Nunca fomos tão felizes.
Nossa, vi Precisamos Falar Sobre o Kevin, e ele me derrubou. Achei perturbador. Fiquei grudada na cama, muito assustada e confusa, como se estivesse vendo um filme de terror. Enquanto procuro entender como a Tilda Swinton não foi indicada ao Oscar de melhor atriz, fico pensando em como estou com vontade de ler o romance de 2003 de Lionel Shriver, que inspirou o filme de Lynne Ramsay (uma diretora mulher, aleluia!).
O drama segue a perspectiva
de uma mãe (Tilda) que tem um filho problemático. A trama é
contada em uma série de flashbacks. Quando que a gente percebe que
alguma coisa vai dar muito, muito errado? Tipo: antes da menina
nascer, aliás, antes do Kevin nascer, vemos que a loirinha já tá
usando um tapa-olho. Portanto, no momento em que Kevin e irmã
começam a habitar o mesmo tempo e espaço, a gente sabe que ela vai
perder um olho. Pensei que seria com o aspirador de pó. Daí pensei
que seria com uma flechada. Mas acho que ficamos sabendo mesmo que o
babado é forte quando vizinhas passam, do nada, a agredir Eva.
E logo que a gente nota
que o menino não é boa pessoa, a gente (ou pelo menos eu) torce pra
que, pelamor, ninguém invente de ter um bichinho de estimação em
casa. Porque todo mundo sabe que existe uma grande atração de
serial killers por animais. Aí, quando aparece um porquinho da
índia, ou um hamster, ou sei lá que bichinho peludo e fofudo é aquele, a gente até fica surpresa que ele sobrevive cinco minutos
naquele campo minado.
Só pra variar, praticamente todas as opiniões que ouvi sobre a história colocam a culpa por ter um filho psicopata na mãe. A julgar por essas pessoas, sempre tão ligeiras em responsabilizar as mães, parece que os filhos moram numa ilha deserta só com suas progenitoras. Kevin tem pai também, pelo que eu pude notar. E é um pai que sempre lhe dá razão e que justifica seu comportamento. Pior: é o pai que lhe dá um arco e flecha e o ensina a usá-lo. Fica o aviso: se você desconfiar de qualquer impulso agressivo do seu filho, não o presenteie com armas letais. Obrigada.
Só pra variar, praticamente todas as opiniões que ouvi sobre a história colocam a culpa por ter um filho psicopata na mãe. A julgar por essas pessoas, sempre tão ligeiras em responsabilizar as mães, parece que os filhos moram numa ilha deserta só com suas progenitoras. Kevin tem pai também, pelo que eu pude notar. E é um pai que sempre lhe dá razão e que justifica seu comportamento. Pior: é o pai que lhe dá um arco e flecha e o ensina a usá-lo. Fica o aviso: se você desconfiar de qualquer impulso agressivo do seu filho, não o presenteie com armas letais. Obrigada.
Mas também não entendo porque
todo mundo culpa tanto os pais, sempre. E, claro, principalmente as
mães. Num filme que eu adoro, A Outra História Americana (American
History X), o fillho mais velho, interpretado por Edward Norton,
torna-se um neonazista, e seu irmão mais novo também, mais pela
influência do Edward. Mas quem influencia Edward? Ninguém na casa
dele é neonazi. Os pais são carinhosos com os filhos. Há uma cena
em que o pai, no meio da mesa de jantar, diz alguma coisa racista.
Mas pô, se cada filho que ouvisse seu pai dizer algo racista
tatuasse uma suástica no peito, estaríamos bem pior do que estamos
agora. No entanto, a gente responsabiliza os pais pelas atrocidades que
seus filhos cometem.
