sexta-feira, 29 de maio de 2020

JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS

No domingo, surgiu uma foto de um casal com máscara num ato golpista pró-Bolsonaro em Brasília. 
Era Guilherme de Pádua e sua terceira esposa. Tuitei sobre isso, e fiquei surpresa ao constatar que, 28 anos depois, todo mundo ainda sabia quem era o assassino de Daniela Perez. Talvez não soubessem que ele tinha se tornado pastor e bolsominion.
Dois rapazes que eu não conhecia no Twitter comentaram como tinham perdido suas irmãs para o feminicídio. Pedi para um deles escrever sobre isso, se não fosse doloroso demais. Ele respondeu que era doloroso, mas escreveu. 
Ricardo Fulgoni, filho de garçom, neto de carpinteiro, é oficial de Justiça. 

No início de 2006 eu era um jovem de 18 anos nos primeiros meses da vida em que as coisas começavam a dar certo. Passara infância e adolescência muito pobres, na periferia de Volta Redonda, RJ. Nos momentos mais graves só não passei fome porque arroz tinha. Mas só.
Eu jamais entregara os pontos para a pobreza. Eu decidi vencê-la, ainda na infância. Percebi que só o faria através da educação. Estudei. Estudei muito. Eu queria ser o primeiro da classe. Muitas vezes conseguia. Estudar era o jeito de me sentir relevante, de me sentir visto. Pois além dos portões da escola era só trevas. Trevas sociais.
Terminando um conturbado ensino médio, muitas vezes almoçando uma fatia de presunto, muitas vezes vendendo aos colegas os trabalhos de classe que fazia em nome deles, percebi um caminho por onde a educação poderia me levar sem que dependesse de indicações de conhecidos ou amigos, o que nem de longe eu possuía. Era o caminho do concurso público.
Tomei posse como servidor do INSS em abril de 2005, seis dias após completar 18 anos de idade. Salário de R$ 840, uma fortuna! Assim que recebi meu primeiro salário comprei uma TV. A gente não tinha. Quando desci do táxi com a TV no ombro, deparei com a cara de espanto do meu avô, aquele senhor analfabeto que sustentou filhos e netos trabalhando na lavoura e na construção de telhados. Foi o momento mais feliz da minha vida até então.
Nos meses seguintes, juntei dinheiro para a entrada e consegui um financiamento: comprei um carro! Um Fiat Uno, ano 1990, por R$ 6.700! Finalmente meus pais e avós começavam a acreditar que era possível vencer por meio da educação. Era o primeiro carro da história da minha família.
Mas eu queria mais. Eu estava colocando o dedo na cara do mundo e dizendo: “eu vou vencer a pobreza”! Afrontoso, o rapaz! Entrou 2006 e a ousadia aumentou: entrei para a faculdade de Direito. Pelo PROUNI. Embora servidor público e assalariado, a renda familiar per capta permitia o benefício. Ainda bem, pois pagar seria impossível.
Na terceira semana da faculdade, eu havia acabado de chegar do trabalho e estava comendo uma coxa de frango e bebendo suco de groselha, preparando-me para ir à aula. Eu morava com minha mãe, meus avós maternos e a Priscila, minha única irmã, mas nesse dia eu estava na casa da minha bisavó, na mesma rua. Meu tio-avô entrou na sala esbaforido: “Vamos lá que o Claudinho machucou muito a Priscila”. Minha avó e minha bisavó, que estavam comigo na sala, levantaram-se imediatamente e foram pra rua. Eu fiquei atônito por alguns segundos. O que significaria “machucou muito”? 
Quando, após alguns segundos, tive forças para me levantar, cheguei à varanda e vi a rua cheia de gente. Vizinhos e parentes. Estranhei a presença de um irmão do meu pai. Tanto ele quanto meu pai residiam na cidade vizinha, Barra Mansa. O que ele estaria fazendo ali? Aí me lembrei que a Priscila estava justamente passando uns dias na casa do meu pai. Desci à rua e perguntei à primeira pessoa que surgiu na minha frente: “Tia, o que aconteceu?” A resposta foi a que eu temia e teimava em não crer. “O que a gente ficou sabendo foi que ele a matou.”
Claudinho é nome fictício. Não vou dar fama ao nome real. Não precisamos de outro Guilherme de Pádua. Pois bem. Claudinho foi o primeiro namorado da minha irmã. Um jovem simples como a gente, de família mineira como a nossa. Uma pessoa do bem. Não se envolvia com drogas, o que, no nosso contexto social, era um achado preciosíssimo. Eu gostava dele. Era meu amigo.
