sábado, 31 de maio de 2008

PIADAS QUE JÁ PERDERAM A GRAÇA

Houve um dia desta semana que foi incrível. Fui ao cinema ver a sessão pros críticos de uma comédia independente chamada The Foot Fist Way, sobre um instrutor de Tae Kwan Do que diz a um possível aluno: “Se você estivesse na prisão, você seria estuprado porque exala qualidades femininas”. Interessante - basta alguém ter qualidades femininas pra ser estuprado (se for mulher, então, nem se fala). Mais adiante, uma aluna quer se matricular na academia para manter a forma e também para ajudar a meditar, já que antes fazia ioga. E ele: “Ioga não te ajudaria numa situação de estupro em grupo. Medite sobre isso”. No final ele simplesmente urina nos pés da mulher adúltera, não sem antes dizer-lhe que deseja que ela seja violentada, pegue Aids e morra. Os críticos homens morriam de rir, incapazes de notar que esse tipo de discurso pode ser meio ofensivo às mulheres. Pra eles não é, porque misoginia é algo tão frequente, tão presente no dia a dia, que parece natural. Confesso que saí da sessão um pouco chateada, não tanto pela comédia mas pela insensibilidade dos críticos. Andei até o ponto de ônibus mais próximo, que fica perto de uma locadora, e o primeiro pôster que vi era de um DVD com o título de The Cattle Call (Chamado do Gado?). A foto era de uma bunda de calcinha. Se no mesmo dia eu tivesse visto alguém vestindo uma camiseta de “Bros Before Hos” (algo como “Prefiro Irmãos a Putas”), suspeitaria de uma conspiração.

Essa camiseta, campeã de vendas na internet, traz uma foto do Barack Obama, o “bro”, e uma da Hillary Clinton, a “ho”. É o que conta uma jornalista do Washington Post num ótimo artigo, “Misogyny I Won't Miss” (“Misoginia da qual não Sentirei Falta”). Ela diz que, agora que as primárias se aproximam do fim (Obama será o candidato democrata pra concorrer com o republicano McCain), não ficará com saudades de quebra-nozes com o corpo da Hillary, de todas as piadinhas chamando a candidata de prostituta e vadia, ou das comparações entre a senadora e a personagem da Glenn Close em Atração Fatal, entre inúmeros exemplos de misoginia. Acima de tudo, a jornalista não sentirá falta do silêncio em torno disso. Como eu já disse antes, parece que os EUA estão mais preparados pra ter um candidato negro (embora os negros representem apenas 13% da população americana) que uma mulher. E é só nos EUA? Bom, pra saber a resposta basta ouvir como as pessoas se referem à Marta Suplicy em São Paulo, que é parecido com o que falavam da Erundina, e que não será muito diferente do que falarão da Dilma Roussef, caso seja nossa primeira candidata a presidente. Ah, mas as críticas que se fazem a elas são diferentes, têm conotação ideológica. Claro, porque quando falamos nos candidatos homens, só nos concentramos na sua aparência física, na sua sexualidade e na sua parceira (ou falta de parceira). Igualzinho!

O mesmo Washington Post que publica um artigo reclamando da misoginia acaba de lançar um caderno feminino, que trata de assuntos femininos como moda, maternidade e dietas. Até aí, já estamos cansadas de saber que qualquer discussão mais cabeça realmente é muito pra nossa cabecinha fútil. O que chama a atenção é que, no artigo “Putting an End to Mindless Munching” (“Pondo um Fim a Comer sem Pensar”), que trata de comedoras compulsivas, a foto pra ilustrar é da... Hillary comendo! Não é uma graça? Não há nenhuma menção à Hillary no artigo, nem há notícias de que ela seja uma comedora compulsiva, mas isso não importa. Vamos colocar logo o rosto da americana mais conhecida atualmente num artigo condenando mulheres que comem! Sem dúvida, uma ótima mensagem a todas as leitoras.

Nada disso é novidade. Em 1992, quando Bill Clinton concorria à presidência, Hillary era destaque por ser uma possível primeira-dama bem-sucedida em sua própria profissão, ao invés de ser dona de casa. Os repórteres não a deixavam em paz sobre como ela ousara ter uma carreira, e numa ocasião ela respondeu: “Bom, eu poderia ter ficado em casa cozinhando biscoitos...”. Pronto. A frase inacabada da Hillary gerou um carnaval. Ela estaria ofendendo as mulheres que optam por ficar em casa cuidando dos filhos, entende? Viu como ela é uma feminista nojenta? A gente não falou? Taí a prova! Então lá foi a pobre Hillary tentar provar sua verdadeira feminilidade. Para tanto, divulgou sua receita favorita de biscoitos. Barbara Bush, mãe do estrupício, não gostou de ver sua seara invadida por uma feminista, e também relatou sua receita de biscoitos. A mídia decidiu organizar uma competição: publicou lado a lado as duas receitas e pediu às leitoras testarem ambas e apontarem qual a melhor. Nem lembro quem ganhou, mas preciso dizer quem saiu perdendo, mais uma vez? Ué, nós, mulherzinhas, que precisamos mostrar credenciais do quanto somos femininas até pra ser primeira-dama. Ser presidente tá fora de cogitação, óbvio.

