Fim de um ciclo, sem dúvida. Não o fim da esquerda
Estou atrasada para a universidade, então farei (a pedidos) apenas uma breve análise política.
As eleições municipais no início do mês já nos deixaram com um gosto amargo, e agora o resultado deste segundo turno teve a habilidade de piorar a situação.
Só três exemplos para ilustrar: em Curitiba venceu Rafael Greca (PMN), que faz pouco tempo revelou que tinha nojo de pobre, ao ponto de vomitar ao entrar no mesmo carro com um morador de rua.
Santa Maria, em sua primeira eleição com segundo turno (antes a cidade não tinha 200 mil eleitores), teve a votação mais acirrada: o candidato do PSDB venceu o candidato do PT por apenas 226 votos.
E Marcelo Freixo perdeu para Crivella no Rio, o que era bastante esperado. Essa notícia não é de todo ruim, a menos que você more no Rio. Freixo conseguiu repercussão nacional e tem chances de se eleger senador, por exemplo, em 2018. Além dos mais, a situação no Rio está tão desastrosa que ela tem o potencial de queimar o prefeito.
(Corre uma discussão sobre quem ganhou: Crivella e a Igreja Universal, ou foi a Globo que perdeu? Freixo não era o candidato ideal da Globo, mas é óbvio que a Globo não queria um prefeito da Universal, da sua concorrente Rede Record, ser eleita no seu quintal, o Rio. Mas é besteira pensar que a vitória de Crivella prova que a Globo pode ser batida. É lógico que a Globo pode ser batida. Ela foi batida em 2002, 2006, 2010, 2014...).
De novo, como em 2012, seguimos com uma gritante falta de representatividade. Apenas uma mulher (de direita) será prefeita de uma capital. É irônico porque, ao serem confrontado com esses dados, os reaçeas perguntam "E daí? Vocês querem cotas agora?" Não, cotas parece que já temos. Parece que pra ser eleito tem que ser homem, branco e hétero. Claro que toda essa legião de homens brancos e héteros é eleita porque merece, porque é honesta e competente.
A base governista, que inclui PMDB, PSDB, PSD, PP, PSB, PR, DEM, PTB, PPS, PRB e PV, agora comanda 81% do eleitorado do país. O PMDB cresceu um pouco, de 1.021 para 1.038 prefeituras. PSDB tem 803 prefeituras. Porém, quando se leva em consideração a população de cada cidade, percebe-se que o PSDB foi o grande vencedor. PRB, partido da Universal, tem agora 105 prefeituras.
O governo Temer avaliou o resultado das eleições municipais como uma vitória dele, uma legitimação do seu governo. Estranho, já que Temer não apareceu na TV apoiando nenhum candidato. Mas a preocupação do governo era de que a aprovação da PEC 241, que aconteceu este mês, entre o primeiro e o segundo turno, poderia tirar votos de candidatos governistas a prefeito. Não tirou.
Minha avaliação é que a aprovação da PEC é muito recente, e um monte de pessoas ainda não se deram conta do que ela vai representar. E eu insisto: se até os seguidores ultra reaças de Bolsonaro o criticaram por votar a favor da PEC, é porque ela é difícil de engolir mesmo.
Uma pesquisa da CNT/MDA conferiu que menos da metade da população (41%) sabe da existência da PEC. Entre essa parcela que sabe, 60% disse ser favorável à PEC, 33% contra, e 7%, não sabe responder. Acontece que a pergunta da pesquisa foi "Você é a favor ou contra a medida que limita o aumento das despesas públicas?" A pergunta correta a ser conferida pela pesquisa seria: "Você é contra ou a favor da medida que congelará durante 20 anos os investimentos em saúde e educação?"
É esquisito o que vou escrever, mas o resultado em BH foi mais uma vitória de Alckmin, que começa a se consolidar como candidato do PSDB à presidência em 2018 e, talvez, se os donos do poder se cansarem com o fantoche Temer, a presidente escolhido indiretamente pelo Congresso já no ano que vem.
