sábado, 28 de fevereiro de 2015

GUEST POST: PERSEGUIÇÃO NA UNIVERSIDADE

Da L.:

Em 2012 fui aluna de Filosofia da PUC Minas.
Como deve ser do seu conhecimento, a academia é composta por um corpo docente sensacional. Fui acolhida por verdadeiros mestres e pude aprender muito com boa parte deles.
No entanto, por ser homossexual assumida, feminista e detentora de um projeto de pesquisa voltado para o existencialismo (Beauvoir), e também pelo meu destaque acadêmico, logo no segundo período passei a ser alvo de toda sorte de moléstia, bullying, agressões morais, psicológicas e até mesmo "esbarrões" por parte do corpo discente, composto por evangélicos, católicos e haters, que não se conformavam com o fato de eu não me calar e jamais me abater, mediante suas posturas mesquinhas e covardes.
Virei saco de pancada -- o que, aliás, foi uma constante na minha vida escolar e acadêmica.
Explico melhor: ao assumir minha luta, minha homossexualidade dentro da academia, pude sentir a opressão na pele. As ameaças realmente eram constantes. E não bastavam ser de cunho verbal. 
Até que um dia fui cercada por um hater no estacionamento da instituição. Ele me deu um esbarrão e saiu rindo. Eu apenas lhe disse: "Caso isso ocorra novamente, darei parte à polícia e você será preso por agressão". 
Anúncio da PUC vestibular 2013
Tive lá dentro uma professora que tentou me ajudar. Um colega de classe muçulmano era um dos meus haters. Avisei a ela que estava sofrendo bullying. Num desses confrontos que não levam a nada, ele me agrediu moral e psicologicamente na frente dela. Ela interviu e ele nunca mais tentou nada, nada mesmo pra cima de mim.
Quanto aos evangélicos, esses eram sem limites. Ecoavam, regozijavam, tripudiavam... Quanta dificuldade em lidar com aqueles que se julgam os donos da verdade. 
Munidos de suas bíblias, gritavam, ofendiam-me moralmente, debochavam das minhas roupas, do meu modo de andar, e recitavam compulsivamente Paulo. Segundo Paulo... Porque Paulo... Paulo disse... Eu mesma nem sabia quem era Paulo. Vim a saber muito tempo depois...
Tenho que ressaltar que a coordenação do curso foi avisada e não tomou nenhuma providência.
Diziam-me que era um tipo de caso muito novo -- eu sabia que eles estavam mentindo -- e, mediante tudo isso, tive que me calar, abater-me, conter meus ânimos e largar tudo.
Mais uma vez, o ódio ganhou. Levou sonhos, um projeto de pesquisa, um bom potencial e, em virtude de tamanha retaliação, perdi a saúde. Entrei num quadro de esgotamento nervoso, de desilusão com a vida, com os estudos, com a Filosofia -- que eu tanto amava. Pedi trancamento do curso, entrei em processo bulímico e anoréxico, e estou seguindo a vida com mais essa marca.

Meus comentários: A instituição parece ter sido omissa as suas queixas. Infelizmente, elas não são tão incomuns. A gente tende a achar (e até a dizer pros adolescentes) que o bullying termina no ensino médio. Nem sempre. Às vezes, ele continua na faculdade. 
E, com a internet, as agressões podem ser constantes.
Mas querida, não desista. Reerga-se. Tente uma outra universidade, talvez um outro curso. Ou insista na Filosofia. Não permita que o ódio vença.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

VAMOS CHAMAR ASSÉDIO ONLINE DE MULHERES PELO NOME VERDADEIRO: TERRORISMO

O Lucas recomendou e traduziu este artigo da Vice Canadá escrito por Anne Thériault em 12 de fevereiro último:

