Publico aqui mais um excelente post da nossa correspondente oficial no Chile, a jornalista Isabela Vargas (que, além de jornalista, também é mãe da Gabriela, feminista e integrante da coordenação do coletivo Mujeres por la Democracia Santiago de Chile).
Perguntei pra ela se lá no Chile as pessoas andam preocupadas com as eleições da vizinha Argentina, que no domingo pode eleger o maníaco da serra elétrica Javier Milei, causando um grande estrago em toda a América Latina. Ela respondeu que no Chile todos estão em campanha contra o texto da nova constituição, que foi escrito por um conselho constitucional formado pela extrema-direita. O plebiscito está marcado para o dia 17 de dezembro. "Torce por nós!", pede ela. "Tem muito retrocesso no novo texto. Consegue ser pior que a
constituição do Pinochet".
A gente não tem um minuto de paz! Mas leiam sobre essa decisão da (ex) primeira-dama chilena e avaliem se pode influenciar outras primeiras-damas. Nossa Janja, sabemos bem, é alvo constante da extrema-direita daqui, mas parece gostar de ser primeira-dama (ela tem opção?). Eis o post da Isabela:
Na última semana, as redes sociais do Chile sacudiram com trechos do
TED Talk com a ex-primeira-dama chilena Irina Karamanos Adrian. Num dos vídeos, ela explica os motivos que a levaram transformar o papel tradicionalmente atribuído às companheiras dos presidentes eleitos nas democracias modernas.
O argumento é muito interessante e bastante válido. Na visão de Irina, o cargo de primeira-dama é resultado de afeto e não de um processo democrático. Por conta disso, ela abandonou o cargo em dezembro de 2022, mas antes disso, fez as transformações necessárias.
Na apresentação do TED Talk, Irina explica que nem ela, nem ninguém mais, sonha com ser primeira-dama do Chile, quando se pensa em um
futuro profissional. No caso dela, é fácil de entender, especialmente, porque além de feminista, militante do mesmo partido do Gabriel Boric (
Convergencia Social), ela tem um excelente currículo, especialmente na área acadêmica.
Irina é formada em Artes Visuais e estudou Ciência Política, Educação e Antropologia na Universidade de Heidelberg, na Alemanha. Além disso, tem diploma em Diversidade Linguística pela Universidade Autônoma de Barcelona.
Aliás, em se tratando de diversidade linguística, o currículo dela realmente impressiona. Ela fala espanhol, alemão, inglês, indonésio básico e grego. Recentemente, começou a estudar Kawésqar, língua do povo originário no extremo-sul do Chile e que é falada por apenas uma pessoa.
Na apresentação do TED Talk, ela explica que enfrentou muitas críticas no início do governo Boric, quando tomou a decisão de assumir o cargo de primeira-dama. Apesar de ter deixado claro desde o início que a sua intenção era fazer uma mudança nos rumos do gabinete, as principais organizações feministas no Chile não gostaram nada.
Mesmo assim, ela encarou de frente o desafio e começou o trabalho. Aos poucos, foi repassando as fundações ligadas ao gabinete para determinados ministérios. O trabalho foi concluído em dezembro do ano passado, quando ela anunciou sua saída do Palácio La Moneda.
Oficialmente, Irina Karamanos continua acompanhando Gabriel Boric em eventos protocolares. No entanto, ela agora retomou a sua militância política dentro do partido que os dois fazem parte, além de participar dos TED Talk.
Em sua primeira participação, ela teve a oportunidade de contar como está combatendo os estereótipos de gênero. Para Irina, ao abandonar e extinguir o gabinete de primeira-dama, ela está devolvendo o poder político a quem realmente pertence, ou seja, para pessoas que foram diretamente eleitas pelo voto e, desse modo, protegendo a democracia.
Considerando que os dois são muito jovens (ela tem 32 e ele, 37) e de uma geração que veio realmente para promover mudanças na velha estrutura tradicional da politica, me parece muito interessante a atitude dela. Vamos ver se os próximos governos eleitos irão manter e respeitar essa inovação.
Um dos trechos da palestra dela que mais me chamou a atenção foi quando ela mencionou como temos forte no nosso imaginário a imagem do homem sempre acompanhado, principalmente, aqueles que ocupam cargos de poder.
E não pude deixar de lembrar do Boric na cerimônia de abertura dos Jogos Pan Americanos sozinho, brincando com o sobrinho dele, um bebê de apenas alguns meses nos braços. A primeira coisa que eu pensei: onde está a Irina?
Por outro lado, nunca me causou estranheza ver a Dilma sozinha, acompanhada da filha e do netinho em eventos protocolares importantes. Assim como a Bachelet, que desempenhou os dois mandatos [de presidenta do Chile] como uma feliz divorciada. Realmente, são estereótipos que levam muito tempo para se desconstruir. O importante é que a Irina Karamanos está dando
os primeiros passos para romper essas estruturas. Acho que isso é super válido.
Se realmente, veremos essas mudanças respeitadas no futuro, não temos como saber. O que estamos testemunhando agora é uma grande inovação, num mundo que está mudando muito, especialmente no Chile, onde as mulheres e o movimento feminista cada vez mais ocupam seu legítimo espaço na disputa política.
Eu observo com muita alegria esse movimento porque minha filha de 8 anos já tem assimilado que o futuro é feminino. Recentemente, estudando os gregos em História no colégio ela ficou chocada quando viu que as meninas não recebiam educação escolar, somente os meninos. É muito bom saber que daqui pra frente, as mulheres querem sair desse espaço de estar à sombra de alguém simplesmente porque elas não querem e sabem que podem mais.