sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

CRÍTICA: ASSASSINATO DE JESSE JAMES / No velho oeste ele morreu

A julgar pelas más línguas, “O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford” tem um histórico de traumas quase tão comprido quanto seu título. As filmagens terminaram dois anos atrás, e os produtores (entre eles o Brad Pitt) e o diretor Andrew Dominik ficaram brigando na sala de montagem. O diretor queria uma versão bem devagar, cheia de paisagens, enquanto os produtores exigiam algo mais à la Clint Eastwood, um faoreste de ação. Não sei quem ganhou, mas o filme é longo que dói, com quase três horas. Tem seu ritmo próprio, o que quer dizer que é lento, até arrastado às vezes, e não é pra todo mundo (o maridão dormiu profundamente). Eu gostei muito e, pra ser franca, gostei até mais depois de sair da sessão. É o tipo de filme que melhora quanto mais se pensa nele.

Mas não vá esperando um western agitado. Se esse for seu desejo, vá ver “Os Indomáveis”. “Jesse James” é mais um estudo de personalidades. Conta os últimos dias da vida do célebre fora-da-lei, até ser morto por um fã e membro do seu bando, que acaba ganhando fama só por matá-lo. Como Jesse, Brad está carismático como um total psicopata que não confia em ninguém, remetendo ao seu vilão de “Kalifornia”. Quando ele fala com um charuto na boca, lembra o Marlon Brando de “Poderoso Chefão”, só que mais magro e lindo. Mas o filme pertence mesmo ao Casey Affleck, irmão do Ben. Dá pra notar a semelhança, embora o Casey seja menos bonito. Considerando o que o Ben fez até agora, o Casey é muito mais ator. Ele tá perfeito no filme (e também dá show em “Medo da Verdade”, que estréia no Brasil em 7 de março). Casey faz o Robert Ford, um cara que deseja se enturmar, destinado à grandeza, segundo sua própria definição – só a dele.

O filme não endeusa o Jesse. É ele o verdadeiro covarde: bate em meninos, atira pelas costas, assusta até seus companheiros... E vive de sua lenda. O covardão é um traidor, claro, medroso, mentiroso, cheio de si. Mas o faroeste faz parecer que matar Jesse é quase uma legítima defesa. E o que acontece após a morte é deveras interessante e, por mim, poderia ser prolongado. Robert passa a encenar o assasinato em oitocentas apresentações teatrais, um recorde em repetir uma cena de traição. É o culto à celebridade que ainda tava engatinhando em 1882, ano em que Jesse bateu as botas, e que encontra-se no auge hoje, quando uma legião de fãs acompanha cada passo do astro que interpreta o Jesse, vulgo Brad Pitt.

O western é mais forte ao se concentrar nos seus dois personagens principais e no relacionamento entre eles. Quando os dois são deixados de lado e a câmera segue dois cowboys (e um deles se envolve com uma mulher casada), é até instigante, mas parece pertencer à outra trama. Deixa o filme meio solto, menos coeso (dava pra tirar uns 40 minutos, fácil). Acho que o longa seria até melhor se a narração em off fosse do covardão, não de um anônimo. Poderia ser como a parte mais brilhante de “O Som e a Fúria”, do Faulkner, em que um miserável como o Jason vira o narrador. Ou até seria fascinante se o irmão do Robert narrasse. Ele é interpretado pelo Sam Rockwell, tão bem que é como se o ator vestisse uma máscara de medo (o Sam chamou a atenção em “Confissões de uma Mente Perigosa” e como o maior vilão de “À Espera de um Milagre”).

Mas é após o fim do filme que nossos neurônios – um pouco entorpecidos, confesso – passam a funcionar, e as dúvidas levantadas engrandecem “Jesse”. Por exemplo, por que o criminoso permite que um carinha bizarro como o covardão integre o bando? Tá certo que, na época, não havia muita gente disputando a vaga (o irmão tinha se aposentado, e os outros membros estavam enterrados). Mas o Jesse, como sujeito inteligente, sabia que o covardão era perigoso. Logo, ou ele o “adotou” porque queria ser idolatrado, ou justamente pelo perigo representado. E por que o Robert idolatrava tanto o Jesse? (essa pergunta pode ser estendida: como alguém em sã consciência idolatra, sei lá, a Britney Spears?). Toda idolatria tem um lado sexual? Sem falar que “Jesse” me fez pensar também nos pobres cavalinhos que vivem com os cowboys, e que pulam e relincham toda santa vez em que alguém atira. Ao contrário do Robert, os equinos não queriam a companhia do Jesse. Não tavam nem aí pro mito.

P.S.: O Casey Affleck não só é irmão do Ben como cunhado da Jennifer Garner e, por ser casado com a Summer Phoenix, cunhado também do Joaquin e do falecido River. Digamos que o Casey tem muito em comum com o Joaquin – ambos têm irmãos mais reconhecidos, e ambos conseguiram sair da sombra dos maninhos famosos. Pro Joaquin o grande ano foi 2005, quando foi indicado ao Oscar por “Johnny e June”. Pro Casey é agora. Ele foi merecidamente lembrado pro Oscar de coajuvante por sua atuação em "Jesse" (se bem que é praticamente o protagonista). Se este não fosse o ano do Javier Bardem...


quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

CRÍTICA: RESIDENT EVIL 3 / Que chegue logo a extinção

Agora o subtítulo de “Resident Evil” não é mais “Apocalipse” ou “O Hóspede Maldito” (vulgo “A Visita do Meu Cunhado”), mas “A Extinção”. Como disse um crítico americano, esse título nos dá esperança. Outro sugeriu que a aventura poderia se chamar “Resident Evil: Game Over”, já que é baseada num videogame. Trata-se do embate básico entre crítica e público: os críticos (eu inclusa) odeiam a franquia, e quem joga deve adorar. Bom, não é que eu odeie com todas as forças. Acho que até prefiro essa tortura a “Tomb Raider”. É so que não entendo a história direito, então nem tentarei resumi-la. Como no início de “Resident Evil 3” eu já não estava sacando muito, virei pro maridão e disse: “Acho que a gente perdeu alguma coisa, tipo as partes um e dois”. O pior é que eu não só vi os dois filmes anteriores como também escrevi sobre eles, pra você ver como a experiência foi marcante.
O filme já começa a todo vapor, com a Milla Jovovich no seu típico vestido vermelho da Turma da Mônica sendo atingida por algum objeto não-identificado e sendo enterrada numa vala comum cheia de Millas (a maior parte com o mesmo modelito). Mas não se preocupe que são clones. A Milla original e única tá mais ocupada imitando o Mel Gibson no badalado “Mad Max 2”, explicando por que precisa viajar e evitar cidades grandes, cheias de zumbis. Tirando a parte dos zumbis e o fato de que, pro meu gosto, o Mel é muito mais bonito que a Milla, o resto é idêntico. No caminho a margarina que veio do milho Milla é capturada por um bando de humanos depravados (a gente esperaria que, num mundo pós-apocalipse repleto de mortos-vivos, os vivos fossem mais solidários) e mata todos em legítima defesa da honra, não sem antes lidar com dobermans do além. Já no primeiro “Resident Evil” eu comentei que sou contra um filme que chuta cachorro morto, nem que seja cachorro morto-vivo. Neste terceiro a Milla não apenas distribui pontapés como eletrocuta e tosta uns cãezinhos mais atrevidos. Teve uma hora que o maridão não compreendeu p
or que os mortos-vivos humanos não atacavam a Milla, e eu ofereci a minha explicação científica: “Acontece que a Milla é magra demais, quem gosta de osso é cachorro, e como os cães já foram todos mortos, não sobrou ninguém pra pegar os ossos”.
Tem também uma cena que só não é cópia de “Os Pássaros” porque os produtores devem considerá-la uma homenagem a Hitchcock. Mas é igualzinha: corvos se reúnem em cima de um fio e de repente atacam os humanos. Tem um potpourri de várias cenas clássicas do filme de 1963: troços explodindo, pássaros cobrindo de bicadas um corpo que cai, uma ave arrancando os olhos de uma vítima. O que impressiona é como algo feito quatro décadas atrás pode ser tão superior. Não tô falando por um ter sido dirigido pelo hiper-mestre Hitch e outro por um tal de Paul W. S. Anderson . Tô falando dos efeitos especiais mesmo. E é muito mais aterrorizante ver corvo atacando criança do que gente crescidinha. Aliás, nenhum dos sobreviventes parece ter mais que trinta anos. Eu e o maridão aparentemente não teríamos a menor chance de sobreviver a um apocalipse. E, que eu saiba, Alasca fica pra cima, e Las Vegas pra baixo, mas o grupinho decide que tem que enfrentar uma jogatina antes de chegar ao congelador. Lá pelas tantas eles precisam optar: vocês preferem ficar aqui nesse deserto apocalítico ou ir rumo ao Alasca sem roupas adequadas pro inverno? Imaginei que alguém iria levantar a mão e sugerir o Havaí, mas essa gente do fim do mundo não tem senso de humor.
Daí, numa cena chupada de “Dia dos Mortos”, do George Romero, dois cientistas dão objetos a um morto-vivo em processo de domesticação enquanto um terceiro cientista observa. Eles dão um celular, e o zumbi consegue abri-lo. Um cientista fala pro outro: “Puxa, ele sabe pra que serve isso!”. Sussurrei pro maridão: “Tá melhor do que a gente”. Em seguida dão uma máquina fotográfica pro zumbi e ele, no ato, tira uma foto do pessoal pra guardar de lembrança. Reclamei com o maridão: “Você demora dez minutos pra dar o clique”. Quando os cientistas dão pro morto-vivo um joguinho de encaixar, e ele acerta todas as peças nos buraquinhos, não me contive e gritei pro maridão: “Mal posso esperar pra que você vire um zumbi!”.
P.S.: Embora “Mad Max 2: A Caçada Continua” (1981) seja mais cultuado que o “Mad Max” original, de 1979, eu prefiro o primeirão (do terceiro, “Mad Max 3: Além da Cúpula do Trovão”, de 1985, é melhor nem falar). Lá podemos encontrar um filme de ação perfeito, apesar do tema fascista – afinal, o Mel Gibson vira um justiceiro querendo se vingar dos motoqueiros apocalíticos que mataram sua família. A cena da morte da mãe e do filho, aliás, é um primor. E se você tinha alguma dúvida de onde o pessoal de “Jogos Mortais” tirou aquela idéia sádica de um carinha ter que serrar o próprio tornozelo pra salvar sua vida – bom, tá em “Mad Max”.

terça-feira, 9 de janeiro de 2007

O PONTO G

A cada dia que passa meu coraçãozinho perde mais fé na humanidade. Antes fiquei chocada ao saber que alguns negros não só não querem se juntar na defesa dos direitos de outras minorias, como odeiam mulheres e gays. Agora vi que vários homossexuais não dão a mínima pra outros grupos. Na “The Advocate”, revista-bíblia da comunidade gay, um leitor gay escreveu que não tá nem aí com os direitos dos transsexuais. Ou seja, se nem os membros da comunidade GLBT se apóiam entre si, esperar qualquer empatia entre qualquer minoria parece utópico.

Não é um caso isolado. Outra pancada que acompanhei esta semana vem do meu colunista sexual preferido, Dan Savage, que é gay. Ele deu um conselho horrososo a um leitor que não sente mais desejo pela esposa, recebeu trocentos emails, e, em troca, passou a atacar as mulheres gordas. Equivale a um membro de uma minoria bater numa outra minoria. Não sei se gordas se encaixam numa minoria, e se podem ser comparadas a outras minorias, já que, ao contrário de negros e gays, que nascem negros e gays (sim, gays também, este é o consenso mais recente), gordas optam por ser gordas. Puxa, é mesmo? Se fosse uma opção assim tão fácil, duvido que as gordas continuassem gordas, sabendo do estigma social que isso carrega. Isso inclui os homens gordos também, claro, mas acho muito mais difícil ser gorda que gordo nessa sociedade que, em pleno século 21, ainda espera que as mulheres sejam acima de tudo belas. Há um monte de gordas que comem pouco e fazem exercícios e não conseguem emagrecer. Mas é simples ser magra a vida toda podendo comer de tudo e sem se incomodar em frequentar a academia de ginástica: basta escolher pai e mãe magros. De preferência, opte por avós e bisas magros também, só pra garantir.

