sábado, 31 de dezembro de 2016

2016: UM ANO TERRÍVEL PRO BRASIL E PRO MUNDO, MAS PESSOALMENTE BOM

Desculpem o blog meio abandonado (alguém notou? Tá todo mundo viajando?), sem posts há dias. Faz tempo que quero escrever esta retrospectiva pessoal de 2016, mas o desânimo me pegou forte, aliado a uma boa dose de preguiça.
Que 2016 foi péssimo pro Brasil e pro mundo, não resta a menor dúvida. Só reaça que tá feliz, porque foi o ano deles: golpe no Brasil, derrubada de um governo mais ou menos de esquerda (muito menos do que queríamos) que os entreguistas não conseguiam tirar no voto, aquela vergonha internacional dos deputados da Câmara agradecendo a deus e à família ao votar o impeachment, a instalação de um governo golpista que está vendendo o país, com todo o Congresso e Judiciário como cúmplices, aprovação da PEC da Morte, que vai congelar o futuro de toda uma geração... No mundo, eleição de uma caricatura do ódio como Trump, Brexit, a morte de um ícone, Fidel,  e mais uma lista infindável de tragédias.
Lembram de tudo que a gente reclamou de 2015? Em comparação a 2016, foi um paraíso. Se alguém faz em dezembro de 2015 tivesse previsto tanta barbaridade pra 2016, seria tachado de lunático pessimista. Olhando por esse ângulo, não tem como 2017 ser pior! (tem?).
Então é óbvio que eu e todas as ativistas que conheço estamos desanimadas. Mas agora é a hora de lutar mais do que nunca. 
Sei que não podemos abandonar o barco. Se antes o nosso trabalho já era importante, agora é imprescindível! 
O irônico é que, ainda que o ano tenha sido péssimo pro planeta, pra mim, em nível absolutamente individual, foi muito bom. É que minha vida é tão boa, sou tão privilegiada, que todos os anos são bons. 
Não vou fazer uma retrospectiva do blog (isso eu deixo pro final de janeiro, quando o bloguinho completa nove anos de vida), mas trabalhei muito, fiquei cansada, preciso recompor as energias. Dei 34 palestras e 50 entrevistas, participei de dez bancas, tive artigos meus publicados em excelentes livros -- Golpe 16, editado por Renato Rovai, e Você Já é Feminista, organizado por Nana Queiroz, dois queridos.
Conheci gente muito especial, finalmente conheci Teresina (não vou negar: é quente mesmo, vocês não estavam exagerando), voltei a Florianópolis e Porto Alegre, estive em Natal duas vezes... Tudo isso a trabalho.
Praticamente não tive férias, porque substituí na coordenação do curso uma colega que precisava sair de férias (se não ela perdia). Mas aproveitei cada feriado para viagens curtas e próximas: Silvinho e eu fomos a Cumbuco, Porto das Dunas, Caponga, Sabiaguaba, e um pouco mais longe, em julho (Jericoacoara, Quixadá e Guajiru, tudo no Ceará). 
Como ficamos mais por aqui, economizamos bastante. Ganhamos bem, guardamos muito. Meu projeto é parar de trabalhar em 2023, quando eu tiver 55 ou 56 anos e o maridão, 65. Sei que agora com a reforma da previdência do golpista ninguém mais poderá se aposentar, mas o plano é que a gente se aposente por conta própria. Não sei se vai dar certo, mas a nossa parte (guardar dinheiro toda a vida) a gente vem fazendo. O que não é tão difícil, considerando nossa índole pão dura miserável economicamente responsável.
O melhor é que minha saúde está ótima! Contrariando o pessoal que quer ver o meu cadáver (incluindo um médico reaça que nunca me viu mas deseja que eu morra de câncer), eu começo 2017 melhor que comecei os últimos três anos. Certo, ainda estou com esteatose (gordura no fígado, diagnosticada em 2012), mas todos os meus índices deram uma melhorada. 
