domingo, 31 de agosto de 2014

LOLINHA SAUDÁVEL E CURSO DE EXTENSÃO

Faz uma semana que comi meu último chocolate! 
Talvez não seja o último da minha vida, mas gostaria que fosse o último por muito tempo. Faz anos que não fico tantos dias sem chocolate. E, pra ser sincera, tirando a quinta-feira, quando me deu uma compulsão (mas resisti), o resto da semana foi bastante tranquilo.
Além de tentar eliminar esse vício, comecei a fazer sucos toda manhã. O maridão, que ama sucos, tá adorando. Eu só bebo água, então tomar suco é um pouco de sacrifício. Mas os sucos que venho fazendo (vários com couve, limão, gengibre e maçã -- considerados os mais aptos a desintoxicar o fígado) não são ruins. Eu e o maridão tomamos sem açúcar ou adoçante, e sem coar. Numa boa.
Esta foi minha primeira semana pra uma vida mais saudável. Como já falei algumas vezes, fui diagnosticada com esteatose (gordura no fígado) dois anos atrás. De lá pra cá, fiz quase nada pra tentar reverter a situação. Mas agora vai! Preciso também fazer exercícios. Semana passada re-inaugurei a esteira aqui de casa. Só tive tempo pra andar um pouquinho na segunda e terça. 
E esta semana que começa agora será um inferno, cheia de compromissos e reuniões. Ah, pra aquecer, antes de pisar na esteira, faço Radio Taiso. Conhecem? Eu nunca tinha ouvido falar antes de um sansei, jogador de xadrez amigo do maridão, me contar. Creio que os japoneses, que têm a maior expectativa de vida do mundo, podem nos dar algumas lições sobre ser saudável.
Este post é só pra falar da minha nova vida (Lolinha, versão saudável -- ok, isso é injusto, já que na verdade sempre fui saudável, até chegar aos 45 anos) e também pra convidar o pessoal de Fortaleza a participar do meu curso de extensão, que começa na terça, dia 2. Eu ofereci o curso no semestre passado e foi muito bacana. 
Agora vou começar uma segunda parte, mas não precisa ter feito a primeira antes. É só que usarei textos e filmes diferentes. 
O curso é "Discutindo Gênero através do cinema e literatura", é grátis, e aberto a toda comunidade. Será na UFC (campus Benfica, Centro de Humanidades I), mas você não precisa ser alunx da universidade (mas, pra quem é estudante, vale certificado). É quinzenal (uma terça a cada duas semanas, das 11:30 às 13:30). Para se inscrever, é só me mandar um email: lolaescreva@gmail.com
Agora é só fazer tudo que tenho que fazer até amanhã...

NÃO ÉRAMOS FELIZES

Parece que esta era a única felicidade para muitas avós

O post sobre os tempos da vovó rendeu comentários tão fantásticos que vou publicá-los em duas vezes, porque foi impossível escolher apenas uns poucos. 

Lei do Divórcio é sancionada no
Brasil em 1977: conquista feminista
"Minha mãe andou dizendo que antigamente é que era bom. Mas assim que eu contei que se tivesse nascido na época em que ela disse que queria nascer ela ainda teria que ser casada com meu pai, porque não existia divórcio e nem poderia trabalhar fora sem a permissão dele... bom, digamos que isso foi o suficiente pra ela ver o quanto as coisas são melhores pra gente agora nesta época." (Anônimo)

"Só diz que antes era melhor quem nunca conversou com a própria avó, fato. A minha, como a maioria, apanhou, foi sexualmente abusada, foi proibida de trabalhar... e foi muito guerreira, brigando com o portuga doido que era meu avo pra minha mãe poder fazer faculdade (ele queria proibir, porque achava que mulher não tinha que estudar). 
Cresci ouvindo as histórias dela. E por ter crescido vendo tudo isso, minha mãe se tornou militante feminista nos anos 80. Pude ver como a vida dela (com uma carreira, um relacionamento mais equilibrado com meu pai, mais autoestima) foi muito melhor que a da minha avó. Qualquer mulher que observar esses exemplos na própria família vai ver que precisa SIM do feminismo." (Maria Fernanda Lamim)

