sexta-feira, 30 de novembro de 2001

A MULHER QUE AMAVA FILMES

Um leitor muito amável enviou-me uma mensagem que dizia: “Acabei de ouvir a notícia que a crítica favorita da minha crítica favorita morreu”. Ele estava falando de Pauline Kael, que se foi desta para melhor no início de setembro, aos 82 anos, velhinha, acabada, vítima de mal de Parkinson. Se Pauline houvesse sido apenas a minha crítica favorita, ela não teria a menor importância, claro. Eu não sou ninguém, não existo, tenho este leitor caridoso e talvez, com sorte, mais meia dúzia (estou sendo generosa). Mas Pauline foi A crítica, com a maiúsculo, numa época em que isso tinha alguma influência.

Quando esta americana frágil e minúscula surgiu para abalar o circuito das resenhas, ela já estava na meia idade. Ela começou malhando um filme de Chaplin e depois massacrou “A Noviça Rebelde”, sem jamais temer ir contra a opinião da massa ou da crítica especializada. Em 1967, ela viu e amou “Bonnie e Clyde, Uma Rajada de Balas”, cuja exibição os produtores queriam restringir a drive-ins do Sul dos EUA. Pauline redigiu um artigo de nove mil palavras sobre o filme, elevando-o à arte e mostrando que não só os europeus faziam cinema de qualidade. A revista para qual ela escrevia na época recusou-se a publicar o artigo, e ele foi parar na prestigiosa “The New Yorker”, onde Pauline arranjou um emprego que durou décadas. O texto salvou “Bonnie e Clyde” do ostracismo e lançou Pauline como irrefutável formadora de opiniões.

Ela tinha seus preferidos, como Robert Altman e Scorcese, mas em geral era justa e seguia seus impulsos. Era extremamente pessoal nos seus artigos (ué, opinião não é sempre pessoal?) e escrevia brilhantemente, cheia de som e fúria, denunciando excessos de comercialismo e de pretensões. Não se impressionava com Bergman e teve a audácia de sair no meio da projeção de “Casanova” de Fellini. Ela colocava tantas análises e tiradas em seus artigos que, geralmente, eles eram muito mais divertidos do que os filmes em questão.

É lógico que, com tanto poder, ela não era fácil. Tinha inúmeros inimigos. George Lucas nomeou o vilão de “Willow” de General Kael, em sua “homenagem”. E quem liga pra “Willow”? Alguns produtores referiam-se a ela como “aquela vaca miserável”. Uma das lendas conta que, ainda no começo de sua fase na “New Yorker”, Pauline vociferou contra “Terra de Ninguém”, de Terrence Malick. Antes de publicar o artigo, o editor quis tentar dissuadi-la com um “acho que você não sabe que o Terrence é como um filho pra mim”. A resposta de Pauline foi curta e grossa: “grande m****”. O texto foi publicado rapidinho.

Mais recentemente, já aposentada, ela declarou que “a pior corrupção de um crítico é o desejo de manter seus leitores felizes a todo custo, elogiando filmes que o público irá adorar, como ‘Independence Day’”. Dá pra discordar? Pessoalmente, eu ficava orgulhosa quando, depois de tecer meu próprio comentário, lia em algum lugar que a Pauline pensava igual. Isto ocorreu, por exemplo, no nosso total desprezo pelo Oliver Stone e na paixão pelo Jim Carrey. Mas o que eu sinto é irrelevante, e a verdade é uma só: morreu a maior crítica de todos os tempos. Os cinéfilos sentirão saudades.

TAPINHAS NAS COSTAS

O Oscar 2001 de domingo à noite até que foi rápido – só três horas, ao invés das quatro habituais. Eu errei várias previsões, como era de se esperar, mas, de maneira geral, acho que minha promissora carreira como crítica cinematográfica está salva. Se você estiver lendo este artigo é porque eu ainda tenho esta boquinha.

Na contagem final, parece que todo mundo saiu ganhando. “Gladiador” levou cinco estatuetas pra casa, incluindo as prestigiadas melhor filme e ator. O pessoal deixou a reserva de mercado de lado e premiou “O Tigre e o Dragão” (ou, como os comentaristas não se cansavam de pronunciar, “O Trigue e o Dagrão”, eta nominho difícil) com quatro. E é possível que o grande vencedor da noite tenha sido mesmo “Traffic”, que, indicado para cinco categorias, ganhou em quatro – só perdeu na principal.

Surpresa de verdade só na categoria de atriz coadjuvante e, talvez, em escala menor, na de roteiro original. Na primeira, a estatueta escapou das mãos da favorita Kate Hudson e foi parar nas de Marcia Gay Harden, por “Pollock” (alguma chance deste filme chegar aqui?). E, na segunda, nem “Gladiador”, nem “Erin Brockovich”, e sim “Quase Famosos”, bastante inesperado.

Steve Martin se deu muitíssimo bem como o mestre de cerimônias, esteve à vontade, fez boas piadas... Uma delas dizia que um jantar reuniu Mel, Julia, Tom e outros “acima do título” (referência a quando o nome do astro aparece antes do do filme), e que foi uma noite agradável, onde Mel elogiou “Erin”, Julia elogiou “Náufrago”, Tom elogiou “Do que as Mulheres Gostam”, e todo mundo divertiu-se falando sobre ARTE. Tudo bem, talvez você não esteja rolando de rir no chão, mas a piada é ótima porque as produções citadas, apesar de legalzinhas, não tem nada a ver com arte. E também porque capta bem o espírito do Oscar, que é justamente esse de auto-congratulações. É um carinha dando tapinha nas costas do outro e dizendo “você está fantástico em...”. É um concurso de popularidade, o que pode ser constatado pelo histriônico-porém-sincero discurso de agradecimento de Julia Roberts. No fundo, todos os vencedores gostariam de gritar o que Sally Field berrou em seu lendário monólogo: “Vocês gostam de mim! Vocês realmente gostam de mim!”.

E é por isso que seria infinitamente mais interessante pra nós, público, ralé, extras e figurantes não-convidados, se a Academia divulgasse números. Tá, o Russell Crowe ganhou, mas ficou quantos votos na frente do Tom Hanks? Já que é mesmo uma corrida de cavalos, por que não transparência total?

E por falar no Russell, não deve existir em Hollywood um sujeito tão mal humorado, tão carrancudo, tão mala. Se ele não gosta de competir, se acha o Oscar uma babaquice, deveria fazer como tantos outros: não comparecer, inventar uma desculpa, mandar uma índia para fazer discurso político no seu lugar. A câmera não se cansava de focalizá-lo, e ele não sorriu nem quando venceu. Desse jeito vai ser difícil fazer papéis cômicos...

Outra que foi focalizada e citada do começo ao fim foi a Julia. Foi nesta previsão que eu mais me enganei: a verdadeira Erin nem foi convidada. Pouparam-nos do constrangimento. Este negócio de ninguém se lembrar do filme que deu o Oscar à Julia um dia depois da entrega não procede – ninguém se recordava do filme até antes da Julia ganhar.

Os números musicais foram aquela cafonice de sempre, mas pelo menos tivemos o sabor de um paladar diferente ao ouvirmos Bjork e Bob Dylan. Uhn, Bjork fantasiada de cisne. Mas não quero entrar no assunto de roupas, do qual não entendo bulhufas. Pergunte a mim e a qualquer homem hetero do planeta o que a atriz mais linda da festa estava vestindo e você receberá o mesmo olhar confuso. Não me lembro de um só traje. Ah, tinha um amarelo, né? Bom, é certo que o Armani não fica cada vez mais rico às minhas custas. Tão certo quanto malhar o Oscar e não perder nenhuma edição.

CRÍTICA: 13 DIAS QUE ABALARAM O MUNDO / Os badalados Kennedys

Acho bom que haja filmes “históricos”, até para que eles incrementem as aulas de História. O problema é que, geralmente, ou eles não são muito interessantes ou eles fantasiam demais os acontecimentos. Em “Pearl Harbor”, por exemplo, pode-se ter apenas uma vaga idéia de como foi a entrada americana na Segunda Guerra. Já “E o Vento Levou”, apesar de sua parcialidade e romantismo, oferece um ótimo retrato da Guerra Civil. Tudo isso só pra dizer que “13 Dias que Abalaram o Mundo” vale a pena ser visto, mesmo pra quem já tenha saído dos bancos escolares faz tempo.

