segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

ADRIANA DIAS, PRESENTE!

Morreu ontem, aos 52 anos, a antropóloga Adriana Dias, uma das maiores pesquisadoras sobre a extrema-direita Brasil. Vai fazer uma falta tremenda.

Adriana, mestra e doutora em antropologia social pela Unicamp, esbarrou no neonazismo nas redes por acaso, em 2002, e pouco depois fez dele seu principal objeto de estudo. Como ela declarou numa das inúmeras entrevistas que deu (esta ainda em 2018), "quando comecei a pesquisar a extrema direita no Brasil e no mundo, as pessoas não viam sentido nesse esforço, porque não acreditavam na existência de um movimento neonazista. Agora as pessoas estão muito conscientes de que o fenômeno existe. No meu mestrado em 2007, a situação já estava muito mais grave do que quando iniciei as pesquisas. E, hoje, vivemos o que considero um tsunami do movimento da direita".

De origem humilde, Adriana era evangélica e se converteu ao judaísmo ao se deparar com os horrores do Holocausto. Recebia ameaças desde 2009, quando denunciou o plano de um ataque terrorista neonazista. Não se acostumava com o ódio: ela me contou que muitas vezes vomitava ao ler o que os supremacistas escreviam.

Mas esse mal-estar também era acentuado pelos seus muitos problemas de saúde. Ela nasceu com osteogênese, a popular "ossos de vidro". Sofria de uma doença cardíaca grave e várias doenças raras, que a levaram a passar por 33 cirurgias, 300 fraturas, e muitas internações em UTI. Seu marido, o artista plástico Marcelo, também teve câncer, mas conseguiu se recuperar. Infelizmente, ela não. Não desta vez.

Adriana lutava pelos direitos das pessoas com deficiência. Por exemplo, ela redigiu o Minimanual do Jornalismo Humanizado - Pessoas com Deficiência, que pode ser baixado aqui, para ajudar os veículos de comunicação a não pisarem na bola e evitarem o capacitismo.

Acho que a primeira vez que ouvi falar nela foi em 2018, quando ela participou da audiência pública sobre ADPF 442 (descriminalização do aborto) no Supremo Tribunal Federal, e fez uma fala brilhante sobre aborto e eugenia. Ela discursou: "eugenia é nos negar [a pessoas com deficiência] igualdade de condições e participação na vida social, inclusive por meio da reprodução; eugenia é o Estado gerir nossa vida, nos esterilizar, e decidir nossa fecundidade. Não é eugenia nos garantir e garantir a qualquer mulher o direito de decidir [abortar] por qualquer razão que seja". Foi aplaudida de pé.

Além de antropóloga, ela era também programadora, o que a ajudava a vasculhar os fóruns de ódio na Deep Web. Ela custava a acreditar no que via: uma mensagem antissemita no Twitter a cada 4 segundos, uma postagem em português contra negros, pessoas com deficiência e LGBTs a cada 8 segundos, e milhares de posts celebrando nazistas e supremacistas (número que chega a milhões quando é o aniversário ou o dia da morte do sujeito). 

Antes de Bolsonaro, um neonazista, chegar ao poder, Adriana já tinha identificado 334 células neonazistas no Brasil. Esta movimentação de extrema-direita explodiu com a eleição do Coisa Ruim, e Adriana falava sempre da necessidade de desnazificar o país. Durante todo o mandato de Bolso, ela não se cansou de denunciar as muitas semelhanças entre o governo e o início do nazismo na Alemanha de 1930. Em 2021 fez uma grande descoberta: encontrou uma carta do então deputado federal Jair a um portal neonazista. A carta, de 2004, dizia "Vocês são a razão do meu mandato". Se restava alguma dúvida da ideologia genocida do ex-presidente, depois disso ficou muito evidente que os brasileiros elegeram um nazista.

Como conta o jornalista Matheus Pichonelli, que era também seu amigo, Adriana se indignou com a postura de Bolso durante a pandemia, dizendo que Covid era apenas uma gripezinha e que alguém com seu "histórico de atleta" não tinha o que temer. Adriana escreveu a Matheus: "Lutei muito para chegar onde cheguei, apesar dos meus problemas respiratórios e da minha doença crônica óssea, que dificulta muito a intubação respiratória. Eu tenho doutorado pela Unicamp, combato neonazismo no Brasil, lutei muito pelo direito das pessoas com deficiência, das mulheres, contra o racismo. Escrevi mais de 60 leis, entre municipais, estaduais e federais, em vertentes de direitos humanos diversos. Tudo foi conquistado com muito esforço. E está sendo dito que minha vida é eliminável".

