sábado, 31 de agosto de 2013

GUEST POST: ME TORNEI FEMINISTA NAMORANDO UMA FEMINISTA

Quando Alexandre e sua namorada leram o post "Namoro uma feminista", debateram sobre ele (adoro quando casais discutem sobre textos meus!). A namorada do Alexandre então "sugeriu levemente" que ele escrevesse alguma coisa também. Tá aqui. 

Nasci no interior, em família de classe média, de pai rígido e conservador, e eu (caçula) não comecei diferente.
Passei por todos os treinamentos de homem. Aprendi a brigar desde os sete e lutei por minha honra várias vezes depois no colégio. 
Negligenciaram meu acesso à pornografia, engoli o choro desde meus cinco anos de idade, aguentei sem frescura todos os machucados, aos 17 arrumei trabalho, escolhi uma faculdade "que desse dinheiro". Lembro ainda que acreditava que "mulheres são frágeis", e que "em mulher não se bate nem com uma flor" -- o pedestal.
Descrevi não pra causar dó, mas pra figurar o treinamento-padrão, aquele que todo moleque depois dos 18 e que paga suas contas enche o peito para se dizer um homem, ao mesmo tempo que insiste que garotas "não passaram por tudo isso" e "não sabem como é [ter o orgulho remendado]".
Por anos a única coisa que não me direcionou nessa ignorância foi minha petulância de irmão mais novo de querer ser do contra.
Desde sempre questionei muitas coisas, mas só aos 21 que meu questionamento tendeu pro social, e aos 24 comecei a sair com minha atual namorada, feminista, riponga.
Não tenho nem ideia quanta coisa imbecil eu devo ter dito no início, pois minha referência eram as garotas feministas lá do colégio que viviam falando que "homem não presta" ou "homem é tudo igual", mas essa referência caiu na primeira conversa que tive com minha namorada.
Quanto mais ouvia, mais me sentia ignorante, e mais perguntava e ponderava. Minha namorada foi paciente ao respirar fundo no início e não sair batendo verbalmente, assim ela me dava um toque toda vez que notasse algo errado. "Isso é meio machista", ela até atenuava. Isso me deu oportunidade pra compreender posturas feministas na prática, aos poucos, e me acostumei a admitir minha ignorância e até perguntar "O que teria sido não-machista?".
Por tempos debatíamos desde apelação publicitária, violência, depilação, assédio, até cozinhar. No possível fui compreendendo algumas obrigações, privações e pressões que as mulheres sofrem, o histórico e a carga educacional tão negada pelos homens.
Naquele ponto planejávamos morar juntos num futuro breve, e minha namorada incentivou (pra não dizer obrigou) um plano esquecido meu de viver sozinho. Eu queria pela liberdade, e ela porque sabia que, por eu ter mãe coruja, não aprendi muito sobre cuidar de uma casa. Deu certo. Vivi cinco meses sozinho. Apesar de bem assessorado, passei por todos os estágios de limpeza, do crítico à faxina de redenção. Lavei box e fogão, vi que mais valia fazer xixi sentado que lavar tudo mais vezes. Aprendi a cozinhar um pouco, se bem que algumas comidas estragaram. Mas enfim, aprendi a fazer "a segunda jornada".
Aí comecei a notar o machismo a minha volta, e a ter que me segurar pra não me exaltar em conversas. Foi então que entendi a possibilidade de ser agente multiplicador. Comecei com meus amigos, testando frases como "e se você pega sua namorada também fazendo isso?".
Fui relembrado que não adianta chegar batendo, e que, se eu queria ser construtivo com o feminismo, eu teria que aprender a incutir nos outros o que eu estava aprendendo. Mantive em mente que outros homens ainda estavam no pós-"treinamento padrão", que é duro sim e às vezes fabrica monstros. Notei que infelizmente é dificílimo começar argumentando sobre a educação da mulher. Mas havia outros pontos que eu podia abordar positivamente em prol das mulheres.
Por exemplo, um amigo se queixou:
- Olhe essas contas... Sobra pra mim.
- Sua namorada não ajuda? Quanto ela ganha, posso saber? - perguntei.
- Ah, ela paga um jantar ou outro só. Tá ganhando 1,200 reais.
- Bom, você eu tenho certeza que ganha mais de 3 mil, vamos dizer, 3,500 reais. O salário dela com o seu dá R$ 4,700. A participação dela seria de 25%, isso é o justo que ela ajude, eu acho. Se ela paga uns jantares, digamos quatro por mês de 50 reais, dá 200, e pra cada valor desses dela você tem que pagar 600. Já pensou assim?
Passei a bater onde dói mais no homem, no bolso e no orgulho. Gosto de debater pesado, e sempre tentava apenas conversar, mas não perdia uma causa defendendo as mulheres. Batia conforme o que ouvia. Aprendi depois a pegar mais leve e que o melhor é dar uma única boa agulhada que faça o cidadão olhar pro canto e ponderar, pois é normal um tempo de assimilação, e querer agulhar duas ou três vezes só vai fazê-lo descartar todo o esforço pedagógico.
Hoje eu e minha namorada moramos juntos, debatemos responsabilidades com a casa, e procuramos proporção baseado no justo. Assim é também com o dinheiro, que não é de conta-conjunta. Seguimos desconstruindo deveres sexistas, cozinhamos e limpamos juntos, aprendo coisas de casa em que sou ruim, e ela se esforça para aprender contabilidade e mecânica do carro, por exemplo.
Sei que devo pecar em vários pontos ainda. Aos 28 anos ainda é difícil suprimir a carga cultural machista embutida e alimentada dia-a-dia.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A CARA DA PROFISSÃO MÉDICA

