sexta-feira, 31 de agosto de 2018

JOVEM EM RELACIONAMENTO ABUSIVO E PAIS QUE SABEM DAS COISAS

A L., de 15 anos, me mandou este email:

Só queria desabafar um pouco...
Cansei de tanto ouvir que: "Mulher só gosta de cafajeste" e "Mulher não sabe escolher homem que presta e depois reclama".
O problema é: 
e quando o seu namorado parece ser alguém moderno, que respeita as mulheres, que te chama de linda todos os dias, é carinhoso e fofo e te faz se sentir amada? E depois de algum tempo você descobre que na frente de você e dos seus pais ele é tímido, maduro e romântico, e com os amigos se torna um bêbado, exibido e que "tira liberdade" com as garotas? E o pior:
1- Ele tem 14 anos.
2- Ele é ciumento.
Ele já reclamou das minhas roupas (e olha que eu não gosto de roupas curtas), teve crise de raiva porque eu simplesmente disse que um menino era bonitinho...
Até meus pais notaram o ciúme excessivo dele e tiveram uma conversa séria comigo sobre relacionamento abusivo.
No começo eu achava que era um ciúme normal, que meus pais só estavam sendo protetores demais.
Mas se não fosse a conversa franca que eles tiveram comigo, talvez eu ainda estaria achando aquilo tudo de ciúmes fofo, a forma dele se preocupar comigo.
Eu sabia que ele bebia, gostava de festas e essas coisas, mas eu pensava que o amor ia mudar ele (e no começo pareceu que mudou mesmo).
Eu sempre fui uma menina quieta, era a cdf da sala e achava que nunca ia encontrar minha alma gêmea. Até que conheci ele no 9° ano, parecia alguém perfeito e que me amava de verdade...
Mas parece que agora tudo isso é uma realidade distante.
Agora são 01:51 da madrugada e eu ainda não consigo dormir.
Sinto uma mistura de tristeza, angústia e raiva.
O que eu faço? Converso francamente com ele e perdoo ou dou um tempo no relacionamento?

Meus comentários: Seus pais estão certos. Que bom que eles te alertaram sobre relacionamento abusivo!
Vc é quase tão jovem quanto seu namorado, então saiba que vc ainda vai encontrar sua "alma gêmea" (ou como vc quiser chamar alguém por quem vc vai se apaixonar) muitas vezes na sua vida. 
E algumas serão pessoas bacanas, outras nem tanto, outras serão bizarras como seu atual namorado. E vc também pode ter lapsos e não tratar bem um cara de vez em quando.
Não tem isso de "o amor mudar ele". Talvez ele até mude no futuro -- eu acredito que as pessoas podem mudar --, mas dificilmente será por causa do amor. Não será por sua causa, será porque ele quis. E, até que ele mude, se é que ele vai mudar, você quer aguentar alguém que reclama das suas roupas, tem crises de raiva, ciúme excessivo e bebe demais?
Ciúme não é demonstração de amor. É demonstração de insegurança, possessividade, ignorância, desconfiança, de quem te vê como propriedade dele. É o tipo de sentimento que leva a feminicídio.
Vc me perguntou o que fazer -- conversar com ele francamente e perdoar ou dar um tempo no relacionamento? Nenhuma das duas alternativas. Há outra: terminar o relacionamento com ele. 
Vc pode e até deve ter uma conversa franca com ele ao fazer isso, mas acredite, terminar é a melhor opção. E, quando vc for terminar com ele, marque um lugar público para vcs se encontrarem. Tá cheio de cara que não aceita o final de uma relação e mata quem ele vê como sua posse.
E vá decidida. Ele tentará te convencer que te ama, que vc o ama, que ele vai mudar. Não aceite. Se vc aceitar, isso pode levá-lo ao próximo nível do relacionamento abusivo, que é a violência física. Afinal, ele viu que pode fazer o que quiser e que vc irá sempre perdoá-lo.
Bom, querida, essas são as minhas sugestões. Mas fale também com seus pais, que podem te aconselhar melhor.
Boa sorte! Saia dessa arapuca!
Só mais uma coisinha: 
ontem, pouco tempo depois de eu responder o email da L., numa aula da pós, uma aluna minha contou que, conversando com os pais numa escola pública em Fortaleza onde ela dá aula, vários pais disseram saber que os filhos adolescentes eram gays ou lésbicas, mas esses filhos não falavam com eles, não se assumiam. 
Os pais queriam saber como conversar sem preconceitos com seus filhos. A escola fez o que é seu dever: educou. Minha aluna e outras professoras ofertaram uma oficina sobre gênero e sexualidade para os pais. Eles gostaram muito. Estavam cansados de ser ignorantes. Queriam aprender.
Só pra registrar meu otimismo. Em menos de 12 horas, ouvi duas histórias de pais antenados, atenciosos, que realmente desejam o melhor para seus filhos. Há luz no fim.