Pra quem não se lembra bulhufas do que estudou, esses tais treze dias referem-se a outubro de 1962, quando os americanos descobrem que os soviéticos estão instalando mísseis bem no seu ex-quintal, Cuba. Era o auge da Guerra Fria. O muro de Berlim havia acabado de ser erguido, e os conflitos na Ásia cresciam. Evidentemente, os atuais donos do mundo (naquela época, só co-proprietários) não poderiam permitir bases nucleares bem no seu nariz. O presidente Kennedy tinha três alternativas para resolver o impasse: ou invadia Cuba e depunha Fidel (falando assim, parece que era fácil), ou bombardeava os mísseis antes que eles entrassem em funcionamento, o que geraria uma resposta soviética em Berlim, abrindo todas as portas para um conflito armado entre as duas superpotências, ou bloqueava os mares para que Cuba não recebesse mais ogivas. Optou pela terceira, embora a cúpula militar tanto americana quanto russa rezasse pela guerra. Militar é mesmo um bicho esquisitão – é o típico “trigger happy” (gente que tem uma arma e fica roçando o dedo no gatilho, sonhando em usá-la).

“13 Dias” tem ritmo ágil e um suspense que prende. Como disse o maridão, “por um minuto até pensei que a Terceira Guerra Mundial tivesse acontecido”. Mas é claro que é uma visão 100% americana, e o final é aquela patriotada de sempre. Não há vestígios de soviéticos e muito menos cubanos. E, como se pode esperar, há uma versão polêmica dos fatos. Os Kennedys – John e Bob – são pintados como mártires. São bonitinhos, carismáticos, vivem para servir à nação, enfim, estão mais badalados que propriamente abalados. Além do mais, são pacifistas. Sei, sei. Foi JFK que lançou os EUA no Vietnã. Foi ele que autorizou a patética invasão da Baía dos Porcos, em abril de 61, o que certamente empurrou os cubanos para um conluio com os comunistas. Foi ele que criou a Aliança Para o Progresso, um programa destinado a livrar a América Latina da ameaça vermelha. Ou seja, o homem podia ser tudo, menos um Gandhi.

Quem interpreta o JFK não é o Kevin Costner, mas um ator mais jovem e boa-pinta que ele. O ex-mensageiro é aqui o assessor do presidente e, justiça seja feita, ele está bem – abatido, humilde, nada heróico. Só não entendi a voz fanha. Parece a do Michael Douglas em “Garotos Incríveis”. O que ocorre com os astros de meia idade? Para serem levados a sério, eles precisam afinar a voz? Estranho.

É possível que, se eu fosse professora de História, ainda recomendaria que meus alunos vissem “Doutor Fantástico” que, além de ser um clássico incontestável do cinema, exemplifica com perfeição a paranóia da bomba nuclear. Mas não dá pra negar que “13 Dias que Abalaram o Mundo” seja um ponto de partida honroso para um bom debate.

quinta-feira, 29 de novembro de 2001

CRÍTICA: VIAGEM DE CHIHIRO / A maior viagem

Convidei minha mãe pra ir ao cinema com o maridão e eu. Ela perguntou pra ver o quê, respondi que era “A Viagem de Chihiro”, um desenho animado japonês, e ela disse: “Nem morta! Desenho nunca mais, desde aquele ‘Campo de Concentração dos Frangos’!”. Você entende, ela detestou “Fuga das Galinhas”. Confesso que tampouco nutro grande entusiasmo por animação. Não apenas porque a temática desses filmes tem de ser simples o suficiente pra ser compreendida por crianças de cinco anos, mas principalmente porque, pra quem não é fanático, é muito difícil escrever sobre um desenho. Eu vou falar do quê, dos atores? Só se for das vozes deles. Das legendas? Esses filmes geralmente são dublados. Dos diretores? Costumam ser um bando de desconhecidos. Nem da reação do público dá pra falar, já que eu e o maridão éramos as duas únicas almas na sala de exibição. Avisei o maridão: “Você tá sabendo que, se a gente não gostar, vai ter que ver ‘Garota Veneno’. ‘Cruzeiro das Loucas’ tá fora de cogitação”. E ele, com uma confiança surpreendente: “Não se preocupe, a gente VAI gostar”.

De fato, não tem como não gostar de “A Viagem de Chihiro”, um filme deslumbrante em todos os sentidos. Em pouquíssimo tempo eu já tinha esquecido que estava diante de um desenho. E isso que, antes do início, eu ainda murmurei pro maridão: “Hoje estou com vontade de ver um filme de terror, não um desenho”. Deu quinze minutos de projeção e o maridão virou pra mim: “Taí o seu filme de terror. Era isso que você queria?”. Pois é, “Viagem” é um filme de terror. E não é bem pra crianças, a menos que o objetivo seja causar trauma de infância. Começa com uma menininha medrosa no carro com seus pais. Papai dirige mal pacas, e eles vão parar na entrada de um túnel. Claro que entram no túnel, se bem que Chihiro, a garota de uns dez anos com pernas mais finas que as da Cameron Diaz, não quer ir. Do outro lado, encontram um parque de diversões abandonado. Numa das barracas há um monte de comida, e os pais vão comendo, comendo... até virarem porcos. Parece que tô contando a história inteira, né? Que nada! Estes são os primeiros quinze minutos. É ou não é de terror? O resto do filme mostra Chihiro tentando salvar seus pais e trabalhando numa casa de banhos pra fantasmas, uma espécie de spa de espíritos, pelo que captei. E dá-lhe bebê gigante, pássaros de papel, trem andando por trilhos sobre as águas, e outras passagens totalmente oníricas e até psicanalíticas.

“Viagem” é isso, a maior viagem mesmo. É uma mistureba de “O Mágico de Oz” e “Alice no País das Maravilhas”, com uma pitada de “Submarino Amarelo”. O filme chega a ser psicodélico, mas, graças aos céus, não como aqueles outros desenhos japoneses cheios de flashes que fazem as crianças terem ataques epilépticos. Também não tem nada a ver com “Pokemon”. Os desenhos são verdadeiras pinturas à mão. E “Viagem” segue a mitologia japonesa, com um ritmo próprio, sem gracinhas à la Disney. Deve ser esta a causa de Hayao Miyazaki ser considerado deus pelos animadores da Disney. Certo, eu nunca tinha ouvido falar do sujeito, mas fiz minha lição de casa e descobri que Hayao é um dos principais nomes dos desenhos no planeta. No Japão, “Viagem” fez tanto sucesso que desbancou o recordista de bilheteria “Titanic”. Depois foi colecionar prêmios mundo afora. Pela primeira vez em meio século de Festival de Berlim, o Urso de Ouro foi pra um desenho. Ganhou o Oscar de animação, essas coisas.

Portanto, o filme vem com altas recomendações, muito maiores do que as que eu posso dar. Vá vê-lo correndo, mas sem esperar entender tudo, que acho que a intenção de “Viagem” não é ser mastigado. E não sei se você deve levar criança pequena. Um dos espíritos é um monte de esgoto; outro é um sem rosto de quem dizem: “Ele já engoliu um sapo e duas lesmas”. E nossa heroína vive sob a ameaça constante de virar carvão. Ah, e vômito em desenho animado ainda é vômito, e é bem nojentinho. Nessas cenas eu só pude pensar: seria o Hayao um Cronenberg nipônico?

CRÍTICA: A PROMESSA / Promete e cumpre

Aproveite a maré alta. Quem diria que em pleno mês de férias da criançada haveria dois filmes adultos em cartaz? Estou falando de “Longe do Paraíso” e “A Promessa”. Vários leitores andam me escrevendo pra jurar que “Procurando Nemo” é uma maravilha, mas tenho trauma de desenho animado que todos adoram menos eu. Pensando bem, o que uma personagem diz em “Cecil Bem Demente” – que o termo “para toda família” nada mais é que um eufemismo pra censura – é pura verdade. Mas não quero polemizar. Quero é convencer você a ver “A Promessa” o quanto antes, pois duvido que ele fique mais de uma semana em cartaz.

