Hoje é o último dia de Lula no cargo, e ele vai deixar saudades. Sai com aprovação recorde no mundo, com 87% de aprovação. Quem chegou perto disso? Michelle Bachelet (Chile) e Nelson Mandela (África do Sul), com 84% e 82%. A diferença é que Bachelet não conseguiu fazer seu sucessor, enquanto a de Lula toma posse amanhã (nossa primeira presidenta, que no início do horário eleitoral teve sua luta pela liberdade comparada à de Mandela). Pra efeito de comparação, FHC deixou o governo com 26% de aprovação. É esse o placar: Lula 87% vs FHC 26%. Só essa pequena diferença já explica por que um presidente consegue eleger uma ministra com perfil técnico, sem experiência nas urnas, e outro precisa se esconder pra não ser associado com seu candidato. Lula deixa o país muito melhor que o pegou. Não há um só indicador que aponte o contrário. A gente vê isso nas ruas, sente a euforia das pessoas, acompanha quem vem de família que nunca cursou uma faculdade ter acesso à educação superior. E no nordeste, então, nossa região mais pobre, que nos últimos anos do governo do PT teve crescimento chinês, a mudança é ainda mais visível. Imagino que seja justamente isso que faça a elite espumar de raiva. Onde já se viu 52% da população brasileira ser classe média? Antes esse era um luxo para poucos, e agora é a maioria. Gente que até ontem era pobre agora viaja de avião, ocupa hotéis, disputa vagas nas federais, desvirtuando o que era dos happy few por direito adquirido, porque eles fizeram por merecer. Isso sem falar que tá cada vez mais difícil arranjar uma empregada doméstica! Eu não entendo muito bem o ódio a Lula. Ontem, por exemplo, os 6% que não aprovam seu governo puseram nos Trending Topics do Twitter a tag Fora Lula. Quer dizer, o cara vai sair hoje de qualquer jeito, então por que gritar "Fora Lula"? Deve ser a vontade de quem perdeu três eleições seguidas ter o gostinho de poder ganhar alguma coisa. Vai que eles narram a história pros netinhos como o dia em que foram capazes de tirar Lula do poder. Um blog de extrema direita escreve rancores assim: “Sabe, Lula, sabe quem estuda, quem tem educação, quem tem vergonha na cara, quem conhece malandro? Estes brasileiros desprezam você. Tem nojo de você. Tem asco de você. Não podem nem ouvir a sua voz pegajosa, as suas piadinhas de baixo nível, o seu caráter do mais baixo calão. [... Você] será lembrado como um chicaneiro, um populista ardiloso, um espertalhão, um estelionatário eleitoral. Você fez o que, Lula? [...] A verdade, Lula, é que você pegou tudo pronto”. E continua, sem disfarçar o seu nojo pessoal por uma pessoa que não conhece.Teve um monte de presidente por quem eu não senti nenhuma admiração, muito pelo contrário: Sarney, Collor, Itamar, FHC... Mas não me lembro de alguma vez chamá-los de safados, porcos imundos, idiotas, asquerosos etc. Até porque eu, que tive o privilégio de nascer na classe média e vou me manter nela pro resto da vida, não era muito afetada pelo governo. Não era eu que dependia dele. Eu estudava em escola particular, tinha emprego, comprava dólar com o que sobrava do meu salário. Na minha vida pessoal, os oito anos de FHC me afetaram quase nada (eu não estudava nem trabalhava em universidade federal na época). Mas eu não me via como centro do universo e não votava pensando em mim, mas na vasta população que não teve a sorte de nascer numa família que nunca soube o que é passar fome. Esses 6% que odeiam Lula com tanta força perderam alguma coisa no seu governo? Qualquer coisa? Ficaram pobres? Ou é só que eles consideram injusto que tenham que disputar vagas em universidades e assentos em avião com quem está abaixo deles? A maior parte do ódio contra Lula é preconceito de classe. É só ver como o vocabulário do fascistóide que escreveu as linhas acima copia a visão hierárquica que tem da sociedade: baixo nível, baixo calão. Pra eles, a gente nasce em castas, e quem nasce rico ou classe média é porque mereceu. Um indivíduo pode até sair da sua classe, mas apenas com seu esforço próprio, sem nunca depender de um aparato social. Pra eles, a vida é uma eterna competição, na qual vencem os melhores. E todos temos a mesma linha de largada. Portanto, eles detestam que o Estado dê um empurrãozinho pros que têm menos, porque isso sim é tumultuar a competição. E também, pô, imagina que droga se todo mundo melhorar de vida! Não pode ser que todos mereçam. O conceito de meritocracia se baseia na exclusão.O próprio Lula é um símbolo de quem, pra eles, jamais poderia ter “chegado lá”. Não porque ele foi beneficiado pelo Estado, mas por ser tosco, sindicalista (patrão é bom, sindicato é ruim), de uma região atrasada. O mínimo que se podia esperar dele, com essas qualificações (pô, ele nem fala inglês!), é que fizesse um péssimo governo. Que afundasse de vez o país, pra gente se ver livre dessa raça por pelo menos trinta anos. E, no entanto, ele fez uma excelente administração, aprovada por 87% dos brasileiros. Como explicar? Dizendo que ele pegou tudo pronto, que no fundo não fez nada, e que todos que não têm essa opinião ou são analfabetos como ele ou são comprados. Porque quem está certo são esses 6%. Esses 6% que não têm um argumento sequer que não seja baseado em ódio irracional, mas que só podem estar certos. No grande Doze Homens e Uma Sentença, esses 6% seriam representados pelo homem rábido que deseja condenar "a gentalha", e é deixado falando sozinho, submerso em sua raiva.
Pra imensa maioria, Lula é o maior presidente que o Brasil já teve. E temos muita esperança que Dilma faça um governo melhor ainda. Vocês perderam. Aceitem que o tempo em que o país era governado por uma elitezinha já passou.