sexta-feira, 31 de maio de 2013

GUEST POST: MINHA CERTIDÃO DE NASCIMENTO COMO SER HUMANO


Em Porto Alegre, dezenas de pessoas acamparam durante um mês e meio para impedir que pelo menos 115 árvores (que o jornal Zero Hora chama de vegetais) fossem derrubadas para a duplicação de uma via, uma das obras da Copa 2014. Na madrugada de quarta, duzentos policiais retiraram, com violência, esses manifestantes. 
Um deles, o psicólogo Samuel Eggers, me escreveu: "tu e teu blog são importantes na minha caminhada. Tenho a sorte de ser amigo e conviver com muitxs amigxs feministas, principalmente mulheres lindas por serem de luta, que volta e meia postam teus textos no facebook e me deram a oportunidade de aprender com as tuas lutas. 
"Pra mim, esse texto em anexo é tão teu quanto meu. Salvo eventuais machismos meus, é um texto tão ecológico e libertário quanto feminista, porque estamos todxs lutando em nome da mesma causa. E é em nome dessa causa em comum que te peço que o publique".
Este é um guest post que foge um pouco do estilo do blog, mas é importante porque narra o despertar de um ativista. Quero que todxs sejamos, cada qual a seu modo, ativistas. [Que horror, que horror. Veja o update no final].
Considerando a quantidade de omissões e mentiras descaradas que estão sendo divulgadas na grande mídia de Porto Alegre, decidi escrever meu relato a respeito dos acontecimentos da madrugada de quarta no gramado ao lado do prédio da Câmara de Vereadores, de onde o acampamento Ocupa Árvores e seus habitantes foram desalojados a pauladas pela Brigada Militar. 
Penso que sou capacitado pra falar sobre este assunto, porque eu fui um dos algemados. E por isso, descreverei os fatos da maneira mais direta, e talvez crua, que eu consigo imaginar.
Primeiro, eu não sei porque serei indiciado por “desacato ou desobediência à ordem policial”, e não sei porque o Zero Hora, maior jornal do Rio Grande do Sul, dá a entender na reportagem em seu site que apenas os manifestantes que resistiram à retirada das barracas foram algemados. Nosso crime, se realmente existe algum, foi termos montado nossas barracas em uma área de grande interesse para a especulação imobiliária e para as grandes empreiteiras, e nossa resistência talvez tenha sido nossa cara de sono e espanto.

Fomos acordados à pauladas e gritos para que nos deitássemos no chão e calássemos a boca, enquanto os policiais presentes se certificavam de que todos nós estávamos algemados. Também não entendo que tipo de resistência nós, os vinte e sete prisioneiros, sem treinamento ou equipamento militar, poderíamos oferecer contra todo o contingente policial que foi deslocado para nos conter. E não precisa acreditar em mim, basta olhar na notícia da Zero Hora as fotos e os batalhões envolvidos – 200 soldados da Brigada Militar, do Batalhão de Operações Especiais (BOE) e do Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE), sem contar a polícia montada, que também estava lá.

