quinta-feira, 30 de setembro de 2010

TRÊS MORTES E UM ANIVERSÁRIO

Muita gente boa morreu esta semana. Uma sobreviveu.

Fico triste. Esta semana morreram três personalidades do cinema. Uma delas foi o cineasta Arthur Penn, diretor importantíssimo nos anos 60 e 70. Foi ele quem revolucionou, ou pelo menos sacudiu, Hollywood ao lançar Bonnie & Clyde, Uma Rajada de Balas (trailer aqui). Pequeno Grande Homem (com Dustin Hoffman) e Caçada Humana (com Marlon Brando, Robert Redford e Jane Fonda) também são ótimos. Os últimos filmes que vi do Penn foram Alvo da Morte, fraquinho, com Gene Hackman e Matt Dillon, e o bastante bom Morte no Inverno, ambos da década de 80. Chato que ele tenha “sido aposentado” tão cedo. Mas ele será lembrado por Bonnie e Clyde (de 1967, ano em que nasci). Se você não viu, veja. Se viu, reveja. Parece que o verdadeiro casal fora da lei nos anos 30 era assim, não tão lindo e glamuroso como os jovens Warren Beatty e Faye Dunaway.
Mas acho que ess
a é uma das poucas concessões que o filme faz. Ou existem muitas obras por aí em que o herói é sexualmente impotente? E parece um inside joke que logo pra esse papel tenham escalado o maior garanhão da história de Hollywood. Junto com A Noite dos Desesperados, B&C é o filme pra se entender a Depressão americana. Influenciou toda uma geração de cineastas (leitura muito recomendada: Easy Riders, Raging Bulls) e é referência até hoje. Pensando bem, qualquer um que faça uma obra-prima como B&C pode se aposentar precocemente. Não precisa fazer mais nada na vida.
A outra personalidade que morreu aparecia sempre, era figurinha carimbada, mesmo com 85 anos. Tô falando do grande Tony Curtis. Eu vi o documentário sobre como a homossexualidade foi tratada por Hollywood (o excelente The Celluloid Closet - por que eu ainda não escrevi sobre ele? - veja no YouTube), desde o início do cinema até a década de 90, e lá estava o Tony (que nem era gay) dando seu depoimento bem-humorado. Tony tinha longos cílios naturais, o que lhe dava um charme todo especial. Esse look mais andrógino lhe serviu para seus dois melhores papéis, o do músico que se traveste de mulher para fugir da máfia em Quanto Mais Quente Melhor (uma das melhores comédias de todos os tempos, com Jack Lemmon e Marilyn Monroe - trailer aqui), e do escravo que atrai o olhar de Laurence Olivier em Spartacus. A cena de Spartacus (que foi retirada em 1960, mas hoje está restaurada e integra a obra; não a encontrei no YouTube) em que Laurence pergunta a Tony, dentro de uma banheira, se ele gosta de ostras ou escargots, é antológica, e representa um dos momentos mais explícitos (ok, tudo implícito, mas tá na cara) de homossexualidade no cinema. Outros dois filmes que amo com Tony são ambos com Burt Lancaster: Trapézio e A Embriaguez do Sucesso (trailer aqui; tão obrigatório para estudantes de Jornalismo quanto A Montanha dos Sete Abutres). Ah, e a voz do ator que fica cego em O Bebê de Rosemary é dele! Na vida pessoal, Tony foi casado seis vezes, a primeira com Janet Leigh (dos hiper clássicos Psicose e A Marca da Maldade). Desta união de pessoas muito bonitas nasceu Jamie Lee Curtis, de quem todo mundo gosta. E Tony ainda tinha um rancho para cuidar de cavalos abandonados e doentes. Um dos seus últimos trabalhos foi fazer a voz de Deus num curtametragem. Faz sentido.
Mas, até aí, Arthur tinha 88 anos, e Tony, 85. E os dois tiveram mortes suaves, em casa, dormindo. A morte chocante mesmo da semana foi a de Sally Menke, editora de todos os filmes do Tarantino, desde Cães de Aluguel até Bastardos Inglórios. Será um golpe duro pro diretor, que dizia que Sally era sua única colaboradora realmente genuína. Dá pra imaginar Pulp Fiction e Kill Bill sem aquelas montagens fantásticas? Edição é a alma do cinema, e Taranta sabe disso perfeitamente. E é uma das poucas áreas em que profissionais mulheres têm tido mais espaço, numa arte que ainda é estupidamente machista (única mulher a ganhar Oscar de direção foi a Kathryn Bigelow este ano, após 80 anos de academia). O terrível foi o jeito que Sally morreu. Com apenas 56 anos, ela tinha saído para passear em algum vale de Los Angeles, com seu cachorro e um amigo. O amigo voltou, ela continuou com o cachorro... e foi encontrada morta. Foi o dia mais quente da cidade desde 1877. O cachorro está bem.
On a happier note, hoje é aniversário do maridão. 53 anos. Ainda bem que ele não precisa levar gatinhos pra passear no calor de Fortaleza. Parabéns, amor!