Eu fui uma criança magra. Assim que chegou a puberdade, minha magreza foi embora. Já tentei mil e uma dietas. A única vez que mantive meu peso ideal na vida adulta foi antes dos 30, durante sete anos, quando tomei anfetaminas que me faziam passar o dia sem comer nada. Ao parar com essa medicação, que todos dizem ser perigosa, o peso voltou. Sou saudável, tenho colesterol sob controle, mas é lindo ir ao médico pra tratar do ouvido e a primeira coisa que o sujeito me pergunta é: “Você já pensou em perder peso?”. Meu impulso é responder: “Não, hoje ainda não”. Quantos anos de vida uma mulher daria pra ser magra sem sacrifícios? Numa pesquisa com um grupo de obesas que tinham conseguido emagrecer, indagaram o que elas prefeririam, ser cegas ou gordas. 90% preferiu a cegueira. Por quê? Porque a sociedade costuma ajudar os cegos, enquanto despreza os gordos.

No começo do ano, em Floripa, um simpático vendedor de Herbalife olhou pra mim e afirmou que, se eu não emagrecesse, iria “vestir um paletó de madeira” rapidinho. Eu devolvi com um discurso: “Você se deu conta que preconceito contra gordos é o único preconceito socialmente aceito hoje em dia? Pega mal ser racista ou homofóbico, mas tudo bem afirmar que quem é gordo é pavoroso, imoral, doente, e vai morrer amanhã. E você tem o aval da ciência pra falar isso! Mas se esquece que, faz pouco tempo, a ciência também validava preconceitos 'provando' que negros e gays eram inferiores e doentes”. Não sei se aquele senhor mudou sua estratégia de vendas.

É verdade, odiar gordos tá liberado. Muita gente acha que esse ódio é inclusive um dever, porque se os gordos não forem maltratados, eles não vão se tocar e continuarão sendo gordos. Uma colunista americana que dá conselhos pessoais num jornal escreveu que recebe centenas de emails ultrajados do tipo “Por que você se incomoda com essa gente?!” sempre que sugere que qualquer um dos seguintes grupos é humano e pode ter sentimentos: muçulmanos (!), fumantes e gordos. Isso num país em que mais de um terço da população é obesa. Mas pelo menos os americanos têm termos menos pejorativos pras gordas – eufemismos como “full-figured” –, e movimentos de “aceitação das gordas” como o Big Beautiful Woman. O Brasil tem o quê? Tem no máximo o termo “fofinha” pra quem quer descrever uma moça sem usar o pior insulto que há hoje em dia, aquela palavrinha feia que começa com G.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

A GUERRA CONTRA O NATAL

Esperando pra falar com o diretor da escola, as crianças explicam o que fizeram de errado: "Eu disse a palavra m***a", "Eu dissa a palavra f**k", "Eu disse Natal".

Este é o meu primeiro e provavelmente único Natal nos EUA, então não entendo bem as coisas. Mas parece que a Fox já vem fazendo uma campanha há vários anos para salvar o Natal. Preciso esclarecer uns detalhes. A Fox é representante oficial da direita cristã (e um em cada quatro americanos é o que chamam de “born-again Christian”, os cristãos evangélicos). Pra essa rede de TV, a pior cidade americana é São Francisco, na Califórnia, símbolo de tudo que há de mais terrível nos States, e primeiro lugar a ser castigado pela ira divina quando Jesus voltar à Terra, o que está cada dia mais próximo. Se dependesse da Fox, o Bush já teria mandando bombardear Irã e Venezuela há pelo menos dois anos, além de construir um muro pra conter os mexicanos que querem invadir a terra das oportunidades. A Fox odeia qualquer um do Partido Democrata, que pra ela é tudo esquerdista, e vive posando de neutra, imparcial e objetiva. Mais ou menos como a nossa “Veja”.

Pois bem, já tem tempo que a Fox coleta dados de que liberais, secularistas e ateus querem acabar com o Natal. Começou com gente desejando “Feliz Feriado” (pra não ofender quem não é cristão) ao invés de “Feliz Natal”, o que pra Fox significa um tabefe contra a tradição e um golpe contra a liberdade religiosa. É verdade que colocar presentes embaixo da “árvore do feriado” soa absolutamente ridículo, mas, de acordo com todas as fontes menos a Fox, esse excesso do “politicamente correto” foi limitado. Foram casinhos isolados. No entanto, a emissora deu uma cobertura escandalosa a qualquer repartição ou loja que ousasse omitir a palavra “Natal”. Agora parece que as notícias desse tipo minguaram, o que levou a Fox a dar o seu veredito: a guerra contra o Natal acabou, e nós vencemos. “Nós” é a direita cristã, lógico. Ah, bacana. Não seria lindo se todas as guerras pudessem ser criadas assim do nada e, melhor ainda, terminadas por decreto, sempre com a vitória dos mocinhos? Porque isso de ter que esperar Hollywood lançar “Rambo” e afins mostrando o que realmente aconteceu no Vietnã (vencemos) é tão demorado... Vamos ver se até o próximo Natal a guerra do Iraque já tenha terminado. E, aproveitando, boas festas!


Pior Lugar do Mundo pra se Participar de um Reality Show

Tá certo que os prêmios de um milhão de dólares são ótimos, mas sabe aquilo que a gente ouviu sobre “O Aprendiz” dos EUA ser muito mais anti-ético que o do Brasil? É verdade. Bom, ainda não vi o programa em questão, mas esses dias vi a final de um “Survivor” da vida (que a Globo adaptou para “No Limite”). Quem ganhou foi o participante mais manipulador e mentiroso. E todos diziam: “Parabéns, meu chapa, você jogou muito bem”. Aqui quem não for extremamente competitivo é considerado um frouxo, um loser. O clima na faculdade é diferente ao do Brasil. Posso estar sendo ingênua, mas no meu doutorado na UFSC não me sinto competindo com minhas colegas. Penso que estamos todas no mesmo barco, ninguém passa a perna em ninguém, todo mundo se ajuda. Aqui nos EUA não é assim.

