sexta-feira, 30 de novembro de 2018

PARA A MULHER QUE AINDA NÃO É FEMINISTA

Recebi este email da Capitu.

Somente nessas últimas semanas, vimos com tristeza a vitória da direita no Brasil. Vimos também uma calcinha de lacinho sendo suficiente para inocentar um estuprador de uma menina de 17 anos na Irlanda, calcinha essa que foi apresentada no tribunal pela advogada de defesa do estuprador como argumento para inocentá-lo. 
Vimos ainda um atirador misógino/ racista que matou duas mulheres num estúdio de yoga na Florida. 
Scott Beierle dizia odiar casais interraciais e mulheres “Stacys” [no vocabulário incel, Stacys são mulheres lindas e inatingíveis que só saem com homens bombados] e que seria melhor ter um cachorro do que mulheres fora do padrão. O atirador tem algumas horas de vídeo no Youtube, como outros machistas, em que expõe seu ódio às mulheres e diz que, se a sociedade ainda tivesse valores, esse tipo de “escória” não viveria. Tudo é culpa da mulher ocidental, que não tem filhos, abrindo as portas para a invasão da dominação islâmica via imigrantes.
Trump chamou os hondurenhos de terroristas e quer acabar com o direito à cidadania americana por nascimento. No dia 11 deste mês, na celebração do centenário da Polônia, grupos da extrema direita polonesa e italiana marcharam com o lema do ano: “Deus, honra e pátria”.
No Brasil, ainda esse mês a Polícia Federal idealizou a Operação Capitu para prender os traidores nas delações. Até Capitu já foi condenada!
E, no penúltimo domingo, Hélio Schwartsman, publicou em sua coluna na Folha: “Por que temos filhos? Do ponto de vista econômico, paternidade favorece a sociedade como um todo.” Ainda no domingo, The Economist repostou sua publicação (The roots of the gender pay gap lie in childhood, ou as raízes da diferença salarial entre os gêneros estão em ter filhos) com estatísticas que mostram como as mulheres que têm filhos ganham menos. 
A mesma revista repercutiu na mesma semana como as mulheres são mais julgadas do que os homens quando falam. As respostas nos comentários são horrendas, e chamavam as estatísticas de extrema-esquerda, pagas pelo partido liberal e que não ter crianças é não ter futuro e pátria. Quase simultaneamente, a BBC Brasil perguntou: quanto tempo o Brasil tem até que o envelhecimento da população dificulte o crescimento econômico?
Ainda no domingo o autor Jordan Peterson, ídolo de muitos machistas declarados do movimento MGTOW [grupo mascu que prega que homens devem viver longe das mulheres], esteve na capa do Público Portugal. Peterson passou o início do mês em Portugal e os jornais o repercutiram como sendo um dos mais lidos do Ocidente. Peterson refuta as politicas identitárias e defende que não é possível uma mulher ter tudo, portanto não deve trabalhar e deixar para ter filhos tarde e se frustrar porque escolheu a carreira. Ou seja, o útero novamente foi usado para salvar a nação. Porque ele sabe que as mulheres irão se arrepender se não tiverem filhos. 
Como Lola já tentou avisar, o machismo quase sempre está ligado com o racismo e a LGBTfobia e, algo que demorei pra entender, com a extrema direita. Em março, uma mulher conhecida como Wife With a Purpose no Twitter desafiou as mulheres americanas a terem mais filhos brancos. Ela já fez 6 filhos e se declara nacionalista e cristã.
Fechamos o domingo com uma reportagem do Fantástico, com a gravação das agressões e ameaças de morte à atriz Cristiane Machado por parte de sua marido empresário. A reportagem foi ao ar no dia seguinte em que, pela segunda vez, uma novela da Globo mostrou cenas de falso estupro no horário nobre. 
E enquanto termino esse texto na segunda, acabo de ver que Cláudia Leitte continua sendo apedrejada por se defender do assédio de Silvio Santos
Isso só alguns dias após Fernanda Lima expor os seus desejos de uma sociedade sem preconceitos. Muitos avanços machistas simultâneos. Triste.
A mulher nesses discursos é o alvo principal, pois é a que deve se submeter.
É um discurso similar ao dos fundamentalistas islâmicos e dos neonazistas americanos,
que culpam mulheres sem filhos (e feministas em geral) pela destruição do ocidente branco. Todos eles se centram na criminalização da mulher, sempre!
Vivemos uma época de grandes retrocessos. Nós mulheres precisamos resistir. Não ser feminista é não se dar conta dos riscos que corremos. 