GUEST POST: PERIFERIA TAMBÉM MERECE CINEMA

O Thiago Beleza, que já foi um comentarista bastante frequente no meu blog mas agora se contenta (diz ele) em ser apenas leitor, comemorou quando eu passei a segui-lo no Twitter porque, doce ilusão, ele me considera uma celebridade na internet. O que importa é que fiquei sabendo de um projeto louvável do Thiago, e pedi pra ele escrever um post sobre isso, para que vocês fiquem sabendo. Iniciativas assim me enchem de esperança.

O Projeto Cine Viela nasce da omissão do poder público com a periferia. Acreditamos que temos o mesmo direito de acesso à cultura em todas as suas formas sem precisar atravessar a cidade pra isso... E já que o poder público fecha os olhos pra estes lugares, resolvemos colocar a mão na massa.
A viela fica localizada no Recanto Campo Belo, bairro do extremo sul da Zona Sul da cidade de São Paulo, no distrito de Parelheiros. A região representa 24% do município de SP e tem uma população de mais de 100 mil habitantes (dados de 2005). Sua população tem o poder aquisitivo mais baixo da cidade.
Estamos a 60 km do centro, onde estão concentradas todas as opções culturais da cidade. Se levar em conta o trânsito, são três horas de viagem e, no mínimo, dois ônibus. Nós, moradores destes bairros, precisamos fazer este percurso todos os dias pra trabalhar, e nos dias de descanso poucos têm coragem de enfrentá-lo pra diversão.
O bairro não possui nenhuma opção de lazer, nenhuma praça, campo de futebol ou ginásio de esportes, nenhum parque. Nada.
O cinema mais próximo fica em um shopping, a duas horas de viagem. A programação destes cinemas não difere muito de cinemas de cidades do interior. Filmes com menor apelo comercial, fora do circuitão alienante de Hollywood, simplesmente não entram em cartaz e só são exibidos nos cinemas da Avenida Paulista, para uns poucos.
Para tentar mudar essa realidade e trazer um pouco de lazer e cultura para o nosso bairro, elaboramos o projeto do Cine Viela. Conseguimos o apoio de um coletivo cultural que se prontificou a emprestar os equipamentos, e saímos pra rua pra falar da nossa ideia.
A primeira sessão de cinema rolou no dia 17 de setembro. Tínhamos programado um documentário, Ônibus 174, mas quando começamos a montar tudo, só haviam crianças no local, e achamos que, devido à violência (real) do filme, elas poderiam ficar impressionadas demais. Mudamos a projeção então para Besouro, e foi um sucesso. Do fundo da viela, outras crianças assistiam e alguns pais, que vinham pra ver onde estavam seus filhos, sentaram em um lugar e de lá só saíram quando o filme acabou.
Uma garoa fina começou a cair e o vento ficou mais gelado. Um marido veio avisar a sua esposa que o bebê tinha acordado, e se sentou no lugar da mulher, que em poucos minutos voltou com a criança no colo, enrolada em uma manta. Quando a garoa aumentou, apareceu um guarda-chuva. Chegaram mais algumas pessoas e antes da metade do filme mais de vinte lugares estavam ocupados. Mesmo com a garoa e o vento gelado, ninguém arredou o pé.
Toda a correria (rodei mais de 300 km pra buscar e devolver os equipamentos) valeu a pena. A vizinhança recebeu bem a nossa proposta, e o projeto tem tudo pra dar certo. Nossa intenção é fazer do cinema um ponto de partida. Estamos nos articulando com outros coletivos para trazer teatro, dança, música, grafitti. Em breve, esperamos exibir filmes produzidos pelos próprios moradores do bairro.
Agora, começamos a pensar em novas estratégias de divulgação pra trazer ainda mais pessoas e também para conseguir o apoio dos comerciantes do bairro pra tentar zerar o custo do projeto. E que venham as próximas sessões do Cine Viela!