Devemos ser um grupo bastante perigoso para justificar não apenas todo esse exército contra nós, como também o profundo desprezo e humilhação com que fomos tratados pelos soldados da operação. Fomos arrancados de nossas barracas, jogados no chão, algemados e, quando abríamos a boca para pedir qualquer coisa, não importasse com quanta cordialidade o fizéssemos, ou nos mandavam calar a matraca, ou sofríamos algum tipo de agressão. Talvez por ser homem, branco e aparentemente de classe média, eu tive tratamento VIP, e só tomei uns puxões pelas algemas, uns empurrões e muita cara feia, nada que valesse um exame de corpo-delito. Porém, aposto que não posso dizer o mesmo dos companheiros que são negros, moram na rua ou "parecem" ser pobres. E mesmo assim, apesar de terem pegado leve comigo, nunca me senti tão humilhado em toda minha vida.
Depois de termos sido empilhados em um camburão improvisado e levados para a 9ª Delegacia de Polícia, ao lado do Mercado Público, fomos submetidos a um chá de cadeira de algumas horas -– só que algemados, em pé e de cara contra a parede. Quem tentasse telefonar para algum familiar para avisar que estava preso tinha seu celular confiscado, quem tentasse registrar a cena com algum aparelho fotográfico era intimidado, e quem quer que falasse um ai tomava um empurrão. A mensagem que os soldados nos passavam era clara: obedeçam, ou vão apanhar. Às vezes, essa mensagem vinha de maneira clara, e em outras, sob um verniz de educação: “tô te pedindo numa boa”, “por gentileza”.
Por algum motivo que desconheço, fui premiado com uma revista completa por dois brigadianos homens, que me levaram, sozinho, para um banheiro ali no canto. Eu, muito ingênuo, perguntei se eu iria apanhar. Um dos policiais riu da minha cara, dizendo “olha as idéias que vocês tem, agora tira a calça.” Antes de me mandar baixar a cueca, ele me perguntou se eu tinha alguma droga comigo. E, enquanto eu passava por esse pente fino, tentava estabelecer um diálogo, saber por que diabos estava ali, qual era meu crime. Contudo, a conversa acabava rápido, por que tudo o que tinham para me dizer era “por que tu foi desobedecer as ordens por causa de umas árvores?” Voltei, então, para a sala de espera, novamente algemado, até que algum oficial tivesse a boa vontade de mandar retirá-las.
Após termos todos sidos fichados, passamos por uma última humilhação: recolher nossas coisas, jogadas de qualquer jeito e quebradas na caçamba de um caminhão. Mais uma vez, eu não tive problemas, pois tinha levado apenas uma mochila com alguns livros, e o maior risco que eu corria era de ir trabalhar sem um pé da meia. Para outros camaradas meus, que trabalham com artesanato, não são classe média ou que moram na rua, a perda foi muito maior – perderam suas poucas e preciosas roupas, seu sustento, seu lar. 
Fico imaginando que muita gente que vai ler esse meu texto vai pular direto para os comentários pra me chamar de vagabundo, dizer que eu tinha mais é que apanhar por não trabalhar e obedecer a lei, que mendigo é tudo drogado ou lixo humano e que é melhor eu calar o bico e tocar minha vida, parar de me meter onde não sou chamado. 
Pra essas pessoas, que provavelmente acham a frase “direitos humanos para humanos direitos” o máximo, posso apenas dizer: ainda bem que nada disso aconteceu com vocês. Ainda bem que quando um policial chega perto, vocês não sintam o sangue gelar, e ainda bem que vocês não sabem o que é perder tudo que você chama de vida assim, de uma hora para a outra, por puro capricho de um governante qualquer. 
Esta madrugada, acampamos no largo do Gasômetro para impedir que árvores fossem cortadas, mas nossa luta não é só isso. Eu não milito em causa própria, por glórias, atenção, dinheiro ou cargos. Eu luto porque quero viver em um mundo onde ninguém –- nem vocês, nem os moradores de rua, nem os soldados da Brigada –- precise passar por privação. Esta luta também é sua e estamos do mesmo lado. Só que você ainda não percebeu, porque não entende que a liberdade de um é a liberdade de todos.
Por fim, este dia nasceu triste e opressivo, mas também é um dia de alegria, pois sinto que hoje tive meu batismo de fogo. Quando fui algemado, eu era apenas um menino idealista, mas quem saiu da delegacia foi um ser humano. Entrei para o grupo de pessoas que foram presas porque ousaram desafiar a tirania e combater a injustiça. Finalmente, sinto-me um igual, não apenas diante de homens e mulheres como Gandhi, Emma Goldman e Thoreau, mas também daqueles camaradas que há muito tempo gritavam para que eu me somasse à luta. 
Se queriam me assustar com ameaças, e fazer com que eu me recolhesse para dentro do meu mundo, fracassaram, pois hoje descobri que não quero viver numa “democracia” em que eu tenha que me calar e seguir as ordens dos meus superiores. Jurei que farei tudo que estiver ao meu alcance para transformar o mundo onde eu quero que meus filhos cresçam. Guardarei um lugar aqui pra ti, no dia em que perceberes o mesmo, e seguirei lutando enquanto você não acorda.