Há alguns meses eu estava na televisão para falar sobre cultura do estupro. Foi pouco depois que as alegações contra Jian Ghomeshi foram publicadas, e eu fazia parte de um painel que discutia assédio sexual e violência contra as mulheres. Me certifiquei de manter tudo que eu dizia no nível básico — nada muito radical, completamente baseado em estatísticas facilmente analisáveis. Não estava em modo “feminista raivosa”; eu era mais “garota legal na TV que talvez sorria demais”, estava tentando me passar por agradável e racional.
Posteriormente, o programa de televisão subiu o seguimento no YouTube. O primeiro comentário era de um homem dizendo que eu merecia ser estuprada.
Gostaria de dizer que este comentário era alguma anomalia mas, claro, não era. Ameaças de estupro, de morte e de violência em geral povoam meu inbox, menções de Twitter e comentários de blog [aqui no Brasil também]. Há gente que alveja a minha família — uma tática popular é ameaçar me reportar ao Juizado de Menores como uma mãe abusiva.
O que faz esses incidentes piores é o quão comuns eles são, não apenas para mim mas para qualquer mulher que fala ou ocupa espaço, especialmente na internet.
"Homens em redes formais ou informais têm se engajado em discursos direcionados com a intensão expressa de silenciar mulheres,” disse a professora Joanne St. Lewis, membro do Corpo Docente da Faculdade de Direto na Universidade de Ottawa e palestrante no CREATE Homeland Security Center of Excellence Executive Program on Counter-Terrorism [em tradução livre, Centro de Segurança Nacional do Programa de Excelência Executiva em Contra-Terrorismo], da Universidade do Sul da Califórnia. "Eles não estão dispostos a sujeitar suas ideias aos desafios propostos pela defesa das mulheres. Ao contrário, ameaçam e intimidam mulheres."
Eles ameaçam e intimidam mulheres com a clara intenção de calá-las. Tais ataques não são simples “trolagens”. Muito menos ataques aleatórios. Eles, com certeza, não são simples exemplos de “liberdade de expressão”.
Precisamos começar a chamar as coisas pelos seus nomes reais. Isto é terrorismo de gênero.
Um terrorista, por definição, é alguém que usa violência ou ameaças de violência para intimidar e coagir. Com isso em mente, estes homens são terroristas em teoria.
Em uma era em que a palavra “terrorista” é frequentemente usada para descrever certos tipos de violência, tanto que a BBC recentemente recomendou “uso cuidadoso” do termo ao seu pessoal, parece inacreditável que as pessoas continuem a ser reticentes em aplicá-la ao abuso e ameaça online às mulheres.
St. Lewis diz, "a princípio pode parecer exagero se referir como terrorismo ao discurso online de ameaça e silenciamento feminino. Contudo, tais ataques têm tido impactos em tempo real nas vidas de mulheres ativistas dos direitos femininos e resultam em censura preventiva das mulheres ameaçadas, dentre outras, que se calam para evitar novos ataques. Isto limita nossa habilidade de avançarmos em nossos direitos, formarmos nosso ativismo e participarmos em processos político-democráticos.”
O último ano ofereceu diversas evidências das consequências reais deste tipo de intimidação online.
No auge do GamerGate*, a desenvolvedora de games Brianna Wu foi aconselhada pela polícia a deixar seu lar, após receber repetidas e detalhadas ameaças contra ela e sua família. Ela recentemente tuitou ter recebido 45 ameaças reais de morte.