Eu, Lolinha, voltei. Não é espetacular? Para saber mais sobre o projeto, visite o blog do Cine. Espero que o Cine Viela continue, alcance todos os seus objetivos, ofereça ótimas atrações, e influencie a vida das pessoas. Assim, talvez, mais pra frente, aquele marido que foi avisar à mulher que o bebê tinha acordado aprenda que ele, apesar do pênis, também tem condições de cuidar do filho (desculpe, Thiago, meu lado feminista esperneou nesse trecho). Parabéns, Cine Viela! Adoraria ver outros bairros, outras cidades, outros estados, se inspirarem nesta iniciativa.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O ATAQUE DE NETINHO E O ATAQUE CONTRA ELE

Netinho fala em comício, observado por Suplicy.

Várias leitoras queridas, a maior parte através de email, e um piolho do Twitter que eu nunca nem ouvi falar mas que deu pra me seguir e querer pautar meu blog, me pediram pra escrever sobre o Netinho. As leitoras estão genuinamente preocupadas, sem saber pra quem dar o segundo voto pra senador em SP. Já o piolho ordenou: “No perfil, essa senhora @lolaescreva se apresenta como feminista de esquerda. E não fala nada da candidatura de Netinho p/Senador?”. Pois é, por eu ser feminista de esquerda (espero que ninguém mais, fora o piolho, tenha deixado escapar o quanto essas duas palavras juntas são redundantes), eu tenho que falar sobre todos os assuntos relacionados a muheres, ainda que um determinado tópico possa não me interessar, ou que eu não tenha tempo. A afirmação dele serve pra tudo: “Essa sra se apresenta como feminista de esquerda e não fala nada da adúltera que iria ser apedrejada no Irã?” ou “Essa sra se apresenta como feminista de esquerda e não fala nada das bodas de prata da minha mãe?”. Etc.
O caso Netinho não me atrai muito porque eu não voto em SP e porque, na realidade, sei muito pouco a respeito da vida dele. O que me espanta é justamente isso: por que eu, que não voto em SP, ouço falar mal do Netinho todo santo dia? Eu não me recordo de ter visto uma campanha tão gigantesca contra um candidato a senador. Sério. Vocês se lembram de algo igual? Lógico que Netinho deve ter sido o primeiro candidato a senador na história do Brasil a ter batido em mulher (estou sendo irônica), mas vocês conhecem outra campanha parecida?
E quem vocês acham que organiza uma campanha contra dessas? Nós, feministas de esquerda? Ou gente que não dá a mínima pra mulheres e aproveita pra fazer duas campanhas em uma, no estilo “Pô, as feminazis barangas e mal-amadas não estão se mobilizando contra o Netinho!”? Ou gente que jamais, nem em mil anos, votaria em algum candidato de um partido de esquerda como o PCdoB? Ou gente que se aproveita do apoio do PT ao Netinho pra atacar o PT? Ou gente que treme nas bases pelo PT ter a chance de eleger dois senadores por SP – reduto eleitoral tucano! – que darão total apoio ao governo Dilma? Ou as quatro alternativas anteriores? Porque, gente, tô vendo bem pouca feminista se manifestar contra o Netinho. O que vejo são aqueles, the usual suspects, os reaças, dizendo que o Senado precisa de gente limpa... como o Quércia.
E eu adoraria acreditar que o ódio contra Netinho não tem nada a ver com o fato d'ele ser negro. Já consigo antecipar a revolta do pessoal que acha que no Brasil não existem raças, muito menos racismo: “Ahn, ele é negro?! Nem tinha notado!”. Sei, sei. Devem ter notado também que há uma ausência de senadores negros no Brasil. Há 81 senadores brasileiros. Quantos negros? Só lembro do Paulo Paim (PT-RS). Mais algum? Mas isso não é racismo! É apenas um sinal de que negros, tal qual mulheres, se interessam pouco por política, né?
O pouco que sei do Netinho: o ex-pagodeiro do grupo Negritude Jr não foi um vereador atuante. Ele teve um programa de TV que atendia à comunidade carente. Em 2005, ele espancou sua mulher. Alguns anos antes, havia dado uma chave de braço numa funcionária da Vasp. Ele pediu desculpas em várias ocasiões.
Eu acho que devo ter uma visão diferente à da maioria sobre crime e castigo, porque não creio que alguém que comete um crime deve ser julgado pelo resto da vida. Tipo: Sean Penn bateu na mulher dele, a Madonna, na década de 80. Então vamos boicotar seus filmes pro resto da vida. Parece sensato pra vocês? Porque pra mim, não.
Homens que batem em mulheres não são um ou outro. São um monte (numa pesquisa recente, 55% dos entrevistados disseram conhecer uma mulher que já foi agredida. Uma mulher é agredida no Brasil a cada 15 segundos). Inclusive, muito mais que imaginamos. Assim como homens que estupram mulheres não são aqueles que ficam escondidos num beco, esperando uma vítima passar. Em geral são parentes e conhecidos. Assim como homens que matam mulheres não são serial killers misóginos. São maridos, namorados, ou ex-parceiros. Todos esses três casos de violência contra a mulher têm a mesma origem: esses homens veem as mulheres como seres inferiores que pertencem a eles pro que der e vier. Homens são criados (e, como mães e professoras, temos responsabilidade nisso) para resolverem conflitos com violência. Homens (e muitas mulheres) creem numa visão totalmente idiota do que é ser homem (e do que é ser mulher).