Lembro daquela piada feminista do Clinton conversando com a Hillary sobre um frentista (estranho, nem existe mais frentista aqui), em que Bill dizia que a Hillary poderia ter se casado com o frentista, e não com o presidente do país mais poderoso do mundo. E a Hillary respondia que, se tivesse se casado com o frentista, ele seria o presidente americano. Pois é, essa piada parece mais atual do que nunca, agora que vemos que a misoginia é tamanha e que falta muito pros EUA elegerem uma mulher. Mas hoje já não tem a menor graça.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

JÁ TÔ COM SAUDADES DO SYDNEY POLLACK

Sydney Pollack, 1934-2008


Por que sou sempre a última a saber? O diretor Sydney Pollack morreu na segunda, de câncer. Era jovem ainda: tinha 73 anos. Eu gostava dele como diretor e como ator. Suas aparições mais recentes nesse quesito foram em O Melhor Amigo da Noiva e Conduta de Risco, mas lembro mais dele em De Olhos Bem Fechados, Maridos e Esposas e Tootsie, excelente comédia que ele também dirigiu. Não convém julgar seu legado pelos seus últimos filmes, que certamente não foram dos melhores: Havana, Sabrina, e Destinos Cruzados, todos bem descartáveis. A Firma e A Intérprete ainda dá pra encarar numa boa.

Ele fez coisas mais dignas, como Nosso Amor de Ontem (1973), com o Robert Redford e a Barbra Streisand, um drama romântico inteligente, político, e que sempre me faz inundar o recinto. Eu não vi mais Entre Dois Amores (85) depois que ganhou o Oscar, logo, pouco me lembro. Não era um grande filme, mas naquele ano eu tava torcendo pelo Babenco por O Beijo da Mulher-Aranha, e fiquei com uma birrinha do Pollack. Besteira. Se esse era o Oscar que ele recebeu por sua carreira, pelo conjunto da obra, foi merecido.

Porém, sua marca mesmo fica por conta de Ausência de Malícia (81), um dos melhores filmes sobre ética jornalística, Tootsie (82), realmente uma comédia importante, e, principalmente, A Noite dos Desesperados (69). Descobri na internet um texto que escrevi sobre este drama que, pra mim, é um dos maiores da década de 60. Redigi o artigo em 99, pra comemorar os trinta anos do clássico. Não sei se dá pra encontrá-lo em dvd no Brasil. É um belo filme de um diretor talentoso, adorado por todos seus colegas em Hollywood.

SEXO E PRÍNCIPES NAS ESTRÉIAS DA SEMANA

A principal estréia da semana nos EUA é de longe Sex and the City (que chega ao Brasil semana que vem, e cujo trailer já cri-critiquei aqui), e que tá recebendo todas as atenções, como uma edição inteira da Entertainment Weekly. É pra tanto? Vou conferir amanhã. Tem também The Strangers, um terror com a Lyv Tyler. Vi o filme em pré-estréia no mesmo dia em que me diverti com Indy 4. Strangers só desembarca no Brasil em outubro. Veja o trailer, se quiser, mas saiba que é uma enorme propaganda enganosa. Não estou falando muito se eu contar que, já na primeira cena, o casal está brigado. Não tem nenhuma história de amor aí. Incrível como é só editar do jeito que quiser pra montar uma completa ficção. Tirando a história de amor que não existe, o resto é o filme. Que parece um remake do francês Ils (Eles), também muito fraquinho.

No Brasil tem mais estréias, como Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian (será que leva esse nome porque tem caspa, ele?), do qual já falei tudo que queria aqui. Posso acrescentar apenas que este segundo capítulo da franquia decepcionou quem esperava que fosse bater a bilheteria do primeiro. De crítica ele tampouco está tão bem. Não que esteja mal: o Metacritic lhe dá nota 63 (dava 75 pro primeiro).

Pra lutar contra Nárnia temos o nacional O Corpo, que parece relevante neste momento em que se discute se mentir sob tortura é aceitável. Quer dizer, acho que isso nem está mais em discussão. A Dilma ganhou. Mas qualquer coisa sobre ossos de guerrilheiros enterrados em cemitérios clandestinos merece atenção, porque gente demais no Brasil continua chamando o Golpe de 1964 de Revolução, e mais gente ainda acha que no tempo da ditadura o país tava melhor. Em 2010, principalmente se a Dilma for candidata, vai se discutir muito o papel dos guerrilheiros. É bom começar a discussão já. Se bem que o trailer não enfoca nada sobre cadáveres da ditadura. É mais sobre um médico-legista mesmo.

Além disso, chegam dois filmes franceses sobre os quais não encontrei quase nada (nem trailers com legendas em inglês), A Quase Verdade e Quando Estou Amando, com Gérard Depardieu. E também um drama romântico, Um Amor Para Toda a Vida (acho que já vi esse título antes), sobre, ahn, um anel. Tá, deve ser sobre mais do que isso, mas nada que atraia a minha cobiça. A direção é do Richard Attenborough, um carinha burocrático (Gandhi, Chorus Line, e ator em Parque dos Dinossauros). E, pra falar a verdade, o trailer não apenas me lembrou o anel em Senhor dos Anéis como a tradição do relógio passado de pai pra filho em Pulp Fiction. Não são boas lembranças.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