Uma conversa da crítica de mídia Anita Sarkeesian na Universidade de Utah teve que ser cancelada depois que alguém ameaçou fazer um ataque no estilo “Massacre de Montreal” (referência ao assassinato de catorze mulheres na Escola Politécnica de Montreal, em 1989); Sarkeesian também foi escoltada de sua casa várias vezes.
Adam Baldwin, ex-membro do elenco de Firefly [extinta série de ficção científica popular no meio geek] e anti-feminista conhecido, circulou vídeos em que os comentários revelavam informações pessoais de Zoe Quinn, a desenvolvedora de games pivô das teorias da conspiração GamerGate, fazendo com que Quinn tivesse que (adivinhou) fugir de sua própria casa.
Quando Shanley Kane, fundadora do Model View Culture, criticou a comunidade Linux pelo contínuo apoio a um de seus líderes, um homem com um longo histórico de comportamento opressivo e abusivo, o endereço de cada membro de sua família próxima foi publicado online. A própria Kane recebeu milhares de ameaças de violência, estupro e morte.
As escritoras e ativistas Feminista Jones, Sydette, Pia Glenn e Imani Gandy falaram recentemente em um artigo para a Alternet sobre o abuso racista e de gênero que mulheres negras sofrem no espaço público.
Tais exemplos são apenas uma pequena fatia da violenta perseguição que as mulheres encaram online. São apenas os casos grandes e escandalosos, os poucos que viram notícia. 
A realidade é que ameaças assim têm sido lançadas às mulheres com uma frequência quase diária. Algumas vezes elas se intensificam ao ponto do envolvimento de força policial; outras vezes o resultado de tais ataques é o recuo das mulheres que fecham suas contas em redes sociais, retirando-se do discurso online. Mas seja resultando em uma mulher ser forçada a deixar sua casa ou em deletar seu twitter, a intenção é sempre a mesma: silenciá-las. Não apenas uma mulher, mas todas.
De acordo com St. Lewis, "tais homens querem mudar o terreno em que as ideias tomam lugar, para um de guerra psicológica e/ou física. A estratégia de usar violência sexual não é acidental -– é deliberada e é referente a um gênero."
Estas são ameaças que acontecem publicamente, à luz do dia, por homens usando seus nomes reais. Daí se vê o quanto as consequências são mínimas para quem comete este tipo de ameaça e abuso.
Continuamos a nos referir a essas ocorrências como “ameaças inofensivas” e culpamos as mulheres por não quererem se envolver em um “debate mais robusto”. A ideia de liberdade de expressão é frequentemente evocada, e as mulheres ameaçadas não raro ouvem que se elas não entendem uma piada, não deveriam estar na internet. As pessoas costumam dizer que homens sofrem perseguição online tanto quanto as mulheres, um argumento que ignora completamente as ameaças violentas e baseadas em gênero que as mulheres recebem.
"Quando chamamos de terrorismo, estamos declaradamente dizendo que a ameaça online às mulheres cria um déficit democrático para todxs nós,” confronta St. Lewis. “A cidadania das mulheres e os direitos à dignidade e respeito não param na fronteira virtual da internet. A palavra ‘terrorismo’ deveria fazer as pessoas sentarem e prestarem atenção. Chama a atenção para o reconhecimento de um problema sério, ação rápida, recursos e responsabilidade. Tudo isso já está atrasado em uma área em que trolls e cyberbullies prosperam”.
Este tipo de terrorismo precisa ser tratado com o mesmo tipo de gravidade que damos a outras formas de terrorismo doméstico. É necessário assumir responsabilidade, além de consequências rápidas e justas. Acima de tudo, é preciso haver um reconhecimento de que tais ameaças online não são aleatórias nem inofensivas, mas sim parte de um esforço sistemático para aterrorizar as mulheres.

