quinta-feira, 29 de dezembro de 2005

CRÍTICA: MUNIQUE / As polêmicas de um filme

É ótimo o novo filme do Spielberg, “Munique”, mas um de seus maiores méritos é provocar reflexões sobre o conflito no Oriente Médio e suas influências no Ocidente. Entrou pra história das Olimpíadas o que aconteceu na Alemanha em 72: terroristas palestinos fizeram atletas israelenses de reféns, a polícia alemã fez tudo errado, e onze atletas morreram. Isso é bem conhecido, mas eu nem desconfiava do que ocorreu a seguir – o Mossad, serviço de espionagem israelense, coordenou uma ação secreta pra matar todas as lideranças palestinas envolvidas no massacre de Munique. Essa ação, apelidada de Operação Ira de Deus, que assassinava usando bombas, tal qual os terroristas, durou mais de vinte anos. O diretor mais famoso do mundo só fala de um primeiro momento e, mesmo assim, é fácil entender porque os judeus andam tiriricas com ele. Afinal, qual a diferença entre o terrorismo individual e o patrocinado pelo Estado? Qual a diferença entre um solitário homem-bomba se explodindo em alguma embaixada e as ações da CIA, depondo presidentes legitimamente eleitos e ensinando os ditadores locais a torturar? (nem tava pensando no Iraque, mas no Chile e no nosso golpe de 64). Acho que a distinção é só na escala de valores. E não importa que o Spielberg transforme um agente do Mossad (interpretado pelo Eric Bana de “Hulk” e “Tróia”) num protagonista atormentado pela culpa. O negócio ainda fica bem feio pra Israel.

Não sou judia, mas nasci em junho de 67, bem no dia em que começou a Guerra dos Seis Dias, quando Israel expandiu seu território tirando terras do Egito, Jordânia e Síria. Ahn, terras que não foram devolvidas até hoje. E sabe, nessas terras havia pessoas, mais especificamente um milhão de árabes. Vou partir pruma alusão meio tolinha, mas é como se a Argentina promovesse uma guerra e confiscasse os três Estados brasileiros daqui do Sul. A gente não viraria homem-bomba tentando provar que não é argentina? Olha, conhecendo a história de Israel, e sua sanha imperialista, apoiada pelos EUA, é muito difícil não ser pró-palestina. E mais difícil ainda, pra mim, que não sou religiosa, é compreender que o pessoal fique se matando por diferenças religiosas que nem soam tão diferentes assim. As três maiores religiões monoteístas calharam de escolher o mesmo pedacinho de terra, batizá-lo de sagrado, e cismar que só a religião deles é a escolhida por Deus. Francamente, se é isso que as religiões fazem – matar em nome de Deus pela propriedade – não dá pra fingir que elas pregam a paz.

Por mim, eu fecho com o novo radical iraniano, que disse que o Ocidente, consumido pela culpa do holocausto, deveria ceder um território na Europa pra que Israel se instale por lá. Imagina que luxo viver na Europa! Mas não, o pessoal prefere permanecer naquele lugarzinho árido no meio do deserto. Há uma cena em “Munique” em que a mãe judia fala pro filho que até que enfim Israel tem um lar, e que eles tiveram de pegar o lugar à força porque ninguém iria dá-lo pra eles. Mas não é tão simples assim. Quer dizer que se a gente oferecesse outro lar pros israelenses (ou pros palestinos), longe de Jerusalém, Mecas e afins, eles iriam aceitar? É só ver como os colonos judeus se recusaram a deixar os territórios ocupados, e isso que cada família recebeu uma indenização de meio milhão de dólares. Sei lá, eu penso que Israel tem todo o direito de ter seu país, a Palestina idem, mas no fundo eu preferiria viver num mundo sem fronteiras, onde um povo não se achasse melhor que o outro.


Enfim, “Munique” mostra uma história de vingança, em que um banho de sangue gera outro, e mais outro. Pra gente não pensar que só os homens fazem a guerra e matam, aparece no filme a Golda Meir, então primeira-ministra de Israel, assumindo total responsabilidade, e uma assassina profissional. Essa parte envolve uma nova utilidade pra bombas de bicicleta (não tente fazer em casa). E o único loiro do thriller é o Daniel Craig, o novo James Bond. Mas um dos pontos mais importantes é a cena final, cheia de suspense. A gente vê os personagens caminharem em Nova York, com a famosa linha de prédios ao fundo, e fica procurando as Torres Gêmeas. Quando elas finalmente dão o ar de sua graça não é lá muito sutil, mas é poderoso.