Eu não conseguia entender o que aconteceu. Aparentemente eles haviam brigado e terminado o relacionamento. Já tinha acontecido algumas vezes. Eram, ambos, um pouco instáveis como quaisquer adolescentes, mas nada aparentemente patológico. Havia uma diferença de idade, ela tinha 16 e ele tinha 20. Não era nada tão absurdo, especialmente nas camadas mais pobres da sociedade. Após o término, ele foi à casa do meu pai pedindo para conversar. Priscila saiu à rua para falar com ele. Talvez reatassem. Não houve conversa. Ele a matou com seis facadas ali mesmo, no portão da casa do meu pai.
Por que aquilo aconteceu? Ele era um rapaz bom, não aparentava nenhum sinal de violência, nenhum desvio psicológico, nenhuma doença mental. Hoje eu entendo com maior clareza o que ocorreu. Havia, sim, uma doença. Ainda há. Não era Claudinho o doente. Era a sociedade. O machismo é doença que mata. A ideia de que o homem é superior à mulher, de que a mulher é mera propriedade do macho, está enraizada na nossa cultura. 
Claudinho aprendeu assim. O processo civilizatório não havia chegado à mente dele. Ele agiu como homem das cavernas. O processo civilizatório ainda não chegou à nossa sociedade. Esse paternalismo é extremamente perigoso. O machismo mata. Quando misturado à cultura da violência, da justiça privada, mata ainda mais. Naquele episódio foram duas famílias destruídas, a minha e a dele.
Nos dias seguintes ao fato ele começou a telefonar para a nossa casa. Meio transtornado. Queria saber o estado de saúde da Priscila. Dizia que não se lembrava do que aconteceu. Ela morreu na hora. Era plausível que ele não tivesse percebido o resultado das facadas, pois testemunhas o viram correndo imediatamente, abandonando a faca no local. Eu só queria que aquele pesadelo acabasse. Achava inadmissível ter de tutelar a dor daquele que provocara a dor.
Na periferia, o Estado não chega. Não há vácuo de poder. O poder não estatal se estabelece. Inclusive o poder judiciário paralelo. De modo que não faltaram propostas para que a justiça da periferia fosse feita. Nenhuma delas onerosa. Queriam fazer o serviço de graça. Claudinho feriu o senso de justiça inclusive dos fora da lei. Eu neguei todas. Eu sempre quisera vencer essa barreira. Eu sempre acreditei que se o estado não chegasse até mim eu poderia buscá-lo na marra, através da educação. Eu queria viver o mundo que a gente via na TV, não o mundo paralelo dos marginalizados. Eu precisava resolver através do estado constituído. Mas não foi fácil.
Foram muitas idas à Delegacia, ao Fórum, ao Ministério Público. Muitos dias após o assassinato (o termo feminicídio não era usado) ainda não havia um mandado de prisão, mesmo com as testemunhas, mesmo com os telefonemas em que o próprio Claudinho confessava ter feito aquilo, embora dissesse não se lembrar exatamente como seu deu “aquilo”. Não havia imprensa pressionando. Houve, no dia, uma notinha no jornal local. Mas ninguém se importava. Era uma menina pobre. O caso era parecido ao da Daniela Perez. Mas não houve comoção nacional. Nem comoção local. Ninguém se importava.
Decidi que eu mesmo precisaria resolver aquilo. Mas não abandonei a justiça estatal. Obriguei o estado a agir. Passei a enviar notas diárias ao jornal local. Coloquei identificador de chamadas no telefone. Pressionava diariamente as autoridades. No 15º dia, consegui identificar a chamada. Descobri a cidade mineira onde ele se escondia. Google Maps, agenda telefônica que ele esquecera lá em casa, sobrenome na lista telefônica mineira. Descobri o endereço da casa de um tio dele, onde ele provavelmente estava. As ligações partiam do telefone desse tio. Fiz tudo sozinho. Eu tinha mapa, foto de satélite e foto da casa onde ele estava. Mas eu não tinha um mandado de prisão.
Pressionei muito as autoridades naquele dia. Ao fim do dia consegui o mandado de prisão. Coloquei minha mãe e meus avós no carro -- eu tinha medo de deixá-los sozinhos -- e partimos para Minas Gerais. Eu tinha três meses de habilitado, nunca havia dirigido em rodovia. Nunca havia dirigido na chuva. Nunca havia dirigido à noite. Era noite e chovia. Andei 300 quilômetros a 60 km/h. Cinco horas depois, chegamos na cidade onde meu primo residia. Ele tomou a direção e enfim pudemos ir mais rápido.