Infelizmente, nunca conheci Adriana pessoalmente, mas conversávamos com certa frequência por DM. Ela me recomendou (e enviou pra mim) o livro Women of the Klan, de Kathleen M. Blee, que me fez entender melhor a participação de mulheres na extrema-direita. Foi com Adriana que aprendi que a expressão "racismo reverso", tão usada hoje por reaças que é quase um termo do senso comum, foi criada em 1974 por um membro da Ku Klux Klan, numa tentativa (bem sucedida) de tornar termos nazistas aceitáveis.

Comigo ela sempre foi de uma doçura ímpar. Preocupava-se comigo, enviava prints que colhia na Deep Web (onde nunca entrei) de ameaças a mim e a meu marido, pedia para que eu instalasse uma câmera de segurança na frente de casa. Tive a honra de poder entrevistá-la numa live em outubro de 2021. 

Adriana morreu antes de poder escrever o livro que tanto planejava, com todas as suas investigações sobre o neonazismo no Brasil. Mas seu legado permanece nas dezenas de entrevistas que deu, nos vários textos que publicou na Fórum e no Think Olga, nas aulas com que nos brindou quase até o final da vida. 

Mesmo já muito doente, ela fez parte da equipe de transição no governo Lula, na área de direitos humanos (o ministro Silvio Almeida publicou uma nota de pesar com a sua morte). 

Você vai deixar saudades, amiga.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

VAMOS COMEÇAR UM PROTOCOLO PARA AGRESSÃO SEXUAL EM CASAS NOTURNAS AQUI NO BRASIL?

A esta altura todo mundo já sabe do caso de estupro envolvendo o jogador da seleção brasileira Daniel Alves. E sim, como várias pessoas apontaram, a gente ouviu de muitos homens mais reclamações sobre a convocação do Daniel pra seleção do que sobre o estupro. E causa indignação como a maioria dos jogadores não tem nada a dizer sobre isso.

E, claro, é incrível que ainda exista quem defenda Daniel e culpe a vítima! No dia 30 de dezembro, Daniel esteve no camarote vip da boate Sutton, em Barcelona. Seguiu uma moça de 23 anos ao banheiro e lá a estuprou. Ele já mudou de versão três vezes: primeiro disse que não a conhecia e que nunca a tinha visto, depois (principalmente ao saber que a vítima descreveu à polícia uma tatuagem que Daniel tem na virilha) disse que ela o seguiu e o atacou no banheiro, e depois disse que houve sexo, mas que foi consensual. 

Já a vítima manteve a mesma versão desde que conseguiu sair do banheiro (as câmeras de segurança da boate mostram que eles ficaram 15 minutos dentro do banheiro -- obviamente, não há câmeras dentro do banheiro). Desesperada, ela contou a suas amigas que havia sido agredida e estuprada. Minutos depois, a polícia já estava no local (Daniel havia saído, ou teria sido preso em flagrante), e uma câmera no uniforme de um policial registrou o nervosismo da moça. Ela foi levada a um hospital para exames médicos que constataram lesões condizentes com luta corporal e com um estupro. Além disso, ela tinha sêmen no vestido

A polícia catalã inicialmente divulgou informações falsas, como que Daniel esteve no banheiro por apenas 47 segundos. O jogador já estava no México, pois era contratado pelo Pumas (que já o dispensou). Se voltasse para o Brasil, seria um outro Robinho da vida (que foi condenado em última instância na Itália mas segue livre por aqui). A polícia sabia que a sogra de Daniel havia morrido (ele é casado com uma modelo espanhola) e propôs à defesa dele uma reunião informal. Ele compareceu à delegacia seguro de si, sem advogado. E foi preso sem direito à fiança. Pode pegar 15 anos de prisão.

A postura da vítima por si só já deveria ser suficiente para que as pessoas que não acreditam que estupro existe mudassem de opinião: ela não quer fama (não aceita ser identificada, o que é seu direito) nem dinheiro (falou perante a juíza que não quer compensação financeira). Além disso, ela não foi a única vítima: uma amiga declarou que Daniel também a apalpou na boate. O irmão de Daniel, em vez de culpar a masculinidade tóxica ou o irmão por arruinar sua carreira, acusou um "esquema demoníaco-diabólico". 