Outro dia conversei com um americano muito querido. Ele tem só 19 anos e faz Administração. Apesar de ser uma ótima pessoa, ele está doutrinado, sem dúvida: acredita que o importante é ser bilionário, não apenas pra poder comprar tudo que quer (inclusive mulheres), mas principalmente pra mostrar que se deu melhor na vida que o vizinho. Ele nem pisca ao repetir tudo que ouviu desde que nasceu. Tentei argumentar com ele que não é necessário ser milionário, que basta calcular quanto se gasta por mês, multiplicar isso por 200, e pronto – com esse valor no banco, dá pra parar de trabalhar e viver de renda até morrer (ou seja, digamos que suas despesas fiquem em torno de mil reais mensais. Multiplique isso por 200, dá 200 mil. Claro que é uma fortuna, mas é menos inatingível do que quando nos falam dos milhões que deveríamos ter). Essa conta não funciona por aqui porque americano não faz conta mensal. Eles calculam seu salário por hora ou por ano, nunca por mês. Meu amigo riu da minha matemática. Disse que mil dólares por mês pra despesas não dá nem pro cheiro (e ele é adolescente), que precisaria no mínimo de 3 mil. Então tá, 3 mil vezes 200 dá 600 mil dólares, ainda bem longe dos milhões. Mas ele insistiu que uma renda de 60 mil dólares por ano é uma miséria. “Isso é o que o meu pai ganha”, falou o rapaz, cheio de desdém. O pai dele tá acima da média, que é de 48 mil dólares por ano por residência nos EUA. Mas aqui estar na média é visto como total falta de ambição. Coisa de loser.

domingo, 7 de janeiro de 2007

EXPERIÊNCIAS CINEMATOGRÁFICAS

Aqui em Detroit, como no Brasil, praticamente não há mais cinemas na rua, só multiplexes dentro de shoppings. E em Detroit mesmo só existem uns dois multiplexes, o resto fica nos subúrbios. Aqui não tem esse negócio de estudante pagar meia (só no cinema de arte do museu perto de casa, onde o ingresso normal custa US$ 7,50 e, pra estudante, 5). Mas a verdade é que até agora nunca pagamos mais de 7,50 por uma entrada. É que, por causa do transporte público limitado, e por não termos carro, só vamos às sessões da tarde, que geralmente são mais baratas. Depois das 6 acho que sobre pra 9 dólares. Claro que os cinemas ganham muito mais dinheiro vendendo pipoca e refrigerante do que ingressos. Uma vez tivemos que pagar 4 por um maldito cachorro-quente que era puro sal. Era isso ou sair do multiplex pra comer lá fora e depois ter que comprar um bilhete novo pra entrar.

Melhor explicar. Olha, juro que não somos desonestos nem nada. No começo, quando a gente pegava dois filmes direto, um depois do outro, até pagava por cada filme. Mas aí descobrimos que não havia ninguém pra recolher os bilhetes pra segunda sessão. E que as salas ficam todas no mesmo corredor. Só há um bilheteiro na entrada do multiplex, não na entrada de cada sala. Ou seja, querendo (e a gente quer), dá pra pagar somente um ingresso e passar a tarde toda no cinema, vendo quantos filmes quiser. Um amigo americano explicou que tem tão pouco louco que faz isso que não compensa pros multiplexes contratarem mais funcionários pra fiscalizar essa gentinha.

Algumas (poucas) redes tentam dificultar a vida do cinéfilo de um ingresso só. Elas não dizem em nenhum lugar o que tá passando em cada sala. Pra saber onde tá passando, por exemplo, “Eu sou a Lenda”, só comprando o bilhete. Ou entrando em cada sala pra ver, o que faço sem dor na consciência.

Umas redes promovem boas campanhas pra educar os espectadores. Antes do filme começar, passam desenhos animados pedindo pra que o sujeito desligue o celular e “não acrescente sua própria trilha sonora”, conversando com o colega de poltrona. Nesses multiplexes o público se comporta mais civilizadamente do que nas salas sem campanhas educativas. Quando fui ver “O Gângster”, vários casais conversaram animadamente durante toda a sessão. Não adiantou fazer “Shhhh” ou gritar “Eu vim aqui ouvir o filme, não vocês, you bastards!”. Mas, enfim, pelo menos aqui tem campanhas. No Brasil o copo de refrigerante do shopping diz no máximo “Fale baixinho”. Que falar baixinho o quê! Cinema não é lugar pra tagarelar. Isso já virou praga no Brasil. Aqui, pelo jeito, é uma praga que já foi pior, e que estão tentando combater.

Outra diferença interessante é que por aqui o público que vai ao cinema é mais velho. Pensei que fosse só adolescente, como no nosso país tropical, mas não. No Brasil costumamos ser os tataravôs da sala. Em muitas sessões daqui é o contrário. Às vezes somos até os mais jovens. Tá bom, tá bom, não vamos exagerar.


Cinema Mudo

A greve dos roteiristas em Hollywood, a primeira desde 1988, é muito séria e vai afetar o mundo do entretenimento. É indiscutível que os roteiristas têm razão. Eles querem subir o valor que ganham por DVD vendido (de US$ 0,04 pra 0,08) e, principalmente, colocar no papel um bom negócio pra quando os estúdios começarem a ganhar dinheiro pela internet – o que ainda tá longe de acontecer. Quando surgiu o vídeo, os roteiristas não imaginaram os lucros formidáveis que sairiam disso e fecharam um acordo ruim. Não querem que isso se repita com as novas tecnologias. Mas e as consequências? Graças à greve, os estúdios vão perder uma montanha de dólares. A televisão americana (e a cabo que chega pra gente), já a partir do ano que vem, será invadida por reality shows. Sem ninguém pra escrever os diálogos, vamos ficar com as besteiras que saem das bocas dos Big Brothers da vida. E não quero nem pensar em como será a cerimônia do Oscar, em fevereiro. Imagina os astros tendo que improvisar suas próprias piadinhas! O cinema vai sofrer, mas talvez só em 2009. Os estúdios ainda têm material pra desenvolver pro ano que vem. No entanto, como um longa demora em média três anos entre sua primeira fase, o roteiro, e o produto final, é altamente provável que falte filme em 2009. Se eu fosse um cineasta brasileiro, aproveitaria pra filmar agora e estrear o filme daqui a um ano e meio. A concorrência desleal vai baixar um monte.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA

Como leio até bula de remédio, gosto de passar os olhos por todo santo jornalzinho que pego nos supermercados e na universidade. Esses jornais são grátis, mas têm anunciantes. Um deles, por exemplo, parece inteirinho feito pra eleger o proprietário, Mr. Fracassa, a vereador de algum subúrbio. Praticamente todas as páginas do tablóide têm “Fracassa” nelas, pra lembrar a gente de quem manda. O semanário é dedicado à memória da Sra. Fracassa, que Deus a tenha, e coloca as filhas como colunistas (uma é adolescente, dando conselhos amorosos pra adultos). Os outros colunistas que tiveram o azar de nascer sem o sobrenome Fracassa se empenham em destacar as virtudes do patrão. Um está indignado com os pré-candidatos democratas à presidência, que não entendem que os EUA estão em guerra, sim, contra os muçulmanos terroristas, e devem ficar no Iraque pra defender os valores republicanos, e se tiver um petrolinho na jogada, melhor ainda. Isso o cara não diz porque mais adiante algum capacho escreve sobre “o mito da gasolina cara nos EUA” (subtítulo: “Desde quando ‘lucro’ virou um palavrão neste país?”). Quando a meca do capitalismo precisa defender o capitalismo é porque a coisa tá feia.Dois jornais dedicados à comunidade afro-americana promovem seus próprios valores. Um deles traz o perfil de um nigeriano que provou cientificamente a existência do Todo Poderoso (o quê? Você não sabia?); logo, o sujeito é mais importante que Einstein e Newton juntos, e merece o prêmio Nobel. Outro tablóide diz, num editorial, que a cultura negra está indo pras cucuias porque os homens de cor deixaram de ter poder em suas casas, o que vai contra a vontade divina. Segundo o dono do jornal, as mulheres têm uma só função (reproduzir), e Deus jamais quis que elas competissem com osmachos, já que são visivelmente inferiores, física e mentalmente. Se meu cachorrinho morasse comigo nos EUA, ele teria vários usos para esse tablóide.Um outro jornalzinho, este escrito, ilustrado, e dirigido por uma única mulher, tem tantos erros de gramática e pontuação que eu não me contive: escrevi pra dona, com todo respeito, implorando pra que ela aprendesse a usar, no mínimo, esse trocinho chamado vírgula. A mulher separa sujeito do predicado, objeto do verbo, e enfia vírgula em todo canto. Tá, sei o que você tá pensando: um monte de gente escrevendo besteira, e eu mando email pra quem escreve certo por linhas (muito) tortas? É que sou a favor da liberdade da expressão, mas pô, falar e escrever são atos de comunicação, e precisam seguir algumas regrinhas básicas. Pra mim um jornal em que todas as frases sejam do tipo “Eu, publiquei, um, livro” torna-se ilegível. A dona primeiro me respondeu educadamente, disse que lhe falta educação formal mas que tentaria se aprimorar, embora suas leitoras não ligassem pra esses detalhes de “comma” (vírgula, em inglês, com um só M a mais que “coma”), porque ela escrevia com emoção, com o estômago (e aparentemente sem tempo de fazer a digestão e reler o que redige). Daí ela pensou melhor e me mandou um segundo email, este me xingando. Meus queridos leitores, todos os quatro, se algum dia eu tiver alguma disfunção hormonal e passar a usar vírgulas com a compulsão que americano come x-burger, corrijam-me, por favor. Eu insisto.

Saudades e Berimbau
Em Washington DC ficamos na casa de um casal de amigos brasileiros. Eles são biólogos conceituados, estão nos EUA há quase dez anos, e têm dois filhos nascidos em Boston. As crianças, de 6 e 8 anos, loirinhas de olhos azuis, não só falam inglês perfeito como se parecem com muitos americanos. O português delas não é tão bom, mesmo que os pais insistam em só falar português em casa. Elas respondem em inglês e pronto. Portanto, têm sotaque, não conjugam os verbos direito, e vão esquecendo as origens. Os pais não gostam disso porque, apesar de viverem aqui, têm grande orgulho de serem brasileiros. Como meu amigo me confidenciou, seu maior medo é que seus filhos virem gringos totais. Pra tentar evitar, ele matriculou os guris em aulas de capoeira. É num instituto brasileiro, com uma ótima professora baiana. Eu fui a uma das aulas e adorei. Várias crianças, todas filhas de brasileiros, falando algumas frases em português, dançando e pulando e aprendendo a tocar berimbau. Meu amigo se emocionou vendo a aula. Isso que dá ficar longe de casa tanto tempo.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

OS PAIS DA AVIAÇÃO

Não sei o que aconteceu, mas os museus do Smithsonian, em Washington DC, não me impressionaram tanto como há 22 anos, quando estive lá. Talvez tenha sido eu que mudei, cresci, fiquei mais cínica. Os museus estão lá juntos, lindos, imponentes, e com entrada franca pra todos, o que é uma maravilha, convenhamos. O mais interessante é o de História Natural com seus esqueletos de dinossauros, mas pode ser que, após “Jurassic Park”, um réptil grandão parado não exerça mais tanto fascínio. Pros homens, a visita obrigatória é ao Air and Space Museum, que tem montes de foguetes, satélites e aeronaves. Pelo menos o maridão, que permaneceu uma múmia no museu de História Natural, gritou “Olha que legal!” assim que pisou no Air and Space.Me contaram que abriram um novo museu nesse estilo perto do aeroporto Ronald Reagan (agora que o cara morreu existem inúmeros prédios e monumentos com seu nome. Parece o Sarney no Maranhão ou o ACM na Bahia). Então o que vou dizer pode não estar certo. De repente esse outro museu tem cópia do 14 Bis. Mas no Air and Space original o Santos Dumont merece uma notinha ao pé da página, e os Irmãos Wright, uma galeria inteira, com o nome “Os Inventores do Espaço Aéreo”. Num pedaço minúsculo de uma galeria idem, há um lugar para “Aviação em Outros Paises” (que bem podia se chamar “Enquanto isso, no resto do mundo...”) e lá tem uma fotinho do Santos Dumont, sem sequer mencionar seu pioneirismo. Não é incrível? No Brasil, pelo menos, toda vez que nos falam sobre o Pai da Aviação, lembram que existe uma polêmica sobre quem voou primeiro, ele ou os irmãos Wright. Nos EUA não existe polêmica alguma. Eles reescreveram a história como quiseram.