Esta semana eu (e mais um monte de gente) fiquei chocada com a notícia sobre a recepção aos médicos cubanos. Aqui mesmo onde moro, em Fortaleza, foi tirada a foto abaixo, que correu o Brasil: um médico cubano, negro, é insultado por manifestantes do Sindicato dos Médicos do Ceará. A notícia diz que os cubanos foram chamados de "escravos" e "voltem pra senzala".

Alguém por favor avisa esses manifestantes (na foto, essas), médicos ou estudantes de Medicina, pela imagem todos brancos, que não é possível chamar um negro de escravo impunemente? 
Porque, sabe, durante séculos os negros foram escravos. É totalmente diferente eu, branca, dizer "Trabalhei feito uma escrava ontem", de uma pessoa negra falar a mesma coisa. Meus antepassados não foram explorados, torturados, mortos, trazidos em navios negreiros para sobreviverem, em média, vinte anos (a expectativa de vida de um escravo negro). Se bobear, meus antepassados exploraram negros, valendo-se de uma ciência e religião racistas que tentavam justificar essa exploração. 
É terrível demais ver uma imagem dessas, de médicxs achando tudo bem chamar um negro de escravo. Essas são as mesmas pessoas, provavelmente, que são contra as cotas raciais (e sociais também). Porque elas acreditam em meritocracia, e sentem-se bem crendo que mereceram vestir um jaleco branco. Só que quando você acredita que "chegou lá" por mérito, você tem que acreditar que os que não chegaram nem perto de "chegar lá" também mereceram. E, pra acreditar nisso, você terá que fingir que uma história de séculos de opressão nunca aconteceu. 
Escravos negros eram analfabetos. Não porque queriam, mas porque era contra a lei ensiná-los a ler e escrever. Eles eram escravos, não tinham nada. E, quando finalmente veio a abolição, que é bem recente (125 anos não são nada em matéria de história), os negros não foram indenizados pelos trezentos anos de exploração. Não. Eles foram considerados livres e prontinhos pra competir de igual pra igual com os brancos. Como pode haver igualdade de oportunidades se a linha de largada é tão torta?
Não vou nem repetir os indicadores sociais que apontam uma ampla distância ainda hoje entre a situação de brancos e de negros e pardos, porque imagino que até os racistas conheçam esses indicadores. Vamos falar só da área de medicina. Sabe quantos estudantes concluintes de Medicina no Brasil são negros ou pardos? 2,66%. Num país em que negros e pardos são maioria da população, como explicar uma estatística dessas? Será que negrxs não querem ser médicos, nem engenheiros, nem advogados, nem juízes, nem deputados e senadores, nem presidentes? 
E será que mulheres negras querem ser empregadas domésticas? A grande maioria das empregadas brasileiras é negra ou parda. No Recife, por exemplo, 81% são negras. 
Nunca vou me esquecer de quando contei a um grupo de alunos adolescentes brancos, da elite de Joinville, que uma mulher negra no Brasil ganha 50% menos que um homem branco, e eles responderam, com escárnio: "Mas também, teacher, são todas empregadas!" Nenhum questionamento deles sobre por que o serviço doméstico seja a terceira atividade que gera mais empregos para mulheres, ou por que uma profissão tão desvalorizada e que paga tão mal seja exercida por negras, ou por que o salário de uma empregada e de um, sei lá, médico, é tão díspar. 
Esta terça, uma jornalista do Rio Grande do Norte foi manchete por externar o preconceito de tantos brasileiros. Ela disse:
Pois é. Num país em que 97% dos médicos são brancos, e em que 60% das empregadas domésticas são negras, ver uma médica negra deve ter embaralhado a cabeça da jornalista. 
Só que Cuba não é esse país. A julgar pelas fotos dos médicos cubanos que desembarcaram no Brasil, parece que lá negras e negros têm oportunidade de chegar a ser médicos. Aqui, não. Isso é bom? Devemos ter orgulho da nossa educação elitista, do nosso racismo?