RESULTADOS DE DUAS ENQUETES E DESENTERRO DE TEXTOS ANTIGOS

Mil desculpas por demorar tanto pra colocar aqui o resultado da enquete sobre as falas mais marcantes da década de 80. Mas aqui vai. 63 pessoas votaram em três citações cada, e as escolhidas foram: em primeiríssimo lugar, “ET phone home”, não preciso nem dizer de onde, com 55% dos votos. Segundo, “I'll be back” (“Voltarei”), do Exterminador do Futuro, com 38%. Interessante que Exterminador tenha conseguido impor na cultura popular uma frase marcante na década de 90 (“Hasta la vista, baby”) e na de 80. Seu fracasso em repetir a façanha no século 21 prova, mais uma vez, que Exterminador 3 não devia ter existido. Terceito lugar, ueba!, “I'll have what she's having”, de Harry e Sally – Feitos um para o Outro. Essa é uma fala impossível de entender fora do contexto, mas vem imediatamente após Sally (Meg Ryan) fingir um orgasmo numa lanchonete lotada. Eu amo a cena, amo o filme, e essa fala da senhora pedindo pro garçom o mesmo que Sally é a mais engraçada. Aliás, uma boa notícia. Ontem encontrei na internet vários textos que eu achava que estavam perdidos pra sempre (meu computador deu pau em meados de 2000 e tudo que tinha lá antes disso evaporou-se). Mas, felizmente, vários dos meus artigos publicados no jornal A Notícia em 1999 estão na internet (absolutamente nada de 98). Agora vou colocá-los aqui. É tão legal descobrir textos que eu nem me lembrava que havia escrito! Um deles, justamente, é sobre meu amor por Harry e Sally. Leia aqui esse texto jurássico, de quase uma década atrás. Como disse o maridão, “Você ainda estava aprendendo a escrever”. Desconfio que não foi um elogio (ah sim, outro texto antigo que encontrei foi este sobre Exterminador 1, que tá melhor que o de Harry e Sally. Sorry, fãs de Uma Questão de Honra! Eu jamais falaria isso do filme hoje).

Outras falas dos 90 que foram bem na fita: “Here's Johnny!”, do Iluminado, com 28%. Oh my God! Só agora notei que cometi um erro grotesco na enquete: inverti as palavras, e escrevi “Johnny's here!”. Que horror. Perdoem esta mente senil. Desencavei na internet um texto meu de 2000 sobre o filme (aqui; coloquei fotos legais). Mas, embora eu adore Iluminado, não acho essa frase tão marcante assim (como você pode reparar por eu não conseguir decorar a ordem de duas palavras). Ok: “Snakes! Why did it have to be snakes?” (“Cobras! Porque tinham que ser cobras?”), do Caçadores da Arca Perdida, recebeu 20% dos votos. E, com 17%, ficou “Carpe diem. Seize the day, boys” (“Carpe diem. Aproveitem o dia, rapazes”), de Sociedade dos Poetas Mortos, ou, como diz uma conhecida que declara que este é seu filme de cabeceira, Sociedade do Poeta Morto, um só. Mas acho que depois do “Johnny's here” não estou em condições de criticar ninguém.

Vou aproveitar pra dar o resultado da pior enquete que você já viu aqui – espero - essa das melhores músicas do Chico. Eu queria fazer uma pra escolher o melhor disco do meu ídolo, mas ele tem mais de 40 discos, e nem a fã número 1 dele (moi!) consegue saber as canções dentro de cada um. E eu não sei como colocar fotinhos em enquetes. Então, a gênia aqui pensou que uma enquete só com as músicas seria mais fácil. Ledo engano. Tive que deixar um monte de lado. Sem falar que é impossível optar por apenas três da listinha. Mas torço pra que a enquete tenha despertado a curiosidade dos meus jovens leitores(as) que nunca ouviram Deus, quer dizer, Chico. Se querem continuar meus amiguinhos, ouçam algumas músicas. Vamulá, gente. Vocês não desejam viver numa nova Sociedade do Poeta Morto, desejam?

Mesmo assim, 62 bravos leitores(as) votaram na enquete imperfeita. E o resultado foi o seguinte: 1) “Construção”, 22%; 2) “Eu Te Amo”, 20%; 3)“João e Maria” e “Apesar de Você”, 17%; 4) “Cotidiano”, “Futuros Amantes”, e “Retrato em Branco e Preto”, 16%; 5) “Anos Dourados”, “Beatriz”, “O Que Será”, “Roda Viva”, “Trocando em Miúdos”, “Vai Passar” e “As Vitrines”, 14%. Ou seja, tudo embolado. E não me peçam pra escolher. Votar em somente três já foi o equivalente à Escolha de Sofia pra mim.

Opa, reparei que pedi perdão várias vezes nesse texto. Desculpas por pedir tantas desculpas, já que love means never having to say you're sorry. Já já coloco uma enquete com as melhores falas dos anos 70. Mas antes, como estou revendo todos os Indys, vamos votar no Spielberg? Amanhã começa mais uma pesquisa.

