“França estuda proibir implantes nos seios após descoberta de novo tipo de câncer" -- Manchete da notícia veiculada por Daniela Fernandes, da BBC, em Paris, no dia 18/3/15.
Li essa manchete e dediquei minha risada amarga para a dificuldade que o patriarcado e a indústria da beleza têm para proibir implante de silicone. Até mesmo na progressista França, expoente do movimento feminista.
Imaginem, senhoras, o absurdo de proibirem peitos esteticamente perfeitos! Desde quando peitos foram feitos para bebê mamar?! Peitos estão aí para satisfazer a libido dos nossos varões, oras. Peitos são aqueles que a gente vê na Playboy; para amamentar (há despudoradas que o fazem em público, que horror) mulher tem teta, ou então usa mamadeira que fica, convenhamos, bem mais civilizado.
Aliás, ainda dá pra alugar ama de leite? Na época da servidão medieval e da escravidão tinha dessas coisas, né? Poxa vida, esses bebês são um pé no saco, capaz de a mulher ter que trocar a prótese depois de engravidar, pois pode ser que o peito caia, dizem que cai!
Aliás, ainda dá pra alugar ama de leite? Na época da servidão medieval e da escravidão tinha dessas coisas, né? Poxa vida, esses bebês são um pé no saco, capaz de a mulher ter que trocar a prótese depois de engravidar, pois pode ser que o peito caia, dizem que cai!
Ah, dando uma cortada brusca na destilação de sarcasmo, quero deixar BEM CLARO que não tenho nada contra as mulheres que aderem ao silicone.
Não interpretem errado, por favor. Não estou aqui para ficar chamando mulher que coloca silicone de fútil ou qualquer adjetivo análogo, até porque não acho isso, não mesmo. Um, porque cada caso guarda suas particularidades; dois, porque é inumano esperar que as pessoas resistam de maneira estoica e abnegada à sedução de uma máquina que é bem maior e mais poderosa do que elas. Ademais, os irresponsáveis e imprudentes são aqueles que vendem essa ideia. Se os médicos (quase deuses da nossa era) dizem que tá bom, que tá tranquilo, seguro, quem ousaria abrir a boca para questionar?
Não interpretem errado, por favor. Não estou aqui para ficar chamando mulher que coloca silicone de fútil ou qualquer adjetivo análogo, até porque não acho isso, não mesmo. Um, porque cada caso guarda suas particularidades; dois, porque é inumano esperar que as pessoas resistam de maneira estoica e abnegada à sedução de uma máquina que é bem maior e mais poderosa do que elas. Ademais, os irresponsáveis e imprudentes são aqueles que vendem essa ideia. Se os médicos (quase deuses da nossa era) dizem que tá bom, que tá tranquilo, seguro, quem ousaria abrir a boca para questionar?
O que eu acho escroto, vou contar pra vocês, é um profissional se formar em medicina, se especializar em cirurgia plástica, que é uma área linda e com potencial para transformar complemente a vida de quem precisa, lidar com um procedimento tão invasivo quanto esse de maneira banal só para ficar rico, poderoso e até famoso (programa de TV pra isso é que não falta).
O que eu critico é a naturalização disso em nossa sociedade, o modo leviano como a intervenção cirúrgica para fins estéticos se tornou corriqueira, e aqui não me refiro somente aos implantes de próteses mamárias. Procedimentos cirúrgicos, muitos envolvendo anestesia geral (!), são tratados pela mídia e pela indústria da beleza como se fossem uma simples mudança de corte de cabelo, um tapinha no visual.
É importante ressaltar que, de acordo com dados disponibilizados pela International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS) em 2013, o Brasil é o país que mais realiza cirurgias estéticas no mundo, tendo ultrapassado os Estados Unidos. De acordo com o levantamento da ISAPS, daqueles que recorrem ao bisturi para fins estéticos, 14,3% são homens, e 85,7%, a esmagadora maioria, mulheres. Portanto, essa não é apenas uma questão importante no cenário brasileiro, como também é uma questão de gênero.
Entrar na faca em algum momento é quase o destino "natural" das mulheres na nossa sociedade. Somos gado. Somos vacas (o xingamento não surgiu à toa), somos carne dilacerada, cortada, somos sangue escorrendo pra encher os bolsos de médicos, de quem vende próteses mamárias, de quem fabrica próteses, de quem faz a propaganda que nos faz acreditar que precisamos dessas próteses e também de outros tantos que se interligam em uma cadeia praticamente interminável. Aí depois, senhoras, ficamos mais "comíveis", igual à carne macia da vaquinha, aquela delícia suculenta.
Quedamo-nos lindas, impecáveis, com a cinturinha fina, o seio farto e o nariz afilado (o Brasil é o número um em rinoplastia), e é precisamente dessa figura meticulosamente esculpida pelos cirurgiões que se valem os corvos para vender cerveja e desodorante, dentre outros produtos, quer tenham como alvo o público masculino ou o feminino.
A silhueta feminina lhes é apresentada envolta em uma aura resplandecente de sedução e bem estar, mas o que o grande público não pode ver por trás dessa imagem é a lambança na mesa de cirurgia, o sangue, tecido mamário e outras partes de corpos femininos descartados como lixo hospitalar, o inchaço, os pontos, a dor, o desconforto, a adaptação e, principalmente, os riscos envolvidos.
A silhueta feminina lhes é apresentada envolta em uma aura resplandecente de sedução e bem estar, mas o que o grande público não pode ver por trás dessa imagem é a lambança na mesa de cirurgia, o sangue, tecido mamário e outras partes de corpos femininos descartados como lixo hospitalar, o inchaço, os pontos, a dor, o desconforto, a adaptação e, principalmente, os riscos envolvidos.
A cirurgia para colocar silicone, senhoras, é só um exemplo de uma série de outras intervenções estéticas que são comercializadas com a mesma facilidade de uma bolsa Louis Vitton. Acho que não preciso nem chegar ao extremo de citar histéricos como a "Barbie Humana" e seu equivalente masculino ou falar da relação turbulenta de Andressa Urach com o hidrogel para que identifiquem a esquizofrenia do mundo em que vivemos.
Tantas necessidades nos são criadas por quem quer lucrar em cima dos nossos corpos, senhoras... e elas se tornam reais, sim, efetivamente. Ficamos felizes ao alcançar uma delas, mas logo são criadas outras e mais outras. Isso não vai parar, não vai. Tenho muito medo de até onde isso irá nos conduzir. Tenho medo de onde já estamos.