E eu estava com ovários gigantes. Minha ginecologista até recomendou que eu tirasse tudo (útero, ovários, como eu não tava usando mesmo), e sabem o que eu fiz? Nada. Simplesmente fugi dos exames em 2015 (sou irresponsável, eu sei. Homens fazem isso o tempo todo e ninguém reclama). Agora em 2016 fiz todos os exames possíveis e tudo voltou ao normal. Não tenho mais ovários gigantes! "Você está ótima", disse o médico que fez os ultrassons. 
Já falei a vocês que comecei a tomar suco verde todo dia. Agora faz dois anos e meio. Esse hábito saudável (que o maridão, que ama sucos, adora) certamente contribuiu para baixar meu colesterol e tudo o mais. Estou acostumada com o suco. Agora estou tomando também uma ou duas xícaras de chá verde para apressar o metabolismo.
Em 2016 passei a comer legumes e verduras assadas diariamente, no almoço. E vi que não é nenhum sacrifício. Eu até gosto! (tomates, cebolas, cenouras, abóbora, vagens, espinafre, e pimentão. Berinjela eu comprei uma vez mas vieram as três bichadas, aí desisti). Isso foi sugestão de uma nutricionista super carinhosa. No primeiro semestre, a UFC ofereceu a seus servidores um curso de Reeducação Alimentar, coordenado por duas nutricionistas, professoras da universidade. Eu fiz o curso e aprendi muito. 
E pude conversar numa boa com a melhor nutricionista que já conheci (não que eu tenha conhecido muitas, acho que só duas antes dela, mas ela é fantástica, ela te incentiva, não te cobra). Durante uns três ou quatro meses, consegui parar com o chocolate (só no final de semana), fiz ginástica em casa (eu danço "I Will Survive" e outras músicas dançantes pra aquecimento e depois faço esteira, que eu acho um saco, escutando In Defense of Food, do Michael Pollan, no Kindle). Perdi seis quilos. No segundo semestre eu voltei a comer chocolate com mais assiduidade, mas mantive o peso a menos. Agora pra 2017 minha resolução é parar com o chocolate. A indústria está colaborando comigo, ao reduzir todas as barras para menos de 125 gramas (eu sou da época que elas tinham 200 g!), mas mantendo o preços nas alturas
Um dos meus maiores desejos para 2017 é que alguns mascus sejam presos. Vamos ver se agora vai! Acho que só contei no Twitter, e não posso falar muito, mas três dias antes do Natal mandaram ameaças ao reitor da UFC dizendo que, se eu não for exonerada, acontecerá um atentado na universidade. Portanto, o reitor deveria escolher entre despedir o "demônio imundo" (euzinha) ou "passar uma semana recolhendo pedaços de corpos e enterrando centenas de mortos". Fiquei sabendo que ameaças parecidas foram feitas em duas faculdades particulares em outros dois estados, com outros dois professores.
Agora a polícia acordou, e mascus estão sendo investigados por terrorismo. Parece que, no Brasil, tudo bem ameaçar de morte, estupro e tortura várias mulheres e meninas, principalmente feministas, já que misoginia não é crime. Mas terrorismo é. E é o único crime em que você não precisa realizar pra configurar crime -- só a ameaça já é crime, pela nova lei anti-terrorista, aprovada este ano. Fui depor na Polícia Federal anteontem e dois agentes da Abin (Inteligência Brasileira) vieram conversar comigo aqui em casa ontem. Não posso revelar mais nada pra não atrapalhar as investigações, mas agora estou um tiquinho mais otimista de que esses criminosos não ficarão impunes.
Vamos ver. Não tenho esperanças que em 2017 o Brasil saia da encrenca abismal em que se meteu. E vejo os pregadores de ódio cada vez mais entusiasmados, mais abertamente preconceituosos. Mas, da minha parte, vou continuar lutando. Venham comigo! Vamos juntxs!
(Amanhã eu incluo algumas imagens e links. Agora tenho que cuidar da ceia do reveillon! Uma ótima passagem de ano pra vocês).