“JESUS ME FEZ VOMITAR”

Se você tiver um tempinho e souber bem inglês, leia isso aqui (o artigo meio que sumiu depois de ser atacado pela direita cristã). Eu morri de rir com o artigo de um jornalista da Rolling Stone, Matt Taibbi, que se infiltrou num retiro espiritual de uma das várias igrejas evangélicas que prosperam nos EUA. O título já é desrespeitoso, “Jesus Made me Puke” (“Jesus me Fez Vomitar”). Lógico que é totalmente preconceituoso, mas acho que se tem um grupo que não pode reclamar de preconceito é a direita cristã americana, que deseja que mulheres pilotem fogão a vida inteira e que gays e feministas ardam no inferno. Minha parte favorita do texto é quando, numa espécie de terapia em grupo, cada fiel precisa expor qual o seu trauma de infância. O moderador relata que o fato mais terrível de sua existência foi quando seu pai não deixou que ele continuasse brincando com um aviãozinho. E aí chega a hora de Matt relatar a sua experiência dolorosa, e ele tem que mentir um pouco: “Olá, meu nome é Matt, e meu pai era um palhaço de circo alcóolatra que batia em mim com seus enormes sapatos de palhaço”. Como o trauma deve ser recontado à exaustão, Matt relata que, numa ocasião, seu pai largou o emprego no circo e foi trabalhar como garoto-propaganda de uma sorveteria, onde precisava se fantasiar de Fudgie, a Baleia. Matt fala ao grupo: “Eu rio disso agora, mas uma vez ele me perseguiu, bêbado, vestindo sua fantasia de Fudgie, a Baleia, e me bateu com suas barbatanas”. E um dos colegas do retiro olha pra Matt com um olhar que diz: “Sei como são essas barbatanas”.
Meu segundo momento favorito do artigo vem com Matt falando do pastor, que num de seus discursos explica que nossos pecados são transmitidos de geração pra geração. E ele dá um exemplo: uma vez seu sobrinho ligou desesperado, no meio da noite, pra pedir ajuda. Seus dois filhos estavam morrendo sufocados por falta de ar. O pastor imediatamente lhe perguntou se eles tinham livros do Harry Potter em casa. O sobrinho respondeu que sim, o pastor mandou jogar os livros fora, e milagrosamente, os meninos voltaram a respirar.
E, finalmente, a descrição da sessão de descarrego também é impagável. Todos os fiéis devem ficar de boca aberta enquanto o pastor grita, durante mais de duas horas: “Em nome de Jesus, eu expulso o demônio do incesto! Saia, demônio do câncer! Saia, demônio da bruxaria! Saia, demônio da astrologia! Saia, demônio da filosofia!”. O pessoal tem convulsões “no estilo Linda Blair” e vomita, pondo os demônios pra fora. Matt pede um saquinho (desses pra vomitar nos aviões).
Em seguida, chega a hora de falar em línguas estranhas. Segundo o autor, nessas horas difíceis, todo mundo imita os extras de Indiana Jones e o Templo da Perdição. É tudo “Balabum turum gam”. Mas Matt passa a declamar a letra de uma canção da banda russa DDT. O pastor fica satisfeito.
E a gente ri, esquecendo-se que o Bush, presidente do maior império do mundo, como bom born-again Christian, também passou por isso. E levou a sério.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

A TV PARADA RECEBE MAIS ATENÇÃO QUE EU

Eu, querendo atenção: “Eu tô aqui!”

Maridão abre os braços pra mim e, atrapalhado do jeito que é, esbarra com um deles na televisão.

Eu: “...E a televisão tá ali”.

Maridão olha pra TV, que não é ligada há três meses, mas tá enfeitada com celular, relógio e uns papéis em cima. Eu: “Eu ia dizer que sou mais utilizada que a TV nesta casa, só que não é verdade”.

Ele: “Você tá menos empoeirada que a televisão”.

Eu: “Pelo menos você usa a TV pra pôr coisas em cima. Ninguém aqui põe nada em cima de mim”.

Ele: “Mas eu não fico pensando em te colocar embaixo da mesinha, como penso em fazer com a TV”.

Eu: “Ok, agora é oficial: morro de inveja da nossa TV. Mas não gosto de ser comparada com uma televisão, que é um objeto inanimado sem inteligência, enquanto eu...”

Ele: “...enquanto você?...”

Maridão leva tabefe.

CRI-CRÍTICA DE TRAILER: WALL-E

Leia a crítica do filme aqui.

Eu não tenho nada contra desenho animado. Meu problema é com filme “censura livre”, porque eles são feitos pra crianças, não pra mim. Eu gostava desses filmes quando eu era menina, mas o tempo passou (e como passou!), e não acredito nessa ladainha de “filme pra crianças de todas as idades”. Meus gostos e meu humor em geral não batem com os de uma criança de 5 anos. E pra ir ao cinema ver um desenho que não foi pensado comigo em mente, sei lá, parece perda de tempo (se bem que algum filme de Hollywood é feito pensando numa pessoinha como eu?). Mas devo reconhecer que, quando o oba-oba passa e eu acabo vendo o desenho na TV, muitas vezes gosto. Foi o que aconteceu com Procurando Nemo. Vi o peixinho na mini-TV do avião indo de Buenos Aires pra Paris (e depois Moscou), e me peguei rindo de todas as piadinhas e até chorando, como se eu fosse o protótipo do público-alvo. Ano passado vi A Era do Gelo 2 na TV a cabo, e amei. Adorei a mamute feita pela Queen Latifah achando que é um... um... sei lá que bicho é aquele, mas é uma fofura um mamute dormindo pendurado de cabeça pra baixo numa árvore. E os diálogos estão cheios de tiradas inteligentes.