* Nota do Tradutor: GamerGate, segundo a Wikipédia, é uma hashtag sobre ética e controvérsia no jornalismo de videogames relacionadas ao sexismo na cultura gamer.
Seus defensores acusam veículos de jornalismo especializados e movimentos sociais (especialmente o feminismo) de travarem guerras culturais e ideológicas contra o desenvolvimento, reconhecimento artístico e identidade sociocultural dos games/gamers.
Contudo, a controvérsia se iniciou após grupos de usuários online ameaçarem a desenvolvedora de jogos Zoe Quinn e publicarem seus dados pessoais (endereço residencial, telefone etc) em comentários do YouTube, tópicos no Reddit e em fóruns como 4chan e 8chan, juntamente com ameaças de estupro e morte.
O artigo original (em inglês) da Wikipédia é bem eficiente para o entendimento do assunto, assim como este artigo da Gawker.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

GUEST POST: TROTE NA UFOP COM AMEAÇA DE ESTUPRO

Varal feminista em praça de Ouro Preto, em agosto 

A C. me enviou este email sobre abusos nas festes das repúblicas da Universidade Federal de Ouro Preto, MG (atenção: desconheço o nome dessas repúblicas; as fotos usadas no post são apenas para ilustrar, sem ligação com as denúncias):

Bom, sou sua leitora há bastante tempo, mas essa é a primeira vez que te escrevo, porque fiquei sabendo de uma história -- daquelas de arrepiar, sabe?
A filha da chefe da minha mãe passou na UFOP, mas não conseguiu ficar nem uma semana na faculdade, por conta das ameaças que recebeu dos veteranos. Acho que esse é o tipo de história que precisa ser compartilhada, pois não chega na mídia, e precisamos fazer alguma coisa para que as universidades coibam esse tipo de atitude.
Essa menina tem 17 anos, e passou de primeira na UFOP. Ela já estava ciente das palhaçadas a que os bichos são submetidos, e não ligou para isso, coisas como fazer a faxina da república, limpar o banheiro, ser obrigada a atender a campainha, etc. 
O problema começou com as festas. Na primeira que ela foi, ela se negou a beber, mas viu uma colega ser obrigada a engolir dois copos de caipirinha. Parece que os caras seguraram a menina, abriram a boca dela à força e jogaram a bebida garganta abaixo...
Depois disso, ela se negou a participar de outra festa, se fosse obrigada a beber. Os veteranos falaram que não tinha como ela não beber, era ordem deles. Então ela disse que não iria à festa. E foi aí que a coisa ficou feia.
Os veteranos disseram que, se ela não fosse à festa, alguns deles iriam até a república onde ela estava morando, para ensiná-la como se comportar.
Bom, não precisamos ser muito espertas para entender o que isso significa, não é mesmo? 
Eles ainda disseram que nem adiantava ela se negar a atender a porta quando eles chegassem, porque eles tinham a chave da casa e entrariam de qualquer forma.

Ela chegou a reclamar na faculdade, mas como disseram que isso aconteceu fora da moradia oficial da universidade, não podiam fazer nada.
Como assim? Uma aluna, menor de idade, é coagida a beber e ameaçada de ser estuprada, e a faculdade não pode fazer nada? Que mundo é esse?
No fim, ela acabou voltando para a cidade dela e adiou por alguns meses o sonho de ir pra faculdade. E aí fica a minha indignação: quer dizer que não podemos ter vontade própria? Ou cedemos ao sistema (no caso o absurdo de se embebedar sem querer numa festa ou se negar a participar da tal) ou somos estupradas? Até o direito à educação é cerceado pelo machismo?