Logicamente que eu acho que estupradores, assassinos e espancadores devem ir presos. Devem ser punidos. Mas eu não consigo ver prisão apenas como punição. Há um caráter correcional na prisão, certo? Ou pelo menos deveria haver. Depois de punida, uma pessoa deve ser reabilitada, educada para poder conviver em sociedade, sem causar mais dano algum. E eu acredito, ou quero acreditar, que a maior parte dos criminosos pode ser reabilitada.
Este certamente é o caso de homens que batem em mulher. O que funciona mesmo na reabilitação são grupos de homens que se reúnem para dialogar e trocar experiências. Dessa forma, eles conseguem mudar, juntos, a visão deturpada que têm da masculinidade. Só mandar um espancador pra cadeia, sem reabilitá-lo, não resolve o problema. Ele provavelmente também baterá na próxima mulher com quem tenha um relacionamento. Ou na própria mulher que decidiu perdoá-lo. Isso porque não é a mulher que é o problema. É esse homem, que vai repetir o mesmo padrão de comportamento.
Pessoalmente, acho que a participação nesses grupos de apoio deveria ser obrigatória para todos os homens que batem em mulheres. Agora, não sei se Netinho participou deles. Só declarar-se arrependido não impede que ele volte a cometer o mesmo crime. É uma vantagem que ele leva diante do segundo maior espancador de mulheres no Brasil, Dado Dolabella. Mas não é suficiente.
Algumas feministas ligadas ao PCdoB declararam apoio à candidatura de Netinho. Mas eu considero difícil saber qual é a dele. Por exemplo, alguém me explica o que ele quis dizer na sua resposta à pergunta “O sr. defende a legalização do aborto?”. Ele respondeu: “Não. Para mim, o aborto é uma questão de saúde. Não consigo tratá-lo como uma questão religiosa. Sou batista. Meu segmento de igreja é totalmente contrário. Mas eu entendo diferente. Acho que todo mundo é contra o aborto. Existem circunstâncias que levam ao aborto, e ele tem que ser tratado como saúde pública”. Seu não era pra ter sido um sim?
Vejo três vantagens em se votar no Netinho: 1) ele é negro. Pra mim, isso é muito importante. Todas as minorias devem estar mais representadas no nosso órgão legislativo (e executivo. E judiciário). 2) Ele podia ter se filiado a qualquer partido, e foi a um que respeito, o PCdoB. Um partido de esquerda com um histórico de defesa das minorias. 3) Seria ótimo pra Dilma, que sem dúvida será eleita, só não sei se no primeiro ou segundo turno, ter um Senado (e um Congresso) com maioria governista. Fica bem mais fácil aprovar leis e projetos.
E vejo desvantagens em votar no Netinho. 1) Ele bateu em duas mulheres. Até concordo com o que disseram as feministas do PCdoB, que esse passado sombrio de Netinho fará com que ele seja cobrado na defesa das mulheres. Mesmo assim, não sei se ele está reabilitado. 2) Ele não parece ter sido um bom vereador. E não conheço suas ideias (mas isso pode ser falha minha, não dele). 3) Ele é evangélico. Desculpem o preconceito, mas tenho receio de qualquer candidato que promete colocar "Deus acima de tudo". Exijo um Estado laico!
Mas Netinho claramente não me parece pior que um Quércia (que saiu da disputa, ainda bem, e ia perder do mesmo jeito), ou (pra falar de outros estados) de um Tasso Jereissati, ou de um Collor, ou de um Demóstenes, ou de um Bornhausen. Eu não vou dizer a ninguém em quem votar. E nem posso dizer o que eu faria, já que não voto em SP. Netinho (e Marta) devem ganhar, pelo que dizem as pesquisas. Portanto, se o fato d'ele ter batido em mulheres falar mais alto, sugiro que votem num outro candidato de esquerda, do PSTU, por exemplo. Mas não votem na direita. Porque, lembrem-se, políticos não são seres individuais que caem do espaço e agem sozinhos. Eles devem seguir diretrizes de seus partidos. Partidos de esquerda sempre estão muito mais ligados às lutas das minorias que os de direita. Esse pessoal de direita que se diz revoltado com a provável eleição de Netinho nunca mexeu uma palha pra melhorar a situação das mulheres. Em geral, muito pelo contrário.
E, por favor, pra quem se sentir ultrajad@ com a minha opinião, entenda que nunca iremos concordar em 100% dos casos. E discordar de alguém não me faz uma monstra sanguinária defensora de estupradores e assassinos. Não me faz nem mesmo menos feminista.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