O início traz o Jack Nicholson, um policial honesto, pronto pra se aposentar, e eu pensei, opa, tudo bem que o Jack tá velhinho, mas agora ele vai fazer papel de aposentado ganhando festa de despedida pro resto da vida? É que me lembrei do começo do excelente “As Confissões de Schmidt”. Eu nem sabia que “A Promessa” é anterior a “Confissões”. Então, acabou de acontecer um crime pavoroso na cidade onde ele mora: uma menina foi trucidada. Cabe a ele contar aos pais. A mãe da criança pede pra ele jurar que o assassino será preso. E logo aparece um suspeito, um índio com problemas mentais interpretado pelo Benicio Del Toro (“Traffic”), bem irreconhecível. Mas Jack não acredita que foi ele, e desvendar o crime será sua nova obsessão. Como não tem vida própria e nenhum outro prazer além de pescar, ele passa a investigar assassinatos parecidos e compra um posto de gasolina no meio do nada, crente que o serial killer atacará de novo por lá. Inclusive, ele faz amizade com uma garçonete que, por coincidência, tem uma filhinha que se encaixa direitinho no perfil das vítimas. Uma das coisas fascinantes do filme é que ele não deixa claro de cara se o Jack está usando a menina como isca. Ele coloca o balanço na frente do posto pra atrair os carros ou pra poder vigiar a guria, como ele alega? Quanto do que ele faz é premeditado?

Ou seja, “A Promessa” é um policial de primeira, mas não espere tiroteios, rachas de carro e explosões. Sean Penn, o diretor, se preocupa mais em desenvolver os personagens. Pessoalmente, não achei o filme lento em nenhum momento, mas imagino que tenha quem ache. Outro ponto em falta é a catarse coletiva. Não vou entregar o final, mas digamos que, pro espectador comum, acostumado a ver o herói matando o vilão de meia dúzia de formas diferentes, uma pra cada paladar, ele pode ser frustrante. Mas o que esperar de um filme tão supimpa que a gente até duvida do heroísmo do Jack?

Uma palavrinha sobre o Sean Penn. Como ator (“Os Últimos Passos de um Homem”), seu nome geralmente vem acompanhado do clichê “o melhor de sua geração”. Como diretor, esta é sua terceira tentativa – ele e o Jack já trabalharam juntos no irregular “Acerto Final”. E o Sean é tão, mas tão ousado que seu episódio em “11 de Setembro”, onde ele é o único representante americano entre os onze cineastas, consegue ser o mais ofensivo de todos. Hum, a história dele trata de um velhinho em Nova York cujo apartamento (e vida) fica muito mais iluminado após a queda das torres gêmeas. Não sei como o Sean ainda não foi expulso dos EUA. Eu me recordo dele na década de 80, já com uma super reputação como ator, mas com a vida em frangalhos por causa do escândalo que foi o casamento dele com a Madonna. Ele se separou, casou com a Robin Wright (de “Forest Gump”, que em “A Promessa” faz a garçonete 100% sem glamour), teve uma penca de filhos, e despontou como diretor com fama de auteur. Agora todo mundo quer trabalhar pra ele de graça. Aqui, Aaron Eckhart, Vanessa Redgrave e Mickey Rourke (sim, ele vive!) dão uma canjinha. Nada mal pro Sean, que em sua época de astro dos tablóides era mais conhecido por bater nos paparazzi. Minhas dúvidas cruéis são duas: por que um filme bom assim como “A Promessa” foi ignorado pelo Oscar? Por que ele só chega aqui dois anos após seu lançamento, se qualquer terrorzinho de quinta ganha distribuição imediata? Vai entender...

terça-feira, 27 de novembro de 2001

CRÍTICA: MOULIN ROUGE / Musical para mulas

O maridão chegou na bilheteria e pediu dois ingressos pra “Moulin Rouge”, só que ele falou com a pronúncia correta, que é algo como “mulan rugge”, e a moça o olhou como se ele fosse um extraterrestre. Este negócio de manter o título original, ainda mais em outra língua, não funciona. Alguém tentou ligar pro cinema alguns meses atrás para saber a programação? Eu sim. A mulher disse que estava passando “Pié“. Eu insisti, falei perdão, você pode repetir? “Pié”. Quando questionei pela terceira ou quarta vez, ela esclareceu: “Pié, aquele filme sobre guerra”. Era “Pearl Harbor”.

Mas vamos nos concentrar na “Mula Ruge”. E antes de abrir minha boquinha, quero deixar por escrito que a-do-ro musicais. É raríssimo eu não gostar de algum. Infelizmente, nesses tempos MTVistícos eles andam em falta, embora às vezes pipoque algum. Amei os últimos que vi, que foram, se não me falha a memória senil, “Evita” e “South Park”. Na minha adolescência, cresci vibrando com os musicais decadentes da época, coisas como “Flashdance” e “Footloose” e “Fama”. Isto posto, acho que agora posso dizer com todas as letras minha opinião sobre “Mula Ruge”: o que foi aquilo?!

História não tem. Os press-releasers de plantão espalham que é uma releitura (meus sais!) de “Orfeu” e “Dama das Camélias”. Basta um homem perder a amada pro pessoal posar de intelectual e evocar “Orfeu”. Pelo pouco que entendi, a trama (mas pode chamar de trauma) se passa na Paris de 1899, num clube noturno que dá o título à película. Lá, há prostitutas que dançam cancã. Um pobre escritor (redundância) apaixona-se pela estrela do show, graças à ajuda da sua trupe boêmia, liderada por um anão que parece ser o Toulouse-Lautrec (a família já deve ter entrado com ação por danos morais póstumos). Tem também um argentino. Anões, argentinos, duques, cortesãs, Elton John... a que nível de perversão chegou Hollywood.

Epa! Como o Elton John entrou nessa uruca? É que todos os diálogos e canções de “Mula Ruge” baseiam-se em pedacinhos de pérolas pop. Tem algumas letras dos Beatles (pode? Infâmia!) jogadas no meio, tem a Nicole Kidman imitando a Marilyn Monroe cantando “Os Diamantes São os Melhores Amigos de Uma Garota” (tradução aproximada), tem o Ewan McGregor, que Deus o perdoe, soltando “A Noviça Rebelde” e, muito, muito mais. Imagino que o filme tenha graça se for transformado num “Qual é a Música?”. Este pedacinho de música é referência a quê? Alternativa A etc. Tem até homenagem a Whitney Houston, e, confesso, perto desta bomba, “O Guarda-Costas” até que era um programão. Nunca esperei despencar tanto, mas taí: viva “O Guarda-Costas”!

“Mula Ruge” é tão, mas tão cansativo que não parece durar apenas duas horas. Eu me senti como se tivesse sentado durante seis horas numa cadeira da época medieval, sabe, aquelas de tortura, com os espinhos. Não é exagero não. Houve momentos em que cochilei, na esperança de abrir os olhos e o filme ter acabado, mas não tive esta sorte. Ele simplesmente não acaba. Eu já havia cruzado os dedos em várias ocasiões, esperando o “the end”, e nada. Começava uma música nova! As cores são gritantes, e há excesso de poluição visual e sonora na tela. A edição hiper picotada determina que cada tomada dure um ou dois segundos. É um martírio. Imagine se, naqueles tempos dourados, tivessem feito isso com o Fred Astaire ou Gene Kelly. Você não mostra o cara dançando; você mostra um close da mão, seguido por um do pé, seguido por um da boca, seguido por um dos quadris balançando. Isso é entretenimento?

O diretor Baz Luhrmann dedica a produção a um tal de Leonard com o mesmo sobrenome, in memoriam. Deve ser o pai. Deve ter morrido de desgosto. O Baz começou sua carreira com “Vem Dançar Comigo”, que era o supra-sumo do kitsch mas não era tão tenebroso. Depois fez Shakespeare se revirar na tumba com uma versão (talvez aversão seja mais adequado) insuportável de “Romeu e Julieta”. E agora isso. “Mula Ruge” lembra um “Rocky Horror Picture Show” realizado por alguém que tomou ácido demais.

CRÍTICA: MULHER INFERNAL / Vida de crítico é infernal

Deixo meus queridos alunos adolescentes verem um filme completo por semestre durante as aulas. Já que eles são vidrados em terror, ano passado consegui convencê-los a ver um clássico, "Carrie, A Estranha". Eles detestaram. Este semestre, portanto, não teve jeito. Insisti pra que eles assistissem a produções recentes marcantes, como "Pulp Fiction" ou até mesmo "Seven", mas eles já estavam convencidos. Queriam porque queriam ver "American Pie 2" – de novo! Expliquei pra eles que minha religião proibia esse tipo de aberração, mas eles fincaram o pé e lá fui euzinha, fã de comédias como "Cantando na Chuva", agüentar uma hora e meia de piadas juvenis. Eu, que tinha pulado "American Pie 1"! O filme é insuportável. Mas o que mais me chamou a atenção foi que eles não riam. Perguntei pra eles – "gente, se isso aí é tão engraçado, por que vocês não caem na gargalhada?". Eles argumentaram que estavam vendo a comédia pela segunda vez. Ataquei dizendo que, quando algo é realmente divertido, a gente ri sempre, e citei o exemplo de "Corra que a Polícia Vem Aí", que ainda me mata de rir na quinta vez. Eles balbuciaram algo como "você tem problemas mentais", e encerraram a discussão.