Só que parece que Wall-E (que estréia em todo o universo em 27 de junho) será um filme quase mudo, pelo menos no começo. Não sei se ver um personagem que é a cara daquele de Short Circuit – O Incrível Robô (1986) numa Terra que é só ferro velho seja meu sonho de consumo. No entanto, o trailer até me cativou. Gostei de quando Wall-E se apaixona à primeira vista pelo modelo mais avançado, e quando essa robô atira nele. Ou das mãozinhas de ferro do Wall-E se encaixando quando a TV mostra um filme romântico (e o narrador diz que o robô se sente sozinho, chuif). Mas só gostei até aí. Depois que aparece o humano mandando prendê-lo, a única parte que se salva, pra mim, é o robô na frente do que parece ser uma estação de metrô, sendo empurrado pra frente. E sério que eles querem fazer um desenho que remeta a 2001, uma Odisséia no Espaço? Quer dizer, eu amo 2001, e olha que não sou a maior fã de ficção científica. Porém, esse grande filme de 1968 não é apenas um clássico por ser do Kubrick - é também um clássico do papo “tentei ver mas dormi no meio”. É um sonífero oficial, praticamente. Eu não dormi em nenhuma das vezes que vi, ao contrário do que acontece comigo nas cenas iniciais de Alien, O Oitavo Passageiro (o filme começa e em três minutos eu me encontro em estado REM, sabe, Rapid Eye Movement?). Lógico que se você ainda não conferiu 2001, tem que fazê-lo já, porque o filme é super influente, e os efeitos especiais seguem espetaculares e foram feitos antes do homem pisar na Lua. Mas veja o dvd descansado.

Enfim, se eu tiver que escolher, não troco o meu HAL por nenhum Wall-E da Pixar. Nota 3.

Ah, veja o teaser também, com música do Ari Barroso (certamente mais em homenagem a Brazil, o Filme, que a Brasil, o País).

terça-feira, 27 de maio de 2008

JOVENS MUITO VELHINHOS

Tá, sei que foi erro meu. Afinal, ir ver debate entre estudantes universitários com o título de “Homens são de Marte, Mulheres são de Vênus” (ou errei os planetas?) não prometia ser o melhor programa. Ainda mais que os debatedores pertenciam a fraternidades. Fraternidade é um conceito abstrato pra gente no Brasil. Nos filmes adolescentes vemos várias comunidades com nomes gregos, e o que todas aquelas fraternidades parecem ter em comum é que são de uma estupidez sem tamanho. Li num jornalzinho que estou enganada, que apenas metade dos americanos que entram no ensino superior saem com um diploma, e que, entre o pessoal que faz parte de uma fraternidade, esse índice sobe pra 70%. Ou seja, parece ter alguma utilidade. Anyway, o debate entre três negras e três negros, aparentemente amigos entre si, até foi interessante pra sentir que, talvez, Americanos são de Marte, Brasileiros são de Vênus. Ou algum ser vivo no Brasil abriria um debate perguntando “Por que homens negros às vezes namoram mulheres de outras raças?”. No Brasil, eu posso até imaginar a questão “Por que craque de futebol se casa com loiras?”. Mas não uma coisa tão genérica. Ademais, negros americanos só namoram mulheres de outras raças bem às vezes mesmo. Aqui nos EUA a segregação é tanta que “Por que homens negros namoram mulheres de outras raças?” precisa ser a primeira pergunta. E ainda por cima segue este caminho: “É por que vocês têm medo de uma mulher forte?”. Deixa eu ver se entendi: eu não sou uma mulher forte por não ser negra? Todas as brancas são submissas? Pelas entrelinhas eu me senti uma verme rastejante, e pensei: opa, supor que eu sou fraca por ser branca também soa a racismo.

Mas o que mais me chamou a atenção foi o machismo dos dois grupos, homens e mulheres. Eles ainda acham importante discutir quem deve pagar a conta (unanimidade que, num primeiro encontro, deve ser o homem), se ter um anel no dedo significa maior comprometimento (sim, evidentemente!), se o homem deve sustentar a casa (sim, deve, todos acham), e quantos encontros são necessários antes que uma moça aceite transar com um carinha – porque, lógico, mulher só pode “aceitar”; tomar a iniciativa, jamais (neste último ponto não houve consenso. A resposta foi “depende”, apenas que uma dama deve saber se valorizar). Ok, posso estar viajando, mas imagino que os jovens brasileiros deixaram de falar desses trecos há uma década... ou não? Êta pessoalzinho conservador! Esses guris americanos têm metade da minha idade e já estão com o dobro do meu conservadorismo. Vão ser idealistas quando, exatamente?

LIÇÕES PARA GANHAR A VIDA TRAPACEANDO? SEGUNDO O GOOGLE, AQUI TEM

Isso eu não saberia ensinar, mas costumo medir a satisfação desses leitores que vêm parar no blog através de buscas do Google. 1 é pra total insatisfação, e 5, se é que você acredita em Papai Noel, é pra satisfação pura.

Fotos da Maitê Proença e do furo do queixo dela da TV Globo – não entendi. A Globo furou o queixo da Maitê? Ou a atriz fez um piercing no queixo e a Globo fotografou? Ou o leitor(a) confundiu a Maitê com o Kirk Douglas? Nota 1.

Muitos jogos da Lola e Virginia – ninguém pode reclamar que a Lola não tem muitos amigos: Charlie, Virgínia, Fernando, Taís... Nota 1.

Foto do tatu da ilha da fantasia – eu lembro dele e do Ricardo Moltanban. É muito fácil conseguir uma foto. Digite isso no Google e, ao invés de ficar esperando que o site de buscas te mande pra cá, clique em imagens. Vou fazer o teste pra ver o que aparece. Só um minuto. Tá, tinha foto do Jeca Tatu, de tatu bicho, vários bailes num clube chamado Ilha da Fantasia... e duas fotinhos do Tatu! Nota 1 (o Google só mandou este pobre leitor pra cá por causa do meu título não muito inspirado pra crítica sobre A Ilha: “Ilha da fantasia sem o tatu”, ou algo do gênero).