QUARTA ETAPA DO CONCURSO DE BLOGUEIRAS

E vamos pra quarta e última etapa deste concurso que atraiu tanta blogueira ótima! (lá embaixo eu comento o dia especial que é hoje). Esses são os posts que concorrem nesta etapa. E posso dizer: se vocês tiveram dificuldade pra votar em apenas um post nas fases passadas, depois de ler esses oito textos incríveis, vai ficar mais difícil ainda.

Quarta etapa do concurso (etapa atual)
Em defesa do feminismo - B, do Espaço B
Minhas asas feministas – Jux, do Dolcinha
Chega de maçãs – Luci, do Caso me Esqueçam
O pop que me deu o caminho – Luna, do Pernície
De raiz – Monix e Helê, do Duas Fridas
Meu feminismo não tem origem, tem futuro – Nathalia, do Letras na Tela
Mirem-se no exemplo – Somnia, do Borboleta Pequenina na Suécia
Coisas de menino – Valek, do Aline Valek

Vocês podem ver que incluí a B, a tartaruguinha manca mais atrasada de todas. Ficou bom, porque houve um número igual de posts competindo em cada etapa (oito). Por favor, ajudem a divulgar esta etapa também (coloquem o link para este post, http://escrevalolaescreva.blogspot.com/2010/09/quarta-etapa-do-concurso-de-blogueiras.html, e o selo que a Nathaly fez pro concurso).
Para a terceira etapa, infelizmente, não houve tantos votos como nas etapas anteriores. Apenas 155. Espero, porém, que cada uma das blogueiras concorrentes tenha recebido várias visitas, comentários, nov@s seguidor@s etc. O resultado foi o seguinte:

Terceira etapa do concurso - Resultados
A origem do meu feminismo – Ághata, do Se Perdendo 10 votos, ou 6%
Aos treze – Anastasia, do Relicariante 34 votos, ou 22%
Mulher da vida – Borboleta, do Borboleta nos Olhos 24 votos, ou 15%
Maternidade, plenitude e feminismo. Hein? - Carolina, do What Mommy Needs 21 votos, ou 13%
Origem da consciência do meu feminismo – Chris, do Mulheres de Atenas 36 votos, ou 23%
A origem do meu feminismo – Gabriela, do Ecdise 16 votos, ou 10%
Não! Eu não sou obrigada – Glória, do Apenas uma Fresta 6 votos, ou 3%
Liberal na Alemanha, feminista no Brasil – Isabela, do Berlin Direction 7 votos, ou 4%