Essa longa introdução foi pra justificar minha ida ao cinema pra ver "Mulher Infernal". Pensei cá com os meus botões que quem enfrentou "American Pie 2" tá pronto pra qualquer batalha. E quer saber? "MI" é infinitamente melhor que "AP2". Claro que minha sugestão continua sendo: entre esta comédia teen bobona e "Triplo X", vá ver "Cidade de Deus", por favor.

"Mulher Infernal" é do início do ano passado e a gente podia fazer uma lista dos filmes importantes que não chegaram nem perto de Joinville, mas não é que qualquer produção tolinha vem pra cá? Parece que, originalmente, o filme iria se chamar "Bons Amigos, Idéias Debilóides", e aí sim que não o veria de maneira alguma, porque humilhação de crítico tem limites. Arrastei o maridão pro cinema, pois não queria pagar esse mico sozinha. Éramos os únicos na sala de exibição. Deu uns quinze minutos e o maridão começou a gemer e implorar: "Vamos embora". Não lhe dei ouvidos e ainda fiz "shhhhh". Ele disse que iria consultar um advogado pra dar entrada nos papéis do divórcio.

Vou contar a história pra te poupar o trabalho de arruinar seu casamento, caro leitor. É assim: três amigos de infância meio nerds, eternos adolescentes, se divertem muito até que um deles se apaixona por uma bela moça. Difícil entender porque uma psicóloga inteligente vai se deixar levar pelo Jason Biggs, o mesmo ator de "American Pie" (estão me perseguindo!). Mas ela gosta de dominá-lo. Logo logo, ela o obriga a fazer seis horas de terapia de casal por semana, com ela como conselheira, claro. Achei que a comédia estava transmitindo lições valiosas de "Como Tratar os Homens", mas de repente os amigos resolvem seqüestrar a mulher pra salvar a amizade. Seguem-se chistes com freiras, choques elétricos nos genitais, e um timing pra lá de ruim. Mas o elenco segura as pontas – tem o Jack Black (de "Alta Fidelidade") e o ótimo Steve Zahn, de "Irresistível Paixão". No fim, aparece o Neil Diamond. Não se preocupe – eu também não consigo me lembrar de nenhuma música dele.

Ao sair dessa baboseira que pelo menos é superior a "Tudo para Ficar com Ele", vi dois cartazes no hall do cinema: o último Woody Allen e o último Almodóvar. Tive a impressão que eles piscaram pra mim, como se dissessem: "nós nunca vamos passar aqui, mas o pôster é bonito, né?". Fazer o quê? Meus adolescentes nunca ouviram falar de nenhum dos dois mesmo...

CRÍTICA: LIÇÃO DE AMOR / Infiltração de água no cinema

Um amigo me contou que vira o trailer de “Uma Lição de Amor” e que não iria assistir ao filme nem sob a mais cruel das torturas. Minha mãe chegou ao cinema de gaiata, sem saber o que iríamos ver, e, ao descobrir, agarrou-se ao gerente e berrou: “Não! Não! Não é aquele do Rain Man, é?!”. Tivemos que arrastá-la pra dentro da sessão. Eu mesma, que sou benevolente e nada cínica, ao contrário das criaturas mencionadas acima, estava com o pé atrás. Afinal, observar deficientes mentais, crianças e advogados num só dramalhão parecia demais. Mas, aviso aos navegantes – o filme é bem satisfatório. Chorei que me acabei.

Permita-me comentar um pouquinho da história pra você se situar. O Sean Penn (que passou a década de 80 batendo na Madonna e nos fotógrafos) faz um bom homem com idade mental de uma criança de 7 anos. Uma sem-teto que ele engravidou dá a luz a uma menina e some rapidinho. Como ele adora os Beatles, o bebê recebe o nome de Lucy (in the Sky with) Diamonds. De alguma forma, ele consegue criar a garotinha numa boa, até que ela vira mais inteligente que ele e se nega a superá-lo intelectualmente. Aparecem uns assistentes sociais que querem entregá-la pra uma família mais capacitada. Com a ajuda de seus amigos deficientes, Sean encontra Michelle Pfeiffer, uma advogada que não se relaciona bem com o filho. Sentiu o drama? Nos primeiros quinze minutos, assim que me acostumei com o Sean no papel, eu já tinha derramado umas lágrimas. Mais um tiquinho de celulóide e havia uma poça considerável na minha poltrona. Lá pelo final, fiquei preocupada com um dilúvio e, se eu não estivesse concentrada na trama e soluçando sem parar, pediria pro gerente providenciar coletes salva-vidas. Devo andar muito sensível, já que este é o terceiro filme consecutivo em que choro (os outros foram “Amélie” e “Entre Quatro Paredes”). E é o terceiro seguido que eu gosto. Meus leitores fiéis não me reconhecerão. A verdade é que tenho um lado sentimentalóide acentuado. O maridão não me chama de farrapinho humano à toa. Ele jura que choro em comercial de ovo de chocolate (o que é compreensível).

Por falar em enxurradas, a maioria da crítica torceu o nariz pra “Uma Lição de Amor” e despejou artigos violentos em cima dele, malhando a chantagem emocional. Ora, o pessoal não entende o valor terapêutico desses filmes lacrimejantes. Se rindo a gente desopila o fígado, chorar também faz bem. Sabia que as lágrimas produzem uma substância que serve como analgésico natural? Por isso, nos sentimos melhor depois de uns buááás. Mas a sociedade condena, principalmente nos homens, esta que é uma atividade fisiológica das mais normais. O jeito é chorar no escurinho do cinema, daí a popularidade dos dramalhões. Desconfio que vários críticos detestem este tipo de filme por achar que homem que é homem não encharca lencinhos nem numa sala de projeção. Ficam revoltados por serem manipulados ao ponto de acionar seus dutos lacrimais, sempre tão fechadinhos. Obviamente, não considero uma produção boa (ou ruim) só por fazer a platéia chorar. Mas este é o objetivo de “Lição”, e ele cumpre sua premissa. Com louvor.

Claro que o drama tá cheio de defeitos. A advogada é um personagem mal-delineado, e a Michelle ma belle parece estar em outro filme. O Sean é o atoraço de primeira de costume, mas aqui ele não tem tanto que fazer, fora ficar de boca aberta e falar mais alto. Outras interpretações dele, como em “Os Últimos Passos de Um Homem” e “Poucas e Boas”, são mais complexas. Às vezes, as maravilhosas canções dos Beatles descambam em videoclips, e a vida de um deficiente soa fácil demais, mesmo num país rico como os EUA. O cara muda de apartamento na maior e ganha 8 dólares por hora pra servir café. Disse pro maridão que EU não ganho isso, e ele respondeu que eu não seria capaz de servir café sem derramar tudo. Mas “Lição de Amor” supera suas limitações por ser um filme honesto e que faz pensar, além de comover um bocado. Pode me chamar de trapinho, que não ligo.

CRÍTICA: MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS / Quem tem medo de Machado de Assis?

Não sei quem falou que crítico de cinema adora adaptações literárias porque pode mostrar como é culto, pois já leu um livro na vida. Tem seu fundo de verdade, certo? Aí os jornalistas ora desandam a contrapor livro e filme, sempre favorecendo o primeiro, ou concluem que as comparações são inúteis, já que cada um adota uma linguagem diversa. Não tenho certeza em qual vertente me incluo. Na realidade, nessas discussões sem fim eu me lembro de um velho slogan do Casseta e Planeta que dizia: Veja o filme! Leia o livro! Coma o autor!

