A L., de 15 anos, me mandou este email:
Cansei de tanto ouvir que: "Mulher só gosta de cafajeste" e "Mulher não sabe escolher homem que presta e depois reclama".
O problema é:
e quando o seu namorado parece ser alguém moderno, que respeita as mulheres, que te chama de linda todos os dias, é carinhoso e fofo e te faz se sentir amada? E depois de algum tempo você descobre que na frente de você e dos seus pais ele é tímido, maduro e romântico, e com os amigos se torna um bêbado, exibido e que "tira liberdade" com as garotas? E o pior:
2- Ele é ciumento.
Ele já reclamou das minhas roupas (e olha que eu não gosto de roupas curtas), teve crise de raiva porque eu simplesmente disse que um menino era bonitinho...
Até meus pais notaram o ciúme excessivo dele e tiveram uma conversa séria comigo sobre relacionamento abusivo.
No começo eu achava que era um ciúme normal, que meus pais só estavam sendo protetores demais.
Mas se não fosse a conversa franca que eles tiveram comigo, talvez eu ainda estaria achando aquilo tudo de ciúmes fofo, a forma dele se preocupar comigo.
Eu sabia que ele bebia, gostava de festas e essas coisas, mas eu pensava que o amor ia mudar ele (e no começo pareceu que mudou mesmo).
Eu sempre fui uma menina quieta, era a cdf da sala e achava que nunca ia encontrar minha alma gêmea. Até que conheci ele no 9° ano, parecia alguém perfeito e que me amava de verdade...
Mas parece que agora tudo isso é uma realidade distante.
Agora são 01:51 da madrugada e eu ainda não consigo dormir.
O que eu faço? Converso francamente com ele e perdoo ou dou um tempo no relacionamento?
Meus comentários: Seus pais estão certos. Que bom que eles te alertaram sobre relacionamento abusivo!
Vc é quase tão jovem quanto seu namorado, então saiba que vc ainda vai encontrar sua "alma gêmea" (ou como vc quiser chamar alguém por quem vc vai se apaixonar) muitas vezes na sua vida.
E algumas serão pessoas bacanas, outras nem tanto, outras serão bizarras como seu atual namorado. E vc também pode ter lapsos e não tratar bem um cara de vez em quando.
Não tem isso de "o amor mudar ele". Talvez ele até mude no futuro -- eu acredito que as pessoas podem mudar --, mas dificilmente será por causa do amor. Não será por sua causa, será porque ele quis. E, até que ele mude, se é que ele vai mudar, você quer aguentar alguém que reclama das suas roupas, tem crises de raiva, ciúme excessivo e bebe demais?
Ciúme não é demonstração de amor. É demonstração de insegurança, possessividade, ignorância, desconfiança, de quem te vê como propriedade dele. É o tipo de sentimento que leva a feminicídio.
Vc me perguntou o que fazer -- conversar com ele francamente e perdoar ou dar um tempo no relacionamento? Nenhuma das duas alternativas. Há outra: terminar o relacionamento com ele.
Vc pode e até deve ter uma conversa franca com ele ao fazer isso, mas acredite, terminar é a melhor opção. E, quando vc for terminar com ele, marque um lugar público para vcs se encontrarem. Tá cheio de cara que não aceita o final de uma relação e mata quem ele vê como sua posse.
E vá decidida. Ele tentará te convencer que te ama, que vc o ama, que ele vai mudar. Não aceite. Se vc aceitar, isso pode levá-lo ao próximo nível do relacionamento abusivo, que é a violência física. Afinal, ele viu que pode fazer o que quiser e que vc irá sempre perdoá-lo.
Bom, querida, essas são as minhas sugestões. Mas fale também com seus pais, que podem te aconselhar melhor.
Boa sorte! Saia dessa arapuca!
Só mais uma coisinha:
ontem, pouco tempo depois de eu responder o email da L., numa aula da pós, uma aluna minha contou que, conversando com os pais numa escola pública em Fortaleza onde ela dá aula, vários pais disseram saber que os filhos adolescentes eram gays ou lésbicas, mas esses filhos não falavam com eles, não se assumiam.
Os pais queriam saber como conversar sem preconceitos com seus filhos. A escola fez o que é seu dever: educou. Minha aluna e outras professoras ofertaram uma oficina sobre gênero e sexualidade para os pais. Eles gostaram muito. Estavam cansados de ser ignorantes. Queriam aprender.
Só pra registrar meu otimismo. Em menos de 12 horas, ouvi duas histórias de pais antenados, atenciosos, que realmente desejam o melhor para seus filhos. Há luz no fim.