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

A TRISTE SINA DE UM PAÍS SUICIDA

Vamos comparar.
Uma pesquisa divulgada esta semana mostra que os brasileiros são os mais pessimistas com o próprio país entre 24 nações. Para 67% dos entrevistados, o país está em declínio. 
A média global é de 44%. Ou seja, o mundo não está muito otimista. Também pudera, né?
Uma pesquisa de setembro de 2010 apontava algo bem diferente: naquela época os brasileiros eram o segundo povo mais otimista do mundo. 
Segundo o instituto de opinião Pew, metade dos brasileiros estava satisfeita com as condições gerais e 62% disse que a economia nacional andava bem. 
53% acreditavam que o Brasil se transformaria num dos países mais poderosos do mundo. 
Isso depois de mais de sete anos de governo Lula, aquele que, segundo os reaças, destruiu o Brasil. 
Em julho de 2014, uma pesquisa dizia que o brasileiro era o povo mais otimista do mundo -- pelo oitavo ano consecutivo (sabe, tudo ano governado pelo PT?).
Só um país com autoestima tão baixa quanto o Brasil de hoje pra eleger um fascista. Não tem como escolher um lunático e ficar torcendo pra dar certo. Não tem como dar certo.
Espero que ainda durante a minha vida o Brasil volte a sonhar em ser o país do futuro. 

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

COMO ERA TRATADA MULHER NA POLÍTICA 30 ANOS ATRÁS

Este texto de Demitri Túlio (abaixo) publicado no início de novembro no jornal cearense O Povo fala do machismo que enfrentou Maria Luiza Fontenele três décadas atrás
Maria Luiza Fontenele
quando foi prefeita de
Fortaleza
Maria Luiza era do PT e foi a primeira prefeita mulher eleita para comandar uma capital no país, Fortaleza. Depois veio outra Luiza, Erundina, em SP. 
Eu vivia em SP quando Fontenele governou Fortaleza. Agora que vivo aqui (desde 2010), já vi a professora aposentada da UFC em algumas palestras. Ela é ótima, embora defenda algo que eu discorde -- o boicote às eleições. Seu lema é "fora todos". 
Leia o texto de Túlio e reflita: mudou muito de lá pra cá? Ou as mulheres na política ainda enfrentam o mesmo preconceito? Para refrescar a memória, incluí algumas imagens mais recentes com outras mulheres na política.
Maria Luiza, maldita Geni
Charge sobre Fontenele publicada
na época
Quando janeiro do ano que vem chegar, terão se passados 30 anos que Maria Luiza Fontenele passou a Prefeitura de Fortaleza para Ciro Gomes, em 1989.
Maria foi a primeira mulher eleita prefeita de uma capital no Brasil. E, também, a primeira petista a encarar, no Executivo, uma investida do machismo num País recém-saído de uma ditadura.
Luiza Erundina
A inexperiência administrativa, é verdade, também pesou. Nem ela nem o PT imaginavam amanhecer com a Prefeitura na mão. Era 1985, Paes de Andrade (PMDB) tinha 50% das intenções de voto e Lúcio Alcântara vinha em segundo. A petista era apenas a quarta na preferência.
Surpreenderam e foram surpreendidos. Também por isso, de 1986 a 1989, ela não comeu nem o pão que o diabo amassou porque nem isso lhe deram.
O fascista eleito já atacou a deputada
federal Maria do Rosário inúmeras
vezes. Esta foto é de 2016
Maria Luiza terminou a administração isolada até mesmo da esquerda que chegou com ela ao Paço Municipal. Tanto que foi expulsa do PT.
E não é exagero afirmar que a misoginia, tão em alta com a eleição de Jair Bolsonaro, foi um das armadilhas usadas para desqualificar uma mulher no poder municipal.
A então petista chegou a ser tratada por adversários políticos como "puta". Preconceito que, maldosamente, virou pauta de marqueteiros e publicitários afeitos, já naquela época, a espalhar notícias falsas.
Luizianne Lins, que foi prefeita de
Fortaleza entre 2008 e 2012, também
sofreu muito com o machismo
Jornalistas também. Por tempos, um deles insistiu em sua coluna de absurdos e bajulâncias a empresários e torturadores que Maria era dona de um motel em Fortaleza.
Maria Luíza poderia ser julgada, honestamente, por seus tropeços na  administração e pelas portas fechadas que foi encontrando. Nem Tasso nem Sarney lhe deram colher de chá. O interesse não era o coletivo.
Racismo e machismo juntos: o
reaça disfarçado de humorista
Danilo Gentili chamou a senadora
Regina Sousa de "tia do café"
Ela era pauta das conversas injuriosas de homens e até de mulheres. Maridos, separações e namorados que atravessariam a administração. Narrativas maledicentes sobre a vida particular da mulher de esquerda.
Como se os relacionamentos afetivos de Ciro Gomes, que pertencem só a ele e companheiras, fossem parte do jogo político. Não são. A não ser quando a coisa pública é contaminada pelo intimamente privado.
Gentili também esfregou nas suas
bolas uma notificação de
Maria do Rosário 
Com Maria Luíza a banda tocou, propositalmente, com um gato na tuba. Porque fomos criados para ser macho pegador, bode solto, a fabulação machista contra a prefeita "fogosa", de 44 anos, foi um dos tons da desconstrução de uma mulher "competente" no Palácio do Bispo.
Trinta anos depois, a roda da roca gira e fura, talvez, o mesmo dedo do falso moralismo. A ordem explícita é incentivar a desqualificação do outro que se opõe ao autoritarismo ou professa credo que não seja o da tradição.
Manuela D'Avila, candidata a vice
presidente em 2018, foi alvo de
machismo o tempo todo
Maria não foi apenas vítima. Não. Mas sofreu uma desconstrução indizível como ser humano. A ponto de ser, simbolicamente, tratada como "lixo" dada a cidade criminosamente despejada por monturos sem vencimentos.
Também foi taxada de "baderneira", "comunista", "socialista" por, mentirosamente, incentivar o quebra-quebra de ônibus do sistema de transporte público de Fortaleza.
Precisa falar alguma coisa?
Adesivo contra Dilma que circulou
em 2015. Hoje a gasolina custa o
dobro mas não se veem adesivos
deste tipo contra Temer
Era diferente de hoje, mas cheio de semelhanças. E um incentivo ao "entreguismo" e à boataria por crimes que não estão sendo cometidos. Nem sequer são tipificados.
Lembrei-me do constrangimento por causa de uma aula, há uma semana do 2º turno, de um professor que vem sofrendo ataques na Aldeota. Discutia sobre um fato histórico chamado ditadura militar. Batismo de Sangue, o filme baseado no livro de Frei Betto.
Um relato sobre versões do real de quem foi preso duas vezes por um regime que não aceitava a diversidade e o pensamento contrário.
Diferente do tempo de Maria, mas semelhante.
Homenagem a Marielle, que foi vítima de machismo
e racismo até depois de morta

