Publico aqui o relato de uma paranaense que participou ativamente dos protestos dos professores de ontem, em Curitiba, que rendeu mais de duzentos feridos no que a mídia covardemente decidiu chamar de "confronto".
Novilíngua: "confronto", não massacre |
O termo correto quando uma polícia imensa e fascista joga bombas, balas de borracha e pitbulls em manifestantes é massacre.
O relato é publicado anônimo porque ela está com medo de ser perseguida por uma corja que, ontem, vibrou quando a polícia atacou professores.
I - A batalha da ALEP-PR no dia 29 de abril de 2015
Acho que este tópico é o mais doloroso para escrever. O Brasil inteiro testemunhou ao vivo o que o governo do Paraná fez com os servidores ontem (aqui, diversos vídeos).
Com o pretexto de que a situação de caos foi iniciada por pessoas ligadas ao movimento Black Bloc, os comandantes da Polícia Militar protagonizaram cenas de guerra no Centro Cívico de Curitiba. Legitimados por uma ordem judicial de manutenção da "segurança" dos deputados, um efetivo policial de mais de mil homens (muitos convocados do interior do Estado) cercou a Assembleia Legislativa para garantir que o Projeto de Lei que é no mínimo duvidoso fosse aprovado (e foi!). [O projeto mexe na Previdência dos servidores públicos do Estado: usa dinheiro deles para quitar dívidas geradas pelo governo corrupto do PSDB].
No início da semana foi concedido um habeas corpus liberando a entrada dos manifestantes nas galerias do prédio da ALEP-PR. Ontem foi decidido que apenas os representantes sindicais teriam esse direito. Estes representantes se recusaram a entrar em razão de “ou entra todo mundo ou não entra ninguém”. Não tenho conhecimento do conteúdo da liminar concedida, mas é no mínimo estranho que o povo não possa ocupar o espaço que lhe é seu por direito constitucional.
O que havia de tão grave nesse Projeto de Lei que os professores foram impedidos de acompanhar? Mais ainda, uma Assembleia sitiada e guardada por mais de mil homens da Polícia Militar revelava que a situação era GRAVE!
O mais chocante é que em diversos momentos alguns parlamentares suscitaram questões de ordem para notificar a mesa diretora da ALEP-PR presidida por Ademar Traiano de que lá fora havia uma centena de pessoas feridas, outras sitiadas e sem possibilidade de atendimento médico simplesmente porque as ambulâncias não conseguiam passar.
Veja quais deputados do PR votaram a favor de mexer na previdência dos servidores estaduais |
O deputado se limitou a dizer que a questão de segurança externa ficava a cargo da Secretaria de Segurança Pública, esta presidida por Fernando Francischini, e que a sessão deveria continuar.
A sessão continuou e era possível ouvir bombas a todo o momento enquanto a votação seguia. Isso demonstra um claro desprezo pelos professores, suas causas e sua própria vida. Relembrando que muitos daqueles que estavam na votação foram eleitos por pessoas que lá fora eram tratadas com bala de borracha, spray de pimenta, gás lacrimogêneo, jato d’água e cassetete, ações permitidas por uma ordem judicial cumprida pelo Secretário de Segurança. Se estes deputados que votaram favoravelmente ao projeto dormiram tranquilos eu não sei.
Lembrando que um deputado que tentou descer a rampa da Assembléia para chegar aos manifestantes e tentar entender a situação acabou sendo mordido por um cão da PM, assim como ocorreu com um cinegrafista da TV Bandeirantes que também foi ferido por um cão da raça pitbull enquanto filmava o caos.
Alguns policiais se negaram a cumprir a ordem e acabaram presos. Infelizmente os PMs se sujeitam a um código de condutas diferenciado, especialmente o Código Penal Militar [esta informação foi desmentida pela PM]. Aquele que não cumpre a ordem de bater em professorxs que educam seus filhos comete o crime de “insubordinação”, que pode levar a uma pena de até 2 anos (vide artigo 163 do Código Penal Militar). Esses policiais possuem duas saídas: a) cumprir a ordem e participar do cenário de guerra; b) ser preso, responder criminalmente e ser expulso da corporação.
Por pouco este professor não perde o olho com uma bala de borracha |
Não estou defendendo a truculência, longe disso. O que eu quero dizer é o seguinte: o sistema foi criado para isso. Com esse respaldo legal se alguém dá uma ordem absurda dessas, ela será cumprida simplesmente porque um PM não poderá se recusar. Entende o quão perverso é tudo isso?! Triste. Por isso se discute a “desmilitarização da Polícia Militar”. O assunto é urgente ou ficaremos eternamente reféns de um sistema que massacra manifestantes.
Estou em luto pela educação do Paraná.