É mais relevante para os EUA terá um primeiro presidente: mulher ou negro – eu podia dizer que é mais importante escrever certo, mas vou responder: relevante pra quem, cara pálida? Pros negros, inclusive pras mulheres negras, parece ser mais relevante ter um presidente negro. Pras mulheres brancas, parece mais relevante que vença a Hillary. Como os negros nos EUA representam menos de 13% da população, e as mulheres, mais de 50%, bom, faça as contas. Nota 3.

Orgulho de ser veterinário – espero que esses profissionais tenham um hino mais inspirado que “Sou brasileiro... com muito orgulho... com muito amor!”. Nota 2. Certamente os bichinhos não têm orgulho de ir ao veterinário. Meus gatos viram gato-pedra ao adentrar uma clínica. Encolhem cauda, abaixam as orelhas, fecham os olhos e tornam-se, não sei como, quilos mais pesados. Igualzinho a uma pedra.

Gordos gays de Joinville – vida longa aos gordos gays de Joinville! Só não entendo o que têm a ver comigo. Nota 1.

Vídeo de mulher que gosta de humilhar – posso aproveitar a câmera nova/velha do maridão e filmar minhas críticas a ele enquanto está lavando a louça, serve? Aposto como era exatamente isso que você tinha em mente. Nota 1.

Ganhar a vida trapaceando – não sei nada sobre isso. Nota 1. Mas consigo pensar em dois filmes pra te dar uma liçãozinha: Jogos de Emoções e Golpe de Mestre. O primeiro não acaba muito bem pro meliante, e o segundo... Vamos apenas dizer que, quando você tem a cara do Paul Newman ou do Robert Redford, pode ganhar a vida fazendo qualquer coisa.

O que é herbalife? - a referência do Google antes de mim perguntava: “é algo para engoradar?”. Gostei da palavra. Prefiro ainda “engorobar”, porque lembra gororoba. Ah, mas vou responder: Herbalife é um sistema pra fazer muito dinheiro (veja “ganhar a vida trapaceando”). Nota 1.


Leia outras buscas ridículas do Google aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui , aqui e aqui.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

NÃO FUI CONVIDADA PARA ESSA FESTA. E SE FOSSE NÃO IRIA

Não sei pra você, mas pra mim a cena de Taxi Driver que mostra que Travis (interpretado por Robert De Niro) não bate bem não é quando ele raspa a cabeça, quebra a TV, mata um gigolô ou planeja assassinar um candidato a presidente. Não. É quando ele leva, num primeiro encontro, a moça por quem está fascinado (Cybill Shepherd) para ver um filme pornô. Esse momento revela que ele desconhece o funcionamento da sociedade, e não tem a menor idéia do que pensa uma mulher.

Na época do filme, 1976, ainda existiam cinemas desse tipo. Hoje esses inferninhos foram substituídos pelo DVD e a internet. De qualquer modo, mais pessoas vêem filmes pornôs do que vão ao cinema comercial de Hollywood. Ainda assim não seria aceitável a um casal no seu primeiro encontro assistir a algo pornô. Mas depois de quantas saídas pode-se convidar a parceira pra ver um pornô? Uma semana? Meses? Anos, quando a paixão já deu lugar à monotonia da monogamia? Bom, eu tentei ver um filme pornô com meu marido. Como cinéfila, escolhi logo um clássico, Garganta Profunda. No entanto, se o objetivo era despertar vontade, não funcionou. Como crítica de cinema, fiquei centrada demais nos diálogos risíveis e nas atuações canastronas. Quando a trama tornou-se repetitiva, desliguei o aparelho de vídeo, porque ver cena de sexo seguida de cena de sexo equivale a ver um filme de ação só com perseguições de carros e explosões. Puro tédio.

Tá certo que não sou consumidora padrão de nada, então logicamente não o seria de pornografia. Noutra encarnação, quando trabalhei numa locadora, achava graciosos os títulos pornôs que imitavam grandes sucessos do cinema, como Mamãezinha Querida, e havia também algum com uma referência ao templo da perdição. Mas pornografia sempre me pareceu ter muito mais ligação com comércio que com sexo. E as cenas pornôs são tão cheias de detalhes e closes que definitivamente não me despertam desejo. Se eu quisesse ver uma vagina tão de perto, pediria um espelhinho pra minha ginecologista durante o papanicolau. É gráfico demais, e reduz as atrizes a pedaços de carne. A questão se ver um filme pornô me faz ficar com vontade de transar é parecida com outra: após ver um Albergue ou Jogos Mortais da vida (um gênero não por coincidência apelidado de torture porn), eu fico com vontade de sair por aí matando e torturando? Preciso deixar claro que a resposta pra ambas é não.

Mas essa sou eu. Desconheço o efeito dos filmes pornôs nos homens, e pra ser honesta, conheço poucas mulheres que vêem pornôs. E não é por causa do velho clichê que mulher tem menos tesão que homem, mas porque a indústria pornô simplesmente nos ignora. É uma indústria comandada por homens e pra homens. O mercado é quase todo masculino. Filme com dois ou mais homens transando é pro público masculino, filme com homem e mulher transando é pro público masculino, e filme com duas mulheres transando (cena obrigatória em qualquer filme hetero) é pro público masculino. Pornografia pra mulher é romance vendido em banca de jornal.