Tenho lido tanta idiotice sobre a vinda dos médicos cubanos... Algumas coisas só por eles serem de Cuba, lógico, o país mais odiado do mundo pelos reaças de qualquer lugar. Daí pros reaças dizerem que médicos cubanos são agentes comunistas disfarçados de empregadas médicas é um pulo. Dizem também que o Brasil estará financiando a ditadura de Fidel, e que a medicina cubana é péssima, porque, né, com nosso eterno complexo de vira-lata, acreditamos piamente que nada de qualidade possa surgir na América Latina. 
Li também que, se o médico fosse de Harvard, aí tudo bem ("eu até inventaria uma doença pra ser tratado por ele", disse um reaça). Outro afirmou que, se os médicos fossem suíços, não cubanos, eles certamente não precisariam fazer exame nenhum de revalidação, porque estariam automaticamente qualificados a dar aulas de medicina pros médicos brasileiros. Nenhum racismo nessa afirmação, por supuesto (ou você consegue imaginar um país mais branco que a Suíça?). 

Jamaicana é diretora do OPAS
Embora eu seja a favor da vinda de médicos de fora para atuar em municípios brasileiros onde os médicos daqui não querem ir, eu fico com um pé atrás com a brecha legal que pode ser aberta por profissionais que atuarão aqui estarem sujeitos às leis trabalhistas de outro país (o salário de R$ 10 mil será pago à Organização Pan-Americana de Saúde, que o repassará ao profissional; segundo o ministro Padilha, outros cinquenta países que têm convênio com Cuba também fazem isso). 
E fico receosa com notícias de que alguns municípios pobres e pequenos demitirão seus poucos médicos (que recebem R$ 30 mil mensais) para ficar com os médicos estrangeiros, financiados pelo governo federal. Porque aí cairia por terra o argumento de que a vinda dos médicos de fora não afetaria em nada os médicos brasileiros (se bem que 84% dos contratados pelo programa Mais Médicos atuarão no interior do Norte e Nordeste, e os médicos brasileiros não estão exatamente fazendo fila pra trabalhar em Coari, AM. E também porque as prefeituras que demitirem médicos perderão recursos). 
Mas é igualmente preocupante, pra mim, ver médicos brasileiros boicotando o Mais Médicos, ou ver o presidente do Conselho Regional de Medicina de MG dizer que vai mandar a polícia onde tiver um médico cubano, "como fazemos com um charlatão ou um curandeiro", e que orientará "seus médicos" a "não socorrerem erros dos colegas cubanos".
É também revoltante ver matérias de médicos que burlam a lei e não trabalham. Ou que há muito mais estudante que faz Medicina pra ganhar bem do que pra atender à população. Ou que um dos gritos de guerra de médicos que se manifestaram diante do Ministério da Saúde foi "Somos ricos, somos cultos. Fora os imbecis corruptos". 

Mas nada disso foi mais chocante que ver médicxs branquinhos gritando "Voltem pra senzala" pra médicos negros. Porque "voltar pra senzala", num contexto em que nem 3% dos médicos brasileiros são negros, quer dizer voltar pra onde mesmo? Pruma profissão como a de empregada doméstica? Essa sim tem mais a cara da trabalhadora negra, é isso que você está dizendo?

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

GUEST POST: "NÃO NOS COMPLETAMOS. NÓS DUAS SOMOS INTEIRAS"

Hoje, dia 29 de agosto, é uma data importante: o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica e Bissexual. 
É importante porque, como sabemos, lésbicas e bissexuais muitas vezes costumam ser menos visíveis até no movimento LGBT, que dizer no resto da sociedade. Por causa disso, hoje está acontecendo uma blogagem coletiva para marcar a data (aliás, a semana toda).
Pra comemorar, pedi pra uma jovem leitora, a D., escrever um guest post pra cá. Só que a espertinha passou a missão pra sua namorada, a M. E ficou uma delícia. Eu li este relato com um sorrisão nos lábios. 