Devaneios vulgares e antropofágicos à parte, corra pra ver “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, que provavelmente, por ser nacional, ficará bem pouquinho tempo em cartaz. É uma adaptação bastante fiel do romance do maior escritor brasileiro, Machado de Assis. “Memórias” foi ditado por Machado à sua esposa em 1881, e, portanto, tem um jeitão coloquial e pouco linear, que se conserva bem no cinema. Quase todas as frases mordazes do livro aparecem no filme, como a célebre “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”, e “Matamos o tempo, mas o tempo nos enterra”, entre muitas outras. O protagonista e narrador é um defunto chamado Brás Cubas. Por favor, não reclamem que estou contando o final: ele morre. Logo no começo. E como não se enternecer com um sujeito que descreve a mãe como “uma senhora fraca, de pouco cérebro e muito coração”?

Brás é rico, tem quase nenhum amigo (menos de uma dúzia de pessoas comparecem ao seu enterro, e o orador do discurso foi pago), é meio rabugento e solitário e nunca trabalhou em toda sua existência. Um perfeito vagal. Mesmo assim, ele se sente à vontade para mandar que seu melhor amigo, Quincas Borba, trabalhe. Não é um cara simpático, mas, tal como Dom Casmurro, seu sarcasmo é cativante. É por isso que Reginaldo Farias está ideal no papel. Seu olhar e sua voz transmitem a peculiar zombaria do personagem.

Embora o filme de André Klotzel (do fraquinho “A Marvada Carne”) seja uma comédia, ele não é muito engraçado. Não espere um pastelão, porque o texto de Machado não se sujeita a isso. As falas e as imagens produzem um humor negro sutil e venenoso. Não acho que o público que não entenda ironias vá compreender a obra. Sabe, esse público que ri de palavrão ou de escorregões em casca de banana, esse que precisa ouvir a piada três vezes antes de rir, claramente não apreciará Machado de Assis. É louvável que turmas escolares de adolescentes estejam sendo levadas para assistirem ao filme, mas, assim como esta platéia não tem maturidade para ler um grande autor cheio de “vós” e “tu”, ela tampouco se deliciará com a graça de um cadáver nostálgico. “Memórias Póstumas” está a anos-luz de “Quem Vai Ficar com Mary”, por exemplo. Estas comédias habitam galáxias diferentes.

O sonho de Brás é inventar um remédio para “aliviar a nossa melancólica humanidade”. Imagina se adolescente conhece melancolia ou humanidade. Será que nem com vaidade eles se identificam? Afinal, o personagem quer criar este genérico porque gostaria de ver seu nome nas bulas. E não é que “um emplasto de Brás Cubas” tem mesmo pinta de remédio? A conclusão do defunto é repleta de negativas. Ele não foi ministro, não teve filhos, não fez nada. Mas ele encontra uma grande vantagem no que deixou de fazer, e esta vantagem é a alma da obra. Quer descobrir qual é? Veja o filme, leia o livro, devore Machado de Assis.

CRÍTICA: MENTE BRILHANTE / Nobel, você ainda vai ganhar um

Por que o público tem fascinação por gênios? Qual a função de economistas e matemáticos no mundo? Por que atores que interpretam personagens com problemas mentais são sempre favoritos ao Oscar? São questões que vêm à tona após ver “Uma Mente Brilhante”, que, se não fosse um título meio clichê, também serviria pra minha autobiografia não-autorizada. Ih, já tá parecendo que odiei o filme. Não é verdade. Espero que ele bata aquelas bombas épicas, “Senhor dos Pastéis” e “Mula Ruge”, no Oscar. Gostei muito mais de “Mente” que daqueles dois. Como assim, isso não quer dizer grande coisa? Olha, é difícil e até desagradável não gostar de “Mente”, uma produção recheadíssima de boas intenções.
O filme fala de um homem que ganhou o Nobel em 94, John Nash. Se você não cursou Economia, tá como eu: nunca ouviu falar nele. O cara enche janelas com numerinhos e descobre uma fórmula notável ao analisar possibilidades de encontros com uma loira. Ou seja, é genial, já que encontrar utilidade pra loiras não é pra qualquer um. Ele não é exatamente um sujeito sociável. Seu passatempo é analisar artigos de jornais e revistas pra decodificar mensagens cifradas dos russos. Mas ele se casa com uma bela aluna e, em seguida, é internado para curar sua esquizofrenia. Ou, se você quiser sentir o drama por outro lado, imagine que o garotinho de “Sexto Sentido” cresceu, dá aula em Princeton, tem talento pra códigos, e continua vendo pessoas mortas. É quase isso.
“Mente” é bonitinho, tem algum humor, e traz um bom ritmo. Porém, é também convencional, como, aliás, todos os filmes do Ron Howard (apesar de eu adorar “Parenthood – O Tiro que não Saiu pela Culatra”, e, menos, “Apollo 13”). E o final é simplesmente horrendo, com direito à musiquinha com coro e tudo. Eles precisam até apelar pra uma legenda informativa. Agora, tem algo de errado em realizar uma cinebiografia de um premiado com o Nobel e a gente sair da sala sem saber no que ele ganhou. Economia? Matemática? Decoração de janelas? Se te perguntarem, desconverse. Mude de assunto. Sugestão: “O Nobel? Ahn, uhm, pena que a Lady Di tenha morrido antes de receber o dela da Paz, né?”. “Mente” não mostra nada pra gente acreditar que John Nash é um crânio. Em compensação, mostra bastante pra gente saber que ele é esquizo. A não ser que a “matemática for dummies” passada no filme te impressione, como fez com a moça sentada atrás de mim. Era só aparecer um quadro repleto de rabiscos incompreensíveis pra ela exclamar: “Nossa!”. Surgia mais uma equação e a moça: “Oh!”. O que é isso, trauma das aulas de matemática na escola?
Em alguns pontos, “O Grande Mentecapto” também é um épico. Cobre décadas da história de um homem que, aparentemente, na vida real, teve momentos mais descontraídos. Ele era bissexual, e sua mulher tão fiel no filme manteve distância dele durante uns 40 anos, o que não vem ao caso. A trama começa em 1947 e termina em 94, mas o início da complicação chega em 78. A maquiagem do Russell Crowe é bárbara, de dar inveja ao Murilo Benício em “O Clone”. Mas sua esposa, interpretada pela linda Jennifer Connelly (“Réquiem para um Sonho”, “Labirinto”) não acompanha o processo. Como mulher bonita não envelhece no cinema, a madame Nash, no fim, parece a bisneta do Russell. Só que com peruca grisalha, o que me remeteu ao penteado da mãe em “Psicose”.
Falando no Russell, ele está cotadíssimo pra levar seu segundo Oscar consecutivo, já que, em “Rainman Nobel”, ele faz uma pessoa com distúrbios mentais e penteados esquisitos. E faz muito bem, diga-se de passagem. Internação em asilo psiquiátrico é meio caminho andado pra receber a premiação. Terapia de choque, então, e o Russell já tá quase com a mão na estatueta. Ele deve estar se visualizando na noite da cerimônia. Russell faz discurso. Aparece o verdadeiro Nash. Público aplaude de pé. Nash toca o piano e... Não, não, esse foi outro, o de “Shine”. Às vezes, não te dá a impressão que Hollywood está virando um grande show de aberrações?

CRÍTICA: KATE E LEOPOLD / Minha ponte por um Leopoldo

Que homem é uma mercadoria em falta, não há dúvida. Agora, se nós mulheres precisamos nos transportar pra outro século pra encontrar um, então a crise tá braba mesmo. É mais ou menos disso que trata "Kate e Leopold", uma comédia romântica que cabe fácil na categoria "que meigo!". Ahn, eu gostei do filme. Só vou falar contra porque é meu costume, mas este típico date-movie (programa pra namorados) deixa-se assistir sem grandes convulsões.

É bem verdade que "Cate o Leopoldo" começa mal, com um trocadilho sem graça com os significados da palavra ereção. Mas eu compreendi, porque na mesma seqüência surge o Hugh Jackman, aquele pedaço de mau caminho que fez o Wolverine em "X-Men", e ereção seria um chute decente pra definir o que a platéia feminina sente ao ver o Hugh, se a platéia feminina tivesse um, bom, você entendeu. Estamos em 1870, e o Hugh interpreta um duque falido prestes a dar o golpe do baú, quando ele persegue o Liev Schreiber (o espião mais eficiente de "A Soma de Todos os Medos"), os dois caem de uma ponte e vão parar na Nova York de hoje. O Liev inventa o túnel do tempo, mas o mais importante é que ele é vizinho da Meg Ryan. E, num filme com a Meg, o mais importante é o penteado que ela tá usando. Desta vez, ela desfila com o cabelo loiro alisado, estilo égua-lambeu, que lhe cobre os olhos. Deve ser o penteado mais medonho dos últimos dois séculos, mas o Hugh se apaixona por ela. E vice-versa. Aliás, eles caem um pelo outro rapidinho, o que é compreensível, já que eu também fiquei perdidamente enamorada pelo Hugh desde que seu nome surge nos créditos. Só não gostei que o Liev tenha que sofrer (tipo quebrar perna, ser internado num hospício etc) pro amor dos dois pombinhos prosperar.