A Vida Não Imita a Arte
Em um dos três museus de arte do Smithsonian, havia uma instalação mostrando um DVD chamado “The Way Things Go” (“O Jeito que as Coisas Andam”). Era de dois artistas suíços que, num depósito vazio, encheram o lugar de quinquilharias, numa espécie de efeito-dominó. Um balão inflava e empurrava um pneu, que por sua vez acendia uma vela que abria uma portinhola que cobria uma caixa de água que movia algum outro objeto – durante meia hora! Tinha um efeito hipnótico sobre o espectador, mas não sei se dá pra acreditar. De vez em quando a câmera se mexia um pouco, e quem me garante que os criadores não davam um empurrãozinho em alguma coisa emperrada? Só sei que fui ao banheiro depois, e a torneira automática que deveria soltar água ao sentir minhas mãos não funcionou. Imagino o trabalhão que os suíços devem ter tido...

O Frio Vai Ser um Terror
Muita gente vem me perguntando sobre o tempo daqui. Não sei se é o tipo de pergunta que se faz quando falta assunto ou se a preocupação é genuína, do tipo “Quanto tempo ela vai aguentar naquele gelo antes de pegar um avião e voltar pro país tropical?”. Considerando a segunda opção, vou responder. Até agora não tá escandalosamente frio. A temperatura oscila entre um e dez graus, ou algo do gênero, porque eles medem tudo em fahrenheit, que só eles entendem. Nada abaixo de zero ainda. Se ficasse só assim, tranquilo. Mas agradeço a apreensão. Eu também me preocupo muito, juro. Quando penso no frio que está pra chegar, lembro de imagens de filmes como “O Dia Depois de Amanhã” e “O Iluminado” (Jack Nicholson congelado no meio do labirinto). Ou seja, é com pavor mesmo. AHH! Enquanto escrevia isso, olhei pra trás e vi que já é noite. Cinco da tarde e já tá tudo escuro lá fora. Ontem adiaram o relógio em uma hora e ninguém me avisou. Deve ser horário de inverno. Outra imagem cinematográfica me vem à mente: “30 Dias de Noite”. Um terror.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

CHICAGO

Chicago fica perto de Detroit, a menos de seis horas de ônibus, e é a terceira ou segunda maior cidade americana (há controvérsias sobre o tamanho de Los Angeles). Ao contrário de Detroit, Chicago tem uma reputação esplendorosa, e é realmente uma cidade bonita. Fui lá por cinco dias acompanhar o maridão num torneio de xadrez. E o bom de uma cidade grande é que sempre tem coisas acontecendo. Havia um Festival Internacional de Cinema, e o Anthony Hopkins estava lá. Além dos filmes, vi também “Passion Play”, uma peça de três horas e meia num teatro chique. Fui pedir informações e o guarda me disse que, chegando duas horas antes, dava pra comprar ingresso pela metade do preço. Nao sei se o jeito que ando vestida inspira as pessoas a me darem dicas de economia, mas o fato é que paguei só quinze dólares por uma superprodução. Uma peça tão luxuosa que o último dos seus muitos cenários trazia um navio cobrindo o palco inteiro – por dois minutos.

Leia sobre minha aventura no zoológico de Chicago aqui.

Outras coisas que vi em Chicago:

- Na vitrine de um restaurante chinês, um bolo de casamento gigante à venda por 860 dólares. Lembrei do meu livro de cabeceira sobre como evitar situações sem chocolate. Uma das dicas: não vá a casamentos, porque eles só servem esses bolos brancos.

- A reputação de Chicago de ser chamada de “Windy City” só foi justa no primeiro dia. Aí sim foi uma ventania danada. Bateu Floripa.

- Uma velhinha muito curvada andando pela rua, gritando histericamente. Ela não parecia estar drogada ou alcoolizada, ou sequer pedindo ajuda, só berrando consigo mesma. O que consegui ouvir partiu meu coração: "Pra onde vou? Nao tenho pra onde ir!" E seguiam-se gritos que podiam ser ouvidos do outro quarteirão. Era tão "Rei Lear"...

CADA UM COM SUA FANTASIA

Isso tem que ser fotomontagem, não tem?

Infelizmente não deu pra acompanhar o Halloween in loco, porque eu tava voltando de Washington DC pra Detroit bem no dia 31 de outubro. Mas aqui as pessoas levam a celebração muito a sério. Tanto que os americanos gastam 5 bilhões de dólares com ela. Verdade! Em média, cada cidadão torra 27 verdinhas pra comprar balas, abóboras e fantasias. Pessoalmente, eu não dava a mínima pro Halloween até saber que a direita cristã quer abolir a data, por achar que é coisa do demo (esses fanáticos querem a caveira do Harry Potter também). Aí passei a gostar mais. Há desfiles de fantasias nas ruas – os gays andam reclamando que os heteros se apropriaram das suas paradas – e vários tipos de festas para adolescentes e adultos. Lá em Washigton, em plena praça de alimentação, vi um grupinho de sete jovens fantasiados de super-heróis diversos. Não bastava se vestir de Batman, tinha que ter os peitorais dele, numa fantasia super elaborada (e provavelmente caríssima). Mas o mais comum é as criancinhas nos subúrbios irem de casa em casa pedir “Gostosuras ou travessuras”. Elas nem se vestem de Drácula ou serial killers. Estão mais pra princesinhas e ninjas. Só os teens adotam fantasias cheias de sangue. Ou você atende a porta e dá balinhas e chocolate pras crianças, ou você deixa uma cestinha do lado de fora e o pessoal se serve sozinho. Ou você ignora a data e corre o risco de algum adolescente revoltado jogar papel higiênico molhado na sua parede. Uma brasileira bem de vida, recém-instalada em Washington, vizinha de meus amigos brasileiros, não estava nada feliz com as alternativas. Muito estressada, ela decidia o que iria fazer: “Acho que vou passar a noite num hotel”. Besteira, né? O Halloween é uma tradição inofensiva deles. Como o nosso carnaval.