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

"ACREDITEI QUE MINHA EXISTÊNCIA ERA LIMITADA À APROVAÇÃO DOS OUTROS"

Vinicius Simões, colaborador frequente e querido do blog, enviou este ótimo artigo de Kelly Marie Tran publicado no New York Times.
Pra quem não sabe, a atriz foi muito atacada nas redes sociais por homens que não aceitam uma mulher asiática no filme Star Wars. Recentemente, após tantos xingamentos racistas e machistas, ela decidiu deletar seu Instagram. Um grupo de homens brancos online se declarou responsável pela "vitória" de fazer com que Kelly deletasse sua conta (o grupo também pregou boicote ao filme Pantera Negra, que já arrecadou US$ 1.3 bi). 
Esta é a primeira vez que Kelly fala sobre tudo isso. 
A atriz Kelly Marie Tran com a camiseta do filme
Não foi pelas palavras deles, foi por eu ter começado a acreditar nelas.
Suas palavras pareciam confirmar o que crescer sendo uma mulher e uma pessoa não-branca já me ensinaram: que pertenço a margens e a espaços, válida apenas como uma personagem secundária em suas vidas e histórias.
Kelly no filme Star Wars:
os últimos Jedi
, como Rose
E aquelas palavras despertaram algo dentro de mim -- um sentimento que eu pensava ter superado. O mesmo sentimento que tive quando, aos 9 anos de idade, parei completamente de falar vietnamita porque estava cansada dos meus amigos caçoando de mim. Ou aos 17, quando, ao jantar com meu namorado branco e sua família, pedi um prato em um inglês perfeito, para a surpresa da garçonete, que exclamou “Uau, que fofo que vocês têm uma estudante de intercâmbio!”
Suas palavras reforçaram uma narrativa que ouvi minha vida inteira: a de que eu era “a outra”; que eu não pertencia; que eu não era boa o suficiente, simplesmente porque não era como eles. E esse sentimento, eu percebo agora, era, e é, vergonha. Vergonha pelas coisas que me fazem diferente; vergonha pela cultura da qual vim. E para mim, a coisa mais decepcionante foi que eu realmente a senti.
Porque a mesma sociedade que ensinou a algumas pessoas que elas eram heroínas, salvadoras, herdeiras do ideal do Destino Manifesto, ensinou que eu existo apenas no segundo plano de suas histórias, fazendo suas unhas, diagnosticando suas doenças, apoiando seus interesses amorosos e –- talvez o mais prejudicial -– esperando que elas me salvem.
E por um longo tempo, acreditei nelas. 
Acreditei naquelas palavras, naquelas histórias cuidadosamente fabricadas por uma sociedade construída para defender o poder de um tipo de pessoa -– um gênero, um tom de pele, uma existência.
Isso reforçou dentro de mim regras que foram escritas antes de eu nascer, regras que fizeram meus pais julgarem necessário abandonar seus nomes reais e adotar nomes americanos -– Tom e Kay -–, pois assim seria mais fácil para outras pessoas pronunciarem. Literalmente um apagamento de cultura que me dói no fundo.
E por mais que odeie admitir, comecei a me culpar. Eu pensava “Ah, talvez se eu fosse mais magra”, ou “Talvez se eu deixasse meu cabelo crescer” e, pior de tudo, “Talvez se eu não fosse asiática”. Durante meses entrei em uma espiral de auto-ódio nos recantos mais escuros da minha mente, lugares onde me despedaçava, lugares onde colocava as palavras dos outros acima da minha própria autoestima. 
E foi então que percebi que haviam mentido para mim.
Eu havia sofrido uma lavagem cerebral para acreditar que minha existência era restrita aos limites da aprovação de outras pessoas. Fui enganada para pensar que meu corpo não era meu, que eu só seria bonita se alguém acreditasse nisso, independentemente da minha própria opinião. Isso me foi dito e repetido por todo mundo: pela mídia, por Hollywood, por empresas que lucraram com minhas inseguranças, me manipulando para que comprasse suas roupas, sua maquiagem, seus sapatos, a fim de preencher um vazio que era perpetuado por eles, em primeiro lugar.
Sim, mentiram para mim. Para todas nós.
E foi nessa percepção que senti uma vergonha diferente -– não uma vergonha por quem eu era, mas uma vergonha pelo mundo no qual cresci. E uma vergonha por como o mundo trata qualquer um que é diferente.
Não sou a primeira pessoa a crescer assim. Assim é crescer como uma pessoa não-branca em um mundo dominado por brancos. Assim é ser uma mulher em uma sociedade que tem ensinado suas filhas que somos merecedoras de amor apenas se formos consideradas atraentes por seus filhos. Esse é o mundo no qual cresci, mas não é o mundo que quero deixar. 
Quero viver em um mundo em que pessoas não-brancas não passem suas adolescências inteiras desejando ser brancas. Quero viver em um mundo no qual mulheres não sejam submetidas a uma análise minuciosa sobre sua aparência, ou suas ações, ou suas existências em geral. Quero viver em um mundo em que pessoas de todas as raças, classes socioeconômicas, orientações sexuais, identidades de gênero e habilidades sejam vistas como elas sempre foram: seres humanos.
É esse o mundo no qual quero viver. E esse é o mundo pelo qual continuarei trabalhando.
Esses são os pensamentos que passam pela minha cabeça toda vez que escolho um roteiro ou um livro. Sei que a oportunidade que me foi dada é rara. Sei que hoje pertenço a um pequeno grupo de pessoas privilegiadas que conseguem contar histórias por profissão, histórias que são ouvidas e vistas e digeridas por um mundo que por muito tempo só experimentou uma coisa.
Sei o quão importante isso é. E não irei desistir.
Vocês devem me conhecer como Kelly.
Eu sou a primeira mulher não-branca a ter um papel de destaque na franquia Star Wars.
Eu sou a primeira mulher asiática a aparecer na capa da Vanity Fair.
Meu nome verdadeiro é Loan. E estou apenas começando.