O início de "Cate" é mezzo "Splash, Uma Sereia em Minha Vida", mezzo "Crocodilo Dundee", mostrando o sereio australiano Hugh se debatendo com a parafernália da vida moderna. Mas as coisas não são tão difíceis assim pra ele pois, voltando ao século XIX, ele inventará o elevador. Levante a mão quantos de nós sobreviveriam sem a criação do elevador. Eu sou uma que consigo fantasiar outras utilidades mais práticas pro Hugh do que ficar inventando elevador. Mas, pensando bem, o que seria da obra do Adrian Lyne se seus casais não pudessem transar dentro de elevador?

A Meg faz uma loira que ambiciona tornar-se a vice-presidente de uma firma de pesquisa. Ela está procurando alguém pra atuar num comercial de margarina, e o Hugh cai como uma luva. Porém, na hora de provar a margarina, ele fica uma arara porque o produto é horrível, e ele não aceita propaganda enganosa. Imagino que fazer campanha política pro Maluf esteja fora de cogitação, né? É bizarro que um personagem que tava pra se casar por dinheiro queira dar lição de moral, mas o Hugh é pintado como o homem ideal. Sabe por que? Porque ele põe a Meg na cama, lava a louça e prepara café pra ela. Meu maridão também faz isso e ninguém o considera ideal. Só eu, amor! Só eu!

A mensagem do filme é que a mulher deve abdicar da carreira pra permanecer ao lado do homem que ama. No final, a Meg sofre a maior pressão pra pular da ponte e se transportar pra 1870. Eu só tava esperando ela pular pro pessoal cair na risada e anunciar o trote: "ela acreditou?!". Seria inverossímil a Meg largar tudo pra ir morar com um sujeito sem um vintém em outro século? Claro que não, se o sujeito for o Hugh. Eu também me mudaria pro século XIX pra casar com o Hugh. Quer dizer, depende – tinha luz elétrica naquela época? Ah, sem problema, eu pularia de pontes pra perpetuar-me no colo do Hugh. Inclusive, acho essas produções perigosas. De repente inicia-se uma onda de pulos de ponte em massa de moçoilas à procura do homem ideal.

"Cate o Leopold" lida com temas edificantes, como sugerir que o ritmo de vida noutros tempos era melhor. E foi super legal usarem uma tradutora das antigas pro filme. Nas legendas, ela trocou "gay" por "alegre". Vai ver que em 1870 gay ainda tinha esse significado *.


* Na realidade, gay ainda podia ser traduzido por alegre até 1970. Há vários filmes do século passado com gay no título, como "The Gay Divorcee", com a dupla Fred & Ginger, traduzido para "Alegre Divorciada". Sim, Fred Astaire era hetero convicto.

CRÍTICA: LEGALMENTE LOIRA / Vamos processar as loiras?

Mantenho-me distante de “Harry Potter”, mas meu empenho vai perdendo força ao ouvir que surgirá nas telonas a próxima produção da Xuxa. Além disso, sinto que alguém que não vai assistir “H.P.”, mas, em compensação, prestigia “Legalmente Loira”, não tem moral para insistir em boicote. Portanto, esta talvez seja minha última semana de “Pedra Filosofal? O que é isso?! Um novo tipo de sabão de coco?”.

Ok, antes de malhar “Legalmente Loira”, quero esclarecer que nada tenho contra loiras, naturais ou oxigenadas. Também não tenho nada a favor. Acho ridículo discriminar quem quer que seja pela cor do cabelo ou da pele. Conheço várias pessoas loiras que são inteligentíssimas. Bem, não são exatamente pessoas... Estava pensando mais no meu gato amarelo. E há o maridão que, se não fosse calvo, seria praticamente fulvo. Logo, é irrefutável que sou alguém sem preconceitos.

Dito isto, ainda bem que sou morena! Sim, porque se esta comédia acéfala destina-se ao público-alvo flavo, isto realmente depõe contra as loiras. A trama é a seguinte: uma moça rica e desocupada, que vive no campus de uma faculdade californiana, numa irmandade que bem poderia se chamar The Doors (As Portas), com dúzias de garotas como ela (serão clones? Admirável mundo novo!), prepara-se para tornar-se noiva de um rapaz parecido com o Bush quando jovem, descontando o alcoolismo e a mirada debilóide do atual presidente. Na hora h, o sujeito desmancha o namoro, afirmando que tem uma reputação a zelar, e que um futuro político como ele se casa com Jackies, não com Marilyns. A loira fica jururu e decide estudar Direito em Harvard, para provar ao carinha que tem algo mais entre as orelhas do que só cabelo. Claro que ela é aceita na prestigiada universidade, claro que ela enfrentará as piadinhas dos colegas, claro que ela não mudará o seu jeito de ser em um centímetro, e claro que no fim ela triunfará, porque, como todos sabemos, o bem sempre triunfa. Aprendemos isso no cinema.

Olha, isso tudo é lindo e confortante e traz lágrimas aos meus olhos, mas “Legalmente Burra” faz Direito parecer algo fácil demais de aprender. Nossa Barbie devora livros constitucionais enquanto pinta as unhas ou se exercita na bicicleta. Sua mente é uma esponja – ela capta todas as letrinhas miúdas. Mas seu vocabulário não muda. Ela continua iniciando cada frase com “tipo assim”. Eu não entendo bulhufas de leis, mas sinto-me uma autoridade em Código Penal se comparada à protagonista do filme. Apesar disso, ela é vista como brilhante. Quiçá seu penteado reluzente tenha ofuscado uma opinião mais consciente dos outros personagens.

Agora, responda rápido. Aliás, pode pensar à vontade. Reflita: você está sendo acusado de assassinato e corre o risco de pegar prisão perpétua ou pena de morte. Você gostaria de ser representado por uma advogada que se preocupa mais com o modelito que vai desfilar no tribunal do que com a sua defesa? Imagina se ela perde e você recebe serviços forçados como punição. Imagine se os tais serviços incluam ver filmecos como este mais de uma vez. Honestamente, acho as loiras umas gracinhas, e rezo pra que a Xuxa vire a Hebe quando crescer, mas se eu tivesse um tumor no cérebro e precisasse optar por um neurologista, preferiria ser operada por alguém que não gaste três horas diárias no cabeleireiro. Não sei quanto a você.

No final desta comédia 100% sem graça, aparece uma sucessão de atores em close, todos com olhar meio esbugalhado. Nossa Vênus Platinada, então, nem se fala. Ela é interpretada por Reese Witherspoon, que já esteve em pelo menos um filme bom (“Eleição”). Certo, ignore o “pelo menos”. Se eu fosse preconceituosa de verdade, diria que “Legalmente Porta” foi dirigido por uma loira. Como não sou, fico por aqui clamando por uma nova lei – uma que regulamente a ilegalidade de se realizar um cinemão tão demente como este.

CRÍTICA: AI INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL / Mais artificial que inteligente

Era uma vez um cineasta bilionário que sofria da síndrome de Peter Pan. No futuro, a gente vai se referir ao Spielberg deste jeito. O Steven é um adulto em miniatura, uma criança com barba. Esta infantilidade excessiva lhe serviu muito bem em “ET” e na série Indiana Jones, mas compromete seu produto mais recente, “AI – Inteligência Artificial”. “AI” é um filme com dupla personalidade, já que foi imaginado por Kubrick e realizado por Spielberg, diretores com estilos radicalmente opostos. Eu disse dupla? Múltipla personalidade cai melhor. Aliás, é esquizo mesmo.