Ao chegar na cidade do esconderijo, fomos direto à delegacia. Os policiais ficaram chocados com a história. E chocados com o fato de o mandado de prisão e o endereço do esconderijo terem chegado a eles pelas mãos do irmão da vítima, e não pelas vias estatais. Disseram que não havia viatura na cidade, mas que eles dariam um jeito. Não pude esperar. Meu primo foi dirigindo e eu fui escondido no banco de trás. Claudinho não conhecia o meu primo e meu carro era bastante comum. Se Claudinho nos visse, talvez não percebesse que era meu carro.
Ele estava na varanda, exatamente no endereço que eu obtive em minhas investigações. Voltamos correndo à delegacia. “Ele está lá agora, tem que ser agora!” Mas ainda não havia viatura. Os policiais foram no meu carro, com meu primo dirigindo. Eu fiquei na delegacia. Quando o vimos chegar preso, minha mãe se desesperou. Eu a contive. Fomos embora. Meses depois ele foi julgado e condenado a 19 anos de prisão. Eu poderia, enfim, retomar o meu plano de vencer a pobreza.
A faculdade não foi fácil. Eu sofria muito. Não pude chorar a morte da minha irmã. Eu tinha que fazer justiça. Não havia espaço para o luto. O luto veio depois da luta. Na periferia é assim. Não há sequer o direito de sentir dor. Vivemos anestesiados pelas amarras que a sociedade nos impõe. As pessoas acabam se conformando. E se escondem na bebida. Nas drogas. Viram presas fáceis para a cultura machista. Que mata.
Mas eu nunca me conformei. Após fazer justiça, fiz Direito. Eu venci a pobreza. Minha única arma foi a educação. Hoje sou oficial de justiça. Lido diariamente com casos de violência doméstica. Hoje temos a Lei Maria da Penha, temos a tipificação do feminicídio no Código Penal, com pena mais grave que um homicídio qualquer. O estado tem se preocupado mais com isso. Mas é pouco. Sigo sem me conformar.
Há um ano decidi que serei juiz de direito. Não por sucesso profissional. Eu sempre busquei vencer a pobreza, mas sempre entendi que não é o dinheiro que traz a felicidade. Eu estava satisfeito onde cheguei profissionalmente. Não precisava de mais. É obvio que a magistratura será um grande sucesso profissional, é o ápice da carreira jurídica. Mas o que realmente me move não é a ambição pessoal. É a responsabilidade social. É a necessidade de fazer mais.
Ao ver tantas mentes doentias em posições de poder, decidi colocar-me também a serviço da sociedade em uma posição de poder. Um poder pequeno, é verdade. Juiz não é herói. Não pode querer ser herói. Juiz não é justiceiro. Eu tive a oportunidade de ser justiceiro quando minha irmã foi morta. Não fui. Quero aplicar o direito corretamente. Pois creio que é no estado de direito, no exercício dos poderes constituídos, que podemos construir uma sociedade melhor, menos violenta, com mais oportunidades.
Entrei de cabeça na missão. Mesmo após alguns anos sem estudar para concursos, consegui algum sucesso logo no primeiro concurso de juiz que me inscrevi. Passei na primeira fase e estou aguardando o resultado da segunda fase -- estagnada pela pandemia -- enquanto sigo estudando. Normalmente se leva mais de um ou dois anos pra conseguir passar pela primeira fase. Consegui sucesso tão rápido pois entrei de corpo e alma na missão. Estudo umas 60 ou 70 horas semanais. Tem dia que estudo mais de 15 horas. Conto e não acreditam. É difícil de acreditar mesmo. Mas é que a vida já me feriu tanto que tamanha dedicação não me dói. Na verdade, tem me feito bem.
Eduardo Galeano conta em Las palabras andantes? que ouviu Fernando Birri dizer: “A utopia está lá no horizonte. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
Pois a minha utopia é justamente esse mundo menos violento, menos machista, menos paternalista, mais justo, com mais oportunidades para todos. Esse mundo passa pela educação. Essa é a utopia que me move. É o que me faz ir à mesa de estudos ao acordar e de lá me levantar para ir dormir.
Mais que meu sucesso profissional, é com o exemplo que me preocupo. Quero dizer aos jovens, especialmente os da periferia, que não desistam! Lutem! A pobreza é um grande obstáculo, não há dúvida. Mas é possível vencê-lo. Eu venci a pobreza. E vou vencer mais. A única arma possível é a educação. Ninguém vai me dizer que eu não posso. Ninguém vai me dizer que é impossível. Nasci em um mundo injusto, que foi muito injusto comigo, e mais injusto ainda com a minha irmã. Decidi construir a justiça com minhas próprias mãos. Eu serei juiz de direito. O filho do pobre pode ser o que ele quiser.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

