Que 2012 seja um ano mais cheio de revoltas contra um sistema injusto. Isto foi só o começo. Ano que vem tem mais.
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Depois de ler dois posts muito bons no teu blog, um piano saiu de cima dos meus ombros. Bom, na verdade, dois pianos, porque eu (como muitas outras, acredito) sempre tive nóia com os meus seios e com a minha vagina.
Quando meus seios apareceram foi uma droga. Eu sempre fui não só gorda, mas também grande, nada a ver com as mulheres mignon da família. Sempre chamei muita atenção só de estar presente, como um grande elefante branco no meio da sala. Aí eis que com uns doze anos começam a crescer duas coisas no meu peito, como se eu já não ocupasse espaço suficiente.
Houve uma fase em que eu não era nem reta como uma criança nem peituda como uma mulher, e eu lembro de achar muito feio aquelas duas coisas indefinidas apontando pra frente. Sei que algumas pré-adolescentes querem ter seios logo, mas comigo foi o contrário. Eu ainda era muito nova, muito cheia de energia, não estava nada a fim de ter que ficar me cuidando na frente dos meus amigOs, não queria deixar a infância pra trás de jeito nenhum. Adiei o uso do primeiro sutiã até o limite, tanto que uma amiga veio falar comigo pra avisar que estava visível demais e que se eu não usasse sutiã ia acabar tendo problema com os meninos. Bom, aí não dava mais pra segurar. Adeus, vida leve e despreocupada. Que comecem as frescuras.
Os sutiãs que minha mãe comprou pra mim eram simplesinhos, de lycra, específicos pra essa fase. Não duraram muito. Seios são revestidos de gordura, e isso nunca me faltou. Logo eu tinha dois seios muito bem desenvolvidos, obrigada. Passei a usar sutiãs como os da minha mãe, e quanto mais o tempo passava mais eu me convencia de que ser mulher era uma droga -– caramba, como sutiã irrita! Pinica, aperta, sai do lugar, não segura como deveria, aparece debaixo da blusa, faz você ter que trocar toda a roupa, etc, etc, etc.
Um belo dia minha mãe entra no quarto enquanto estou me trocando. Ela bate o olho em mim e de repente parece ter uma visão apocalíptica: “Minha filha”, ela diz, me examinando como um perito, “Seus seios estão caindo!”.
O motivo pelo qual meus seios eram caídos era bem óbvio: gravidade. Grandes daquele jeito, só não iam cair se eu segurasse com as mãos o dia inteiro. O engraçado é que eu nem lembro se eles algum dia foram empinados, acho que provavelmente nunca foram. Não sei, nunca perdi muito tempo na frente do espelho. Seios são seios, sabe, toda mulher tem, nenhum é igual ao outro, fim da história. Não era como se eles ditassem qualquer coisa na minha vida prática...
Dei de ombros. Mas não sei, acho que não era a reação que ela queria. Eu devia ter sentado na cama e desabado a chorar, quem sabe? O negócio é que ela tinha se dado conta da Enorme Tragédia que se abatia sobre mim, e nunca mais ela olhou pra mim sem aquela carinha de decepção -- tipo a que se faz quando o bolo que você assou deu errado.
E foi isso, e não o ângulo dos meus seios, que teve impacto na minha autoestima. Os peitos tinham sido problema desde o primeiro segundo, é verdade, eles atrapalharam minha vida. Me fizeram ter que tomar cuidados que antes eu não tinha, trouxeram olhares alheios que eu odiava, mas eu lidava com eles. A minha postura piorou bastante quando entrei na adolescência por causa deles -– afinal, seios pesam, a maioria das mulheres com peitos grandes tem problemas na coluna. Além disso, é comum as meninas jogarem os ombros pra frente pra disfarçá-los, já que eles chamam muita atenção e isso nem sempre é desejado. Comigo não foi diferente.
Lembro de ter uma colega mais velha; ela era alta, magra, e tinha mais peito que as outras meninas. A postura dela era impecável, e ela era sem dúvida bonita, mas engana-se quem acha que ela fazia sucesso –- pelo contrário, tanto meninas quanto meninos sempre fizeram piadas e fofocas maldosas. A moral da história é que não importa o tipo físico, quem quer encher a sua paciência vai achar alguma coisa, qualquer coisa, pra tornar a sua vida um inferno.
Saber disso tudo me ajudava, mas depois da observação da minha mãe, pela primeira vez eu achei que meus seios eram, além de problemáticos, feios. Nunca mais foi a mesma coisa. Só agora eu vejo que não é bem assim. Talvez eu finalmente consiga voltar a andar com a coluna reta...