Ao ser entrevistada, a advogada da vítima concordou que esse é um caso com mais indícios que o comum, porque o atendimento foi na hora: "Minha cliente saiu da discoteca em uma ambulância e isso já mostra como a atuação foi imediata. Há muitas vezes que as mulheres demoram 15 dias, um, dois meses para denunciar. Com isso, muitas provas desaparecem". 

No início da semana surgiu nas redes sociais a pertinente pergunta "E se o caso Mariana Ferrer tivesse ocorrido na Espanha?" Provavelmente o estuprador de Mari estaria preso. E é sobre isso que eu gostaria de falar: desse protocolo que é adotado nas casas noturnas de várias cidades na Espanha. 

Antes, para explicar o que é esse documento, reproduzo aqui os cinco princípios que guiam o protocolo, segundo matéria do G1 publicada ontem:

O primeiro [princípio] é que a atenção prioritária deve ser dada à pessoa atacada. Em caso de agressão, ela deve receber a devida atenção. Em casos graves, ela não pode ser deixada sozinha, a não ser que queira.

O segundo princípio orientador é o respeito às decisões da pessoa agredida. Ela deve receber as informações e conselhos corretos, e ela deve tomar a decisão final, mesmo que esta pareça incompreensível para os demais.

Terceiro princípio: o foco não deve estar num processo criminal. Estes são complexos, difíceis também para quem foi agredido e muitas vezes terminam de uma forma não satisfatória para quem sofreu uma agressão. Isso pode gerar frustração, e por isso é importante informar e levar em conta que existem outras formas de tratar a situação e dar importância ao processo de recuperação da pessoa agredida.

O quarto princípio é a atitude de rejeição ao agressor. Deve-se evitar sinais de cumplicidade com ele, mesmo que seja apenas para reduzir o clima de tensão. É importante mostrar que há uma clara rejeição à agressão e envolver o entorno do agressor nessa rejeição.

O quinto e último princípio é o da informação rigorosa. Tanto a privacidade da pessoa agredida como a presunção de inocência da pessoa acusada devem ser respeitadas. Por isso, é aconselhável não repassar informações oriundas de fontes não confiáveis ou espalhar boatos.

A partir desses cinco princípios, o protocolo é estruturado em três eixos: as ações de prevenção, as instruções para identificar um caso, e as instruções sobre como lidar com um caso de agressão ou abuso sexual.

Como prevenção, o protocolo prevê que não sejam usados critérios sexistas ou discriminatórios para ingresso num espaço de lazer, por exemplo cobrar valores de ingressos diferentes para homens e mulheres ou dar entrada gratuita ou vale-bebida para mulheres.

Os proprietários também não devem atentar para a aparência das mulheres na hora de decidir quem pode ou não entrar, nem aplicar códigos diferenciados de vestimentas para homens e mulheres.

O estabelecimento deve comunicar aos frequentadores que aplica o protocolo, e uma atenção especial deve ser dada às áreas escuras – em discotecas, por exemplo.

Ações promocionais não devem fomentar a desigualdade de gênero ou mostrar desrespeito por pessoas em razão de gênero ou diversidade sexual, por exemplo na forma de cartazes que promovam códigos de vestimenta distintos ou que apresentem mulheres como objetos sexuais.

O protocolo ainda destaca, entre as ações de identificação, a importância de o local ter uma pessoa com formação mínima para identificar as diferentes formas de agressão e assédio sexual.

Da mesma forma, o local deve dispor de pessoal capacitado para dar atenção às vítimas e para coordenar a ação envolvendo o caso.

O protocolo ainda lembra que, em caso de flagrante, o agressor, segundo a lei local, pode ser detido por qualquer pessoa, e que o responsável pela segurança do local tem a obrigação de detê-lo.

Já a pessoa agredida deve ser levada a uma sala onde possa ser atendida, nos casos de agressão sexual, estupro ou abuso sexual grave. Nos demais casos não há necessidade de um espaço específico, mas este deve ser reservado e garantir tranquilidade e isolamento.

Voltando aqui, podemos ver pelo protocolo que o foco deve ser na vítima, não no agressor. Os funcionários das casas noturnas e bares são treinados para aprender a identificar e prevenir a violência contra mulheres e saber como agir. A prefeita de Barcelona, Ada Colau, deu o tom ao declarar: "Quando sofremos uma agressão, nossa cidade não deve nos julgar, mas nos acompanhar e defender".