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

ASSASSINOS A SERVIÇO DO ÓDIO E UM HERÓI

Que espírito natalino, que nada! Um caso tenebroso ocorrido na noite de natal comoveu (não sei se comover é a palavra. Aterrorizou?) o país. 
Mais ainda porque aconteceu numa estação de metrô, um lugar que deveria ser seguro (mas que, no governo paulista, conta com pouquíssimos guardas, que levaram seis longos minutos para chegar). 
Dois rapazes já identificados pela polícia pelas imagens gravadas, Ricardo Martins Nascimento e Alípio Rogério Belo dos Santos, que são primos e frequentadores da mesma academia, mataram a pontapés Luiz Carlos Ruas, também conhecido como Índio, um senhor de 54 anos que trabalhava há duas décadas como vendedor ambulante na estação de metrô Pedro II. 
Os homens, que vestiam o mesmo "uniforme" (camisa preta e bermuda branca), agrediram uma travesti, moradora de rua no local. Aparentemente, ela disse a eles que não urinassem na rua, pois havia banheiro dentro da estação. Outra travesti tentou acudi-la e também apanhou. Uma imagem mostra um dos homens correndo atrás da travesti, pulando a catraca (uma testemunha contou que, nessa perseguição, eles gritavam "Vamos matar"). Ruas interferiu e foi alvo da fúria dos dois, que o derrubaram e chutaram sua cabeça até a morte, antes de irem embora calmamente e voltarem para bater mais.
Ricardo e Alípio estão foragidos e a polícia oferece R$ 50 mil de recompensa para quem passar informações (Ricardo foi preso em Valinhos). O advogado deles alega que eles reagiram por medo de assalto. Já o delegado do caso informou que um deles estava abalado porque tinha descoberto uma infidelidade da esposa. Pelo jeito, vão fazer de tudo para atenuar a pena, já que a motivação óbvia é a intolerância, o preconceito, o ódio.
O advogado nega que os dois sejam skinheads, mas uma das imagens mostra que um deles estaria usando um soco inglês, arma característica do grupo (e que denota premeditação: é comum grupos fascistas saírem às ruas à noite à "caça" de vítimas como travestis, gays, negros, moradores de rua).  
Se Ruas não tivesse falado algo, talvez uma das travestis tivesse sido a vítima fatal. Ele foi, portanto, um herói. Fez o que ninguém teve coragem de fazer enquanto ele estava sendo espancado -- tentou intervir. 
O cartum acima é certeiro: a intolerância também mata quem está do lado de fora (tanto da estação quanto da orientação sexual odiada por preconceituosos). Não precisa ser homossexual para ser vítima de homofobia. Lembro de dois casos recentes: em 2011, pai e filho foram atacados por um grupo de sete rapazes numa feira agropecuária próxima à Ribeirão Preto, SP. O pai teve metade da orelha decepada. O crime dos dois: um abraçou o outro por alguns instantes.
Um ano depois, na Bahia, dois irmãos gêmeos também estavam abraçados quando foram surpreendidos por um grupo de oito rapazes. Um dos irmãos foi espancado até à morte. 
O Brasil é o país que mais mata homossexuais no mundo. Mas, como este caso de Ruas e outros provam, a intolerância é um risco para toda a sociedade. Segundo o jornal New York Times, nos últimos 4,5 anos 1,6 mil pessoas foram mortas por motivações homofóbicas, fazendo do nosso país o mais perigoso no mundo para a comunidade LGBT. 
Todos nós devemos refletir sobre o que fazemos para contribuir com essas estatísticas assustadoras. Talvez a gente não espanque até à morte travestis ou quem tenta defender travestis, mas há muitos outros meios de promover a intolerância, de odiar, de naturalizar uma violência que nunca deveria ser vista como natural. 

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

UMA HISTÓRIA DE RACISMO MUITO COMUM

Vi esses dias uma moça que não conheço, Sulamita, contar o que se passou com ela pertinho aqui de casa, nas Lojas Americanas do Shopping Benfica, em Fortaleza. 
É uma história típica de racismo, que já aconteceu e continua acontecendo com a grande maioria dos negros: ser olhado com desconfiança ou seguido ao entrar numa loja, e várias vezes acusado, detido e revistado, às vezes com violência. 
Em tempo: eu já fui mal atendida nessa mesma loja quando comprei lá uma barra de chocolate que tinha vermes dentro, e os gerentes levaram um tempão até aceitarem me devolver o dinheiro e ainda disseram que não se responsabilizavam pelo que vendiam. Nada a ver com racismo no meu caso, mas eu boicoto a Americanas desde 2010. 
Fiquem com a história da Sulamita:

Abordada, constrangida, racismo. Três palavras que resumem um pouco da minha noite de ontem, 20/12/2016, na Loja Americanas do Shopping Benfica. Fui comprar lembrancinhas de fim de ano e cartões de natal, cheguei na loja, dei várias voltas, e percebi que um dos seguranças sempre estava por perto. Tudo bem, afinal eu ia comprar e o fato dele estar ali não era problema pra mim. Comprei o que tinha que comprar, passei no caixa e paguei. Ao colocar meus dois pés para fora da loja, o segurança me abordou e pediu que eu me dirigisse a um local mais no canto para verificar minhas sacolas. Fui sem reclamar, afinal, em época de Natal as lojas têm vários casos de furto e não vi problema. 
Fui em direção à mesa do atendimento ao cliente e ele pediu mais uma vez para continuar andando e me dirigir para um local mais recuado. Chegando nesse local, estavam lá as duas gerentes da loja. Nisso, pego o cupom fiscal e começo a abrir as sacolas das Americanas. Mas não era isso que ele verificar. Fui "convidada" a abrir minha mochila e outra sacola de madeira que carregava comigo e despejar tudo o conteúdo. 
Já estava achando a situação estranha, inocentemente não tinha percebido do que aquilo se tratava até o segurança dizer: "Tá vendo? Tudo produto da loja". Os produtos aos quais ele se referiu eram de uma cesta natalina que eu havia ganhado naquele mesmo dia no trabalho. Isso foi o que tentei argumentar. Você acha que alguém acreditou? 
O segurança seguia com o tom de ironia: "Cesta? Do seu trabalho?! Eu vi você pegando esse salgado e colocando na sacola". Pedi para ver as filmagens onde eu estaria supostamente furtando o produto, tem várias câmeras lá, ninguém me mostrou nada, sequer cogitaram olhar. 
Repeti a história da cesta de Natal várias e várias vezes, até que eu disse que ligaria para uma companheira de trabalho que poderia confirmar minha história e dizer inclusive tudo o que tinha na cesta. Ao terminar a ligação, comuniquei que minha amiga estava vindo com o cupom fiscal da compra dos produtos e que uma advogada estava sendo acionada. 
A partir daí, o segurança mudou de postura, disse que não me acusou de nada, e as gerentes tentaram argumentar que em nenhum momento houve constrangimento, que era política da empresa, que na verdade foi um mal entendido e que nem houve agressão, já que o segurança não fez contato físico comigo. O segurança, depois desse momento, entrou coincidentemente em intervalo de trabalho e não voltou mais, mesmo eu passando ainda uma hora na loja. Minhas companheiras de trabalho chegaram e deram todo o apoio. 
As gerentes, ao perceberem que realmente as providências seriam tomadas, pediram os códigos dos produtos. Imagino eu, numa vã tentativa de formar prova contra mim e pensando depois com calma, era algo que elas poderiam ter feito desde o começo para verificar se o produto era ou não da loja.
Toda essa situação, meus amigos e amigas, é racismo. Eu não era a única pessoa saindo daquela loja lotada naquela hora da noite, mas fui a única abordada. Não me mostraram filmagens ou apresentaram qualquer prova concreta do meu suposto furto. O argumento do segurança aceito pela gerência foi: eu tinha passado muito tempo andando na loja, pegando produtos e descartando, Eu tinha uma sacola com produtos semelhantes aos vendidos na loja e ele supostamente me viu colocando um desses produtos na minha sacola pessoal, Eu ainda tive a audácia de inventar uma história de cesta natalina do trabalho. 
Então... Eu não poderia estar em dúvida quanto aos presentes e demorar para escolher? Eu não poderia entrar com mochila e outra sacola que não fosse da loja? Eu não poderia ter comprado produtos semelhantes aos da loja que não fossem de lá? Quer saber, Eu poderia ter feito todas essas coisas. O problema, meus amigos e amigas, é que isso foi feito por uma NEGRA. 
Se você puder compartilhar essa história e ajudar a espalhar minha voz, eu agradeço de coração. Se você quiser duvidar, isso é um problema seu. Ainda tô sentindo a dor desse constrangimento e dói muito.