terça-feira, 27 de novembro de 2018

NA CONTRAMÃO DO FEMINISMO

Flávia é nutricionista, mãe, esposa, cristã há vinte anos. Ela "criou coragem" e me enviou este texto escrito por ela.

Em pleno 2018, com uma crescente conscientização do empoderamento feminino, um grupo de mulheres toma direção contrária à igualdade de direitos e à liberdade.
Falamos de evangélicas brasileiras, que nos grandes centros, já usam calças compridas, maquiagem e brincos, mas continuam fiéis aos preceitos do antigo testamento que prega submissão e capacidade relativa da mulher, alimentada pelo machismo latino, sustentada por versículos bíblicos que retomam a imagem da “recatada e do lar”.
Igrejas neopentecostais já reconhecem a liderança feminina episcopal, posterior ao comando masculino. Mulheres sobem ao púlpito, inclusive pregam não apenas entoando louvores, como nas igrejas assembleianas, onde elas não sentam no altar (raríssimas exceções), e ficam todo culto sentadas separadamente do marido e dos filhos, pois integram o grupo de mulheres da igreja e recebem oportunidade para entoar louvores. Anualmente vestem-se iguais (comprando roupas caríssimas, determinadas pela igreja). Por três ou quatro dias “festejam” mais um ano do grupo das irmãs, com pregadores e cantores de outras igrejas.
Em poucas denominações são apresentadas como pastoras, missionárias ou até mesmo bispas, mas sempre um cargo inferior ao marido. Em algumas poucas igrejas são eclesiasticamente iguais, mas com pouca ou nenhuma voz ativa.
Mulheres são disciplinadas a obedecerem seus maridos, que são a “cabeça” e o provedor do lar. Um marido feliz tem uma esposa dedicada e a sua disposição. Esta é a receita para se manter um casamento: espelhe-se na esposa do pastor, que em geral não tem atividade remunerada fora de casa, ou se tem, será part time, ou em dias alternados, e sempre pode contar com um grupo de irmãs dispostas a ajudar nas tarefas da casa, cuidar dos filhos, fazer seu cabelo...
Mulheres que trabalham fora em tempo integral e queixam-se da dupla jornada e da pouca colaboração masculina são orientadas a repensarem seu papel no mercado profissional, já que é o homem o provedor do lar. Ao considerar esta possibilidade, muitas mulheres demitem-se  para  dedicar-se apenas ao lar. Assim, muitos dos problemas conjugais se dissolvem, pois o marido terá uma esposa mais disponível, menos cansada, e o homem não sofrerá cobranças para colaborar com afazeres da casa, já que a esposa tem uma dedicação exclusiva à família. Não há mais ciúmes, atrasos, desculpas para adiar a intimidade conjugal.
As esposas dos pastores são belas, não emitem opinião, recebem bem, não repetem roupa  e dedicam-se exclusivamente à família. São intercessoras de seus maridos, fazem caridade, oram e levam consigo um grupo de seguidoras que almejam a mesma vida “abençoada.”
Com reuniões fechadas os homens não direcionam apenas o evangelho, mas resolvem através de voto a vida das mulheres, se devem ou não  “liberar” esmalte vermelho, corte de cabelo, coloração, entre outras, mas sempre dizem (na frente dos outros) que elas podem usar,  que têm liberdade, que devem fazer o que gostam. Quando uma delas sente-se seduzida pela vaidade e permite, em geral é repreendida entre quatro paredes.
Ensinam que feminismo é rebeldia e isso significa pecado, e que o casamento é indissolúvel, sendo aceito o divórcio apenas em caso de traição, mas que mesmo assim esta pode ser perdoada.
Casos de violência não são raros, e as mulheres não recebem apoio nenhum para denunciar ou mesmo se afastarem da relação; pelo contrário, são orientadas a perdoarem e aceitarem seu cônjuge, que apenas teve um dia ruim.
Nas reuniões masculinas  direcionadas às lideranças, dentro das igrejas ou mesmo nas convenções pastorais assembleianas, as palavras lá proferidas não devem ser compartilhadas com suas esposas, pois os homens entendem ser algo que diz respeito somente ao universo masculino.
Às esposas cabe ficar protegidas dentro de casa e receberem o alimento -- inclusive espiritual -- dos seus provedores. 