Um homem que vê montes de filmes pornôs vai cometer estupro? Provavelmente não, assim como um homem que vê dezenas de bang-bangs não vai sacar sua pistola e matar gente. Mas é certo que esse tipo de exposição causa algum efeito. Ver tiroteios atenua a violência, faz com que o espectador não lhe dê tanta importância, e ver uma demonstração tão comercial do sexo pode fazer o mesmo. Andrea Dworkin diz que pornografia pode tornar os homens ainda mais predadores por fazê-los confundir as mulheres da vida real com estrelas pornôs. Já Naomi Wolf acha o contrário: que a pornografia faz as pessoas mais solitárias, e torna os homens menos desejosos de transar, porque eles esperam que as mulheres sejam estrelas pornôs. Não há mais mistério e sedução em ver uma mulher pelada na sua frente. Graças aos filmes pornôs, não há mais mistério no sexo (e isso pode ser bom e ruim).

Só sei que pobre do menino que tiver apenas a pornografia como única forma de educação sexual, porque filmes pornôs passam uma idéia errada da sexualidade. Pros adolescentes do sexo masculino, pornografia pode causar obsessões tão sérias quanto a provocada nas meninas que só vêem modelos magérrimas na mídia (anorexia, bulimia). Rapazes comparam seus pênis com o do astro pornô e pensam que tem algo de errado com eles. Acham que não são ou serão bons parceiros sexuais porque não ejaculam litros de esperma, ou porque o ato não dura tanto como nos filmes pornôs. Ignoram que exista edição, Viagra, efeitos especiais, retoques. Muito parecido mesmo com uma menina reparando que seu corpo não é idêntico ao da Giselle. A diferença entre essas obsessões femininas e masculinas é que os meninos precisam pegar um filme ou uma revista pornô para sofrer essa má influência. Nós mulheres somos expostas a um só padrão de beleza diariamente, sem precisar adquirir nada. É o “privilégio” da nossa condição feminina.

Pois é, outro problema pra minha aceitação da indústria pornô é que sempre fui feminista. E consigo pensar em poucos lugares menos aconchegantes pra mulheres que na indústria pornô. Provavelmente a situação mudou desde que a Linda Lovelace recebeu 200 dólares para fazer Garganta, que rendeu milhões aos produtores. Porém, ainda é uma indústria em que astros geralmente ganham mais que estrelas e que, por causa de um padrão duplo de sexualidade, vê promiscuidade para homens e mulheres de um jeito muito diferente (uma camisa feminista diz: “Eu achava que era uma vadia, até notar que estava agindo como um homem”). Há várias cenas de humilhações de mulheres em filmes pornôs, para satisfazer um nicho do mercado. Sem mencionar as cenas que incluem violência contra as mulheres, atrocidades como simulações de estupros. Esse é um dos exemplos que prova que a indústria pornô é pensada por homens para homens, pois assistir a uma cena de estupro provoca um efeito totalmente diverso num homem e numa mulher. Para uma mulher, a ameaça de estupro é constante e real. Portanto, ver uma cena de estupro num filme é diferente de ver um assassinato, porque não é uma em cada sete pessoas que é morta, sabe?

Tem quem ache que filmes pornôs dão poder às mulheres. Pessoalmente, esse argumento me soa tão fraco quanto o de uma moça muçulmana que tentou me convencer dizendo que sua religião trata hiper bem suas mulheres, apesar de obrigá-las a usar véus, promover, em vários casos, a mutilação do clitóris, e incentivar maridos a punirem fisicamente suas esposas. Segundo essa moça, os homens islâmicos idolatram suas mulheres: “Somos mães de seus filhos! Eles nos põem num altar!”. Ou seja, desde que a mulher seja mãe, ela será bem tratada. Nos filmes pornôs, a garantia dos bons tratos não existe nem que a mulher cumpra suas únicas duas funções – ser bonita e estar disponível pra fazer sexo com todas as pessoas (e animais) que aparecerem na sua frente.

No entanto, embora eu não tenha nenhum apreço pela pornografia, sou contra a censura (sou a favor dela apenas para a parte da indústria que lida com pedofilia e zoofilia). Mas me dou o direito de sonhar com um mundo onde a sexualidade não precise ser vendida em pacotes para ser consumida. Também não sou muito fã de sex shops, porque é mais um meio de tentar lucrar em cima de uma coisa que deveria ser de graça. Sexo não deveria envolver uma competição preocupada em criar atletas sexuais e bater recorde de número de parceiras. Sexo é um dos raríssimos prazeres grátis que temos na vida. Essa necessidade capitalista de agregar valor a algo tão natural me lembra Admirável Mundo Novo, em que os cidadãos sofrem lavagem cerebral para detestar ficar ao ar livre (que é nada rentável), ao mesmo tempo que são condicionados a sair para praticar esportes – esportes que pedem equipamento caríssimo, lógico. Uma simples caminhada não vale.


Este texto meu sobre pornografia foi publicado na revista eletrônica Woof Magazine de maio.

