Quando Alexandre e sua namorada leram o post "Namoro uma feminista", debateram sobre ele (adoro quando casais discutem sobre textos meus!). A namorada do Alexandre então "sugeriu levemente" que ele escrevesse alguma coisa também. Tá aqui.
Nasci no interior, em família de classe média, de pai rígido e conservador, e eu (caçula) não comecei diferente.
Passei por todos os treinamentos de homem. Aprendi a brigar desde os sete e lutei por minha honra várias vezes depois no colégio.
Negligenciaram meu acesso à pornografia, engoli o choro desde meus cinco anos de idade, aguentei sem frescura todos os machucados, aos 17 arrumei trabalho, escolhi uma faculdade "que desse dinheiro". Lembro ainda que acreditava que "mulheres são frágeis", e que "em mulher não se bate nem com uma flor" -- o pedestal.
Descrevi não pra causar dó, mas pra figurar o treinamento-padrão, aquele que todo moleque depois dos 18 e que paga suas contas enche o peito para se dizer um homem, ao mesmo tempo que insiste que garotas "não passaram por tudo isso" e "não sabem como é [ter o orgulho remendado]".
Negligenciaram meu acesso à pornografia, engoli o choro desde meus cinco anos de idade, aguentei sem frescura todos os machucados, aos 17 arrumei trabalho, escolhi uma faculdade "que desse dinheiro". Lembro ainda que acreditava que "mulheres são frágeis", e que "em mulher não se bate nem com uma flor" -- o pedestal.
Descrevi não pra causar dó, mas pra figurar o treinamento-padrão, aquele que todo moleque depois dos 18 e que paga suas contas enche o peito para se dizer um homem, ao mesmo tempo que insiste que garotas "não passaram por tudo isso" e "não sabem como é [ter o orgulho remendado]".
Por anos a única coisa que não me direcionou nessa ignorância foi minha petulância de irmão mais novo de querer ser do contra.
Desde sempre questionei muitas coisas, mas só aos 21 que meu questionamento tendeu pro social, e aos 24 comecei a sair com minha atual namorada, feminista, riponga.
Não tenho nem ideia quanta coisa imbecil eu devo ter dito no início, pois minha referência eram as garotas feministas lá do colégio que viviam falando que "homem não presta" ou "homem é tudo igual", mas essa referência caiu na primeira conversa que tive com minha namorada.
Quanto mais ouvia, mais me sentia ignorante, e mais perguntava e ponderava. Minha namorada foi paciente ao respirar fundo no início e não sair batendo verbalmente, assim ela me dava um toque toda vez que notasse algo errado. "Isso é meio machista", ela até atenuava. Isso me deu oportunidade pra compreender posturas feministas na prática, aos poucos, e me acostumei a admitir minha ignorância e até perguntar "O que teria sido não-machista?".
Por tempos debatíamos desde apelação publicitária, violência, depilação, assédio, até cozinhar. No possível fui compreendendo algumas obrigações, privações e pressões que as mulheres sofrem, o histórico e a carga educacional tão negada pelos homens.
Naquele ponto planejávamos morar juntos num futuro breve, e minha namorada incentivou (pra não dizer obrigou) um plano esquecido meu de viver sozinho. Eu queria pela liberdade, e ela porque sabia que, por eu ter mãe coruja, não aprendi muito sobre cuidar de uma casa. Deu certo. Vivi cinco meses sozinho. Apesar de bem assessorado, passei por todos os estágios de limpeza, do crítico à faxina de redenção. Lavei box e fogão, vi que mais valia fazer xixi sentado que lavar tudo mais vezes. Aprendi a cozinhar um pouco, se bem que algumas comidas estragaram. Mas enfim, aprendi a fazer "a segunda jornada".
Aí comecei a notar o machismo a minha volta, e a ter que me segurar pra não me exaltar em conversas. Foi então que entendi a possibilidade de ser agente multiplicador. Comecei com meus amigos, testando frases como "e se você pega sua namorada também fazendo isso?".
Fui relembrado que não adianta chegar batendo, e que, se eu queria ser construtivo com o feminismo, eu teria que aprender a incutir nos outros o que eu estava aprendendo. Mantive em mente que outros homens ainda estavam no pós-"treinamento padrão", que é duro sim e às vezes fabrica monstros. Notei que infelizmente é dificílimo começar argumentando sobre a educação da mulher. Mas havia outros pontos que eu podia abordar positivamente em prol das mulheres.
- Olhe essas contas... Sobra pra mim.
- Sua namorada não ajuda? Quanto ela ganha, posso saber? - perguntei.
- Ah, ela paga um jantar ou outro só. Tá ganhando 1,200 reais.
- Bom, você eu tenho certeza que ganha mais de 3 mil, vamos dizer, 3,500 reais. O salário dela com o seu dá R$ 4,700. A participação dela seria de 25%, isso é o justo que ela ajude, eu acho. Se ela paga uns jantares, digamos quatro por mês de 50 reais, dá 200, e pra cada valor desses dela você tem que pagar 600. Já pensou assim?
Passei a bater onde dói mais no homem, no bolso e no orgulho. Gosto de debater pesado, e sempre tentava apenas conversar, mas não perdia uma causa defendendo as mulheres. Batia conforme o que ouvia. Aprendi depois a pegar mais leve e que o melhor é dar uma única boa agulhada que faça o cidadão olhar pro canto e ponderar, pois é normal um tempo de assimilação, e querer agulhar duas ou três vezes só vai fazê-lo descartar todo o esforço pedagógico.
Hoje eu e minha namorada moramos juntos, debatemos responsabilidades com a casa, e procuramos proporção baseado no justo. Assim é também com o dinheiro, que não é de conta-conjunta. Seguimos desconstruindo deveres sexistas, cozinhamos e limpamos juntos, aprendo coisas de casa em que sou ruim, e ela se esforça para aprender contabilidade e mecânica do carro, por exemplo.
Sei que devo pecar em vários pontos ainda. Aos 28 anos ainda é difícil suprimir a carga cultural machista embutida e alimentada dia-a-dia.