A primeira parte é brilhante. Um robô-mirim é criado para substituir o filho de uma família. Sua única função é amar sua nova mãe incondicionalmente e para sempre. Ao mesmo tempo que o andróide é carinhoso, ele também é assustador. Nesta época, ele ganha um ursinho de pelúcia gracinha mas que só me lembrava do Chucky, o brinquedo assassino. Tudo vai mais ou menos bem até que o filho original sai do coma e os conflitos pela atenção da mãe começam. É de cortar o coração. Quando a mãe abandona o robô e seu ursinho numa floresta, o cinema virou um vale de lágrimas. Um grandalhão do meu lado chorava desconsoladamente. Ninguém manipula a platéia como o Steven.

Aí o filme entra no seu segundo capítulo, que ainda é instigante. De repente nos deparamos com o Jude Law interpretando um andróide-prostituto. Não tem nada a ver com a seqüência anterior. O filme muda de tom completamente. Mas vá lá, o Jude é um amor, se bem que ele parece um gigolô de dar corda, uma fantasia juvenil do que um robô-amante deve ser, não o que nós mulheres gostaríamos. Por isso que, entre o ursinho e o Jude, eu tive mais vontade de ficar com o peludinho. Bom, por algum motivo meio mal contado, o Jude também vai parar na tal floresta. E ele, o robô-mirim e mais um bando de sucata protagonizarão uma “feira da pele”, em cenas que, se você está pensando em levar a criançada ao cinema, desista. Aqui o Steven é cruel.

A produção sofre outra guinada e muda novamente de tonalidade quando o trio dinâmico encontra uma espécie de Las Vegas do sexo. A gente sente que “AI!” tem problemas porque, em uma só fase, Steven tenta apelar aos adolescentes para, em seguida, exibir um desenho animado mais adequado à turminha dos 7 anos. Pros robôs saírem de lá e adentrar na quarta parte, só com a ajuda de um helicóptero. E não é que surge um do nada? É precisamente aí que o filme descamba de vez. Ainda se salvaria se terminasse quando o menininho se joga de um edifício, mas não. Nesta ocasião, “AI!” continua por mais meia hora, no mínimo. Vira um “Você Decide”. Steven decide nos brindar com pelo menos uns cinco finais diferentes, todos fajutos. Saímos da sessão chupando o dedo, ainda que a concentração de chuif-chuif tenha sido enorme.

Mil perdões por contar o filme inteiro. É que, infelizmente, Steven transforma o que poderia ser uma discussão moral sábia em um conto de fadas. Não precisava. A gente já desconfiava que o Steven acredita em Papai Noel, fadinhas, discos voadores, inocência eterna etc. É meio gato por lebre. Vamos na esperança de ver algo como “Blade Runner” e somos presenteados com “Pinóquio”. E a culpa é 100% do Steven. Ele até escreveu o roteiro. O título do conto original que inspirou a história é bárbaro: “Superbrinquedos Duram o Verão Todo”. Note que não é a vida toda, só o verão.

Haley Joel Osment (ainda dá tempo de abreviar o nome) está ótimo como o robozinho, embora o ursinho roube as cenas com sua voz à la HAL, o computador de “2001”. “AI!” tá cheio de homenagens a Kubrick, como se essas referências a um diretor mais cerebral transformassem, por osmose, o Steven em um piá mais crescidinho. Tudo é questão de gosto. Tem crítico aclamando “AI!” como o melhor Spielberg. De modo geral, esses experts também tentam nos convencer que os extraterrestres do fim não são ETs. É só impressão nossa que eles sejam a cara dos fininhos de “Contatos Imediatos”. Pra mim, “AI!” é mais artificial que inteligente.

CRÍTICA: JASON X / O xis da questão

Liguei pro cinema para saber os horários e a gravação mencionou “Jason Xis”. Não “Jason Dez”, como eu, do alto da minha ingenuidade, pensei que fosse. Afinal, é a décima (e nem de longe a última) empreitada de “Sexta-Feira 13”. Mas pelo menos o pessoal pronuncia Jason corretamente. De repente, se eles falassem “Jazão Xis”, eu não reconheceria o filme.

Nenhuma surpresa que a franquia haja voltado. O último “Sábado 14” data de 1993, e inclui um tal de “Capítulo Final” no título. Tudo bem, porque antes dele, em 84, a parte quatro já se intitulava o fim. Mas o Jason é como as baratas aqui de casa – elas sempre voltam. Em cada episódio, os cineastas desconsideram tudo que aconteceu anteriormente e incluem elementos novos. No de 93, inventaram uma irmã. No oitavo, transportaram o elemento pra Nova York, mas é à noite, nem se vêem as torres gêmeas. Esta série, assim como “Halloween” e os pesadelos de Freddy Krueger, vem provar o que suspeitávamos: que matar adolescentes é um negócio muito, muito lucrativo.

No fundo, se analisarmos bem, constataremos que o grande feito da franquia que começou em 80 foi ter lançado o Kevin Bacon. Até hoje não consigo entender o que me levou a ver mais da metade desses filminhos. Teria eu alguma fantasia erótica com máscara de hóquei? Não mesmo. Será que me coloco no lugar das vítimas? De jeito nenhum. Gosto de ver teens sendo decapitados? Não necessariamente. Torço pro Jason? Fala sério! O cara é o maior mala. O sucesso desse tipo de cinema é algo sem explicação. Mas o “Xis” até que não é dos piores. Pelo menos tem humor, e nem sempre involuntário. Sem querer, o Jason é congelado e vai parar no ano 2455. Lá é reavivado pra poder trucidar jovens prafrentex. Infelizmente, os adolescentes daqui a quatro séculos são iguaizinhos aos de hoje. O futuro é sombrio.

Tentei contar quantas pessoas o Coisa Ruim mata aqui e cheguei a 25. Mas posso estar enganada. Não é um número exato, já que várias vítimas são assassinadas mais de uma vez. Uma delas é o David Cronenberg. Sabe o diretor de ótimas produções como “Gêmeos – Mórbida Semelhança” e “A Mosca”? Esse um aí. Ele é um cientista maluco meio vilão massacrado por Jason logo no início, provavelmente pra pagar por seus pecados por ter cometido “Crash”.

Foi só o Jason aparecer nas telas que um engraçadinho gritou “Saudades!”. Outros momentos hilários ocorrem quando um valentão leva uma facada que lhe atravessa as vísceras e diz: “Vai ser preciso mais do que isso pra me matar!”. Shuff! Outra facada e o sujeito, sem alterar o tom: “Ok. Isso deve dar”. Mas o mais bonitinho é o que tira sarro desses serial killers. Todos sabemos que Jason, Mike Myers, Freddy etc têm pavor de sexo. Pra eles, isso é pura sacanagem, com direito à pena de morte. É por isso que as heroínas (digamos, as sobreviventes) desses filmes são invariavelmente virgens. Então, o Jason tem uma fantasia virtual e se imagina de volta à Crystal Lake, onde duas mocinhas tiram a camisa e o provocam com declarações do gênero “Vamos fumar maconha! Eu gosto de sexo pré-marital!”, antes de entrarem no saco de dormir. A próxima tomada mostra o mascarado usando um dos sacos de dormir com a menina dentro pra espancar a outra. É bem cartoon nessa hora. E é cômico porque o bicho não costuma bater nas vítimas. Ele prefere facas, objetos pontiagudos, fálicos.

Este “Xis” é uma mistura de “Aliens”, “Robocop” e “Spaceballs”, com um toque de “Blade Runner” e Lara Croft, por conta da andróide. Mas o que ele me lembra mesmo é “Monty Python e o Cálice Sagrado”, quando o cavaleiro perde braços e pernas numa luta, sobrando só o tronco, e continua falando pro seu algoz: “Vai amarelar? Volte aqui, seu covarde! Ainda posso te morder!”.

Tá, o filme poderia ser um tiquinho melhor se explorasse mais nosso destino em 2455. Por exemplo, nesta data é possível que haja um “Jason 500”, se ainda existir cinema. Aí você liga pra confirmar horário e a gravação te informa: “Jason Dê”. Ainda bem que não viverei até lá.

CRÍTICA: ASSASSINATO EM GOSFORD PARK / Descalços no parque

Pausa pra ouvir a ária de Handel. Aleluia, estrearam em Joinville dois filmes que passaram em centros maiores faz uns três meses, mas tudo bem, antes tarde do que nunca. São "História Real", do Lynch, e "Assassinato em Gosford Park", do Altman. Vou falar do segundo, se me permitem.