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

TODO MÊS É DE DESGOSTO PARA AS MULHERES

Fiquei sabendo ontem deste forte texto que Karina Santos publicou no seu FB no dia 21 de agosto. Reproduzo-o aqui. Ando repetindo mais do que eu gostaria que está muito fácil pra eles. 

Estamos em agosto e:
1) A advogada Tatiana foi morta pelo marido no Paraná; 
2) Uma criança de 4 anos foi estuprada por um homem de 19 anos e levou 28 pontos; 
3) Uma estudante foi estuprada próximo à estação Vila Mariana, onde por sinal passam milhares de pessoas por dia; 
4) Na Índia, uma cabra prenhe foi estuprada por oito homens e morreu; 
5) Uma mulher quase foi sequestrada dentro do trem no Rio de Janeiro; 
6) Na Bolívia, uma freira de 81 anos foi sequestrada e estuprada por 4 homens; 
7) Uma bebê de 3 meses foi estuprada até a morte pelo pai; 
8) Uma policial foi encontrada morta dentro de um porta-mala; 
9) Um ex pediu um abraço de despedida (após o término da relação) e esfaqueou a moça; 
10) Um grupo de WhatsApp foi criado para estuprar garotas na faculdade;
11) Um cara jogou o carro em cima da ex e da filha de 6 anos; 
12) Um cara sequestrou e estuprou uma mulher em SP (que pulou do carro e conseguiu se salvar do pior); 
13) O corpo de uma mulher foi encontrado em um matagal em Palmas; dias antes, a vítima havia enviado mensagens para uma amiga pelo WhatsApp dizendo que o namorado queria matá-la; 
14) Uma policial foi morta pelo marido também policial a tiros; 
15) Um empresário foi preso por estuprar uma menina de 13 anos em Manaus; 
16) Um empresário apareceu nas gravações agredindo violentamente a mulher, foi preso por 24h e depois solto porque "não aparenta perigo a sociedade"; 
17) O coordenador de uma escola militar foi condenado por abusar de alunas; 
18) Uma grávida de 3 meses foi encontrada morta enrolada num cobertor dentro do carro; o marido foi preso em SC; 
19) Uma estudante foi esfaqueada 13 vezes pelo ex-namorado em Pitangueiras, SP. Ela já havia registrado boletim de ocorrência contra ele por ameaça; 
20) Uma mulher foi morta com sete facadas pelo ex em Governador Valadares, MG; antes de morrer ela gritou "Por favor, não me mate"; 
21) Uma mulher se recusou a ir dormir e o companheiro tentou matá-la com um tiro pelas costas em MG; 
22) Um taxista matou a mulher a tiros dentro de casa e fugiu com o carro em Brasília; 
23) Um padrasto foi preso por agredir menina de 2 anos e prender a namorada num quarto;
24) Laudo apontou que mulher levada morta para UPA por companheiro foi asfixiada; 
25) Um servidor público foi preso suspeito de estuprar a enteada;
26) Uma mulher morreu após ser empurrada pelo marido numa escada. Já tinha sido agredida antes; 
27) Cantor de forró foi flagrado pelas câmeras agredindo a ex-mulher na frente do filho de 6 anos; 28) Uma mulher foi morta a facadas dentro de casa; 
29) Outra mulher foi morta por golpes de facão pelo marido; 
30) Uma mulher foi morta a tiros na frente do filho; 
31) Uma estudante que cursava medicina no Paraguai foi encontrada morta no quarto que dividia com colega de faculdade. Ela havia sido estuprada. 
Agosto tem 31 dias. Hoje é dia 21, e já listei um caso pra cada dia até o fim do mês. Detalhe: esses são apenas os casos que foram divulgados. 
E há quem diga e apoie político que diz que feminicidio não deveria existir, porque se é assassinato é homicídio e pronto, acabou. 
Vocês me dão nojo. Vocês estão nos matando. 
Não podemos nos calar. 
Não podem nos calar.
Nenhuma a menos!