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

CRIMINALIZAR PROFESSORES E ATIVISTAS, A PRIMEIRA MISSÃO DOS FASCISTAS

Eles nem disfarçam mais. 
O policial Daniel Silveira, que se elegeu deputado federal no Rio pelo partido de Bolso, e que antes do pleito deu seu showzinho fascista ao quebrar a placa em homenagem a Marielle Franco, gravou um vídeo ameaçando a diretora do Colégio Estadual Dom Pedro II, em Petrópolis. 
Ele não é nem deputado ainda, mas já se acha no direito de invadir uma escola e ameaçar a diretora. No vídeo, ele diz: "Diretora, sou deputado federal e meu caráter é de fiscalizador. Posso entrar em qualquer estabelecimento sem permissão. Você será uma das minhas primeiras auditadas. Vou solicitar uma auditoria na sua escola desde o princípio de sua gestão, para ver se está tudo certinho". 
Talvez, quando o bombado tomar posse, alguém conta pra ele que fiscalizar instituições do Estado não é atribuição dos deputados federais, e sim da Secretaria de Educação e do Tribunal de Contas. 
Percebam como esses seres das trevas não querem só vigiar e punir qualquer postura de educadores daqui pra frente, mas no passado também. Silveira acusa a diretora de, dois anos atrás, ter dado a chave da escola para "vagabundos da esquerda tomarem a escola e atrapalharem as aulas". Ele se refere à ocupação dos estudantes, que pacificamente promoveram atividades em várias instituições por todo o país. 
Mas, pra mim, a ameaça mais direta do quase deputado é "Iremos criminalizar e punir qualquer professor e diretor que esteja doutrinando adolescentes com ideologia socialista". 
Pra quem é ingênuo ou abertamente mal intencionado e ainda acha que o Escola sem Partido quer apenas fixar um cartaz com as obrigações do professor (mesmo que o criador do programa repita que pais devem processar professores e escolas), na fala de Silveira vemos o principal objetivo deste novo governo que ainda nem começou e já causa estragos e ameaças: criminalizar professores
Ah, mas só os professores que "doutrinarem" as pobres criancinhas, alguém pode dizer! "Doutrinar" é um tanto vago. Pode ser considerado um "doutrinador" quem nega a terra plana, quem leciona sobre a evolução das espécies, quem ensina educação sexual, quem pronuncia termos proibidos como gênero e diversidade sexual. Professor de Sociologia, então, terá dificuldade pra abrir a boca
Eu, professora universitária e ativista, venho recebendo várias mensagens dizendo que em breve serei presa. É fichinha pra quem recebe ameaças de morte há sete anos, mas é condizente com o que esses fascistas pensam. Pra eles, eu não preciso cometer crime algum pra ser presa. Ser feminista já é um crime. Bolsonaro, no seu primeiro pronunciamento depois do primeiro turno, prometeu acabar com todo o ativismo no Brasil. Acabar como? Prendendo ativistas? Arrebentando? Expulsando-nos do país? Matando mesmo? Fechando nossos espaços? 
Precisamos resistir. Sem medo. Todos juntos.
Fica aqui a nota da direção do SEPE (Sindicato dos Profissionais de Ensino do Estado do Rio de Janeiro) Petrópolis (clique para ampliar):