A Lola convidou minha namorada (a D.) pra escrever um guest post. Acabou que sobrou pra mim. E este relato é sobre como duas saudáveis garotas de 16 anos acabam namorando. Bom, foi assim: eu e D. estudamos juntas há 2 anos e meio. Não teve nada de amor à primeira vista ou essas coisas (ela tinha um namoradinho; eu achei ela meio metida). Só que os nossos grupinhos de amizade se fundiram e a gente acabou se aproximando cada vez mais. Uma amizade bem "normal", sabe?
De amigas, nós passamos pra super amigas para sempre. Foi aí que nossa escola entrou em greve e eu fiquei um mês bem ocioso em casa. Mente vazia, oficina do diabo. Eu, que sempre duvidei da minha heterossexualidade, fiquei com muita saudade da D. E com tempo de sobra pra começar a desconfiar disso. Já fiquei com garotos, já gostei de garotos, mas ao mesmo tempo eu tinha aquela curiosidade de como seria beijar uma garota e tudo mais.
Fiz o que qualquer uma teria feito: procurei no Google. “Será que sou lésbica?”, “Como saber se sou lésbica?”, “Estou apaixonada pela minha amiga?”, “Lésbica ou bissexual?”, e daí pra frente. Entrei em mil sites, fiz mil testes (sim, existem testes), e a conclusão foi que eu muito provavelmente era lésbica. Tá, whatever. O problema foi que nesses sites sempre tinha o relato da lésbica-adolescente-que-se-descobriu-lésbica-porque-tá-apaixonada-pela-melhor-amiga. Pelos relatos deu pra sacar que, estatisticamente falando, TODA lésbica já se apaixonou por uma amiga e que, ainda estatisticamente falando, TODA vez dá merda.
Não foi uma descoberta das mais animadoras. Decidi simplesmente não fazer nada, esperar a paixonite passar. Sabe, eu aceitei ser lésbica, e comecei a ler sobre o assunto, só não aceitei estar apaixonadinha pela amiga. Voltaram as aulas, a gente se abraçou e continuou a vida normalmente. 
Quase. Justo nessa época saiu na Veja aquele texto sobre cabras e espinafre (aquele!) e eu, já lésbica o suficiente pra me sentir completamente ultrajada, li várias críticas (incluindo a sua, Lola, e foi aí que eu descobri o seu blog e virei feminista (Awn!) e mandei pra D. pra ver qual seria a reação. E foi a melhor possível. 
As minhas conversas com ela passaram a ser mais "sérias"; a gente virou feminista juntas, e começamos a descobrir (e criticar) a homofobia, o classismo, o machismo, o racismo... A gente se entendia perfeitamente. E fomos evoluindo, uma ajudando a outra. Acho que foi aí que nos grudamos de vez. Muita gente perguntava se éramos irmãs, e muita gente brincava que éramos namoradas.
Enquanto eu estava quase que completamente apaixonada mas ainda negando até a morte, apareceram outros na disputa (é claro, romance adolescente só vira história se for triângulo amoroso, né). Beleza. I can do it. Mas foi só quando (nesse carnaval) ela ficou com um cara (mais um vampiro, já que o cara tem 300 anos. Opssss, recalque) que eu percebi que a) gostava mesmo dela e b) tinha que fazer alguma coisa, senão nunca ia dar nada e eu ia me culpar pro resto da vida.
Resolvi falar. Pensei que não tinha como eu ficar pior. Se ela não gostasse de mim do mesmo jeito... Bom, problema dela. E falei. Gaguejando e quase chorando, mas saiu. “Olha, não sei se você percebeu, mas eu sou meio que lésbica. E eu... meio que... gosto de você”. Bem romântico. E aí começou a conversa mais aberta que eu já tinha tido até então. Foi como se a última parede entre nós tivesse ruído. Foi libertador poder falar em voz alta como eu era sapatão mesmo, como gostava dela mesmo, como tinha percebido, como tinha aceitado e como tinha criado vergonha na cara o bastante pra falar. 
Eu gostaria de dizer que nessa hora nós nos olhamos nos olhos e nos beijamos apaixonadamente. Eu gostaria, mas... sinto muito te desapontar. Ela me enrolou dias e mais dias. A eterna história de "Será que estraga a amizade?". Ok. Duas semanas depois (Duas. Semanas.) nós ficamos, numa sessão de cinema inesquecível não só pra nós como também para os garotos do nosso lado. [Notinha curiosa da Lola: Quero saber o filme!]
E estamos juntas até hoje. Ainda no processo de aprender e evoluir juntas. Nós não somos “assumidas”, só pros amigos mais próximos, mas teria que ser cego pra não perceber alguma coisa. As fofocas já correram pela escola e, olha só, os amigos machistas e homo/lesbo/trans/bifóbicos até que começaram a repensar um pouco.
Da minha parte só posso dizer como é maravilhoso olhar pra pessoa do seu lado e saber que ela não apenas te aceita ou tolera, mas te entende. Numa das cartinhas que escrevi pra ela (ah, o amor juvenil) eu disse: “Nós não nos completamos. Nós duas somos inteiras. Só precisamos da outra pra perceber isso” ou algo assim. E realmente acho que isso é um ensinamento válido, mesmo partindo de uma garota de 16 anos.
E, Lola, se é pra falar de visibilidade lésbica, acho que não posso falar nada. Afinal de contas, eu e D. não somos visibilizadas. Duas adolescentes menores de idade completamente dependentes dos pais. Nós nos escondemos. Da família, dos amigos, de conhecidos que talvez estejam perto e não podem nos ver, e até de desconhecidos. 
Vergonha? Não, jamais. Medo? É, talvez um pouco. Ou quem sabe nós só estamos esperando o momento certo pra chegar com nosso caminhão passando por cima de todo preconceito.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O PRECONCEITO CONTRA MÃES SOLTEIRAS