"Meus avôs se separaram na década de 70, depois de mais de 25 anos casados. Minha avó sofreu muito com ele, apanhava, sofria humilhações etc. No fim foi meu avô quem pediu a separação. E todos os filhos, 5 mulheres e 3 homens, na época jovens de 20 e poucos anos, se revoltaram com a minha avó. A coitada vivia e continuou vivendo uma vida miserável, porque os filhos não aceitaram a separação. Meu avô foi morar longe e não escutava as barbaridades ditas pelos filhos. 
Depois de alguns anos minha avó arrumou um namorado e queria se casar de novo. Quem disse que os filhos permitiram? Fizeram um escândalo e proibiram minha avó de encontrar o pretendente. Hoje minha avó é uma mulher extremamente amargurada. Hoje os filhos se arrependem muito de não ter deixado seguir o relacionamento, porque ninguém tem tempo de cuidar dela. Às vezes não são apenas os maridos que destroem a vida das mulheres, alguns filhos contribuem também." (Anônimo)

"Minha mãe conta que quando a minha avó se casou com o meu avô, na noite de núpcias, minha avó não sangrou. Então meu avó a levou numa delegacia para que fosse comprovada a virgindade dela. Ela tinha o hímen complacente. Precisou passar por uma espécie de exame de corpo de delito para atestar que era pura. Já imaginaram a humilhação?
Meu avô era policial em SP, minha avó costurava camisas para as lojas do Brás. Ela estudou até a terceira série.
Minha mãe é a mais velha de sete irmãos, ela conta que cada vez que a minha avó engravidava, ela ficava louca de raiva. De ter mais um filho com o meu avô. Brigavam o tempo todo. Meu avô bebia. Os filhos apartavam o pai com faca, revólver. Numa briga com a minha avó ele deu um tiro, pegou na parede do quarto onde eu estava, dentro do carrinho de bebê.
Foi assim desde que me entendo por gente. Ele já aposentado, mal parava em casa, vivia nos botecos até cair. Quando queria, pegava um trem ou ônibus e ia visitar parentes no RS, ficava fora por meses.
Minha avó foi uma pessoa amargurada. Ela renasceu quando entrou para um grupo da terceira idade. Meu avô, já doente, não conseguiu impedir que ela frequentasse o grupo, mas desmerecia tudo que ela fazia lá. Lá ela teve amigas, viajou muito, aprendeu a fazer ótimas fotografias, fez teatro e descobriu um dom: fazia poesias.
Ela descobriu um câncer intestinal, operou, mas ainda no hospital optou por não se alimentar. Ela não queria voltar para casa. Apesar do médico garantir que nem quimio ela ia precisar, só da possibilidade dela ficar presa em casa com o meu avô, ela desistiu de viver. Foi preciso por sonda alimentar, ela não comia. Mas aí era tarde. Ela morreu há 6 anos. Meu avô, ano passado.
Pra ela a vida de antigamente não foi nada boa.
Eu prefiro a vida hoje. Eu posso estudar, trabalhar, votar, posso casar ou não, me separar, posso falar. Preciso lutar por tudo isso. Foi e é preciso lutar por tudo isso.
Por outro lado, minha sogra admira uma conhecida dela, senhora bem idosa que tem nas palavras dela 'uma pele linda, quase sem rugas'. Por que? Porque diz que o marido foi muito bom pra ela, não deixou faltar nada em casa, ela nunca precisou trabalhar, nem 'passar nervoso', por isso está tão conservada. Já minha cunhada de 27 anos, sonha com o dia que conhecer um homem rico pra não precisar trabalhar, já que ela acha que mulher não tinha que trabalhar fora.
São opiniões completamente diferentes, mas eu ainda penso que graças à luta das mulheres hoje temos a escolha, podemos decidir.
Finalizo com um exemplo da minha mãe: uma vez, numa viagem de férias com meus pais e tios, paramos em Joinville. Entramos numa loja linda de roupas bordadas. Minha mãe e minha tia viram um roupão de banho lindo, todo bordado. Minha mãe escolheu o dela, fez o cheque e pagou (ela, hoje aposentada, trabalhou em banco). Minha tia é esposa de médico, nunca trabalhou fora, mas sempre estava lá com a casa impecável, as roupas brancas do meu tio um brinco, os filhos bem cuidados. 
Ela pegou o roupão que tinha gostado e pediu pro meu tio comprar, ele disse não. Eles têm muito dinheiro, mas mesmo assim, ele disse não. Nunca vou esquecer o rosto dela, o jeito que ela se encolheu e devolveu a peça.
Desculpem... eu prefiro o hoje e sonho com um amanhã melhor." (Freda)