E, só pra refrescar a memória (ou se tiver gente chegando agora, ávida pra ler todos os 32 posts do concurso), as participantes da primeira e segunda etapas foram (em negrito as três que tiveram mais votos):

Primeira etapa do concurso - Resultados
O feminismo que papai ensinou - Aline, Meus e Outros 28 votos, ou 13%
Como um machista me transformou em feminista – Amanda, Petit Journal de la Porte Dorée 45 votos, ou 20%
O Feminismo & Eu - Bia, Groselha News 36 votos, ou 16%
Aos 21, era muito mais feminista do que sonhava a minha vã filosofia – Clara, Gaveta Virtual 18 votos, ou 8%
Feminismo, ateísmo e outros “ismos” - Deborah, A Realidade, Maria, é Outra 9 votos, ou 4%
Sobre a origem do meu feminismo – Ge, O Ângulo Mais Bonito 25 votos, ou 11%
O começo de tudo – Fernanda, Grito de Fernanda 41 votos, ou 19%
Feminista graças a Deus (e olha que sou agnóstica) - Laurinha, Mulher Modernex 13 votos, ou 6%

Segunda etapa do concurso - Resultados
Mulheres, homens e mais mulheres – Leika, Proseando - 73 votos, ou 20%
Feminista, eu? - Leticia, Chá-Tice - 83 votos, ou 23%
O dia em que me tornei feminista – Lúcia, Memórias - 7 votos, ou 2%
A anti-garota Anglo – Maíra, Como Assim?! - 49 votos, ou 14%
Feminismo, hein? - Nanci, Lúdica e Ácida - 4 votos, ou 1%
Antes que o galo cante - Renata, Agruras e Delícias - 13 votos, ou 3%
Menina pode sim – Rita, Estrada Anil - 96 votos, ou 27%
A origem do meu feminismo - Wonderwoman, Coffeee, Clear Heels and Random Thoughts - 23 votos, ou 6%

Semana que vem é a grande final! Vou pegar os três posts mais votados de cada etapa e fazer uma enquete com os doze. Essa eu vou deixar no ar mais tempo, por umas duas semanas, pra todo mundo poder ler e reler cada post.
É pura coincidência que esta quarta etapa caia logo num dia tão especial: hoje, 28 de setembro, é o dia pela Descriminalização do aborto na América e Caribe. Fale sobre este assunto no seu blog e no seu twitter (#legalizaçãodoaborto). Queremos duas coisas: a descriminalização, isto é, que mulheres que façam aborto ou quem as ajude não sejam presas (como acontece hoje), e a legalização - que o aborto passe a ser oferecido nos hospitais públicos. Esses dois itens que caminham juntos, a descriminalização e a legalização do aborto, são provavelmente as poucas unanimidades entre as feministas. É um tema importante pra todas as mulheres, já que o que está em jogo é o controle sobre nossos próprios corpos. Não resta dúvida que, se fossem os homens que engravidassem, ninguém iria legislar sobre o corpo deles. Mas como são as mulheres, esses seres não-confiáveis, traiçoeiros, TPMizentos, enfim, esse verdadeiro perigo pra humanidade, culpado de todos os males desde que Adão e Eva foram expulsos do paraíso, bom, nesse caso quem manda no ventre é o Estado. Um Estado que deveria ser laico, mas não é. O Estado sabe perfeitamente bem que milhares de brasileiras fazem
abortos clandestinos todos os anos. E que as mulheres de classe média e alta podem pagar por um procedimento seguro. Mas as pobres, geralmente negras, dependem de métodos altamente arriscados, que em muitos casos matam. Se o aborto fosse legaliz
ado no Brasil, seriam essas mulheres que deixariam de morrer. Mas direita cristã é direita cristã em qualquer canto: não liga pra essas mulheres, só pro feto, e só enquanto ele for feto. Assim que nascer, é cada um por si, e que vença o melhor. Estado é só pra salvar o feto, não pra garantir-lhe uma vida cheia de direitos. Direito do feto? Direito à vida? Só enquanto estiver no ventre da mãe, essa pecadora.
É preciso acabar com esse discurso hipócrita. Ou melhor, o discurso pode existir, o que não pode é que siga ditando o Estado. Um sinal de como estamos longe de ter um Estado laico é como, durante as eleições, praticamente todos os candidatos fogem de tomar posições
mais polêmicas. Pois é, a legalização do aborto, uma antiga reivindicação da mulher, algo aceito há décadas nos países ricos, ainda é visto como assunto polêmico. Até quando teremos religiões mandando nos nossos governos, nas nossas vidas? Religiões devem mandar nas suas igrejas e templos. No meu corpo mando eu.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