AINDA NÃO ACABOU, P*RRA!

Esta arte é do Sensacionalista.
Infelizmente, o "Acabou, porra" de Bolso não se referia ao seu governo. Pelo menos, ainda não. 
Mas está muito longe? Uma pesquisa Datafolha realizada no início da semana constatou que Bolso tem 43% de rejeição. Parece -- e é -- pouco, mas é o pior índice de um presidente em primeiro mandato com um ano e meio de governo desde 1990. Collor, por exemplo, tinha 41%. E isso que ele já havia confiscado a poupança de milhões de brasileiros! Dilma tinha 5% de rejeição em 2012. 
Tenho muito pra falar e preciso gravar vídeos sobre o martírio auto-imposto da Sara Winter e o incrível sucesso do Sleeping Giants Brasil. Mas vai precisar esperar. Tenho banca e reunião amanhã. E um monte de outras tarefas. O Brasil não me deixa trabalhar!

quarta-feira, 27 de maio de 2020

MESMO DEPOIS DE BUSCA E APREENSÃO, BOLSONARISTAS CONTINUAM AMEAÇANDO O STF

Hoje Brasília e, por consequência, o país, estão pegando fogo. 
Cedinho, coisa das 6 da manhã, a Polícia Federal fez busca e apreensão de computadores e celulares nas residências (e alguns gabinetes) de vários bolsonaristas. Foram 29 mandados, entre eles Luciano Hang (o véio da Havan), Roberto Jefferson, Allan dos Santos, Bernardo Kuster, Sara Winter, e outros que nunca ouvi falar. 
Segundo a Folha, oito parlamentares (todos dos PSL) estão sendo investigados, mas não houve mandado para recolher material. Entre eles estão Bia Kicis, Carla Zambelli, o príncipe de Bragança, e os deputados estaduais Douglas Garcia e Gil Diniz (conhecido como Carteiro Reaça). 
Dudu Bananinha já deu o recado em sua conta: usem e abusem de sua imunidade parlamentar
Foi um dia depois de uma ação da PF que Bolso parabenizou, que fazia busca e apreensão na casa do governador do Rio, Witzel, reaça e genocida igual a Bolso, e eleito pelos mesmos votos.
A operação de hoje é referente a um inquérito aberto em março de 2019 (um ano e três meses atrás, pra demonstrar a morosidade da PF e da Justiça) para investigar fake news e ameaças contra ministros do STF e suas famílias. Foi nomeado como relator Alexandre de Moraes. Foi ele também que determinou que os delegados da PF responsáveis pelo inquérito fossem mantidos, mesmo depois da interferência direta de Bolsonaro mudança na direção da PF. 
Em outubro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu as investigações.
Além da busca e apreensão de hoje, Moraes também determinou o bloqueio das contas nas redes sociais dos militantes virtuais, para dificultar um pouco a propagação do discurso de ódio.
Praticamente todos os que sofreram busca e apreensão hoje foram gritar nas suas redes sociais. Nenhuma foi mais estridente que a líder do grupo paramilitar 300 do Brasil, Sara Winter. Num vídeo, ela lamentou que Alexandre de Moraes morasse em São Paulo, porque se estivesse em Brasília ela já o teria convidado pra "trocar soco" com ela. 
E ela segue fazendo ameaças bastante explícitas a quem ela chama de "filho da p*ta desse arrombado": "O senhor me aguarde, Alexandre de Moraes. O sr nunca mais vai ter paz na vida do sr. A gente vai infernizar tua vida. A gente vai descobrir os lugares que o sr frequenta. A gente vai descobrir quem são as empregadas domésticas que trabalham pro sr. A gente vai descobrir TUDO da sua vida, até o sr pedir pra sair. Hoje o sr tomou a pior decisão da vida do sr". 
Quer dizer: pode isso?
O guru dessa turma, Olavão, já pediu para que os generais intervenham. O resto da trupe se pergunta: o que o exército está esperando pra agir (e dar um golpe)?
Mas não precisam chorar tanto, criminosinhos da extrema-direita! O cãozinho adestrado da República, Augusto Aras, já pediu ao ministro Fachin a suspensão do inquérito das fake news. 
O Brasil é uma enorme pizzaria mesmo!