Meus comentários: A referência é vaga, eu sei (a C. está falando da filha da chefe da mãe dela), mas são tantas barbaridades que já li e ouvi sobre a UFOP, que não tenho motivo para não acreditar.
Em julho do ano passado, vários coletivos feministas assinaram uma nota de repúdio contra a cultura de estupro e a misoginia nas repúblicas da UFOP. Nesta nota havia um relato assustador sobre uma moça que só escapou de estupro coletivo numa festa porque outras pessoas escutaram a conversa de alguns caras ("Essa noite a gente se dá bem") e decidiram proteger a estudante. (Vale lembrar que, em 2012, um estudante da UFOP morreu numa festa de uma das repúblicas). 
Fica a pergunta
Em agosto, o jornal mineiro O Tempo publicou uma matéria em que seis vítimas de estupro contavam o que acontecia nas festas nas repúblicas estudantis. Os veteranos serviam um "batidão bolado", uma mistura de suco, vodca e remédio, para que as calouras "apagassem" durante as festas. "Foi assim que perdi a virgindade," contou uma delas ao jornal. Outra relatou: "Percebi que serviam uma garrafa para as mulheres e outra para os homens. A partir daí, só lembro de flashes". 
Os abusos parecem ser uma verdadeira instituição nas repúblicas, pois ocorrem desde 2006, segundo a matéria. Como disse a psicóloga e coordenadora do Programa Caleidoscópio da UFOP, Margareth Diniz, a situação de algumas repúblicas em Ouro Preto e Mariana é preocupante: "Em nome da tradição, que é uma coisa complicada, tem a violação dos direitos humanos. E um dos direitos é que as mulheres não são obrigadas a transar quando não querem". 
No final de agosto, o Núcleo de Investigações Feministas (Ninfeias) fez um protesto no centro de Ouro Preto, lendo relatos de vítimas para os pedestres e organizando um varal na praça. Depois, seguiram em marcha até a UFOP, onde entregaram uma carta à vice-reitora, exigindo providências. A vice-reitora disse: "Precisamos receber essas denúncias para atuar diretamente". 
O Ministério Público afirmou que iria acompanhar as denúncias, mas que era necessário que as vítimas fizessem denúncias formais
Pelo jeito, a história dos abusos não acabou em 2014. Creio que se uma aluna (menor de idade, inclusive) é ameaçada a ponto de ter que largar a faculdade, e nada é feito, é porque a impunidade para os estupradores reina na UFOP.  

Leia também a "resposta" de uma aluna que viveu numa das repúblicas.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

UM OSCAR QUE DEU GOSTO

Discurso feminista no Oscar: Jesus aprovou

Foi bonita a festa do Oscar, pá. Fiquei contente.
O anfitrião, Neil Patrick Harris, quase um desconhecido pra mim, deixou bastante a desejar, mas não foi um fiasco como Seth MacFarlane ou David Letterman, os piores da história (seguidos de longe por James Franco). 
Seu momento mais constrangedor foi quando ele improvisou e disse pra produtora Dana Perry, que usava um vestido com bolinhas (eu nem reparei), que era preciso "balls" (bolas, e também testículos) para usar aquela roupa. Foi péssimo, porque no seu discurso, ela tinha acabado de falar do filho que se suicidou, e porque, numa indústria que tem tão poucas mulheres por trás das câmeras, fazer uma piadinha sem graça dessas é... escroto. 
Porém, no momento final, quando Neil abriu o envelope com suas previsões do que iria acontecer, ele acertou em cheio (isso foi armação ou o carinha realmente tinha noção de tudo?). De toda forma, duvido que ele volte a apresentar o Oscar. O consenso foi que não agradou.
As coisas realmente começaram a esquentar quando Patricia Arquette, favoritíssima, ganhou o Oscar de atriz coadjuvante por Boyhood (acabou sendo a única estatueta dada a um filme que, até pouco tempo, era favorito. Mas é uma questão de timing, não tem jeito: se a premiação tivesse sido duas semanas antes, Boyhood levaria os prêmios de filme, diretor e montagem. O tempo dele passou, e os votantes viram que o filme não era aquilo tudo não). 
No início de seu agradecimento, Patricia leu um discurso chato. Mas aí completou com "É nossa vez de termos igualdade salarial de uma vez por todas!".
Mais importante do que o que ela falou, foi a reação de Meryl Streep e Jennifer Lopes, que gritaram e aplaudiram, entusiasmadíssimas. E foi lindo que a câmera captou isso e passou esse entusiasmo para um público de quase um bilhão de pessoas. Esse momento não será um marco pro feminismo, mas foi importante. Talvez sejam apenas migalhas, mas às vezes temos que nos contentar com migalhas. 