"Isso me lembra a avó de uma colega de trabalho. Ela dizia que a mulher tinha que ser uma puta na cama para satisfazer o homem. Minha colega então perguntou-lhe que, sendo assim, ela deve ter tido muitos orgasmos. E ela perguntou: o que era isso? Minha colega, então, ensinou-lhe como consegui-los. E foi assim, depois de viúva, ela experimentou o orgasmo pela masturbação. Se o avô dela fosse mais carinhoso com a esposa e 'puto', como ela era com ele, ela poderia conhecer esse tal de orgasmo há muito mais tempo.
Muito fácil rotular uma mulher que não sente prazer na cama como frígida. Pudera, ser tratada mal não é afrodisíaco nenhum e só faz tremer de raiva e/ou frustração." (Hammandah)

"Vejo várias pessoas falando que 'também existiam mulheres felizes antigamente', mas a maioria dos exemplos aqui é de mulheres que sofreram nas mãos dos maridos machistas. 
A minha avó materna, por exemplo, foi uma delas. Ela morreu quando eu era muito nova, então quem me contou a história dela foi a minha mãe, por isso não tem muitos detalhes. Mas os danos causados por um marido machista estão lá, sim. 
Meu avô era muito rígido com os filhos, as meninas nunca podiam fazer o que os meninos podiam. Ele costumava beber, chegar em casa alterado e bater muito nas crianças. Pelo que minha mãe contou, um dia ele tentou agredir a minha avó. Ela estava na cozinha, pegou um pedaço de madeira em brasa, bateu nele com toda a força e fez com que ele caísse de uma escada pequena que tinha na casa. Meu avô não sofreu nada muito grave, mas depois disso, ele nunca mais tentou bater na minha avó. Não sei se ele a agrediu antes, provavelmente sim, mas eu não quis perguntar para a minha mãe.
Por causa dos gastos com álcool e outras dívidas, meu avô perdeu tudo o que a família tinha, inclusive a casa. Precisaram morar de favor por muito tempo. Minha avó ajudava com as despesas ganhando dinheiro com costura e cozinhando para fora, mas era uma vida muito difícil...
Meu avô morreu muito antes de eu nascer, não sei como a minha avó viveu desde a morte dele, provavelmente melhor, mas tendo que batalhar muito para criar 6 filhos. 
Não consigo imaginar como alguém pode dizer que viver dessa maneira pode ter sido 'bom."

"Minha tia-avó também passou um casamento muito difícil, o marido dela viajava e demorava muito tempo para voltar. Ela não trabalhava, mesmo sendo uma das melhores alunas da escola. Eu ainda me lembro que quando ela teve sua primeira menstruação nem sabia o que era aquilo, de tanto tabu acerca disso, mas foram as amigas dela da escola que a tranquilizaram e explicaram para ela. O marido morreu até cedo para os padrões da época, e quando apareceu outro homem querendo se relacionar com ela, ela nem quis saber, disse que nunca vai se casar de novo e que não quer saber mais de homem." (Anônimo)

"Minha amiga tem uma avó relativamente jovem -- teve a mãe dela jovem, a mãe dela foi mãe adolescente. O avô da minha amiga era um bêbado, que batia nos filhos e na mulher, mas daqueles que no fim da vida se arrependeu. A avó da minha amiga virou viúva relativamente cedo (uns 60 anos).
Num dia de semana, seis horas, a avó da minha amiga acorda ela de manhã, segurando o pãozinho do café. As duas se sentaram à mesa sozinhas. E a avó dela confessou que conheceu um senhor num clube de dança, e, meio tímida, comentou que tinha acabado de ter o primeiro orgasmo da vida dela. Ela passou a noite fora conhecendo um prazer do qual ela nunca tinha experimentado.
Isso mudou a vida dela. Ela rejuvenesceu uns 20 anos do dia pra noite. Deixou o cabelo bonito, comprou roupas novas e lindas que ela sempre quis ter, e foi lá ser feliz com o namorado novo, aproveitando uma coisa que ela nunca tinha aproveitado antes.
Foi uma história bonitinha.
Minha avó não quer mais homem nem pintado de ouro. Vários senhores já foram até que bem desrespeitosos dizendo que ela 'tava inteirona', meu avô já chegou na casa dela, tirou toda a roupa ('Mari, ele ficou pe-la-di-nho!') e ela expulsou ele sem pensar duas vezes. O negócio dela é ficar sozinha e aproveitar o tempo com as coisas que ela ama. E eu apoio, apesar dela não cozinhar mais aqueles doces incríveis nas festas de família, que, segundo ela, eram 'pura encheção de saco', hahahaha" (Normalidaderealidade)

