A P. trabalha como servidora numa das universidades mais conceituadas do país, onde se formou. E ela não está contente, como narra neste relato:
Lola, em primeiro lugar, gostaria de dizer que nos últimos cinco anos tenho aprendido muito lendo seu blog. entendi muitas coisas, conheci outras que nem imaginava que existiam.
Mas, em vista do que li nos últimos dias, gostaria de compartilhar minha experiência na universidade.
Sou formada em Letras por uma grande universidade pública, sonho que tinha desde que decidi me tornar professora.
Claro que como aluna, conheci muitas falhas dentro do sistema universitário, mas hoje percebo que não sabia de muita coisa.
Há dois anos deixei de ser professora efetiva do estado, por vários motivos, como salário, falta de condições de trabalho, insegurança... Posso contar em detalhes os porquês um outro dia. Mas, enfim, passei num concurso e hoje faço parte do quadro administrativo da universidade.
No começo, achei que minha tristeza se resumiria em abandonar a sala de aula. Infelizmente estava errada.
Acontece que percebi o nível de ignorância dos funcionários, especialmente com relação aos preconceitos dos mais variados tipos. E o pior é que a universidade contribui e ajuda para perpetuar essa ignorância.
Me deparei com ela logo de início, quando um aluno morreu durante uma festa e surgiu a discussão da polícia no campus. O que eu ouvi de frases como "universitário é tudo drogado", "se morreu é porque tava devendo" etc etc etc foi chocante. Sério, me deprimiu.
De lá pra cá, tantas coisas ocorreram que até tratamento pra depressão eu estou fazendo. Nunca pensei que a universidade pudesse ser um espaço tão preconceituoso, racista e misógino.
A última ocorreu agora, em março, nas comemorações do Dia Internacional da Mulher. Pra começar, as pessoas não sabem nada do porquê desse dia ser comemorado. Sério.
Exemplo de homenagem equivocada e alienada |
Bom, onde trabalho, há a distribuição de flores ou bombom por causa da data. Nem adianta dizer que não concordo, mas como dizem por aqui, o que tá ruim sempre pode ser piorado. Temos uma funcionária trans e a grande discussão foi se ela devia ou não receber o bombom.
Não acreditei quando ouvi uma colega revoltada dizer "se esse homem for receber o bombom, eu não quero o meu. Eu tenho útero!"
A discussão sobre o bombom passou a uma discussão sobre identidade de gêneros, eu tentando fazer com que eles me ouvissem e pedindo pra que lessem sobre o assunto. Porque pra eles é tudo igual: gay, trans... fui hostilizada e ameaçaram inclusive o meu emprego.
Mas não acabou por aí. Essa semana me mandaram ler um livro evangélico sobre o casamento, pois ele ensina qual é o lugar da mulher. Disse que não leria esse livro de jeito nenhum e a resposta foi que sou muito feminista e talvez não sirva pra trabalhar lá.
Acho muito triste que essas coisas aconteçam num lugar que deveria ser de aprendizagem, sem preconceitos, sem machismo. Os coletivos feministas organizados pelas alunas deveriam chegar a todas as funcionárias.