Um tanto estranho a gente aprender que matar meia dúzia de homens custou dois milhões de dólares, e comparar com o preço do filme, setenta milhões. Mas lógico que “Munique” pode influenciar mais gente que a Operação Ira de Deus. Só os flashbacks do protagonista parecem exóticos, porque são memórias de um carinha que não estava lá. A recapitulação na cena de sexo no fim, então, é polêmica e hors concours em bizarrice. Eu só fiquei imaginando, no que o maridão pensa quando a gente transa, normalmente no Natal? Mesmo arriscando uma infidelidade conjugal imaginária, é mais saudável pra nossa vida sexual que ele se concentre nas coelhinhas da Playboy do que em massacres terroristas. Ou será que o Spielberg quis ressuscitar o slogan dos anos 60, faça amor, não faça guerra?

CRÍTICA: A LENDA DO ZORRO / Heróis mascarados

Sete anos depois de “A Máscara do Zorro”, chega agora “A Lenda do Mesmo Cara”. Apesar de “Máscara” ser bonitinho, eu não tava exatamente prendendo o fôlego enquanto aguardava a seqüência. Desta vez o Antonio Banderas, digo, o Zorro, deve ajudar a Califórnia a se livrar dos mexicanos corruptos e tornar-se um Estado americano, sonho de qualquer pedaço de terra. Mas o casamento com a linda Catherine Zeta-Jones não anda bem e, pra piorar a situação, tem um almofadinha francês planejando destruir os EUA usando barras de sabão (deve ser justiça poética, suponho). Não é preciso ser bidu pra prever como tudo vai se resolver.

Ou seja, politicamente falando, o filme é podre. Começa mostrando que em 1850, várias décadas antes do Schwarzza virar governador da Califórnia, o vilarejo devia votar se queria ou não se anexar aos EUA (referendo a gente conhece bem, só vota mal). O que “Zorro” não revela é que isso se dá dois anos após o fim de uma guerra entre México e EUA, quando o México foi tungado de boa parte do seu território. Uma das causas dessa guerra era que os americanos, sabe, aqueles heróis da liberdade, eram a favor da escravidão e o México, contra. Outro fato que passa longe de “Zorro” tem a ver com a realidade de hoje. Sabia que, nos últimos anos, 10% da população mexicana emigrou pros EUA? Dez por cento, sério! Um jeito de encarar essa questão é ver a América como terra das oportunidades, o paraíso, e o México (e, por extensão, toda a América Latina) como inferno, e todo mundo tem o direito de procurar uma vida melhor e tal. Essa ladainha a gente conhece. Outra é ver como o imperialismo produziu um mundo em que a imensa maioria dos países é pobre. E o México receberia sua porção de sofrimento extra-large por ser mais quintal do império que os quintais daqui do sul. Não é à toa que um dos refrões mexicanos é “Pobre México: tão longe de Deus, tão perto dos Estados Unidos”.

Mas, claro, “Zorro” é só entretenimento escapista, com algumas mensagenzinhas aqui e ali pra não perder a viagem. Uma das mensagens é mais ou menos assim: “Olha, França, se da próxima vez que formos invadir um país você não nos apoiar, vai ser vilã dos nossos filmes durante um tempão, tá ligada?”. E, por falar em vilões, nesse tipo de aventura os roteiristas precisam ser criativos. Por exemplo, eles têm que planejar uma morte horrenda pros bandidos, mas sem que essa morte seja causada pelo herói, porque a gente não pode sentir que o herói seja um sádico sanguinário ávido por vingança. Logo, é só um acidente que a cabeça de um nojentão seja explodida por uma gota de nitroglicerina, entende? E, por falar em explosões, lembra do meteoro gigante que acabou com os dinossauros? Depois de ver “Zorro”, a gente passa a suspeitar que tudo começou com uma explosão na Califórnia. Tá, extinção dos dinos é exagero, mas que foi assim que se originou o deserto americano, isso não resta dúvida.

Breve pausa pra elogiar o filme. Há UMA frase engraçada, quando o Banderas diz pro filho (é, tem filho, é uma diversão bem família): “A prisão muda a vida de um homem”. E a trama não é chata – os Zzzs vinham mais da tela que do público. E gostei do galope do cavalo em dolby-stereo. Pra que mais a gente iria ao cinema se não pra ouvir galope? Aliás, o Capeto, ou Herói, não, acho que esse era o cavalo de outro super, talvez Tornado?, bom, o eqüino de plantão rouba as cenas. Mas fiquei pensando se um cavalo realmente inteligente pularia de um penhasco pra pousar num trem em movimento. Talvez ele tenha alguns neurônios prejudicados por fumar e beber.