terça-feira, 28 de agosto de 2018

SÉRIE SOBRE A CAÇA AO UNABOMBER DEIXA DE LADO AS MULHERES

Em poucos dias eu vi os oito episódios de uma série que foi lançada ano passado, Manhunt: Unambomber.
Como cheguei a essa série? É que vi que, entre os indicados do Emmy, estava Law and Order True Crime, que falava dos irmãos Menendez, dois americanos que em 1989 mataram o pai e a mãe. O crime foi tão popular lá quanto o assassinato dos Richthofen foi aqui. O julgamento foi televisado e todo mundo ficou sabendo que aquela imagem de família rica e tradicional envolvia pedofilia e estupro. A série, que foca na advogada de defesa dos irmãos, claramente adota esse ponto de vista (outras pessoas acreditam que os irmãos Menendez mataram os pais pra ficar com a fortuna). 
De um jeito ou de outro, os irmãos foram condenados à prisão perpétua (escaparam da pena de morte). E mesmo que a série (também de oito episódios) esteja longe da excelência de The People v. O. J. Simpson: American Crime Story (ou de O Assassinato de Gianni Versace), ainda assim é interessante.
Então sem querer fiquei sabendo dessa outra série baseada em fatos reais, sobre o Unabomber. Porque, pô, se séries sobre crimes e julgamentos já são bacanas, crimes sobre crimes e julgamentos que aconteceram de verdade prometem ser ainda melhores. 
Eu não me lembrava muito do Unabomber. Na minha cabeça, misturei com o caso da anthrax, mas isso aconteceu muito depois, em 2001 (cinco pessoas foram mortas ao receberem cartas com a bactéria). O Unabomber foi (é, está preso desde 1996) um terrorista americano que, entre 1978 e 1995, mandou 16 pacotes com explosivos para várias pessoas, matando três e ferindo 23. Foi também o caso mais longo e mais caro do FBI.
Ted Kaczynski, o tal terrorista, hoje com 76 anos, foi uma criança-prodígio com QI altíssimo. Entrou em Harvard com apenas 16 anos, formou-se em matemática, fez mestrado e doutorado na Universidade de Michigan e depois, com 25, foi o professor-assistente mais jovem do departamento de matemática noutra universidade conceituada, Berkeley. Mas em 1969 largou tudo e voltou pra casa dos pais. 
Dois anos depois, foi morar sozinho numa cabana sem água nem eletricidade no estado de Montana. Em 1978, enviou sua primeira bomba pelo correio. A terceira bomba que mandou, em 1979, felizmente falhou. O pacote foi aberto em pleno voo da American Airlines. Se a bomba tivesse funcionado, derrubaria o avião.
Kacynski culpava a sociedade industrial pelo declínio do mundo. Defendia que todos fossem viver numa cabana no meio do mato. Detestava a tecnologia.
Ted na vida real com seu
irmãozinho, em 1952
Como tantos serial killers, ele odiava também as mulheres. A série (mais especificamente o sétimo episódio, que lida com as origens do Unabomber) mostra que ele tinha um melhor amigo quando era criança, e que esse amigo o abandonou ao chegar à puberdade e arranjar uma namorada. Ele também criticava severamente o irmão mais novo por ter se casado, por ter se deixado prender. Chamava todos de "gado", "ovelhas" (parece familiar?). E era o que hoje seria chamado de incel (celibatário involuntário). Nunca transou, nunca namorou. Saiu com uma moça do trabalho uma vez, que não quis mais saber dele. Então, ele espalhou bilhetes no escritório chamando-a de vadia e afins. Foi despedido. 
