha solução seria acabar com elas ou com o suor. Uma moça de Porto Alegre fez uma cirurgia um pouco diferente, mas ela não transpirava, só tinha o odor (isso também pode acontecer). Ela criou um blog que agora está desatualizado, pois ela se recuperou e tocou a vida.
A bromidrose limitou minha vida durante um tempo: eu não evoluía, não tinha coragem de retomar a faculdade, não tinha coragem de operar, não conseguia fazer as coisas simples, não tirei habilitação, não parava nos empregos, perdi oportunidades. Meus pais não entendiam a razão de eu não conseguir concluir nada e tampouco me ajudavam a encontrar uma solução.
Eu me poupava de sair e passar constrangimento, mas se todo mundo se formava, viajava, por que não eu?
Comecei a estudar japonês. As aulas eram uma vez por semana e mesmo com alguns inconvenientes, eu persisti. Algum tempo depois houve seleção para bolsas de estudos no Japão, passei e estou aqui há vários meses. Tenho aulas todos os dias. Na minha turma tem coreanos e brasileiros, e as brincadeiras de mau gosto continuam; não sei se os coreanos também fazem piadas, porque eu não entendo.
Comentei com algumas pessoas sobre o suor em excesso, a fim de esclarecer a causa do cheiro que aparece em mim depois de um tempinho. Minha colega de quarto vê o quanto me cuido e contei que há bastante tempo busco uma solução, mas segundo as palavras dela, “uma vez fedido, fedido pra sempre; as pessoas irão te rotular não importa quantos banhos você tome”.
Na aula me sento isolada, fico bem quieta, quase sem me mexer, tanto que depois de algumas horas sinto dores na coluna e nos membros.
Às vezes chego perto e as pessoas cobrem o nariz, e por isso desisti de me aproximar. Quando vem chegando alguém, instintivamente me afasto. Faço todas as refeições sozinha, quase não saio do dormitório. A última vez que me permiti jantar em grupo fiquei muito envergonhada, quem estava perto jantou cobrindo o nariz. Saí antes de todos, só queria voltar para o quarto, tomar um banho e ficar em paz.
Um dia os brasileiros queridos da classe promoveram uma "brincadeira" pública referente ao meu cheiro. Não sabia o que fazer Lola, queria explodir, gritar que eu não tinha culpa, que queria ser normal, que fazia o possível e não adiantava. Meu rosto pegava fogo, quis chorar de raiva, travei e apenas me mantive em silêncio.
Tenho raiva das pessoas por me hostilizarem, entendo que ninguém gosta de mau cheiro, mas qual o prazer em machucar tanto? Meu maior desejo é chegar em algum lugar e me sentir à vontade, poder me mexer com liberdade, sentar ao lado das pessoas, ficar conversando, passar o dia fora de casa, fazer coisas em grupo, abraçar, estudar me preocupando apenas com a matéria e não o com cheiro de nada, aproveitar minha estadia por aqui, me divertir... Sinto falta das coisas simples.
Planejei que assim que chegar ao Brasil vou fazer a cirurgia enfrentando os riscos. Se o suor e o mau cheiro diminuírem, será satisfatório. O intercâmbio acabará logo, mas estou a ponto de desistir, as coisas que os outros dizem me afetam demais. As piadas são cruéis, ninguém percebe o quanto dói. Acordo em pânico por ter que enfrentá-los mais um dia.
Quis contar minha história pra alguém que acredito que não vá me tachar de primeira. Sempre fui muito alegre, brincalhona, e agora me sinto como um bicho acuado.
UPDATE em agosto: Final feliz!
Quando iniciei a faculdade, já estava trabalhando. Trabalhava o dia todo e em seguida ia de van pra faculdade. Não dava tempo de passar em casa pra tomar banho, então eu levava uma camisa extra, sabonete, toalhinha e desodorante. Assim, no trabalho mesmo, eu fazia uma higiene improvisada, trocava camisa, meias e calçado. Mas antes de acabar a primeira aula o suor entrava em ação e cheirava mal, um cheiro que atravessava o calçado e não tinha jeito. Na van e na sala de aula eu era o motivo das indiretas e piadas. Ouvia coisas como “nunca vi uma moça cheirar igual macho”, “mulher porca é f***”, “banho não tira pedaço”, “não adianta se arrumar pra vir à aula e chegar fedendo”.
O pessoal notava o cheiro, mas não notava que eu tinha sentimentos!
No trabalho as indiretas e caretas continuavam. Um dia cheguei e um colega tinha afastado minha mesa das demais, eu ficava longe de todos. Vale dizer que sempre fui competente e gostava do meu trabalho, mas os comentários acabavam comigo. Pedi demissão e quando voltei à empresa para assinar alguns documentos havia uma cestinha de higiene pessoal, presente dos colegas de departamento.