Enquanto eu, Lola, estava editando este post, chegou um email de uma leitora: 
"Aqui estão acontecendo diversas manifestações em função do corte de árvores feito pela prefeitura para duplicar avenidas em nome da Copa e pela forma ilegal e covarde que nós fomos retirados do nosso acampamento Ocupa Árvores e presos pela Brigada Militar. No protesto, ouvi o seguinte diálogo entre duas mulheres que assistiam à marcha pela cidade: 'Mas contra o que eles estão protestando?'
'Dizem que é por causa do corte das árvores, mas eles parecem transtornados de ódio. É grito de ódio contra a polícia, o capital, o governo, a mídia, até contra quem tá parado olhando. Às vezes parece que é só raiva reprimida'.
Percebi que quando eu protesto eu realmente sou movida por ódios -- exatamente todos os ódios que ela citou, e ainda alguns outros. E admito que já cometi atos 'impensados' em momentos de grande raiva. Confesso também que estou, cada vez mais, de saco cheio desse mimimi de manifestação pacífica. 
Essa situação das árvores foi a gota d'água: fomos 100% pacíficxs nos protestos que imploravam pra Prefeitura desistir de cortar as árvores, e cortaram. Mas no início do ano, quando protestamos para baixar o preço da passagem de ônibus, a prefeitura baixou depois que os protestos deixaram de ser pacíficos!
Enfim, pacífico é passivo? Esse ódio é certo? Aliás, o que move um protesto se não for o ódio? Por que algumas pessoas ativistas são tão resistentes quanto à violência? Essa resistência não caracteriza medo? O medo não deveria ser algo contrário ao protesto?"
UPDATE em 13/9/13: Samuel Eggers, o rapaz que escreveu este guest post, foi assassinado ontem, 12/9, enquanto estava num congresso em Caxias do Sul. Segundo a notícia, vários tiros foram disparados de um GM Monza de cor escura. Segundo relato de testemunhas, os criminosos disseram que ele tinha que morrer. Foi uma execução. Estou paralisada. Que os criminosos sejam encontrados e condenados rapidamente. Muita força à família. É terrível saber que mataram uma pessoa que ajudava a fazer o mundo melhor

quinta-feira, 30 de maio de 2013

GATINHA NOVA NO PEDAÇO

Conheça Isabel. E aproveite e compre o meu livrinho. Não sou eu que estou pedindo. É ela! 
Não, sério, como ando vendendo pouquíssimos livros através do bloguinho, vou apelar para uma operação de guerra: usar uma gatinha super fofinha pra apelar pro seu coração. Diz que funciona, vai. 
Isabel chegou domingo. Queríamos esperar um pouco mais pra adotar uma gata depois da morte da nossa amada Blanche, mas não deu. Minha mãe pediu, eu falei com a associação de defesa de animais que apoio aqui em Fortaleza, a APATA, elas mencionaram vários gatinhos precisando urgentemente de adoção, e minha mãe escolheu Isabel. Foi ela que deu o nome também.
Porque, né, animal não se compra -- se adota.
E agora temos esta linda bolinha de algodão pra alegrar nossos dias. O único problema é que o Calvin não gostou muito. Eles nem chegaram perto de se atracar, mas um fica fazendo russsss pro outro, as caudas dobram de tamanho... O preocupante é que, como Isabel fica na parte de baixo da casa, junto com minha mãe, Calvin evita descer. E é lá no microjardim que ele faz suas necessidades. 
Alguma sugestão de como fazer com que Calvin e Isabel se amem e virem melhores amigos logo?
Amanhã viajo pra Juiz de Fora, pro II Congresso Nacional da ANEL. No sábado participarei de uma mesa sobre opressões, às 10 da manhã. E, à tarde, 14 horas, darei uma oficina sobre reflexões e contradições do feminismo. É aberto para qualquer pessoa que queira participar. Espero que você aí que mora em Juiz de Fora compareça!
Volto no domingo de madrugada, preparo mais um monte de posts, aulas e palestras (dormir? Isso existe?), dou um montão de aulas na segunda, e terça viajo pra Santa Catarina. Já falei que será minha primeira volta pro belo estado onde vivi durante quinze anos desde que me mudei pra Fortaleza? Então, pena que vai ser tão rapidinho. 
Na quarta, dia 5/6, às 16 horas, na sala 04 do CCJ, dou o minicurso Feminismos são Direitos Humanos: Importância e Desafios. É aberto a todxs, só que tem que se inscrever. E logo. Se não me engano, as inscrições vencem hoje. Mas não deixe de ir, mesmo sem inscrição. 
No dia seguinte, 6/6, também às 16 horas, estarei em Balneário Camboriú para a palestra Mulheres e Judiciário, no 6o Sinjusc. E na sexta, bem cedinho, viajo de volta pra cá, pra muitas aulas à tarde. 
Lá pelo sábado, 8/6, espero conseguir respirar de novo. 
Precisa de mais uma foto da Isabel pra você comprar o livro? Então tá.