E neste caso foi uma atriz que interpretou uma mãe solteira pedindo igualdade salarial pra todo mundo ver, sendo ovacionada pela estrela mais condecorada do cinema (e com todo um histórico feminista). 
Esse ato foi o tapa na cara dos anti-feministas. Pra quem vive dizendo que o feminismo morreu, que ninguém leva o feminismo a sério, pra quem faz montagens e piadas grotescas com feministas, esses segundos (porque não durou mais que alguns segundos) valeram como um "Para de falar besteira e vai se ferrar, babaca!". Foi lindo.
Foi um instante feminista pra coroar toda a campanha do Ask Her More, criada por Reese Witherspoon e Amy Poehler. Reese, inclusive, fez um bonito discurso já no Red Carpet, afirmando "Somos mais do que nossos vestidos". 
E a famigerada ManiCam (nunca tinha ouvido falar nessa atrocidade), um "cenário" para que as estrelas (apenas as atrizes; os atores podiam falar de seus projetos) mostrassem suas unhas e anéis, foi aposentada. 
Enquanto isso, aqui no Brasil, pessoas não muito inteligentes ficaram entediadas com o desfile de celebridades, e passaram a fazer montagens com fotos minhas. Juro! Essa galera da 4a Série B é meio imatura. Essas pessoas problemáticas, retuitadas pelo humorista mais medíocre do Brasil, quiçá do mundo, inventaram que eu só assisto o Oscar pra poder falar mal das atrizes (porque elas se depilam!). 
Tipo, eu adoro o Oscar a ponto de organizar um bolão há 27 anos, e é evidente que não assisto o Oscar pra ver vestidos, porque não dou a mínima pra moda (mas essa sou eu, não quer dizer que feministas não possam gostar de comentar vestidos). E imagina se vou falar mal de alguma atriz pela roupa que veste (quem faz isso são eles, não eu). 
A 4a Série B Inventou também que não gostei de Birdman por se centrar na crise de um homem branco. Birdman foi meu preferido entre os oito que disputavam melhor filme. Bem, quem faz stand-up bullying não tem a menor preocupação com a verdade mesmo. 
O que foi maravilhoso é que, com o discurso da Patricia, essa gentinha se calou rapidamente. Deve ter sido uma noite difícil pros reaças. Além de discurso feminista, também teve discurso anti-racismo e anti-homofobia, e um mexicano ainda levou melhor diretor. 
Logo após o discurso engajado de Patricia veio o primeiro standing-ovation (auditório inteiro aplaudindo de pé), para um número musical emocionante com "Glory", canção original de Selma
A academia caprichou,  não se pode negar. Como resposta por ter sido chamada de racista, convocou celebridades negras para apresentar praticamente todos os prêmios (como disse alguém na minha timeline, vimos mais negros numa noite do que em um ano de Rede Globo). 
E, para esse número, recriou a famosa cena da ponte no palco, o que comoveu muita gente.
David Oyelowo chora, comovido
Quando veio a entrega do prêmio para melhor canção, não tinha pra ninguém. 
"Glory" ganhou fácil, e os músicos Common e John Legend reforçaram no discurso o que já estava na música -- de que o racismo nos EUA não acabou nos anos 60, com o movimento por direitos civis, que a luta continua. Legend resumiu: hoje os EUA tem mais negros no sistema correcional do que tinha escravos em 1850. Uma declaração dessas obviamente provoca urticária nos reaças, que só conseguem responder com mais racismo:
Quando vi que seria entregue a estatueta de melhor roteiro adaptado, onde o favoritismo era de Jogo da Imitação (que tem um gay como protagonista), eu tuitei:
Dito e feito. 
Subiu ao palco um rapaz que parecia ser adolescente, que discursou que tentou se matar quando tinha 16 anos por se sentir esquisito, e agora estava aqui, ganhando prêmio. Disse ele: "Continue estranho, continue diferente" (mais tarde, Graham Moore afirmou à imprensa que ele não é gay, mas não importa -- todo mundo interpretou sua fala como uma homenagem à campanha "It gets better").