sábado, 24 de dezembro de 2016

ELES DEFENDEM O TIO DO PAVÊ

Nunca tive dúvidas que reaças odeiam qualquer um que seja diferente deles. São conservadores, querem a volta a um passado que não volta mais.
Claro que, se eles tiverem que escolher um lado, entre tomar posição favorável à "feminista de cabelo azul" (eles realmente acreditam nas ficções que eles inventam de que toda feminista é gorda, odeia o pai, pinta cabelo de azul e, claro, como toda esquerdista, é maconheira) ou ao tio do pavê, eles ficarão sempre com o tio. 
Espírito natalino, versão reaça
O que eu nunca tinha parado pra pensar é que eles não apenas se identificam com o tio do pavê, eles são o próprio tio do pavê! Aquele parente inconveniente com uma única piada no repertório mas, em compensação, muito preconceito pra espalhar. 
Ha ha, essa é ótima!
Mas confesso a vocês que, por sempre ter uma família reduzida (só conheci, e por muito pouco tempo, a minha vó paterna), eu até acho bacana uma festa com toda a parentada, mesmo que -- eu sei, eu sei -- entre eles estará o inexorável tio do pavê. 
Daqui a pouco tenho o meu natal de sempre, com deliciosa torta de frango (minha mãe cismou este ano que não prepara nem come mais coisas com frango, então jurou que esta será a última) e o super bolo de chocolate Sacher Torte (receita aqui; este também deve ser o último como o conhecemos, pois o Cointreau, licor que vai na receita, está custando agora R$ 150. Gente, por favor, digam pra minha mãe que dá pra substituir por qualquer outro licor mais baratinho). 
Por hoje é só, pessoal! Tudo de bom pra vocês! Que vocês tenham uma ceia farta e feliz. 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

DIRETO DO PAÍS ONDE SE COMBATE O FEMINISMO, NÃO A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

"Vivas nos queremos": em Buenos Aires, em outubro. Quando será aqui?