O protocolo surgiu a partir da revolta de boa parte da população espanhola com o caso "La Manada" ("o bando"), ocorrido em 2016, em que cinco homens (um deles membro da Guarda Civil; outro, do exército) estupraram uma jovem, filmaram o crime e o divulgaram nas suas redes sociais, mas a Justiça decidiu que o crime não era agressão sexual (estupro), e sim abuso sexual. Isso gerou uma intensa discussão sobre definições de estupro.

A justificativa para um protocolo não foi a única mudança. Em agosto do ano passado, o país aprovou a Lei da Liberdade Sexual, também conhecida como a lei "solo sí es sí" ("só sim é sim"), que trata de eliminar distinções entre abuso e agressão sexual. Com essa mudança, toda intenção sexual sem consentimento passou a ser vista como agressão sexual. E agora Daniel Alves pode ser a primeira celebridade condenada por essa nova lei.

A feminista espanhola Julia Salander gravou um vídeo muito bom explicando tudo que aconteceu, e como o segurança da boate não teve dúvidas em acionar o protocolo. No vídeo curtinho ela faz excelentes perguntas: "O que mais precisamos para acreditar na versão desta garota?", "O quão impune tem que se sentir esse senhor para fazer isso numa discoteca, na frente de todo mundo?" e, principalmente, "O que aconteceria se isso ocorresse num país sem protocolos?" 

Pois é, sabemos pelo caso Mari Ferrer o que ocorre num país sem protocolos: o estuprador rico é absolvido, apesar de uma montanha de evidências; a casa noturna apaga provas em câmeras de segurança; a vítima é humilhada e ofendida na audiência pelo advogado de defesa sem que o juiz ou o promotor se pronunciem (pelo menos isso tem sido impedido pela lei Mari Ferrer), e há sempre um batalhão de robôs de prontidão para atacar a vítima sempre que o caso é mencionado nas redes sociais. Tudo isso faz com que inúmeras vítimas de estupro decidam não denunciar. Afinal, serão elas a ser julgadas e condenadas, não o estuprador. 

Minha sugestão é aproveitar a repercussão do caso Daniel Alves (e do protocolo espanhol), e aproveitar também que agora não temos mais um governo declaradamente misógino, e sim preocupado com os direitos das mulheres, e bolar um protocolo de segurança para ser adotado nas casas noturnas e bares do Brasil. Não sei como funciona isso, se tem que ser uma iniciativa de alguma deputada federal para fazer e aprovar um projeto de lei (o que leva tempo), ou se pode vir do diálogo entre dois ministérios, o do Ministério das Mulheres, comandado por Cida Gonçalves, e o dos Direitos Humanos, comandado por Silvio Almeida. Mas vamos fazer acontecer? 

UPDATE em 2/8/23
: De autoria da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) e outros 26 parlamentares, um projeto de lei importante foi aprovado ontem na Câmara (agora segue para o Senado). É o Protocolo "Não é Não", para combater constrangimento e violência contra mulheres em casas noturnas. Quando virar lei, estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas deverão ter pelo menos uma pessoa qualificada para atender ao protocolo, inspirado em um protocolo espanhol chamado "No Callem", que resultou na prisão de Daniel Alves por estupro. Além disso, estabelecimentos comerciais que não serão obrigados a adotar o protocolo receberão o selo "Não é Não" - Mulheres Seguras, caso o adotem. Haverá uma lista de lugares que tentam ser seguros para mulheres. Veja aqui o que mais o PL 3/23 aborda. Grande dia!

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

VEREADORA CASSADA POR MISOGINIA NO RIO GRANDE DO SUL

"Mulher de esquerda mas sobretudo mulher de luta", diz camiseta de manifestante em Montenegro, RS

Vamos de boa notícia para animar o ano! Em outubro em Montenegro, região metropolitana do Rio Grande do Sul, a vereadora bolsonarenta Camila Oliveira, do Republicanos, gravou um vídeo no seu gabinete com duas adolescentes cantando uma música que compara mulheres de esquerda a cadelas. E hoje ela foi cassada por quebra de decoro parlamentar! Parabéns às feministas da cidade!

A vereadora cassada dublou o funk "proibidão do Bolsonaro", do MC Reaça. A música é uma paródia de "Baile de Favela" e é um hino do bolsonarismo, que é misógino até o talo. Ela diz: "Dou pra CUT pão com mortadela / E pras feministas ração na tigela / As mina de direita são as top, mais bela / Enquanto as de esquerda tem mais pelo que cadela".  