Eu segui com tratamentos ineficazes, cada receita nova era uma esperança de chegar cheirosa, de cabeça erguida, digna de assistir uma aula sem incomodar a galera com cheiro de suor. Pensando que minhas roupas e calçados estivessem com o odor entranhado e que lavar bem já não adiantava, refiz o guarda roupa e comprei sapatos novos. Nunca tive grana sobrando, mas era para o meu bem estar. As coisas não mudaram e tranquei a faculdade, pois estava esgotada. Fui ficando retraída, cabisbaixa, introspectiva. Achava que qualquer pessoa era mais digna por ser “limpa”. De tanto escutar até de pessoas que eu queria bem que “fulano é muito limpinho” “sicrano é tão cheiroso”, me peguei várias vezes com a sensação de que meu corpo de certa forma era sujo.
As alternativas que pareciam mais eficazes eram a simpatectomia, uma cirurgia que destrói a cadeia simpática (responsável pela transpiração), mas na maioria dos casos após a cirurgia o paciente desenvolve o suor compensatório, que pode ocorrer em grande volume nas nádegas, coxas, virilha, costas ou barriga. Fiquei com medo desse suor compensatório e optei por outro tratamento, interromper as atividades das glândulas sudoríparas com toxina botulínica, o botox. Foi uma maravilha, recebi a aplicação de botox apenas nas axilas. Fiz apenas nas axilas, e durante os seis meses me senti bem melhor. Infelizmente não dava pra desembolsar essa grana a cada semestre.
Aprendi lendo que o que causa o odor são as bactérias encontradas nos locais do suor, que começam a se decompor, gerando o odor fétido. O suor sozinho não tem cheiro. As bichinhas são resistentes; as fórmulas que os médicos me receitaram nunca funcionaram. Algumas pessoas que obtém bons resultados dizem que depois de um tempo usando o antibiótico as bactérias acostumam. Minha solução seria acabar com elas ou com o suor. Uma moça de Porto Alegre fez uma cirurgia um pouco diferente, mas ela não transpirava, só tinha o odor (isso também pode acontecer). Ela criou um blog que agora está desatualizado, pois ela se recuperou e tocou a vida.
A bromidrose limitou minha vida durante um tempo: eu não evoluía, não tinha coragem de retomar a faculdade, não tinha coragem de operar, não conseguia fazer as coisas simples, não tirei habilitação, não parava nos empregos, perdi oportunidades. Meus pais não entendiam a razão de eu não conseguir concluir nada e tampouco me ajudavam a encontrar uma solução.
Eu me poupava de sair e passar constrangimento, mas se todo mundo se formava, viajava, por que não eu?
Comecei a estudar japonês. As aulas eram uma vez por semana e mesmo com alguns inconvenientes, eu persisti. Algum tempo depois houve seleção para bolsas de estudos no Japão, passei e estou aqui há vários meses. Tenho aulas todos os dias. Na minha turma tem coreanos e brasileiros, e as brincadeiras de mau gosto continuam; não sei se os coreanos também fazem piadas, porque eu não entendo.
Comentei com algumas pessoas sobre o suor em excesso, a fim de esclarecer a causa do cheiro que aparece em mim depois de um tempinho. Minha colega de quarto vê o quanto me cuido e contei que há bastante tempo busco uma solução, mas segundo as palavras dela, “uma vez fedido, fedido pra sempre; as pessoas irão te rotular não importa quantos banhos você tome”.
Na aula me sento isolada, fico bem quieta, quase sem me mexer, tanto que depois de algumas horas sinto dores na coluna e nos membros.
Às vezes chego perto e as pessoas cobrem o nariz, e por isso desisti de me aproximar. Quando vem chegando alguém, instintivamente me afasto. Faço todas as refeições sozinha, quase não saio do dormitório. A última vez que me permiti jantar em grupo fiquei muito envergonhada, quem estava perto jantou cobrindo o nariz. Saí antes de todos, só queria voltar para o quarto, tomar um banho e ficar em paz.
Um dia os brasileiros queridos da classe promoveram uma "brincadeira" pública referente ao meu cheiro. Não sabia o que fazer Lola, queria explodir, gritar que eu não tinha culpa, que queria ser normal, que fazia o possível e não adiantava. Meu rosto pegava fogo, quis chorar de raiva, travei e apenas me mantive em silêncio.
Tenho raiva das pessoas por me hostilizarem, entendo que ninguém gosta de mau cheiro, mas qual o prazer em machucar tanto? Meu maior desejo é chegar em algum lugar e me sentir à vontade, poder me mexer com liberdade, sentar ao lado das pessoas, ficar conversando, passar o dia fora de casa, fazer coisas em grupo, abraçar, estudar me preocupando apenas com a matéria e não o com cheiro de nada, aproveitar minha estadia por aqui, me divertir... Sinto falta das coisas simples.
Planejei que assim que chegar ao Brasil vou fazer a cirurgia enfrentando os riscos. Se o suor e o mau cheiro diminuírem, será satisfatório. O intercâmbio acabará logo, mas estou a ponto de desistir, as coisas que os outros dizem me afetam demais. As piadas são cruéis, ninguém percebe o quanto dói. Acordo em pânico por ter que enfrentá-los mais um dia.
Quis contar minha história pra alguém que acredito que não vá me tachar de primeira. Sempre fui muito alegre, brincalhona, e agora me sinto como um bicho acuado.
UPDATE em agosto: Final feliz!