Eu acredito que
psicopatas existam e que sejam incuráveis. Acho que pode faltar um
pedaço do cérebro que possibilite a empatia. E que, por mais que a
criança tenha pais legais, essa falta de empatia pode causar algum
estrago cedo ou tarde. Mas também acredito que psicopatas possam ser
criados pelo meio ambiente. Uma criança que é sistematicamente
abusada e torturada pelos pais têm grandes chances de querer repetir
o comportamento já na adolescência. Mas assim, eu sou contra a pena
de morte. Por mais que algumas pessoas nunca vão aprender a conviver
em sociedade, elas não devem ser mortas. Mas também não devem ser
soltas.
Kevin odeia sua mãe,
ou é o que transparece, desde o comecinho. E ela não gosta dele. Só
que eu acho que ela faz o possível. Ela tenta se conectar com ele, e
não consegue. Sua gravidez não é desejada, isso é claro, mas até
aí, a maioria também não é, e nem por isso temos uma legião de
serial killers. Não sei se Eva tem depressão pós-parto, que é um
dos grandes tabus da humanidade. O mito do instinto materno é tão
grande que poucos ousam falar que muitas mães sofrem e têm
pensamentos pouco carinhosos pro bebê depois do parto. Mas essa é
uma doença, é depressão, precisa de tratamento. E não fica claro
se Eva sofre disso.
É uma atitude egoísta, eu sei, e eu digo isso sem ser mãe, nem nunca querer ser mãe. E tenho certeza que a maior parte de vocês mães não desistiria. Mas eu só fiquei pensando se visitaria o Kevin muito de vez em quando ou se eu fugiria logo pro México. Não caio nessas de amor incondicional. Se um filho fizer algo terrivelmente errado, é dever dos pais perdoá-lo? Vamos supor que, em vez do guri arruinar a parede que você pintou com tanto esmero, ele tivesse torturado até a morte alguns cãezinhos. Você não deserdaria o menino? Quantas ninhadas de cachorrinhos você permitiria que ele eliminasse até interná-lo?
Imagino que o livro
deve oferecer muito mais detalhes de tudo. Soa altamente improvável
que Kevin consiga enganar a todos (exceto a mãe) por tanto tempo. Um
garoto desses deve aprontar maldades na escola. Sua irmãzinha
aparece pouco, o que é conveniente, porque suponho que ela sofra
pacas nas mãos de Kevin. Um dos meus problemas com o filme é que
sabemos tão pouco sobre Eva, a mãe.
O único momento em que ela diz algo duro é no campo de golfe, quando ela fala o que umas cinquenta pessoas escrevem em todo santo post que publico sobre gordofobia -– que metabolismo lento ou genes o quê, gordos são gordos porque comem mal e muito. Por mais que eu gostaria de avisar que os babacas que repetem essas coisas vão gerar filhos psicopatas, hum, acho que não funciona assim. E o pai de Kevin (John C. Reilly) é bonzinho demais. Tá, mais pro lado panaca mesmo. Dá vontade de chacoalhá-lo e dizer: escuta, cara, você não tá vendo que seu adorável filhinho parece saído de A Profecia? Procura o 666 no couro cabeludo dele, que deve estar lá!
O único momento em que ela diz algo duro é no campo de golfe, quando ela fala o que umas cinquenta pessoas escrevem em todo santo post que publico sobre gordofobia -– que metabolismo lento ou genes o quê, gordos são gordos porque comem mal e muito. Por mais que eu gostaria de avisar que os babacas que repetem essas coisas vão gerar filhos psicopatas, hum, acho que não funciona assim. E o pai de Kevin (John C. Reilly) é bonzinho demais. Tá, mais pro lado panaca mesmo. Dá vontade de chacoalhá-lo e dizer: escuta, cara, você não tá vendo que seu adorável filhinho parece saído de A Profecia? Procura o 666 no couro cabeludo dele, que deve estar lá!
O lado bom é que, na vida real, se a
população mundial aumentar muito e os governos quiserem fazer com
que os casais tenham menos filhos, é só passar Precisamos Falar sobre Kevin na TV uma
vez por ano. Problema resolvido.
Escrevi mais sobre Kevin aqui, um ano depois.
Escrevi mais sobre Kevin aqui, um ano depois.