sábado, 30 de agosto de 2014

GUEST POST: A DIFAMAÇÃO DE NOIVA DO CORDEIRO

Esta semana um vilarejo mineiro que você provavelmente nunca ouviu falar foi notícia em matérias de várias partes do mundo. O problema é que é tudo mentira. 
Típico: pegam uma vila peculiar, em que as mulheres são maioria e têm poder (e uma história única), e transformam numa "cidade só de mulheres desesperadas para arranjar marido".
Juliana Brancaglioni Casciatori, de Americana, SP, fez o favor de pesquisar e relatar essa história pra gente.

Sou uma leitora invisível do blog, leio sempre, só não comento. E agradeço muito por ter conhecido esse blog, pois através dele conheci mais a fundo o feminismo.
Quero compartilhar com vocês uma história. Deparei-me com uma matéria ontem no Uol sobre uma “Cidade de Beldades” que estava fazendo uma “campanha por homens”. Vários jornais e sites estrangeiros divulgaram uma reportagem com fotos sobre um vilarejo de 600 mulheres jovens, lindas, exóticas e solteiras, que teriam criado uma campanha para atrair homens. 
Segundo o Uol: “Manchetes como 'Habitat de Beldades em Busca de Homens' e 'Lugar Exclusivamente Ocupado por Garotas de Extrema Beleza Quer Atrair Maridos' deixaram alguns leitores estrangeiros curiosos -- a ponto de chegar ao topo da lista de mais lidas do jornal britânico The Telegraph”.
Mas o absurdo não é esse. O problema é que tudo isso nada mais é do que um boato. O vilarejo do qual eles falam se trata do pequeno distrito de Noiva do Cordeiro, a 100 km de Belo Horizonte, MG, povoado por aproximadamente 300 pessoas, entre homens e mulheres. A maioria da população é sim de mulheres, e durante a semana o vilarejo é mais povoado por elas, já que os homens vão à capital para trabalhar como operários em fábricas, e retornam no final de semana.
Uma das moradoras, Rosalee Fernandes foi citada nas matérias que divulgaram o boato. Diz ela: 
Rosalee Fernandes cinco anos atrás
"Com certeza não tem campanha nenhuma. Não dei entrevista. Colocar a gente nessa situação é um absurdo [...]. Em pelo menos uma dessas reportagens foram usadas fotos que mostram as mulheres em poses e trajes provocantes. As fotos foram tiradas numa festa à fantasia e publicadas na página da associação local no Facebook. [...] Ninguém aqui está desesperada, não, senhor, somos trabalhadoras". 
Agora, em que século será que estamos? Só porque uma moradora citou em uma matéria exibida lá no exterior que há poucos homens e boa parte deles parentes, a mídia britânica já saiu espalhando que existia uma “campanha em busca de maridos”?
Aprofundando a história, as mulheres de Vila do Cordeiro contam que, no passado, moradores das cidades vizinhas as chamavam de prostitutas -– pelo simples fato de estarem desacompanhas.
Maria Senhorinha em destaque
Eu, muito curiosa, quis saber um pouco mais sobre a vida da vila, então encontrei o site sobre Noiva do Cordeiro. Tudo começou há mais de 120 anos, por “culpa” de uma mulher. Por volta de 1890, Maria Senhorinha se casou com um francês no povoado de Novas Roças, em Belo Vale (MG). Porém, após 3 meses de casada ela conheceu Chico Fernandes, se apaixonou e começou a ter um caso com ele. O marido descobriu. 
Com o adultério Maria Senhorinha resolveu se separar e assumir o romance com Chico, mas o povoado ficou chocado, e a Igreja Católica os excomungou até a quarta geração. Com isso, Senhorinha e Chico resolveram se mudar para uma propriedade a 40 km de distância de Belo Vale.
Delina Fernandes hoje
Alguns anos depois eles tiveram o primeiro filho, Francisco Fernandes Filho, um dos nove que viriam a ter, e em 1942 ele se uniu a Geralcina Maria de Jesus, somente no civil, já que seus pais tinham sido excomungados. Em 1944 nasceu Delina Fernandes (que hoje é considerada a matriarca da Vila), filha de Francisco e Geralcina.
Em 1950 eles começaram a receber a visita de um pastor, que queria evangelizar e pregar a palavra na região. Os moradores, junto com o pastor, construíram a igreja Evangélica Noiva do Cordeiro (que mais tarde veio a se tornar o nome da vila). Em 1962 o pastor se casou com Delina Fernandes, que só tinha 16 anos, neta de Maria Senhorinha e Chico. 