Com a vagina foi um pouco mais traumático, porque, bem, é a vagina. Ninguém sai por aí falando dela. Eu ainda era novinha quando me dei conta de que tinha alguma coisa errada com a minha. Uma coisa sobrando. Uma coisa que não estava na figura do livro de biologia.
A primeira reação foi de pânico. Eu devia ter uns treze anos e me dei conta de que tinha alguma coisa errada... lá. Lá!!! Não era uma espinha no rosto, um dente torto, um certo grau de miopia; não, era um problema... láááá. Defeitos são ruins, defeitos na adolescência são muito ruins, imagine um defeito descoberto na adolescência... lá! De todos os lugares, justo lá! Por que comigo? POR QUE EU?!
Peguei um espelho. É, não se parecia em nada com o que eu achava que devia ser. Era feio. Na minha cabeça, uma completa aberração. Eu não sabia o que fazer, pra quem correr. Não dá pra falar por todas as mulheres, mas de onde eu venho, não se fala... disso. Dessas coisas. Coisas de mulher, eu quero dizer. Problemas de mulher que poderiam acontecer com qualquer uma. Não, não se fala disso pra outra mulher, não se fala disso entre amigas, não se fala de um problema na sua vagina com ninguém. Afinal, é uma vagina. Sim, todas temos uma, mas... ai, caramba, eu nunca disse que fazia sentido. Simplesmente não se fala de vagina entre mulheres, mesmo que todas tenham uma. Ponto.
Só que eu tinha que descobrir o que era aquilo. Eu tinha que saber o que havia de errado comigo. Saber porque tinha acontecido comigo, como tinha acontecido, e como se consertava. Então eu criei coragem, repeti mentalmente trezentas vezes “ela é a sua mãe, ela vai entender” e fui conversar com a pessoa que me pôs no mundo.
A operação começou muito bem, enchendo a sala de instinto maternal: “O quê, você está com um problema, minha filha? Um problema de mulher? Claro, venha, sente-se, vamos conversar...”. E aí eu disse o que era.
A reação foi um misto de surpresa com repulsa. Quer dizer, onde eu estava com a cabeça, certo? Eu fui falar com uma mulher, com a minha mãe, sobre um problema na minha vagina. Claro que ela ia fazer aquela cara de nojo e cortar logo o assunto dizendo que tava tudo bem, que devia ser normal e ponto. “Não me lembro de nada errado na sua vagina”, foi o que ela disse, me enxotando pra longe como quem diz “Eca, por que logo eu tenho que ouvir sobre isso?”. Ficou a promessa de uma visita ao ginecologista, e só.
Desnecessário dizer, a reação dela acrescentou uns 50kg aos meus ombros.
Vivi com aquelas dúvidas por mais um bom tempo, no fim tive que apelar para o santo Google. Eis o veredito: eu tenho hipertrofia labial, e como o prefixo “hiper” sugere, é uma quantidade extra de pele no(s) lábio(s) da vagina. É genético, não é a coisa mais bonita do mundo, mas não é uma aberração e existe uma cirurgia relativamente simples pra “consertar”. A razão pela qual minha mãe nunca notou nada é óbvia: lábios só se desenvolvem na adolescência. Quando eu era criança, minha vagina era igual a de qualquer outra, mas quando eu fiquei mais velha a hipertrofia apareceu. Fim.
Hoje eu tenho bem mais informação sobre o que exatamente é o meu “problema” -– agora com aspas, porque não é nenhuma maldição. Ainda penso na cirurgia (a labioplastia, que me parece até estar na moda), mas não por motivo estético, e sim porque esse excesso de pele às vezes gera desconforto (não queira saber o que é estar no meio de uma caminhada e sentir um beliscão lá. Não é legal). E tal qual meus seios, me dei conta de que a minha vagina também é só mais uma dentre milhões de outras mais. Uau.
Agora me diz: não era pra isso ter sido óbvio desde o início? Me dói pensar que outras adolescentes vão passar pela mesma coisa: a descoberta, o pânico, carregar um "segredo" que pesa quilos, morrer de vergonha de falar do assunto, se encher de coragem só pra ser tratada como se ninguém quisesse saber de uma coisa tão “nojenta”. Tudo o que eu sei eu descobri sozinha, levei anos pra me dar conta de que não havia motivo pra pânico. Porque a gente tem que passar por esses perrengues? O que tem de tão vergonhoso no nosso corpo de mulher? Todo esse tabu, toda essa frescura só serve pra torturar a vida da gente.
Continue escrevendo, Lola, que ainda deve ter muita gente carregando pianos por aí.