O bilionário Elon Musk continua firme com seu plano de destruir o Twitter, que ele comprou em outubro. Ele é tão competente que a plataforma já perdeu metade do valor que ele pagou. Hoje vale apenas 20 bilhões.
Musk é um ativista da extrema-direita, como demonstrou um artigo do Atlantic no final do ano passado. Não foi à toa que a direita de todo o planeta comemorou a aquisição. O Twitter hoje promove o ódio. A BBC Brasil perguntou oficialmente ao Twitter por que permite perfis e tuítes que incentivam ataques a creches e escolas, por exemplo. A resposta foi um email com emoji de fezes. Musk já confirmou que essa é a resposta oficial da plataforma à imprensa do mundo inteiro.
Uma de suas medidas mais polêmicas, além de demitir metade dos funcionários assim que assumiu a empresa, foi acabar com o selinho verificado. Ao contrário do que muita gente pensa, a verificação -- criada em 2009 principalmente para que pessoas não se passassem por celebridades -- não é vaidade. Era importante. Pelo menos, pra mim foi. Antes de conseguir o selinho (creio que em 2018 ou 2019), toda semana algum mascu desocupado fazia um perfil tentando se passar por mim. Era um saco, e eu gastava tempo e energia denunciando. Isso parou quando meu perfil foi verificado.
Agora Musk permite a verificação -- pra qualquer um que pagar 8 dólares por mês. Para organizações, ter selinho azul é mais caro, algo como mil dólares mensais. Como eu me recuso a enriquecer ainda mais um bilionário (que sequer devia existir), ficarei sem selinho. Não estou sozinha: o jornal New York Times, que conta com cerca de 55 milhões de seguidores no Twitter, anunciou que não pagará mil dólares por mês a Musk.
Em compensação, o maior perfil nacional socialista dos EUA (leia-se: nazista) festejou no início de abril que agora tinha selinho verificado. "Pagando bem, que mal tem?" deve ter se perguntado Musk. Em outras palavras: o perfil nazista não apenas não será proibido de espalhar ódio, como também receberá uma ajudinha do Twitter, que divulgará conteúdo de quem paga.
Pra quem não tem o selo mas usa o Twitter pra acompanhar celebridades, por exemplo, a falta de selo verificado fará com que essas celebridades fiquem menos visíveis (depois de inúmeras críticas, Musk devolveu o selinho a quem tinha mais de um milhão de seguidores). Ficará mais difícil distinguir pessoas de verdade de imitações (tipo: já tem um perfil verificado da Monica Lewinski que não é dela). Nas recomendações "Para você" só aparecerão perfis que pagam a verificação.
Ontem eu tive uma amostra grátis do inferno que se tornará o Twitter muito em breve. Um jornalista, André Fran (que tem 155 mil seguidores), lamentou a destruição da plataforma e chamou Musk de "incel frustrado". Veio um monte de gente defender o bilionário, o que não é novidade. A novidade é que vários desses defensores são perfis de extrema-direita com 10, 100, 200 seguidores, e já com o selinho azul. Ou seja, enquanto a gente de esquerda planeja ir embora do Twitter, a direita paga a verificação dos seus perfis. Aliás, quem está patrocinando esse bando de bolsonarento com selinho?
Na última quinta-feira, dia 20 de abril (por coincidência -- será? -- uma data sempre lembrada para cometer massacres, já que marca o aniversário de Hitler e o ataque em Columbine), o Twitter tirou a verificação de todos que não pagarem para ter o selinho azul. Dias depois, sem explicação, alguns perfis famosos com mais de um milhão de seguidores voltaram a tê-lo, mesmo sem pagar. Pior ainda: o Twitter mentiu que eles estariam inscritos no Twitter Blue. Felipe Neto, Ian McKellen e Stephen King foram alguns dos que reclamaram. Estão sendo usados como garotos-propaganda de Musk sem querer. Ah, e celebridades mortas, incapazes de se defenderem, também apareceram com o selinho sem pagar.
No mesmo dia que eu e milhares de pessoas perdemos nossas verificações, um mascu anônimo já veio aqui deixar sua ameaça: "Bom saber que vc está sem selinho agora e que qualquer um pode criar uma conta no seu nome e pagar o Blue, Dolores. Será divertido".
Uma leitora perguntou o que eu iria fazer e eu respondi que não sabia. A minha fé é que mascus não têm sequer 8 dólares por mês pra dar pro Musk. E também, não estamos mais em 2018. Imagino que a maior parte das pessoas consiga diferenciar o meu perfil (com mais de 200 mil seguidores) de um perfil falso no meu nome com, sei lá, 100 seguidores. Aliás, fica a dica: qualquer perfil com selinho no meu nome não é meu.
É uma droga ter mascu e neonazi tentando se passar por mim, mas já estou acostumada. Acho que já fizeram isso em praticamente todas as redes sociais. No Gab, que era considerado o Twitter da extrema-direita (daqui a pouco o Twitter da extrema-direita será o próprio Twitter), criaram uns 3 ou 4 perfis com meu nome. Pelo que vi, lá não tem nem como denunciar. Então eles ficavam lá divulgando montagens pornôs minhas e meu endereço residencial pra outros reaças. Mas nunca vi um prejuízo real vindo disso.
Enfim. A tendência é que o Twitter diminua cada vez mais e seja usado apenas pela direita (tornando-se, assim, tão insignificante como o Gab), e que a gente descubra uma plataforma parecida, livre, mas que combata fake news e discurso de ódio (o Twitter já deixou claro que vai divulgar). E, se já tinha que ser muito otário pra defender bilionário de graça, agora tem gente pagando pra deixar bilionário ainda mais rico. É o cúmulo da ignorância.