Mais Crueldade Contra os Animais
Outro dia eu folheava um catálogo de uma loja com várias fantasias de Halloween pra toda a família, incluindo o cachorro. E dá-lhe cãozinho vestindo collant com desenhos de vassoura de bruxa, cão com gorrinho em forma de abóbora... Tava achando tudo isso divertido, até ver uma foto em que os publicitários se lembraram que muitas casas têm gato. Então havia uma foto de toda a família unida e feliz com um gato no canto, e o felino vestia uma gola de palhaço. Mas o detalhe relevante era o olhar de ódio do bichano, um olhar do tipo "Hoje vou matar algum humano". Ser retalhado vivo pelo seu animal de estimação? Não tem preço.

Biblioteca que Impressiona, e os Loucos Lá Dentro
Fui pra Washington principalmente pra pesquisar na Folger Shakespeare Library (a maior biblioteca especializada em Shake no mundo) e na Biblioteca do Congresso, que é linda, linda, linda. Como não pode tirar foto de dentro, preciso descrevê-la: a salaprincipal de leitura tem um teto oval altíssimo, e nas paredes, do chão ao teto, milhares de detalhes em gesso. Antes disso, várias estátuas de homens ilustres como Homero, Platão e Shakespeare. Vitrais e mais estátuas de deusas da sabedoria, além de águias e bandeirinhas americanas. Pesquisando aqui, eu me pergunto o quê exatamente estava fazendo antes, em todos os outros lugares. Sei lá, aqui nessa biblioteca passa a impressão que a pesquisa é de verdade. Um homem estranho, cheio de tiques, entrou rindo, olhou em volta, e saiu aplaudindo. Tudo bem que ele provavelmente não bate bem, mas me deu vontade de fazer algo parecido.E não bate bem mesmo. Mais um americano louco anônimo. A polícia o deteve duas horas depois. Deve ter mexido com alguma bibliotecária.

E NÓS COM ISSO?

Eu, o urso, e o voluntário que não acredita em aquecimento global


No último dia fomos a um dos zoológicos de Chicago, logo um que é dos últimos zôos grátis nos EUA. É muito legal poder entrar e sair de um zôo imenso, como se fosse um parque. Tá certo que os pobres bichinhos não têm o mesmo direito de ir e vir, mas eles parecem ser muito bem tratados. Já que estou divagando, preciso dar minha opinião sobre zoológicos: não tenho opinião formada. Fico morrendo de pena de ver os animais presos (chorei ao trocar olhares com um gorila triste), mas, ao mesmo tempo, sabe-se lá se esses animais estariam vivos ao ar livre, num mundo tão dominado pelos homens. Por exemplo, numa das placas li que um leão vive quinze anos no seu habitat e 25 em cativeiro. Se eu fosse um leão, preferiria ter uma vida mais longa garantida, e cheia de confortos, numa jaula enorme, ou arriscar o dia-a-dia numa selva tão perigosa?

Enfim, lá estávamos nós passeando pelo zôo quando fomos totalmente cativados pelo urso polar. O belo urso branco dispõe de grande espaço, mas ontem ele estava mais interessado em nadar. E os visitantes podem descer pra olhar o urso dentro d'água. E dá-lhe ursinho dando rasantes no vidro, usando o vidro pra ganhar impulso com as patas, encostando o focinho no vidro, e tudo mais (na realidade, ele vinha sempre na direção de um menininho nos braços da mãe, também colado no vidro. Uma hora o urso inclusive abriu o bocão, tentando abocanhá-lo. Acho que estava com fome). Lá pelas tantas surgiu um guia voluntário do zôo pra responder dúvidas sobre ursos polares. É óbvio que aproveitei pra fazer todo tipo de pergunta esdrúxula, mas em compensação descobri que esse urso mora com a irmã (que devia estar dormindo), se alimenta de peixes vivos e uma espécie de ração (e não de focas, como degustaria no seu habitat), e que sua patada equivale a uma martelada de não sei quantos pounds, porque esses americanos insistem em usar esse sistema métrico incompreensível. Então eu quis confirmar se esses maravilhosos bichos estavam ameaçados de extinção por causa do aquecimento global, que derrete as placas de gelo e faz ursinhos morrerem afogados, por não terem lugar pra descansar no meio do oceano (essa informação eu peguei do documentário do Al Gore – não tem jeito, tudo que sei aprendi no cinema). O guia disse que talvez, que essa questão era muito política, que até podia ser real, mas que nem eu nem ele estaríamos vivos nos próximos cem anos (nesse ponto eu quase interrompi com um “Fale por você”, mas ele tinha fugido tanto do tema que ficou difícil argumentar). Ou seja, esse senhor rapidamente esqueceu o urso e se pôs a falar sobre como, pra diminuir o aquecimento global, muita gente perderia o emprego. Eu tentei dizer que, sem o planeta, não haveria empregos de qualquer jeito, mas ele me cortou com algo do tipo: “É, eu sei, é polêmico, mas não dá pra nós americanos controlarmos o que seis bilhões de pessoas fazem com o mundo”. Nesse ponto eu não me contive e disse: “Ajudaria se vocês americanos, os maiores poluidores do planeta, pelo menos fizessem a sua parte”. Pouco depois o guia foi embora e nós continuamos admirando o urso.

Mas estou chegando à conclusão que essa ingenuidade americana é uma praga, uma hipnose coletiva. No mesmo dia, voltando pra Detroit, sentamos ao lado de um grupinho de três estudantes. No ônibus havia mesas, e os jovens usaram uma delas pra comer montes de hamburgers, um banquete de junk food. Eles saíram antes da gente, mas uma mocinha do grupo voltou pra checar se não tinham esquecido alguma coisa. Eu vi um papel embaixo das poltronas deles e apontei, ao que a estudante respondeu: “Obrigada, mas acho que não é nosso”. E saiu, deixando o lixo pra trás. Parece familiar?

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

CRÍTICA: ACROSS THE UNIVERSE / Veja em volta, já diziam os Beatles

Vários críticos americanos torceram o nariz. Alguns beatlemaníaco sentiram-se ultrajados. Já eu adorei “Across the Universe”, e tô doida pra vê-lo de novo. E olha que, em se tratando de música, sou uma tradicionalista. Odeio que troquem o ritmo das canções que conheço e amo. Não gostei nadinha de “Moulin Rouge”, mas achei que “Across” respeita o meu gosto. Claro, as vozes não são as dos Beatles. Porém, este é um dos principais espetáculos do ano. “Espetáculo” no sentido de ser uma festa pros olhos e pros ouvidos.