Da K, que conseguiu se libertar.

Há alguns meses me tornei mãe solteira -- ou separada, como preferir. Como já disse em um guest post anônimo no seu blog, depois de um relacionamento abusivo eu consegui enfim me separar. 
Me separei sem pensar muito em como seria, porque talvez se eu pensasse eu não conseguiria me separar.
Ingenuamente, acreditei que não existisse mais essa coisa de preconceito com mães solteiras. Claro que eu sabia de muita gente que acha que mãe solteira só está a fim de arranjar um pai para o filho e tudo mais, mas acreditava mesmo que com tanta informação que temos hoje, pessoas mais novas principalmente, seriam... mais pra frente. 
Nesses meses, me deparei não somente com o preconceito -- que também é machismo né? --, mas com um machismo explícito e de pessoas bem próximas.
As primeiras semanas foram bem complicadas, porque de algumas pessoas das quais eu esperava apoio (por serem amigas há décadas, amigas de infância), o que eu recebi foi descrença. Minha amiga que sabia de toda a situação, dos porquês do término, da situação que estava no limite e da falta de respeito, dizia que isso era fase, que já já eu ia voltar atrás, porque apesar de meu ex na visão dela "não ser aquilo tudo", eu não iria aguentar ficar sozinha. 
Vi aí como algumas pessoas simplesmente não validam as decisões tomadas por mulheres. Minha amiga usou argumentos como: "você vai voltar quando as coisas apertarem" (financeiramente), "quando você sentir falta de sexo". Ou seja, minha decisão não tem valor algum? É isso? Até hoje essa amiga acha que eu vou voltar com ele, e que é só questão de tempo.
Outras pessoas também tiveram reações parecidas. Apesar de serem pessoas próximas, eu já esperava esse tipo de reação. Uma tia, alguns meses depois, me vendo numa situação financeira não muito boa, me disse: separou, agora aguenta. Como se eu tivesse de "pagar" por uma decisão que EU tomei, uma decisão que foi a melhor para mim e para a minha filha. 
Claro que no meio do caminho surgiram pessoas maravilhosas que me apoiaram e seguraram a barra -- até mesmo financeira -- quando precisei, mesmo não sendo responsabilidade delas. Isso se chama empatia. 
Acontece que eu me vi deslocada em um mundo que não sabe lidar com a mulher que ESCOLHE se separar. Sou blogueira, tenho um blog sobre maternidade e comecei a procurar blogs com o mesmo tema. O que encontrei foram diversos blogs onde as mulheres se vitimizavam, dizendo que foram abandonadas, e dicas para o seu marido não terminar com você, como se ser mãe solteira fosse a pior desgraça para uma mulher.
Então aproveitei a deixa e comecei a incluir o feminismo nos meus textos, a incentivar as mulheres a se empoderarem. E no blog mesmo, quando falo da separação, às vezes acontece de aparecer um comentário ou outro de alguém falando que é um absurdo eu fazer algo assim com a minha filha, que eu deveria ter pensado nela. Mas eu pensei! Tanto pensei, que preferi separar. Porque eu não quero que futuramente ela permaneça numa relação abusiva, ou até mesmo numa relação na qual ela não quer mais estar, porque "minha mãe ficou casada mesmo assim". 
Lola, já ouvi de tudo esses meses, já ouvi que estão fazendo corrente de oração para mim, para que um homem bom apareça na minha vida! (Oh! homens bons, venham me resgatar das garras do feminismo!). Já ouvi que em breve irei encontrar um homem para ser o pai da minha filha. Porque né, separou, a criança perde o pai, né? Não? Ah tá... Já ouvi que "Ihh, agora que não deu certo com homem, não desiste não, tá? Não vai começar a gostar de mulher, hein?". Já ouvi de TU-DO. 
E vi que para a maioria das pessoas a mãe solteira AINDA é vista como uma abandonada. Até mesmo algumas mães solteiras se intitulam coitadas. Como se todas as mulheres precisassem de um homem para cuidar delas e dos filhos!
Não me arrependo da minha decisão. Eu ainda custo a acreditar que consegui me separar, e quando lembro, fico muito feliz e orgulhosa de mim. 
Tenho esperança de que, futuramente, a nossa sociedade esteja preparada para aceitar as mães solteiras sem ter de arranjar um homem pra elas. 