Pitbull da PM morde cinfegrafista |
II – Fevereiro: Deputados em camburão e sessão no restaurante da ALEP-PR
Lembrando que os professores estaduais entraram em greve em fevereiro, rumaram para Curitiba e foram tratados de forma semelhante. A greve foi encerrada após o comprometimento da retirada do Projeto de Lei de pauta para que uma discussão fosse feita. ISSO NÃO FOI REALIZADO!
Imagem icônica de fevereiro: deputa- dos entram na Assembleia dentro de camburão |
Em fevereiro os deputados para entrar na ALEP-PR e furar os manifestantes utilizaram de um camburão da Polícia Militar. Como as galerias do plenário estavam ocupadas, a sessão se deu no restaurante da Assembleia numa tentativa de "fugir" dos manifestantes. Foi uma das cenas mais lamentáveis do nosso Estado! Uma vergonha sem precedentes.
Deputados realizam sessão no refeitório da Assembleia, em fevereiro |
Os professores deliberaram pela greve na semana passada em virtude desse projeto maquiavélico ter retornado para a pauta de votação da ALEP-PR sem qualquer discussão com os servidores.
O governo divulgou um vídeo em que "explica" que o direito previdenciário dos servidores estaria resguardado.
Acontece que o Ministro da Previdência afirmou essa semana que se o projeto for considerado ilegal, o Paraná terá seu certificado de regularidade previdenciário cassado. Mas isso não deteve os deputados e muito menos o governador, que segue justificando o injustificável.
O que esse projeto visa?
O governador quer alterar a previdência de servidores, transferindo ao fundo previdenciário composto por contribuições dos servidores estaduais os aposentados, desonerando o Estado de suas atribuições. O que não é possível saber é se os aposentados terão seus direitos de fato resguardados. Explico: pode ser que no futuro alguém queira se aposentar e simplesmente escute: não temos como pagar. Aliás, essa é a razão pela qual o Ministro da Previdência afirmou que irá acompanhar a situação do projeto.
III – Razões emergenciais que levaram a esse Projeto de Lei 252/2015
O governo afirma que não é mais possível suportar a Previdência dos funcionários, fazendo com que ela seja transferida para um fundo autônomo. Entre uma das maldades, está a autorização do Estado para retirar do caixa da previdência até 2 bilhões por ano para pagamento de servidores da ativa e aposentados, o que pode acabar com a previdência em até três anos!
Isso vem com um conjunto de medidas do governo estadual, que se diz endividado. Esse ano houve um aumento de 40% no IPVA e outro aumento no ICMS. No mandato anterior, o governo elevou as taxas do Detran em até 271%!
O que ninguém consegue entender é como tudo chegou a esse ponto se a Receita (aquilo que a gente possui e arrecada) só aumentou durante o mandato dele. O governador culpa o governo federal por não repassar os valores devidos, mas os números desmentem toda essa situação.
Professora em desespero chora durante manifestação ontem |
Sempre que Beto Richa termina uma entrevista ele utiliza um jargão: “O melhor está por vir”. Posso dizer que esse melhor até agora não chegou.
As nossas universidades tiveram um corte de verbas enorme durante a gestão desse governador com a hipótese de – pasmem – fechar por ausência de verba! Eu estava na universidade e vivi essa gestão e posso dizer: foi mais que péssima!
IV – 1988: o passado é semelhante ao presente
Curitiba, 1988 |
Eu gostaria de dizer que o dia 29 de abril foi algo isolado na nossa história. Infelizmente não foi. Nossa história já foi manchada em outra oportunidade.
Em 1988, o então governador Álvaro Dias [na época no PMDB, hoje senador pelo PSDB, mesmo partido de Richa] ordenou que a Cavalaria da PM atuasse contra os professores manifestantes que buscavam um salário mais justo.
Eles estavam acampados nessa mesma praça onde houve cenário de guerra no dia 29 de abril. Saldo da atuação: casco de cavalo pisoteando a cabeça de professores, cassetete, bala de borracha e todo o aparato militar que vocês possam imaginar.
O que nós, a população do Paraná, fizemos? Elegemos Alvaro Dias para senador (está lá até hoje).
Como pensam os fascistas (clique para ampliar) |
V – Síntese
Procurei reunir o máximo de informações possíveis para dar um panorama da grave situação que estamos vivendo. Provavelmente acabei me esquecendo de algum detalhe, mas é tanta turbulência que é até difícil pensar.
Nossos professores estaduais seguem com uma greve que foi considerada ilegal pelo nosso judiciário estadual. Parece que não há saída ou qualquer possibilidade de diálogo. Peço que apoiem os nossos professores que hoje estão de luto, feridos pela insensibilidade de alguém que assistiu toda a situação do alto do Palácio do Iguaçu e justificou a atuação bélica para a nossa surpresa.
O que é preocupante é que temos mais de três anos de mandato desse atual governador. Como o Paraná irá terminar em 2017 não é possível saber, mas posso adivinhar que o “melhor não está por vir”.