MULHER COM VERGONHA DE MARCA DE NASCENÇA

É uma benção nascer mulher.

Procurei na internet uma versão traduzida pro português de “The Birthmark” (a marca de nascença, ou a mancha de nascimento), mas não encontrei. O conto em inglês tá aqui. Eu dou este conto do Nathaniel Hawthorne, mais conhecido pelo romance A Letra Escarlate (que eu nunca tive paciência pra passar da metade), pros meus alunos de Literatura lerem. E eles gostam. Ou melhor, elas gostam. A reação das alunas costuma ser tão visceral quanto a minha. Já no começo da discussão do conto as alunas passam a balançar a cabeça e rir, no estilo rir pra não chorar.
“The Birthmark”, publicado em 1843, é a história de um cientista, Aylmer, que se casa com uma linda moça, Georgiana. Logo no início do casamento Aylmer vira pra sua amada e pergunta: “Você já pensou que essa marca na sua bochecha pode ser removida?”. A moça, envergonhada, rindo, baixa os olhos pra responder: “Não. Pra ser franca, essa mancha tem sido vista tão constantemente como um charme que fui ingênua o bastante para crer que era verdade”. E Aylmer diz que em outro rosto, menos perfeito, talvez uma mancha dessas fosse charmosa. Mas no rosto dela, é um sinal de imperfeição que o choca. A pobre moça, chateada, põe-se a chorar, e quer saber por que ele se casou com ela (já que o narrador diz que Aylmer nunca tinha pensado na marca de nascença de Georgiana antes de se casar), e reclama: “Você não pode amar algo que te choca!”.
A narração explica que a marca, na bochecha esquerda de G, muda de cor de acordo com as reações da dona, mas em geral é vermelha. E que parece-se com uma minúscula mão. Os admiradores de G diziam que uma fada havia tocado na sua bochecha antes d'ela nascer. Já as mulheres adversárias de G espalhavam que a marca estragava sua beleza. G, por sua vez, nem ligava pra mancha ― até a intromissão do marido. Nessa hora eu já viro pras alunas e pergunto, sarcasticamente: “Soa familiar?”.
Aylmer fica obcecado com a mancha na bochecha de G. Tanto que ele olha pra ela e faz careta. Em pouco tempo, a mancha passa a incomodar G mais do que tudo. A narração diz, explicitamente: “Georgiana logo aprendeu a arrepiar-se com o olhar do marido”. Ela aprende a odiar um sinal que é seu de nascença! (e o incrível é que Hawthorne usa a palavra gaze, hoje muito usada pra falar de male gaze, olhar masculino, que serve para nos admirar e nos transformar em objetos sexuais, como também para nos julgar, dominar, subsidiar).
G lhe pergunta se ele já sonhou com a mancha, e ele lhe conta seu sonho. Nele, Aymler está tentando tirar a mancha de G, mas quanto mais fundo vai a faca no rosto da amada, mais fundo vai a marca, até que aquela mancha em forma de mãozinha toma o coração de G, e a Aylmer só lhe resta retalhar o coração da moça. Ah, o amor!
E aí eu fico com vontade de xingar G quando ela diz que Aylmer deve fazer tudo que estiver a seu alcance pra tirar dela essa marca asquerosa, nem que isso custe a vida dela. “Não me poupe se a marca se refugiar no meu coração”, diz ela. E aí aparece minha frase favorita em todo o conto: “Seu marido carinhosamente beijou-lhe a bochecha ― a bochecha direita”.
Entra em cena um assistente de Aylmer, um cara chamado (só pro meu desespero, já que nunca acerto o nome dele!) Aminadab, que diz para si mesmo que, se G fosse sua esposa, ele nunca lhe tiraria a marca. Aminadab parece o Calibã de A Tempestade, e é descrito como representante da “natureza física do homem”, enquanto Aylmer/Próspero seria o “elemento espiritual”.