MEMORIAL DO IMPÉRIO EM GUERRA PERMANENTE

Aqui nos EUA toda última segunda-feira de maio é feriado nacional, Memorial Day, em que se saúdam soldados americanos mortos em guerras. Como o país promove muitas guerras, realmente deve ter muitos mortos pra homenagear. As ruas se enchem de vermelho e azul, e suponho que o número de bandeiras vendidas só rivalize com o de 4 de julho. Inicialmente o Memorial Day foi criado pra celebrar os mortos na Guerra Civil, mas logo foi estendido pra todas as atividades bélicas de que o império participa. No quadrinho de 1900, a legenda mostra o menino dizendo: “Pode apostar que eu também serei um soldado quando crescer, como meu tio David”. Sim, e pode apostar que os EUA vão sempre precisar de soldados.

domingo, 25 de maio de 2008

AMO O CHICO DE PAIXÃO E SOU CORRESPONDIDA

Eu tinha certeza que já havia falado quarenta vezes de um dos momentos mais marcantes da minha vida, mas, como não encontrei nada, vou escrever novamente. Tô falando de quando conheci o Chico Buarque.

Preciso contextualizar: o Chico é Deus pra mim. Sempre foi. Quando eu era criança, reunia meus amiguinhos e juntos cantávamos “Cálice” e “O Meu Amor”, entre outras, e eu não tava nem aí que as canções não eram exatamente infantis. Tive minha fase Saltimbancos, claro, e acho que qualquer um que cresce ouvindo “Nós gatos já nascemos pobres / Porém, já nascemos livres / Senhor, senhora, senhorio / Felino, não reconhecerás!” já ganha uma vantagem incrível sobre as crianças da década de 80 que cresceram ouvindo “Ilarie iliarie ilarie ô ô ô” (e não faço idéia do que o pessoal ouviu na década de 90 e na atual, mas duvido que bata os Saltimbancos).

Músicas podem moldar nossas vidas. Moldou a minha. Lembro de quando eu tinha uns dez anos e minha mãe me fez sentar e ouvir “Construção”. Acho que foi a primeira vez que notei que minha rotina de classe média (alta, na época) não era a mesma de todos os outros seres humanos do mundo. E escutando todos aqueles versos terminando em proparóxitonas eu comecei a chorar sem parar. E tive a certeza de estar diante do maior poeta do universo.

E eu não escapo aos clichês, óbvio. Acho que ninguém entende tão bem as mulheres como o Chico, que ele pode não ser um grande cantor, mas ninguém canta tão bem suas canções como ele próprio... E que ele é lindo. Mas sempre achei o Chico mais lindo por dentro que por fora. Admiro sua coerência política, sua humildade, sua postura, tudo.

Então, em janeiro de 1990, quando ainda morava em SP, fui com uns amigos ao Ibirapuera ver um show em comemoração ao aniversário da cidade. Era um show com três gênios: Chico, Tom Jobim e Milton Nascimento. Adoro os três de paixão. Mas o show em si não foi uma maravilha: O Tom estava completamente bêbado, e às vezes nem se ouvia direito a música porque as fãs exaltadas do Chico (creio que eu inclusa) não paravam de gritar.

Depois do show, eu e meus amigos fomos à uma pizzaria mais chique do que estou acostumada. E lá estava eu, entre um e outro pedaço de pizza, quando um amigo me cutucou, apontou pra duas mesas na frente, e perguntou: “Ei! Aquele lá não é o Chico Buarque?”. Minha resposta imediata foi: “Não, não pode ser”. Mas era. Ele estava papeando com um pessoal, e eu tive de ir até lá e interromper. Antes, pedi aos meus qualquer pedaço de papel pra suplicar um autógrafo.

Cheguei à mesa do Chico tremendo, comovida, como quem vê Deus pela primeira vez. E dei pra falar um monte de besteira. Coisas do gênero “Tudo que eu sou hoje devo a você”, sabe? Eu havia visto bastante o Chico meses antes, em 89, em vários comícios gigantes pró-Lula (contra o Collor – quem tinha razão? Hein? Hein?). Num deles, acho que no Pacaembu, o Chico havia chegado meio de improviso, sem ter preparado nada pra cantar. Eu me lembro de um carinha sem noção gritando “Canta 'Construção'!”. Chico acabou cantando “Gota d'Água”, que tem letra muito mais fácil. Perguntei pra ele, lá na mesa, se era verdade que ele esquecia a letra de todas as suas músicas. Ele disse que sim. E teve mais conversa que esqueci (ele muito prestativo), até que me dei conta que eu estava interrompendo e me preparei pra minha saída triunfal, não sem antes pedir um autógrafo. Ele, hiper gentil, quis saber meu nome, e rabiscou alguma coisa naquele cartãozinho. Agradeci, voltei pra minha mesa, e só aí vi o que ele havia escrito: “Lola, eu te amo. Chico Buarque de Hollanda”.

Pena que não tenho o cartãozinho aqui pra reproduzi-lo pra vocês. Mas é a pura verdade. Por uma grande ironia, o tal cartão que um amigo me passou tem o logo de algo como “Filhos da Revolução”. Pelo que sei, isso é parecido à TFP - Tradição, Família e Propriedade. É de doidos que chamam o golpe militar de 64 de revolução. Ainda bem que nem eu nem o Chico, embebecidos de amor que estávamos, reparamos no que tava escrito.

Vocês não podem ver o autógrafo, mas o maridão, que conheci meses depois de encontrar Deus, vê o tal cartãozinho semanalmente. Toda vez que ouvimos alguma música do Chico e começamos a discutir quem gosta mais dele, pergunto pro maridão: “Você tem comprovação por escrito que o Chico te ama?”. Pois é, gente, sinto muito, morram de inveja, mas uma declaração de amor dessas acho que nem a Marieta tem. Ou tinha.