FEMINISTAS FAZEM FACEBOOK ADMITIR QUE NÃO COMBATE MISOGINIA

Esta tem tudo pra ser uma ótima notícia. A maior rede social do mundo, hoje com 1.1 bilhão de usuárixs, finalmente admitiu que não lida nada bem no seu controle da misoginia. O Facebook prometeu melhorar. Se vai mesmo fazer isso, só vendo. Obviamente, vamos torcer que sim, porque a situação chegou a um ponto insuportável.
A boa notícia mesmo é que foram as feministas que fizeram o Facebook ver o óbvio. Várias organizações feministas em língua inglesa escreveram uma carta aberta exigindo que a rede social assuma a existência de inúmeras mensagens de ódio e que faça alguma coisa para não tolerar tal conteúdo, que treine moderadores para perceber e remover discursos de ódio referentes a gênero, e que ensine aos moderadores que esse ódio não afeta igualmente homens e mulheres. 
As feministas foram além e, na carta, cutucaram o FB onde mais machuca: no bolso. Anunciaram uma campanha para conscientizar empresas a deixarem de anunciar na rede social até que o time de Mark Zuckerberg tome alguma atitude contra a misoginia. Afinal, é absurdo, e deveria ser inaceitável para qualquer empresa, que seu anúncio apareça ao lado de imagens como "Divirta-se: estupre uma mulher e suas amigas". Cerca de quinze corporações, entre elas a Nissan do Reino Unido, assinaram o boicote ao FB. 
Esse treinamento de moderadores é muito importante porque, como diz Soraya Chemaly, só tirar as páginas de ódio não é suficiente, já que as imagens voltam a aparecer em outro lugar com muita rapidez. Moderadores precisam treinar seu olhar para desobedecer ao senso comum, que vê violência contra a mulher como algo à toa, insignificante, banal. 
Em janeiro, tratei dessa política permissiva do FB. Falei de uma página em particular, que faz imagens com "estupre", assim, no imperativo. Não só o FB não removeu a página, como algumas mulheres que a denunciaram passaram a ser alvo de "terrorismo" do autor, com muitas ameaças e divulgação de seus dados pessoais. E o FB não removeu nada disso.
Esse post fez com que um monte de gente me enviasse links de como o FB é incapaz até de combater crimes reconhecidos, como a pedofilia. E de como os moderadores são terceirizados (quase sempre pessoas de países pobres), ganham a mixaria de um dólar por hora, e seguem regras que não são nada claras, porque mal recebem treinamento.
Se o Facebook, em seu regulamento, proíbe discurso de ódio, então por que permite discurso de ódio contra as mulheres? Não é exclusividade do FB, lógico. A misoginia é tão espalhada e tão aceita na nossa sociedade que as pessoas têm dificuldades em enxergá-la. Se alguém explodir uma bomba numa sinagoga ou numa igreja majoritariamente negra, o ataque será visto como um crime de ódio. Mas, se um cara invade uma aula de aeróbica e abre fogo contra as participantes (todas mulheres), se um outro cara entra numa escola e mata dez meninas e dois meninos, os ataques são tratados pela mídia como "massacres", não como crimes de ódio. Mesmo que os assassinos fossem frequentadores de sites e fóruns que sistematicamente pregam ódio contra mulheres. A mídia sequer trabalha com o termo feminicídio, por exemplo.
Parece algo pessoal do FB contra todo um gênero, se considerarmos a origem da rede social (como mostrado no filme, Zuckerberg começou fazendo página sexista comparando a aparência de universitárias), o fato que o FB bane um montão de coisas legítimas (fotos de mastectomias, imagens de mamilos de mulheres -- de homens tudo bem -- protestando na Marcha das Vadias, quadros famosos, organizações de direitos reprodutivos etc), ao mesmo tempo que não veja nada de mais em páginas de ódio. 
Óbvio que o que está nas redes sociais é apenas um reflexo de uma cultura misógina. 
Não é o FB que coloca imagens de mulheres feridas ou de mensagens de estupro passando por piadas. Mas é ele que, apesar de tantas reclamações, permite que essas imagens continuem no ar. E sabe, não é piada. Não é engraçado. A ONU aponta que, em todo o mundo, sete em cada dez mulheres serão vítimas de violências físicas e/ou sexuais ao longo da vida. O secretário-geral classificou o quadro como uma pandemia. O FB concorda com este quadro assustador? Está fazendo alguma coisa para tentar mudá-lo, ou está sendo cúmplice na propagação do ódio? 
Desculpe, mas nisso de combate à violência contra a mulher, ou você está contra, ou você está a favor. É difícil ter um meio termo. Se você conta piadinha de como estupro é uma grande oportunidade de sexo pra mulher, se você duvida da vítima, se você diz que nem todo estupro é estupro, se você pergunta "o que ela estava vestindo?", se você diz "ela estava pedindo", se você acha que violência doméstica é um excelente material pra diversão, se você vive repetindo a frase de Nelson Rodrigues ("nem todas as mulheres gostam de apanhar, só as normais") como se fosse verdade, se você defende o velho "vigiar e punir" para a sexualidade feminina, se você não vê essas agressões como uma violação de direitos humanos básicos -- enfim, não só você é machista, como você também aprova a violência contra a mulher. 
Uma violência que não oferece nada de bom pra civilização. Muito pelo contrário. 
O Facebook apontou pela primeira vez que não pretende mais trilhar esse caminho. E você?