O caso de Débora Soriano é assustador. Ela era feminista, era militante, fazia parte da União da Juventude Socialista e da União Brasileira de Mulheres. 
Era evangélica, tinha 23 anos e dois filhos. Semana passada, na manhã do dia 14, ela foi a um bar na Mooca (SP) com amigos, entre eles Willy Gorayeb Liger, gerente do bar e primo do dono. Willy disse ao dono, por telefone, que "perdeu a cabeça" e matou Débora dentro do bar usando um taco de beisebol. 
Há também fortes indícios de estupro. Willy já tinha uma mandado de prisão em aberto e respondia por estupro e roubo. Agora ele está foragido (UPDATE: ele foi preso no interior da Bahia na casa de familiares em 23/12 e está preso. Ele confessou o crime).
No domingo, houve um ato na Av. Paulista chamado Nenhuma Débora a Menos. Provavelmente não foi muita gente, porque não vi nada nos jornais. 
Sei que é final de ano, sei que estamos todas exaustas e desanimadas depois de um 2016 tenebroso. 
Este ano deu tudo errado. Passamos o primeiro semestre dizendo "Não vai ter golpe. Vai ter luta!" Aí veio o golpe e não teve luta (ou teve pouca luta; os estudantes de escolas ocupadas certamente estão lutando). Imaginávamos que haveria uma grande mobilização depois do caso da menina estuprada por 33 homens no Rio. Seria uma nova primavera feminista. E não foi. Tivemos protestos em várias cidades, mas não atraiu grande público, nem foi algo contínuo.
Nossas hermanas argentinas continuam se revoltando e reunindo milhares de pessoas em protestos como o Ni Una a Menos. O caso mais recente (porque a violência contra as mulheres não para; lá uma mulher é assassinada a cada 30 horas por violência machista; aqui, uma mulher é morta a cada duas horas) aconteceu no sábado, quando uma mulher moribunda (que viria a morrer no hospital) foi encontrada empalada no meio de uma estrada. Quando teremos atos desta magnitude por aqui?
Um dos "reaças zueros" que diariamente combatem o feminismo
Enquanto isso, feministas (e outros ativistas de direitos humanos) vivemos numa terra sem lei. As ameaças a mim já tem seis anos. Minha família é ameaçada há apenas dois. O grupo que me ameaça opinou sobre o terrível assassinato de Débora num chan (cuidado, trigger warning):
Tirando a Operação Intolerância, que levou dois mascus pra cadeia (não por causa das ameaças a mim ou a qualquer outra pessoa), mais nada foi feito. 
Marcelo Valle Silveira Mello
Um dos mascus, Marcelo, voltou a fazer tudo que fazia antes de ser preso e continua solto. O sentimento de impunidade é tamanho que o cara fez prova de seleção de mestrado na mesma área (Ciências da Computação) e universidade em que leciona um professor que teve a filha menor de idade ameaçada de estupro, tortura e morte. Marcelo não passou na seleção, mas não por causa do professor em questão, que não fazia parte da comissão, e sim porque um outro professor resolveu ver o currículo Lattes dos candidatos na internet, e deu de cara com a ficha corrida de Marcelo. Agora Marcelo, sentindo-se excluído, promete atacar a UFTPR, assim como fez durante anos com a UnB, na qual foi alunos de Letras Japonês por alguns meses. 
Marcelo promete vingança a professor universitário
Anteontem, enquanto os misóginos cobravam de mim um posicionamento diante do escândalo Murilo Cleto, eu estava conversando via DM com uma professora universitária. 
Em novembro, ela trocou alguns tuítes comigo. E os mascus decidiram puni-la por isso (assim como puniram o professor da UFTPR, mas como ele é homem, não tem muito que fazer. Felizmente pros misóginos, ele tem uma filha, uma menina, que pode ser ameaçada de estupro). Colocaram o nome e telefone residencial da professora em sites de prostituição e de swing, fizeram montagens pornôs com a sua foto, e enviaram essas fotos ao departamento onde ela trabalha. 
Email enviado
Anteontem, mandaram a foto de uma mulher decapitada pra todo o departamento, perguntando se era a professora. À tarde, voltaram a enviar um outro email, também para todo o departamento, com o aviso que se a professora continuasse lecionando lá, eles cometeriam um atentado na faculdade, matando "pelo menos umas cem pessoas".
Isso configura terrorismo. A polícia conhece os casos. Todas as pessoas ameaçadas fizeram boletim de ocorrência. Mas não faz nada. Um dos delegados responsáveis por crimes cibernéticos está em licença capacitação há meses, e, aparentemente, não deixou substituto. O mesmo com o meu caso. Um grupo de proteção a defensores de direitos humanos conseguiu reunir meus nove BOs e levá-los para serem investigados pela Delegacia da Mulher, pois é um crime de gênero. Mesmo assim, está tudo parado lá desde o início do ano. Um advogado que me ajuda sequer conseguiu se reunir com a delegada. 
Guilherme, eu e Ricardo em casa
Mas não parece que toda a Polícia Federal está envolvida com Lava Jato e afins, já que restam alguns agentes para investigar quem fez ofensas racistas à filha de Bruno Gagliasso ou a Maju. Não estou desmerecendo, acho ótimo que haja investigação e condenação por racismo. Só que, por misoginia não ser crime, pode-se tudo. Faz um ano que o Profissão Repórter fez uma reportagem sobre feminismo e sobre as ameaças que recebo. O jornalista que me entrevistou, Guilherme Belarmino, por ser negro, também passou a ser alvo de ameças do mesmo grupo. A Globo entrou com um processo, mas nem o poder da emissora faz esse caso ir pra frente.
Algumas das muitas ameaças a Guilherme no chan de Marcelo
Então é assim. Vivemos num país em que mulheres são espancadas, estupradas, mortas, com grande impunidade. As únicas pessoas que tentam combater esta violência são as feministas. Essas pessoas, as feministas, são combatidas violentamente. 
E quando se fala em "indignação seletiva", frase favorita dos reaças, queria lembrar que reaças nunca se opõem à violência que feministas como eu sofrem. Nesses seis anos de ameaças praticamente diárias, nunca vi um só reaça condenar essa violência. Eles acham que ela é merecida ou inexistente, criação da minha mente, mimimi vitimista. Quando a Globo expõe essa violência num programa, o que um formador de opinião reaça como Danilo Gentili faz? Faz piada chamando a feminista de gorda. Ou seja, estão no mesmo barco. Porque isso tudo tem lado. Nossa agenda é lutar contra o machismo. A deles (e é um erro crucial pensar que eles não têm agenda, que ideologia é só a gente que tem) é lutar contra quem luta. 
Algumas ameaças são ilustradas
Que fique claro. Se você demoniza feministas, se você ataca feministas, se você chama talvez o maior movimento revolucionário do século 20 de "modinha da internet", se você se cala diante das agressões a feministas, se você faz graça com estupros e violência doméstica, não tem jeito: você é misógino. E você é acima de tudo ignorante, porque você também se beneficiaria de viver num mundo sem violência contra as mulheres.