Enquanto espera que seu marido e servente preparem tudo para remover a marca, G anda pelo laborário. Aylmer faz um truque de mágica que dá muito errado (uma linda flor fica preta e morre assim que G a toca). Ele lhe mostra um elixir da imortalidade, capaz de matar alguém em segundos. E, quando ela lhe pergunta por que ele guarda um veneno tão terrível, ele muda de assunto rapidinho e exibe um cosmético que tira sardas do rosto com algumas gotas. Ela quer saber se é isso que será usado nela, e ele diz que, no seu caso, será preciso uma solução mais profunda.
A essa altura G já odeia sua marca mais mesmo que Aylmer odeia a pequena mão, e cobre sua bochecha sempre que Aylmer olha pra ela. Andando pelo laborário, ela encontra um volume cheio de anotações do marido acerca de suas experiências científicas, e constata que todas fracassaram. Ao invés de sair correndo dali naquele instante, ela diz a Aylmer que ler aquilo “me fez idolatrar você mais do que nunca”. Ele responde que, depois de mais esse sucesso, aí sim ela terá motivos para idolatrá-lo. Nesse ponto eu tenho de me conter pra não rasgar a página.
Finalmente, Aylmer conta a G que existe um risco fatal envolvido na remoção da marca. Mas ela diz que, se a marca ficar como está, “nós dois enlouqueceremos”. E ele concorda!
Ela toma a poção que Aylmer lhe dá e dorme, enquanto o marido observa a sua bochecha, e vê que a marca está desaparecendo. O narrador, aqui, estranhamente se dirige a nós na única vez no conto: “Assista à mancha do arco-íris desaparecendo do céu, e você saberá como aquele símbolo misterioso faleceu”. Aylmer está eufórico. Se G não estivesse tão pálida, a marca, agora rosa, quase extinta, nem seria notada. Então ele ouve uma risada grossa e pensa que vem de Aminadab. Ele fala para si mesmo: “Ria, sua coisa dos sentidos! Você conquistou o direito de rir!”.
Essas palavras acordam G, que lhe avisa que está morrendo. Assim que a marca deixa seu rosto, G dá seu último suspiro de vida. E Aylmer ouve a risada tosca novamente. The end. (Há umas poucas linhas moralizantes do narrador, no estilo “o homem não deve brincar de Deus”, totalmente descartáveis. Prefiro terminar antes).
Mas é um conto poderoso, hein? Ao pensar em Aylmer (de quem, na realidade, eu tenho mais pena que raiva), eu penso sempre nos cirurgiões plásticos de hoje, casados com trophy wives (esposas-troféus) que eles fazem questão de esculpir com as próprias mãos. Mais do que pensar em Frankenstein, ou mesmo no conceito de que natureza é algo feminino, e ciência é algo masculino, e que o conto pode ser visto como uma ciência fálica penetrando o que não deveria ser mudado – enfim, mais que tudo isso, ao pensar em Georgiana o que consigo ver é que, se ela vivesse atualmente, não precisaria do marido pra alertá-la de suas imperfeições. Ela teria à disposição trezentas imagens da mídia, todo dia, ensinando-lhe que um rosto bonito tem que ser sem marcas. E, desde cedo, seus pais e amigos, também expostos a essas mesmas imagens, saberiam como é um rosto perfeito. E diriam isso pra ela, pro seu bem, claro. Aylmer seria desnecessário no mundo de hoje, já que a sociedade se encarregaria de martelar na cabeça de sua mulher que ela tem várias marcas de nascença defeituosas, a começar por sua própria vagina. Georgiana aprenderia desde bem novinha que é imperfeita, e que tem que odiar alguma parte do seu corpo pro resto da vida, e gastar o que puder para eternamente corrigir-se.