sábado, 24 de novembro de 2018

A INTOLERÂNCIA E O ÓDIO FEREM TODA A SOCIEDADE

Lembra do caso de dois irmãos gêmeos que foram espancados por uma gangue por andarem abraçados? (um dos irmãos morreu). Ou daquele caso de um pai que abraçou seu filho e teve metade da sua orelha decepada?
Quando dizemos que o Brasil é o país que mais mata homossexuais, travestis e transexuais no mundo (foram 445 assassinatos no ano passado), e que a LGBTfobia precisa ser combatida, os reaças inventam fake news como kit gay, como se ensinar tolerância na escola não devesse ser uma das funções da educação. 
E, este ano, ser gay, lésbica ou trans no Brasil se tornou ainda mais perigoso, com a eleição de um presidente claramente preconceituoso, que fez muitos homofóbicos saírem do armário -- a ponto de, em outubro, cantarem em coro no metrô de SP, "o Bolsonaro vai matar viado".  
A LGBTfobia, o racismo, o machismo não afetam apenas LGBTs, negros e mulheres. Afetam a sociedade como um todo. 
É péssimo viver num país conhecido pelo seu ódio contra grupos historicamente oprimidos. É inclusive economicamente muito ruim: turistas estrangeiros já avisaram que não vão visitar o Brasil agora que um fascista está no poder. 
E vou revelar o que ouvi em Brasília há duas semanas: representantes de embaixadas afirmando que, se as violações aos direitos humanos piorarem, o Brasil sofrerá sanções. A preocupação número um de várias embaixadas é com os direitos humanos (aquilo que Bolso chama de "esterco da vagabundagem").
Reproduzo aqui o texto que Jorge Lourenço publicou no seu Facebook. 
Hoje, a minha esposa Deborah foi agredida no centro do Rio de Janeiro. Em tratamento de um câncer de mama, ela voltava da radioterapia quando, por conta da queda de cabelo da quimioterapia, foi confundida por um imbecil com um transsexual. Foi empurrada, ameaçada e xingada de "viado de merda" por essa pessoa depois de sair do carro. A situação só não foi pior porque o guardador de carros impediu. Mas sim, está tudo bem com ela, apesar do susto. 
Infelizmente, vivo no meio de gente imbecil que relativiza machismo, homofobia e transfobia. Que ainda fala de "mimimi", que ainda fala que o Brasil é sim um país tolerante. Homens inseguros ou fundamentalistas religiosos que normalizam o discurso de ódio, o tipo de coisa que permite imbecilidades como essa continuarem se repetindo por aí. De novo e de novo. 
Não se engane você não, que é cis-hétero normativo e imagina que a onda de ódio que certos políticos e pastores pregam nunca vai chegar até você, seus parentes ou seus amigos. 
Hoje, eu só agradeço por não estar do lado de Deborah quando isso aconteceu. Porque aí a intolerância ia ser da minha parte.

UPDATE: Ontem, mais tarde, depois que o relato de Jorge viralizou, Deborah, que é uma educadora de 31 anos, deu uma entrevista ao G1. Ela contou que, por causa da quimioterapia, seu cabelo caiu. E que, nos lugares públicos, as pessoas a olhavam com pena, com compaixão. Mas, quando o cabelo começou a crescer, o olhar das pessoas mudou: 
"Ao andar pelas ruas de mãos dadas com meu marido, passei a notar que muita gente começou a nos olhar de forma estranha, agressiva, atravessada. Entendi que essas pessoas começaram a achar que eu era um homem e estava de mãos dadas com outro homem -– ou seja, que éramos um casal homossexual. Quase que imediatamente, todos aquelas expressões de piedade que eu recebia foram substituídas por reprovação e raiva. Hoje foi o momento em que a homofobia e a violência daqueles olhares se transformaram em insultos e agressões -– porque aquele guardador se viu autorizado a me agredir apenas porque achou que eu era um homossexual. É triste e difícil de acreditar".