E finalmente, a vitória de Alejandro G. Iñarritu, segundo mexicano a ganhar o Oscar (ano passado foi a vez de Alfonso Cuaron). 
Infelizmente, quem foi escalado para entregar o prêmio, Sean Penn, não conseguiu deixar sua babaquice de lado. Talvez por ser amigo pessoal de Alejandro, Sean não viu que suas palavras teriam alcance gigantesco: "Quem deu a este fdp um green card?"
Sean foi pichado sem dó por meio mundo. Pelas feministas, que lembraram de quando ele torturou Madonna; pelos direitistas, que odeiam Sean por ser de esquerda; e pela comunidade hispânica nos EUA, que não considerou nada divertido o chiste de não dar green cards a um imigrante. Foi uma maneira desastrada de fechar a noite.
Apesar disso, vamos admitir que a cerimônia foi incrível, vai. Claro que fazer um evento socialmente consciente não redime a Academia de ser racista e machista, mas só vi jornalista homem e branco dizendo que a cerimônia foi chata. Por coincidência, esses caras nem mencionaram os discursos engajados. Por que será, né? 
Enquete do blog, respondida por
1062  pessoas: 1) Boyhood, 2)
Selma, 3) Nenhum (vocês, hein),
4) Gde Hotel Budapeste, 5) Teoria
de Tudo, 6) Birdman, 7) Jogo,
8) Whiplash, 9) Sniper
E por que será que, quando um homem branco agradecia, ele falava sobre si e sua família, mas quando mulheres ou negros agradeciam, eles eram capazes de olhar para além do seu umbigo? (É justamente por isso que Hollywood, e todo o cinema no mundo, precisa de maior diversidade).
Ok, você pode argumentar, a Lolinha só adorou o Oscar 2015 porque ela ganhou o bolão. Pode ser verdade. Eu não sei como estaria meu ânimo se eu não tivesse ido tão bem. Mas que fez um bem danado ganhar o bolão, depois de tantos anos, logo numa edição cheia de discursos revolucionários, isso fez.
Tive muita sorte com as apostas. Por exemplo, coloquei Whiplash como vencedor de uma das categorias de som apenas por se tratar de um musical. Coloquei Grande Hotel Budapeste pra maquiagem sem nenhuma confiança. 
Elementar que a Lolinha iria voltar
a ganhar o bolão do Oscar
Eu ia apostar no filme com efeitos especiais (nunca em Foxcatcher, porque achei aquele narigão do Steve Carell malfeito), mas, por impulso, troquei por Budapeste. A mesma coisa com trilha sonora. Eu queria apostar no Desplat, que havia sido indicado tantas vezes sem nunca ter vencido, mas, pro azar dele, ele foi nomeado por dois filmes, o que poderia anular suas chances, e dar a vitória pra Teoria de Tudo. Nem acreditei quando Desplat levou por Budapeste.
Quando vi, estava com 12 em 12. Um pouco depois, abri vantagem de dois pontos sobre os segundos colocados, e quando vi que eles haviam apostado em Boyhood pra melhor filme, percebi que iria ganhar o bolão. Mesmo assim, torci por Michael Keaton (apesar de ter apostado no Eddie Redmayne). 
Rindo sozinha
Bati meu recorde, que era de 17 acertos (mas em 2004, um ano em que trapaceei, digamos: joguei todas as fichas num filme que não vi e odiei, a terceira parte de Senhor dos Anéis). Ano passado, teve um monte de gente que fez 20 em 20, tanto no bolão pago quanto no não pago. Desta vez, eu ganhei sozinha. O Rafael, que ganhou o bolão grátis, fez 17. 
E este post já está mais longo que as 3,5 horas da cerimônia do Oscar. Meu querido Júlio César, que participa do bolão há séculos, e que organiza essa bagaça toda, me mandou um email na manhã de segunda, junto com as tabelas: "Espero que você entre novamente numa sequência de vários anos sem ganhar". 
Pode ficar esperando, Julio! Agora eu peguei o gostinho. Será que o Oscar também pegou o gosto de lembrar das minorias?