A trama nem importa. Nos anos 60, Jude, um inglês da classe operária, vai pros EUA, onde conhece Lucy, uma mocinha rica. Os dois se apaixonam e vão viver juntos em Nova York, onde conhecem uma cantora que é a cara da Janis Joplin mas se chama Sadie, que namora um músico que lembra o Jimmy Hendrix mas se chama Jo-Jo. Tem também todos os outros personagens famosos do repertório dos Beatles, a Guerra do Vietnã, drogas psicodélicas... Mas o principal que você precisa saber é que trata-se de um musical com um visual esplendoroso com canções magníficas. E tudo dirigido pela Julie Taymor que, além de ter nos dado dois filmes visualmente impactantes como “Frida” e “Titus”, ainda é respeitada por levar o musical “O Rei Leão” à Broadway. A mulher sabe o que tá fazendo, sem dúvida.

Eu fiquei toda hora lembrando do belíssimo “Hair”, porque as homenagens ao filme de 79 são constantes. Em “Across”, a chegada dos amigos a uma NY cheia de homens engravatados remete diretamente ao “Where do I go?” de “Hair”. Ambos os musicais são anti-guerra e tem uma trilha sonora incrível (embora as coreografias de “Hair” sejam muito superiores, assim como a história). Mas Julie se esforça. Cada quadro é caprichado, como se fosse uma pintura, repleto de cores e detalhes. Quando o pessoal canta “Dear Prudence” e pede pra que a garota deprê olhe em volta, é também um convite pro público. Na sequência do recrutamento, por exemplo, a gente se lembra das gracinhas de “Hair”, dos militares brancos cantando “Garotos negros são deliciosos”. Em “Across” o número mais marcante e elaborado começa com o Tio Sam apontando pra gente, saindo do notório pôster pra cantar “I want you”, e chegando a uma linha de produção em que homens são encaixotados. A conclusão da cena é divertida: esperando ser dispensado, o pacifista se diz um psicopata pedófilo, drogado e homossexual, ao que o militar responde: “Desde que você não tenha pé chato, tá dentro”. Nos EUA só muda a guerra, então as críticas ao Vietnã soam hoje como protestos contra a invasão do Iraque. Irônico é que antes do início do filme passou, como sempre, um comercial dos Marines, os fuzileiros navais que a gente já viu em “Nascido para Matar”, com todo aquele fascismo no preparo dos soldados. Mas os americanos têm orgulho de seus soldados e da lavagem cerebral a que são submetidos. Outro dia, ao ver “Soldado Anônimo”, aprendi que os filmes que pra gente condenam as guerras funcionam como afrodisíaco pros soldados. Na cena dos helicópteros ao som de Wagner de “Apocalipse”, os fuzileiros acompanhavam com a voz e vibravam. Pra eles o auge era quando o helicóptero bombardeava uma aldeia vietnamita cheia de crianças.

A Julie contrapõe todos os comerciais das Forças Armadas presentes em todas as sessões de cinema daqui (é impressionante, tem comercial recrutando pros Marines, pra Aeronáutica, pra tudo, e todos dizem que lutam pela nossa liberdade) com uma linda cena de soldados literalmente pisando no Vietnã enquanto carregam a Estátua da Liberdade e cantam “She's so Heavy” (ela é tão pesada). E como é. Em seguida as dançarinas fantasiadas na água fazem uma ótima referência à foto da menina vietnamita nua, ardendo em napalm. Mas nem tudo é perfeito. “Across” passa a cansar na metade. O número do Mr. Kite e toda a sequência do Magical Mystery Tour são bonitos, mas um pouco longos (aliás, quem faz o Mr. Roberts é o Bono!). E a mudança da América conservadora pros distúrbios em Detroit parece forçada, assim como outros cortes. Mas eu chorei de qualquer jeito. Põe um caixão, uma mulher cantando e pessoas em pranto e eu choro fácil, fácil.

Nas horas em que não estava me debulhando em lágrimas, fiquei feliz em observar como uma canção muda ao se trocar o sujeito. Fica bem diferente ver uma menina lentamente cantando “I wanna hold your hand” para uma outra menina. Enfim, “Across” é feito por quem ama os Beatles, o cinema, e tem coragem pra realizar releituras (note como uma tijela de morangos substitui a de cerejas, uma das pistas de que Paul estaria morto – se a vida é uma tijela de cerejas, por que a tijela está vazia?). Eu saí da sessão cantarolando e quase acreditando que tudo que precisamos é de amor.

BANCO É TUDO IGUAL?

Abri uma conta no Chase. Aparentemente há muito menos taxas que as cobradas pelos bancos brasileiros, ou assim espero. E dá pra “personalizar” seus talões de cheque. Você pode escolher entre quarenta modelos pra fundo de cheque, de Pernalonga e Mickey até águias e bandeiras, sabe, pra demonstrar seu patriotismo toda vez que comprar uma bugiganga made in China. Essa personalização custa US$ 4,24. Também dá pra incluir uma mensagem em cima da assinatura, tipo “Nunca esqueceremos 11 de setembro”, ou “Orgulho de ser hispânico”, ou “Com Deus tudo é possível”, ou “Amo meu cão”, ou “Pergunte-me sobre meus netos”. Acho que minha mensagem preferida é “Procure-me no jardim”. Apesar de não saber ao certo o que ela significa, deve ser lindo receber um cheque sem fundos com este recadinho enigmático. Mais gentil que “Vá ver se estou na esquina”. É divertido ler o contrato do banco, principalmente a seção de perguntas e respostas. Olha só o júbilo do capitalismo! Pergunta: “Menores de 18 anos podem abrir conta?” Resposta: “Definitivamente!” (com ponto de exclamação e tudo). Claro que nada bate a Política de Privacidade do Chase, que explica que o banco guarda seus (os do cliente) dados a sete chaves, mas pode compartilhá-los com empresas do grupo do banco, organizaçõs financeiras fora do grupo... ou seja, todo mundo. Aí a pergunta no próprio manual é: “Quais escolhas tenho para que o banco não compartilhe essas informações?” A resposta é um primor, algo nas linhas: “Você pode nos pedir pra não compartilhar as informações, mas nós vamos fazê-lo de qualquer jeito, como permite a lei”. Não tô inventando!