Ah, ainda sobre os heróis mascarados. Taí uma coisa que não entendo dessas máscaras. O Zorro vive numa vilinha, e pra se distinguir do Don Diego ele só usa uma vendinha nos olhos, com buracos ainda por cima. Será que nenhuma alma com QI mais elevado liga os pontinhos e vê que o Don Diego é o Zorro de chapéu? O maridão me assegurou que o verdadeiro disfarce não é a máscara, mas a personalidade do herói no dia a dia. Tipo Clark Kent e Superman. A Lois Lane vê ambos todo dia sem chegar à conclusão que são um só sujeito. Pro maridão, o Clark tem uma personalidade tão diferente da do Super que ninguém vai achar que é o alter-ego dele. Mas esse argumento não me convenceu, então eu disse: “Amor, se houvesse um cara igualzinho a você, velhinho e careca, mas esperto e com calça de couro, eu ainda assim desconfiaria que é você”. Touché.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

CRÍTICA: BROKEBACK MOUNTAIN / Homofóbicos, go home

Adoraria entender por que gente que odeia homossexuais tá indo ver um filme em que os protagonistas são homossexuais. Foi o que aconteceu na sessão de “O Segredo de Brokeback Mountain”, ou, como diz minha mãe, da Montanha da Espinha Quebrada. Quero dizer, a essa altura não há segredo algum. Todo mundo sabe que o vencedor de três Oscars é uma história de amor gay. Então pra quê os homofóbicos vão ao cinema? É pra exercer sua heterossexualidade? Pra discordar do Oscar? Pra fazer gracinhas? Olha, o público se comportou muito mal. Parece que veio pré-disposto a manifestar seu preconceito. As espectadoras ainda mais que os espectadores. Era um tal de “Ai, que nojo!” e gritinhos como se estivessem vendo filme de terror. Sinistro.

Demora pra que os personagens tenham qualquer contato entre si, mas a platéia aguardava ansiosamente. Qualquer cara nu tomando banho desfocado no cantinho da tela gerava um “Ihhhh, aí tem!”. Não sei se o diretor Ang Lee (de “Razão e Sensibilidade” e “O Tigre e o Dragão”; vamos esquecer “Hulk”) testou o filme com exibições-teste pra um público comum, não só o de arte. Ele aparenta brincar com a demora, como se houvesse uma planilha pro espectador checar: “Quando o cara cospe no chão, ele tá sendo homem o suficiente?”. Seria ótimo também se houvesse um eletrocardiograma pra medir os batimentos cardíacos da platéia nos momentos de tensão: os caras se beijam, público tem chilique, os caras se casam com mulheres, público respira aliviado, os caras transam entre si, público sofre ataque cardíaco.

A verdade é que a reação da platéia interferiu na minha avaliação de “Espinha”. Não consegui me envolver com a trama de dois caubóis que se amam durante vários anos. Os personagens são adeptos de um romantismo meio violento, em que socos funcionam como preliminares pra sexo. Claro que não são apenas os gays que gostam de contato físico violento com outros homens. Desculpe dizer, mas o que são os esportes senão uma desculpa pra contato físico com o mesmo sexo?

O filme não é chato em nenhuma parte, se bem que ninguém precisaria contar ovelhinhas pra pegar no sono. E antes de apelidar o drama como “western gay”, é bom reconhecer que esses caubóis têm mais relações hetero que homo. Os atores, Heath Ledger (de “O Patriota” e “Coração de Cavaleiro”) e Jake Gyllenhaal (de “O Dia Depois de Amanhã” e “Por um Sentido na Vida”), estão bem, não brilhantes. Tem o problema de maquiagem de sempre. O Jake mais velho lembra o James Dean em “Assim Caminha a Humanidade” – alguém com rostinho de dezoito anos fingindo ter quarenta. Ah sim, gente, fiquem sossegados. Ambos os atores são hetero. É só ficção. Na vida real o Heath é casado com a Michelle Williams, que faz sua mulher em “Espinha”. Por mim eu premiaria os dois só por agüentarem a pergunta freqüente dos repórteres, “Ohhhh! Como foi beijar um homem?”.

O ideal seria que os espectadores vissem “Espinha” não como um love story gay, mas de duas pessoas que não podem viver com quem amam de verdade. Imagina só que maravilha seria pra vida de todo mundo se os dois pudessem viver juntos. Não haveria esposa traída, filha renegada, mentiras, nada. Não parece mais fácil assim? Vou me referir a uma outra história de amor épica, a minha com o maridão. A gente se ama de paixão mas alguma coisa na sociedade não permite que fiquemos juntos. Pode ser qualquer coisa: quem sabe ele é de uma cor e eu de outra, ou nossas religiões se odeiam, ou ele foi ensinado que mulheres gordas devem morrer sozinhas. Não seria igualmente trágico?

Eu também adoraria saber se mesmo essa platéia escancaradamente preconceituosa não condena, por exemplo, que um pai mostre pros filhos de nove anos como um gay merece ser brutalmente assassinado. Não quero acreditar que a gente vive numa sociedade em que o espectador-comum realmente ache que o homossexual é digno da pena de morte. Essa idéia, pra mim, foi muito mais assustadora que qualquer coisa exibida na tela.