Não só a música é um lixo misógino como também seu autor. Em 2019 MC Reaça tentou matar a amante grávida e se matou. Bolso, que pouco antes havia ignorado a morte de artistas consagrados como Beth Carvalho, homenageou o cidadão de bem no Twitter: "será lembrado por seu amor pelo Brasil". Lógico que nem o presidente nem seus filhos manifestaram solidariedade à mulher que fora espancada pelo artista e que estava internada em estado grave.

Em outubro do ano passado, quando foi iniciado o processo de cassação (pedido pelo PDT), Camila se disse "perseguida" e disse que seu ato não teve "qualquer cunho de intolerância". Num discurso que fez, manifestantes lotaram a Câmara e deram as costas pra ela enquanto falava.

Publico o guest post de Maria Cristina Wagner Griebeler, jornalista e militante do PT, junto a algumas fotos enviadas por Nailton Gama, coordenador regional do PT, que vibrou com a decisão: "O Vale do Caí não é terra de ninguém, estamos todos e todas atentos e fortes. Que sintam o peso e a consequência dos seus atos! As companheiras que desde o início das denúncias organizaram essa luta de maneira exemplar, fazendo política com P maiúsculo e assim conseguindo obter a justiça esperada!"

Vereadores de Montenegro cassaram o mandato de Camila Oliveira (Republicanos) por unanimidade em sessão extraordinária nesta segunda-feira, 16 de janeiro. Por nove votos a zero, a ex-vereadora fica inelegível por 8 anos por publicar vídeo nas dependências da Câmara atacando as mulheres de esquerda, nas dependências da Câmara, usando imagens de menores.

O Grupo Feminina Montenegro saudou a decisão da cassação. O Coletivo, formado por mulheres de todos segmentos sociais e cores partidárias, esteve acompanhando as sessões da Câmara desde a instalação do processo em meados de outubro, na luta por justiça.
Liliane Melo, integrante do Coletivo, afirma: “é lamentável que tenhamos que nos mobilizar para pedir a cassação de uma mulher, mas a parlamentar reproduziu em suas manifestações falas de cunho machista, de ataque às mulheres que fazem política e se posicionam na vida pública, ao invés de usar seu mandato para assegurar que políticas públicas voltadas às mulheres tenham a atenção que merecem. Mandatos femininos ainda são minoria principalmente no interior; no entanto, não é possível admitir ataques deste tipo”. 

O Pedido de Cassação, encaminhado pelo PDT, tramitou na Câmara de Montenegro sob a análise da comissão formada pelos vereadores Felipe Kinn da Silva, Presidente; Valdeci Alves de Castro, Relator; e Ari Arnaldo Müller, membro. O relatório final já havia sido aprovado por unanimidade na comissão.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

ONTEM BOLSONARO PERDEU MAIS UMA VEZ. A DEMOCRACIA VENCEU

Ontem vimos cenas deploráveis e inéditas de terroristas invadindo e destruindo o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Foi uma das maiores tentativas de golpe à democracia que o Brasil já viveu.

Durante toda a semana passada notava-se, entre os bolsonarentos, uma mudança de rumo. Em vez de acampamentos em frente a quartéis generais em várias cidades (acampamentos patrocinados pelo agronegócio e compostos em boa parte por militares reformados e familiares, e que foram removidos apenas hoje, em sua maioria), a palavra de ordem virou "guerra santa". Em código, os idólatras do messias fujão mencionavam a "festa da Telma" (em vez de "selva", palavra que milicos costumam usar como saudação). 

Os bolsogolpistas achavam que, dando o pontapé inicial (invadindo as sedes dos três poderes), o exército iria finalmente agir, dando o golpe militar e instalando a tão pedida intervenção. No mínimo, as cenas de guerra seriam suficientes para que as forças armadas assumissem o poder, prendessem ou matassem o Lula, e decretassem estado de sítio. Os caminhoneiros ajudariam bloqueando estradas e parando o país. Para que tudo desse certo, pediam um ou dois milhões de "manifestantes" em Brasília. Foram uns 4 mil em quarenta ônibus fretados de todo o país. 