quarta-feira, 29 de maio de 2013

"EU QUERO UM RELACIONAMENTO ABERTO E MEU MARIDO NÃO QUER"

L. me enviou este email que eu respondo abaixo:

"Querida Lola, chamo-a de querida, pois é assim que sinto você em relação a mim depois do guest post que li e que tanto me identifiquei a respeito do relacionamento aberto (RA), sendo mesmo pra mim uma espécie de tábua de salvação, ao perceber que não estou ficando louca! Espero que vc possa me dar uma luz! 
Sou filha de uma família maravilhosa com valores pautados na união e amor ao próximo, tendo como base a religião espírita. Embora tenha a consciência dos meus compromissos espirituais, estes não foram suficientes para me fazerem “superar” as minhas tendências de querer estar com outras pessoas, mesmo sendo casada. 
Conheci meu marido quando eu era adolescente, e hoje tenho um relacionamento duradouro de quinze anos, e dois filhos lindos. 
Há mais ou menos 10 anos aconteceu o indesejável: me apaixonei por um homem casado. Era uma atração terrível, daquelas que a gente sente à primeira vista! Resisti, embora sofrendo, e quis me separar do meu marido para viver este relacionamento. Mas engravidei do meu segundo filho e tudo se acalmou. Esta situação ocorreu mais duas vezes, criando um caos total dentro do meu casamento. 
Eu sempre me sentia a vilã da história, pois eu queria a separação por não ter vivido minha adolescência, e por ter dúvidas se realmente meu marido era a pessoa que eu sempre quis. Ele é um homem bom, ótimo pai, marido e amigo (amigo limitado, pois quando se trata deste assunto, ele perde totalmente o equilíbrio!) e louco por mim, chegando a ser mesmo quase uma obsessão. 
Volta e meia, esta situação de eu me interessar por outro homem se repetia, e eu sempre fui muito sincera, contava todos os detalhes pois privo muito pela honestidade. A situação explodia, nossas vidas viravam um tsunami, a ponto de afetar toda a estrutura da nossa família. Depois tudo se acalmava, e eu me arrependia e jurava que não iria mais sentir atração por outros, e o círculo vicioso se repetia. 
Detalhe: meu esposo é tranquilo, calmo, muito dependente de mim, tem um grande complexo de inferioridade e isso aumentou depois que entrei na faculdade; chegou mesmo numa dessas situações a pensar em se matar, em me ameaçar, me agredir de todas as formas, principalmente psicologicamente. Há momentos em que eu acabo me sentindo obrigada a estar casada com ele, embora quando estamos bem não sinta isso. 
Em relação a ele, já ocorreram algumas situações em que despertaram muito o meu ciúme, e eu brigava. Porém, de uns tempos pra cá, decidi que não queria mais isso e propus de realizarmos as nossas fantasias sexuais, já que estas envolvem outras pessoas. Pois bem, quando se trata de realizar a dele ok, mas quando falo da minha em transar com outro cara, ele muda totalmente e nem quer mais tocar no assunto. 
Atualmente estou passando pela mesma situação: estou apaixonada por um vizinho, casado, e em crise no casamento, e estamos muito envolvidos. Jamais me imaginei nesta situação, com um cara casado, mas aconteceu! Diferente das outras vezes que eu me envolvia apenas emocionalmente com outras pessoas que eu sequer beijava, e sempre corria e abria o jogo pro meu marido, desta vez tenho me encontrado com frequência com este vizinho. Já decidimos até transar, e eu não contei nada, e mais, até menti, já que meu marido percebe que o cara me olha diferente, morre de ciúmes e já me perguntou se nos encontrávamos.  
Sempre conversamos muito, pois eu sempre prezei pelo diálogo no nosso casamento, e ele chegou até mesmo a falar que eu poderia ir e me encontrar com outras pessoas e que ele não queria saber, mas depois ele volta atrás! Não quero terminar meu casamento, tenho muitas inseguranças em relação a isso e muitas delas estão atreladas também à minha religião e à minha família. 
Propus o relacionamento aberto a ele, mas não entra em sua cabeça! Ele não consegue conceber a ideia de pensar em mim com outro cara. Disse que já colocou a situação pra outras pessoas, sem contar que era ele, e é claro, ninguém concorda com esta forma de se relacionar. Nesse meu processo de autodescoberta, percebi que não me satisfaço com uma pessoa só, ainda que eu o ame muito. Tenho necessidade de estar com outras pessoas, de vivenciar outras paixões, sem que pra isso eu não tenha que estar separada. 
Nosso casamento é lindo, temos uma história de muita luta que acho que pouquíssimas pessoas têm, não quero jogar tudo isso fora, embora existam momentos em que tenho vontade de  me afastar, dar um tempo, e que ele não aceita de forma nenhuma! Meu desejo aumenta cada vez mais em relação ao meu vizinho, tenho tentado me controlar muito, mas há momentos em que me revolto com tanta pressão. Não sou vítima, nem nenhuma pobre coitada, mas estou perdida, não sei o que fazer. Sei que se lutar contra isso conseguirei esquecer o rapaz, mas isso vai se repetir com outra pessoa e a sensação de frustração é horrível. Me ajuda Lola, não sei o que fazer!