Minha resposta: Incrível que esse preconceito persista! Bem quando vc precisa de apoio... Imagina só, se a gente vivesse numa sociedade mais igualitária, todo mundo estaria te parabenizando por ter conseguido sair de um relacionamento abusivo. Mas como a sociedade é tremendamente machista, fica insistindo nisso de "melhor mal acompanhada do que só" (contrariando o próprio provérbio), ou de que vc precisa de um homem.
É bem provável que homens venham, e que desta vez vc saberá escolher. Mas daí a dizer que vc PRECISA de um pra viver, vai uma distância. Ou de que sua filha precisa de um pai, como se ela já não tivesse um!
Não tem ninguém que os mascus, por exemplo, odeiem mais que mãe solteira. Ok, talvez mãe solteira esteja em pé de igualdade no ódio deles com gordas e certa blogueira feminista que eles não ousam dizer o nome. Pra eles, toda mulher que tem filho sem casar, ou que tem filho e se separa, ou que tem filho e fica viúva, é mãe solteira (eu acho estranho isso, porque, pra mim, mãe solteira é uma conjunção de mãe com ser solteira, mas enfim, tem muita gente que usa o termo mãe solteira pra englobar qualquer mulher sem homem pra criar os filhos). 
Camisa odiosa, criação de mascus dos EUA
E todas essas mulheres, segundo eles, não prestam, só querem arranjar um homem que as sustente. Sem falar que os filhos dessas mulheres são os piores possíveis, de acordo com os mascus (o que certamente é uma projeção, pois muitos mascus são filhos de mães solteiras. O que não falta é mascu que teve mãe batalhadora e pai inútil que largou a família e, lógico, o pimpolho ficou contra as mulheres e sonha em ser igual ao pai). E pra eles não existe nada mais desonroso que um homem criar um filho que não seja seu. Ou seja, adoção, pra eles, é ato máximo de desonra.
O curioso é que todas essas opiniões sobre mães solteiras estão vivíssimas na sociedade. Mascus não criam nada, eles só aumentam o nível de preconceito e ódio à terceira potência. Não existe muita gente, imagino, que chama mãe solteira de "lixo imundo" (como fazem os bravos guerreiros de um real -- bem escondidinhos por trás de um avatar de superherói, óbvio). Mas a ideia no senso comum de que uma mãe solteira está desesperadamente à procura de um homem é igualmente machista.
O lado bom é que dá pra rapidamente sacar quem são esses homens preconceituosos e riscá-los do nosso caderninho. Afinal, quem em sã consciência quer ter qualquer tipo de relacionamento (mesmo que seja um "Bom dia" num elevador) com alguém que chama filho de mãe solteira de "Esporro Alheio Ambulante"? (e esses caras têm a pachorra de fingir que se preocupam com embriões no caso de aborto!).
Eu só posso te parabenizar por ter conseguido cair fora. Isso exige muita coragem. E vc teve essa coragem. Agora a sua vida já deve estar melhor, apesar dos preconceitos que te rodeiam. É só seguir em frente sem olhar pra trás. E evitando olhar pros lados, porque o que não falta é gente besta disparando preconceitos.