O governador vitalício de SP (faz quantas duas décadas que ele está no governo?) apoiou Alexandre Kalil, do PHS, para prefeito de BH. Aécio apoiou João Leite, do PSDB. Kalil venceu (numa eleição que, se eu tivesse que escolher, votaria nulo sem dor na consciência). Mais uma prova que Minas está cansada de Aécio, depois da fragorosa derrota que ele levou nas urnas em 2014.
O PDT venceu nas duas capitais em que concorria no segundo turno, São Luís e Fortaleza, o que fortalece Ciro Gomes. Aliás, o PDT, definido como "o principal partido da oposição e do que sobrou da esquerda", venceu em 335 municípios, onde vivem 13 milhões de pessoas. Um crescimento nada desprezível. Ok, poucos sabem se o PDT é mesmo de esquerda, mas pelo menos faz hoje oposição a Temer.
O PCdoB venceu em Aracaju. PSOL perdeu em Rio e em Belém, e o PT, em Recife. Assim, o PT fica agora só com Rio Branco entre as capitais.
Não há dúvida alguma que o PT foi o grande derrotado dessas eleições municipais. Foi de 638 prefeituras para 254. Encolheu para quase um terço do que tinha. De terceiro maior partido em número de prefeituras, em 2012, passou para o décimo. Mas o mais lamentável é que nenhuma outra esquerda se consolidou em seu lugar. PSOL tem agora duas prefeituras, de minúsculas cidades no Rio Grande do Norte.
Como diz Renato Rovai, "o resultado desta eleição em um primeiro momento parece ser algo para esquecer. Mas na verdade deve ser o contrário, precisa ser lembrada para sempre". Para ele, esse terrível resultado não se repetirá em 2018, porque a votação na esquerda é tradicionalmente muito maior do que isso, e porque os novos prefeitos, vários deles péssimos e corruptos, dificilmente farão um bom governo.
(Recomendo demais esta entrevista com o sociólogo Roberto Dutra sobre o eleitorado evangélico e a "cegueira da esquerda").
Se alguém me dissesse faz um ano que o país estaria como está agora, nas mãos cheias de dedos da direita, com tudo dominado (executivo, legislativo, judiciário), seria chamado de louco pessimista. Lembra do "Acaba logo, 2015?" Pois bem: 2016 está sendo muito pior.
Às vezes eu fico bem desanimada, mas aí me lembro quantas vezes os reaças já decretaram a morte da esquerda no Brasil. E os ânimos deles também variam demais: no final de 2014 os reaças choravam que o PT iria governar o país por no mínimo vinte anos, ou enquanto houvesse o Bolsa Família, ou enquanto persistissem as urnas eletrônicas (agora que o PT não está mais no poder, foram deixadas de lado essas teses conspiratórias de Bolsa Família = voto de cabresto e urnas eletrônicas = corrupção garantida). Agora eles acham que o Brasil virará um enorme Tucanistão -- pra quem não sabe, como São Paulo, reduto tucano, é conhecida -- ou que Bolsonaro tem chances reais de ser eleito presidente (não tem, gente. Não é da direita exagerada e caricata que devemos ter medo. É da que está aqui, agora).
Sim, o Brasil virou um enorme Tucanistão. Mas isso é agora. Não quer dizer que permanecerá assim em 2018. Tenho certeza que o povo não aprova a PEC e vai ficar ainda mais desgostoso quando mexerem na aposentadoria e nas leis trabalhistas. Governo com esse projeto não consegue se eleger. Só chega ao poder através de golpe.
Vale lembrar que essa total derrocada do PT aconteceu em apenas dois anos. Então não custa crer que a fase da direita do país pode também ser revertida em dois anos. Não estou dizendo que o país não deu uma lamentável "endireitada". Deu, sim. O que digo é que essa "endireitada" não é permanente.