Era pouca gente, mas tudo bem. Com os golpistas acampados e, principalmente, com a conivência das forças armadas e da polícia militar, essa gente seria suficiente. E foi. Primeiro a PM escoltou os golpistas até perto da Praça dos Três Poderes. Só faltou carregar no colo. Em seguida, com imensa facilidade, os terroristas derrubaram os obstáculos (acho que tinha três grades móveis lá) mantidos por uma dúzia de PMs, que tentaram responder com gás de pimenta (bala de borracha, jamais! Isso é só em protesto de professor ou no MST!). E da praça passaram a depredar e saquear os prédios pela frente. No caminho, agrediram uns oito jornalistas e roubaram seus equipamentos. 

O governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), bolsonarista de carteirinha, nada fez para impedir a destruição anunciada. Seu secretário de segurança, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, não estava em Brasília -- estava em Orlando, de férias, e teve pelo menos uma reunião com seu ex-chefe Jair. Ibaneis mandou exonerar Anderson, que ainda pode ser preso, se voltar ao Brasil. Ibaneis pode ser impeachado. Hoje foi cassado por três meses (sua vice, mais bolsonarista ainda, ficou no lugar, mas Lula já havia decretado intervenção federal no DF). O MDB discute expulsar Ibaneis do partido. 

Ontem Lula, em discurso duro, disse de Bolso: "Esse genocida não só provocou isso, não só estimulou isso, como, quem sabe, está estimulando ainda pelas redes sociais, lá de Miami". Felizmente, Lula passou o domingo em Araraquara, SP, trabalhando, vendo o que poderia ser feito com a destruição da cidade causada pelas chuvas. Se tivesse estado no Palácio do Planalto, poderia ter sido assassinado pelos bolsogolpistas. Não haveria polícia para protegê-lo. Talvez os PMs participassem da execução.


A tentativa de golpe ontem em Brasília aconteceu dois anos e dois dias depois da invasão do Capitólio nos EUA, comandada por Trump. Há várias diferenças, lógico. Biden ainda não havia sido empossado quando o ataque ao Capitólio ocorreu; Lula, sim (um domingo antes). O Capitólio estava trabalhando, cheio de congressistas; o nosso Congresso, não (já que era um domingo e, além do mais, os deputados estavam em recesso). Lá invadiram e destruíram apenas um prédio; aqui, foram três. Lá houve cinco mortes; aqui, graças, nenhuma. Mas, o principal: lá a polícia tentou conter os terroristas; aqui, tirou selfie com eles. 

Só no início da noite a Força Nacional conseguiu tirar os terroristas dos prédios e começar a prendê-los. Ontem foram 200. Hoje, mais 1.200. Os mesmos bolsogolpistas agora reclamam que assim (punindo), Lula não vai pacificar o país, e que eles estão sendo tratados como a Alemanha dos anos 30 (aquela que Bolso tanto admira, a ponto de inventar um avô nazista que lutou por ela) tratava seus desafetos. Deputados e senadores bolsonarentos -- muitos dos quais instigaram a tentativa de golpe -- pedem uma CPI contra "prisões ilegais". Mas pelo jeito o que vai sair mesmo é uma CPI para investigar os atos golpistas, com poder de chegar até o mandante-mor, seu Jair.

Entretanto, a maior narrativa da extrema-direita agora é que foram esquerdistas infiltrados os autores do terrorismo. Os "manifestantes pacíficos" nunca quebraram ou roubaram nada! Pelo contrário, tentaram impedir e capturaram os infiltrados! Merecem ser condecorados. Óbvio ululante que ninguém cai nessa, mas essas mentiras deslavadas não são pra gente. São pra eles. Eles precisam seguir acreditando, contra todas as evidências, que são cidadãos de bem, não vândalos saqueadores que aniquilam patrimônio público e urinam e defecam em cima de móveis. 

Ontem a democracia brasileira foi golpeada, mas sobreviveu. Tirando uma minoria, todo o país está revoltado com o que viu (até os terroristas, que negam tudo). A maior parte da mídia chamou os apoiadores de Bolso de golpistas, terroristas, criminosos, vândalos, não "manifestantes". Eles precisam ser punidos, seus patrocinadores também. Devem ser presos e condenados a pagar o que destruíram. E aumentam as chances de Bolso ser preso, pois seus laços com os golpistas são óbvios (o editorial do Miami Herald, por exemplo, leva o título "Bolsonaro se esconde na Flórida enquanto apoiadores violentos fazem seu serviço sujo no Brasil"). 

Eles perderam as eleições ano passado. E ontem perderam mais uma vez.