terça-feira, 26 de maio de 2020

FATOU, MUITO MAIS QUE UMA VÍTIMA DE RACISMO

Vocês devem ter visto um caso que teve repercussão nacional na semana passada: numa escola de elite no Rio, quatro alunos trocaram mensagens racistas e misóginas sobre uma de suas colegas, Fatou Ndiaye, 15 anos, que é negra, filha de senegaleses. 
Seu pai, Mamour, é doutor e professor de Engenharia Elétrica no Cefet. Ele deu declarações de que o Brasil, mais ainda que um país racista, é um país em que ocorre o apartheid. A família registrou queixa na polícia e decidiu que trocará Fatou de escola. Uma pena, pois Fatou estuda no Colégio Franco-Brasileiro há dez anos. Mas compreensível, já que a escola não está enfrentando o racismo a contento.
Fatou é muito mais que uma vítima. Ela é uma adolescente inteligente, que fala super bem, conhece seus direitos, e não se deixa abalar (além de ser belíssima). Ela disse que ficou indignada, mas que triste mesmo fica pela família de João Pedro, jovem negro que foi assassinado pela polícia. "Fico triste também pelos pais desses meninos [que a xingaram], porque imagino que essas famílias fizeram tudo para educá-los", completou. Realmente: imagina o horror que deve ser para pais investirem tanto na educação dos filhos e ver que eles acham que negros devem ser vendidos, que valem uma bala.
Fui procurada pela jornalista Kamille Viola, do Globo, que me perguntou se a linguagem racista usada neste caso não era parecida com a dos chans (fóruns anônimos). Sim, é. Ela também entrevistou educadores para saber como escolas podem combater o racismo na sala de aula. A matéria de Kamille é ótima e você pode lê-la aqui
A mãe de Fatou, Sokhna, mandou um email a outras mães, e esse email foi publicado pela Celina, da Globo. Reproduzo-o abaixo. E sigam a Fatou. Espero que ela enverede por uma carreira política, porque leva muito jeito pra isso. Além disso, ela promove a loja África Arte, que vende essas roupas maravilhosas que ela usa (a primeira filial em SP fica na R. José Paulino, 899, Bom Retiro). Todos os produtos vendidos na loja vêm da África. 
O email da Sokhna:

Prezadas mães,
Gostaria de registrar minha gratidão por tudo.
O momento tem sido muito dolorido para nós. Não desejo a nenhuma mãe passar por este momento. Além da exposição da nossa filha, estamos lidando com situações muito tristes. Meu marido ficou quatro horas na delegacia. Ele nunca tinha lido o teor daquelas mensagens. Porque não conseguia. Mas ontem, diante da polícia, ele teve que ouvir. Ele está em estado de choque até agora.
O colégio quer nos submeter a uma tortura de colocar nossa filha ao lado do colega dela que quer vendê-la. As senhoras como mães, independente da posição de vocês, pelo menos aceitem nossa dor só de imaginar esta cena. A gente fica acordada a noite inteira, sem vontade e perspectiva para nada.
Mensagem da cantora Iza para Fatou
A gente está se virando para manter as crianças na escola. Nosso único desejo é que elas possam falar francês também para poder se comunicar com nossos familiares no Senegal.
A Fatou está no colégio deste os 5 anos de idade. Muitas vezes, ela é escolhida para apresentar o colégio aos novos alunos. 
Já foi responsável da sua turma inúmeras vezes. Na semana [retrasada], ela organizou com as amigas uma aula de revisão de química para ajudar outros colegas.
No dia seguinte, a escola optou por ficar com o racismo.
As aulas on-line estão sendo uma terapia para Marieme. Ela é apegada às colegas e professoras. Está sendo traumático para ela também.
Vocês são mães. Vão compreender a minha dor.