Enquanto eu via a série, pensava em como esses mascus são parecidos (tirando a parte do alto QI). Não por acaso, o Unabomber é um ídolo pra eles -- assim como todos os serial killers. Eles se sentem únicos e especiais num mundo que os ignora, e fazem tudo para chamar a atenção. Incapazes de qualquer tipo de autocrítica, culpam as mulheres por tudo que há de ruim em suas vidas.
No fundo, a série é muito mais sobre a vida de um agente do FBI, Jim Fitzgerald (interpretado por Sam Worthington), que sobre Kacynski (feito por Paul Bettany). Mostra a obsessão do agente em tentar descobrir e capturar o serial killer, analisando principalmente a linguagem dos manifestos e cartas que Kacynski escrevia (pra quem é de Letras, é um prato cheio, apesar da série sugerir que o agente praticamente inventou a linguística forense -- uma ferramenta de identificação baseada na crença que cada pessoa tem sua maneira de se expressar, e que esta característica é tão única como suas impressões digitais ou DNA --, o que obviamente não é verdade). A família de Fitzgerald o larga após anos de negligência, e ele acaba se tornando tão recluso quanto seu alvo.
Embora o agente Fitz exista na vida real, o resto é liberdade poética. Mais de 150 agentes do FBI atuaram no caso, e Fitz foi apenas um deles, longe de ser o mais importante. Ao contrário do que mostra a série, Fitz e Kacynski nunca se encontraram, nunca se falaram, nunca desenvolveram qualquer tipo de relação. O Fitz da série representa vários personagens em um (e, ironicamente, esse protagonista ficcional se sente injustiçado ao não ser reconhecido como o homem que prendeu o Unabomber).
Mas o que me deixou com o cabelo em pé é como as mulheres são menosprezadas, mesmo numa série que toma tantas liberdades com os "fatos reais" em que diz se basear. No quinto episódio, vemos uma outra agente, Tabby (Keisha Castle-Hughes), ser fundamental para se chegar à identidade do Unabomber. É ela que vê e investiga uma ficha enviada ao FBI e a manda a Fitz. E aí, em vez de ser aplaudida (sem ela o FBI não chegaria a Kacynski), ela é punida por quebrar o protocolo. A série falha ao demonstrar essa injustiça como algo pessoal, não como um modus operandi histórico de como mulheres são varridas pra baixo do tapete da história. 
Outro exemplo é que, apesar do FBI ter investido tanto tempo (quase 20 anos) e dinheiro para desvendar o assassino, a descoberta só se deu por causa da cunhada de Kacynski. Foi ela quem leu o manifesto publicado no Washington Post e pensou, "Putz, esse Unambomber é Ted, meu cunhado!". Foi ela que contou isso pro seu marido David e insistiu, porque o irmão não queria acreditar nisso de jeito nenhum. Mas quem ficou com a glória de ser visto como o grande herói americano que denunciou o próprio irmão em nome da lei? David. 
Uma outra linguista que ajuda Fitz (uma personagem mal explorada pela série) também fica sem crédito algum. E assim são feitas as lendas sobre os corajosos e brilhantes homens que capturam outros homens que usaram suas mentes brilhantes para o mal.
Eu gostei da série e a recomendo (é muito superior à outra série recente baseada em fatos reais, Waco, sobre outro caso emblemático nos EUA). Foi legal relembrar o Unabomber e compará-lo aos terroristas mascus. Veja sabendo que ela não está tão preocupada com os "fatos reais" e que, mais uma vez, as mulheres não recebem importância, e isso não é apontado como errado.