Minha resposta: Pelo jeito, L, vc, assim como tantas outras pessoas, não é alguém que se dá bem com a monogamia. Vc precisa de outras pessoas para amar emocional e fisicamente, e não há nada de errado nisso, desde que o seu parceiro concorde. Não sei se você já leu O Livro do Amor, da Regina Navarro Lins. É excelente. Ela é entusiasta de relacionamentos abertos, e diz que é uma imposição desumana exigir que a gente só tenha interesse sexual (e afetivo) e se relacione com uma só pessoa por anos a fio. 
Acredito plenamente que o seu marido tenha perguntado a outras pessoas sobre relacionamento aberto e que a maior parte tenha virado o nariz. É um assunto que provoca muita discussão, repulsa até. Mas isso é a maior hipocrisia, porque, como sabemos, um monte de gente trai. Um montão de homens e mulheres têm ou já tiveram amantes. E acho que o RA pode ser uma possibilidade pra impedir que essa traição aconteça. Afinal, se o parceirx sabe, não é traição, é?
Mas isso não resolve o seu problema. Seu marido não concorda com RA. E, pelo que vc descreve, ele é muito ciumento, o que é um perigo. Cuidado com a obsessão dele por vc! Isso quase sempre é um péssimo indício, ainda mais se vc descreve vagamente algumas "agressões". Esses "crimes passionais" -- que eu prefiro chamar de feminicídios -- são quase sempre causados por parceiros e ex-parceiros que são ciumentos demais. Espero de coração que seu marido não seja assim.
L, não sei o que te sugerir. Vc ama seu marido, mas ele não quer ceder em algo que é importante pra vc. Não sei se resta outra alternativa que não seja terminar a relação. Isso, claro, depois de muita conversa, mas isso vcs já vem fazendo. Saiba apenas que, no seu próximo relacionamento, vc terá que encontrar um homem que aceite RA, senão você terá os mesmos problemas. E saiba que encontrar homens assim não é fácil. Geralmente eles gostam muito da ideia de relacionamentos abertos pra eles, mas pras parceiras é diferente. E claro que isso é machismo, inclusive porque é baseado em crenças idiotas de que só homem gosta de sexo, que homem precisa de variedade, e que mulher precisa ser sempre vigiada (não se sabe porquê, já que não gostamos de sexo mesmo). 
Sobre como o conceito de RA entra em choque com a sua religião, isso é algo que vc precisa trabalhar. Lembre-se que sua vida sexual só diz respeito a vc (e, talvez, a seu parceiro ou parceiros). Vc não tem que prestar contas pra ninguém de algo que vc não considera errado. Vc não está cometendo nenhum crime. Só está querendo ter um relacionamento menos engessado. Num mundo ideal, daria pra vc ter um relacionamento aberto e continuar feliz com sua família. 
Boa sorte!