Antes de mais nada, devo contar que atrás de mim tinha uma meninada se comportando como se estivesse vendo "Escorpião Rei", ou uma das sessões pipoca de praxe. Tagarelaram e deram risadinhas durante toda a exibição. Minha dúvida é: por que essa gente vem ver um filme desses? Seria por causa do assassinato no título? É um só, pessoal. Não tá nem no plural. Agora, pelamordedeus, um nome como "Gosford Park" deveria servir pra afugentar o espectador incauto. Mortes em parques não rendem bons filmes de ação, galera. Já ouviram falar de "Mistério no Parque Gorky" ou "Blow-up – Depois daquele Beijo"? Tudo produção meio paradona. Deixo aqui meu apelo – crianças, não venham ao parque. Vão se divertir com coisas que explodem.

"Gosford" não tem sequer uma perseguição de carro, ora veja. Não aparecem nem os seios das atrizes. Nem os da Emily Watson que, se não me engano, se mostrou como veio ao mundo em todos os dramas de que participou. O que "Gosford" tem de monte é personagem. Uma multidão a dar por quilo. A cada minuto surgia um personagem novo. Podia tomar anotações? Sinceramente, eu me perdi. Só consegui guardar uns cinco.

Sou do tipo impaciente, que, se sente que o filme está enrolando pra começar, reclama: este troço não vai ter início não? Só que não me senti assim com "Gosford", para seu crédito. O roteiro não é lá muito coeso, os diálogos vão e voltam, mas o tema central é bastante claro: a relação entre patrões e empregados na Inglaterra dos anos 30. É, tenho quase certeza que era esse. O ponto de partida é atraente, mostrando as acomodações dos ricaços e dos serviçais ao chegar numa mansão. O esquisito é que o filme perde interesse lá pela metade, quando ocorre o tal assassinato.

Ou talvez os milionários, com seus casacos de pele, suas caçadas e sua futilidade, e os empregados, que vivem para servir seus patrões, provoquem ojeriza. Não gostei dos ricos, nem de seus criados. Pode ser aquele fator de que falava o provérbio mexicano de Buñuel: após 24 horas, cadáveres e convidados cheiram mal. Foi inevitável pensar em "O Anjo Exterminador" (e em "Vestígios do Dia") durante a projeção de "Gosford". Tem quem se recorde de "As Regras do Jogo". Com a diferença que Altman não pode ser comparado a Buñuel e Renoir nem de leve. Como já disse um jogador de futebol, clássico é clássico, e vice-versa. "Parquinho" não é clássico nem que a vaca tussa.

Mas "Gosford" tem lados positivos. Um é que os atores são ótimos. Gente, até o Ryan Phillippe se sai bem. É a primeira vez que nos damos ao luxo de considerar o Ryan um canastrão sem sentirmos culpa. É que ele interpreta um canastrão, sabe. Infelizmente, a revelação, que deveria ser sua grande cena, acontece nos bastidores, longe das câmeras.

Agora, o drama mereceu ser indicado a sete Oscars? Claro que não. Mas também, qual dos outros quatro mereceu? Aliás, estou disposta a dar um beijo ardente no leitor (e um respeitoso aperto de mão na leitora) que se lembrar sem pensar muito em quem ganhou o Oscar em março. Difícil, né? Se houve safra pior que a do ano passado, não sei qual foi.

"Gosford" leva jeito de só ter chamado a atenção da Academia por ser um filme de época e pela reputação de seu autor. O que me leva a crer que Altman é o diretor mais superestimado do mundo. Todos seus filmes trazem personagens confinados. Confesso que "MASH" nunca me comoveu, não vi "Nashville", e "O Jogador" se perde no meio do caminho. Algumas de suas produções funcionam, mas pra cada "Short Cuts", Altman faz um "Prêt-à-Porter", pra cada "Cerimônia de Casamento", um "Dr. T e as Mulheres". O balanço geral da sua obra não é dos melhores. "Gosford" não é nenhum "Gororoba Park", mas está a léguas de ser grande cinema.

CRÍTICA: HARRY POTTER E A PEDRA FILOSOFAL / Duendes, cheguei (tarde)!

Até que enfim venci os preconceitos e fui ver “Harry Potter”! Como assim, agora é tarde e o filme já saiu de cartaz? Não, acho que ele continua até chegar a próxima superprodução baseada em sucesso literário e repleta de gnomos e velhinhos com barbas brancas quilométricas. É óbvio que não me refiro a “Xuxa e os Duendes” (daí não dá pra me pegar fazendo o sinal da cruz), e sim a “O Senhor dos Anéis”. Oh céus, entra o período de férias escolares e as salas de exibição são tomadas por historinhas infanto-juvenis. Acho que as crianças merecem seu cineminha (afinal, elas também são filhas de Deus), mas e eu, que passei dos dez anos há décadas?! Espectador adulto, prepare-se para um longo e tenebroso verão.

Opa, falando desse jeito até parece que não me diverti às pampas com “Harry Potter”. O novo campeão de bilheteria (será que baterá mesmo o “Titanic”? Será que o público mirim irá assisti-lo mais de sete vezes, média da freqüência com que as menininhas prestigiaram os olhos azuis do Leo?) é ágil, e suas duas horas e meia são rápidas e pra cima. Já ouvi argumentos do tipo “oooh, essa temática ensina os infantes que bruxaria é algo bom, o que é muito perigoso”. Claro, estas opiniões vêm de fanáticos religiosos que consideram o Halloween uma influência igualmente temerária. Olha, os feitiços do filme são 100% inocentes. Aliás, se ser bruxa significa voar de vassoura, levitar, morar num castelo e poder avistar um sapo sem urrar de terror, eu também queria ser uma. Ih, já tô vendo leitor metido a engraçadinho dizendo “queria?!”. Vou ignorar estas provocações.

Antes de prosseguir com esta minha crônica, devo esclarecer que qualquer pessoa que haja lido um dos volumes da J. K. Rowling manja muito mais de pedra filosofal e afins do que eu. Portanto, não tenho a pretensão de me dirigir a pottermaníacos. Para eles, sou apenas uma trouxa (não no sentido ruim da palavra, como você está pensando. Segundo o vocabulário peculiar da série, trouxa é quem não é mago). Escrevo a você, leigo no assunto, você que nunca ouviu falar do menino órfão levado a uma escola de feitiçaria e seus amiguinhos bruxos. Ou seja, você que vive numa caverna ou num abrigo anti-nuclear, sem comunicação com o resto do mundo.

Será que fui a última pessoa na face da Terra a assistir a “Harry Potter”? Meus alunos adolescentes já estão na terceira. Pra se entender o charme que essa espécie de trama contém, é preciso recuar no tempo. No fundo, “HP” é similar a “Os Goonies” ou “O Enigma da Pirâmide” – aquele negócio da pureza e criatividade das crianças contra a maldade dos “de maior”. Não podemos esquecer que quem tem entre 6 e 15 anos hoje nem era nascido em 82, ano de “ET”. Tudo parece novo.

“HP” tem lá sua magia em várias cenas. Os dois companheiros do guri são inclusive divertidos, uns fofos. Me identifiquei com o gigante, não apenas pelo nosso tamanho em comum, mas pelo seu lema “não deveria ter dito isso”. Sei como ele se sente. Na verdade, confesso que me conectei totalmente com a produção. Eu mais parecia uma platéia-teste. Vibrava e ria nos lugares certos. O maridão jura que até soltei um “Oh!” durante a exibição, mas isso vou negar até a morte.

Triste que chega uma hora em que o filme desanda. É pouco antes do jogo de xadrez com peças vivas. Entramos no final, e o final é banal. O roteiro se encarrega de buscar motivos para premiar todos os coleguinhas do herói. A menina é laureada pela lógica e inteligência, o garoto por jogar a melhor partida de xadrez já vista no local. Uau! A melhor partida de xadrez é uma em que o adversário não vê mate em um?! Soa falso. Seria mais honesto se eles simplesmente ganhassem pontinhos por serem amigos do Harry.

Pra quem se preocupa que sexo no cinema corrompe as criancinhas, “HP” é o programa ideal. Poucas vezes vi filme tão casto. Não há uma única piadinha de duplo sentido, nenhum olhar mais ardente; os habitantes do castelo ou são guris ou anciãos. Por esta razão, eu jamais moraria lá. Em compensação, há banquetes, corujas, espelhos que permitem ver o que quisermos... Ah, quem sabe eu até encarasse um jejum sexual (temporário!) em troca de um manto da invisibilidade?