Após o casamento o pastor impôs várias regras referentes à religião, entre elas jejum três vezes por semana, e com isso muitos moradores da propriedade rural foram para outras cidades. Ele não permitia que os membros da igreja tivessem contato com outras pessoas que não fossem da mesma religião, não podiam assistir televisão e nem ouvir rádio. De 1970 a 1990, a população do vilarejo aumentou, pois os casais não podiam evitar filhos. E com todos esses fatores, as famílias ficaram sem dinheiro e na miséria. 
Então em 1991 aconteceu o primeiro casamento com música na igreja (gente, nem música os jovens conheciam até essa época!). Essa situação mexeu com o sentimento dos moradores e o enfraquecimento da Igreja Evangélica Noiva do Cordeiro tornou-se evidente. Alguns moradores passaram a não frequentar mais os cultos e em 1994 decidiram extinguir a religião e não adotar mais nenhuma doutrina. Logo em seguida o pastor faleceu, deixando Delina viúva. Ela se tornou matriarca da vila, pelos seus ensinamentos.
E a reviravolta começa aí: o nome da comunidade vira Vila Noiva do Cordeiro em 1999, e Delina, juntamente com sua filha Rosalee (a que foi citada nas reportagens), criam a Associação Comunitária Noiva do Cordeiro, com o objetivo de buscar recursos para as famílias. E no mesmo ano criam uma fábrica de lingeries e várias formas de lazer e trabalho na comunidade.
Vila Noiva do Cordeiro tem uma grande força feminina, já que são elas que tomam conta de todos os setores da comunidade, desde a agricultura, artesanato, costura, comida etc. São elas que tomam todas as decisões, e o mais bacana é que ninguém é obrigada a fazer nada, cada uma escolhe fazer o que gosta. E se ajudam mutuamente, são muito unidas e fazem tudo juntas, desde o trabalho à refeição, formando uma grande família. Não há competição entre as mulheres, apenas sororidade. Ninguém é rica ou pobre, todas se ajudam e agem em comunidade. Não conhecem criminalidade e são felizes. Sem religião.
Por causa de todas essas particularidades, tem quem ache que lá é um prostíbulo. Obviamente, não é. Para quem quiser saber mais, no ano passado foi produzido um documentário com o nome Noivas do Cordeiro. A revista Marie Claire fez uma matéria sobre "a vila das mulheres" em 2009.
Com o repórter inglês do Telegraph
Sabe Lola, é difícil acreditar que num passado muito próximo ainda havia (e com certeza ainda há) esse tipo de preconceito. Mas o mais bacana disso tudo é saber que no século passado, mesmo com toda opressão da sociedade, quando chamavam Maria Senhorinha de prostituta e pecadora, ela não se importou e foi viver com seu grande amor.
E é bacana ver que essas mulheres superaram o machismo das cidades vizinhas e a opressão da religião, e hoje, no meu ponto de vista, essa vila e essas mulheres são um ótimo exemplo de empoderamento feminino. Pois juntas elas conseguiram restaurar a dignidade, a emancipação, e principalmente a liberdade de escolha.
O triste é ver que Noiva do Cordeiro, que foi tão difamada pelas cidades vizinhas durante décadas, agora é difamada pela imprensa internacional. 

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O DITADOR DOS CUPCAKES

Encontrei este post num fórum mascu. Ele parece ter sido escrito algumas décadas antes da popularização da internet, mas juro que é recente. Não mudei nadinha.

"Namoro há 1 ano e 2 meses. Através de observação, determinei que não é vadia.
Tenho 25, ela 20. Somos crentes, mas já tive meus namoros antes de me converter. Ela é da igreja desde criança e, aparentemente, é virgem. Não me deu motivos até hoje para duvidar, sendo que já usei diversas táticas diferentes para tentar pegá-la em contradição.
Claro, pode ser que seja cínica além da minha capacidade de ver, mas vamos supor para o bem da discussão, que ela realmente seja o que diz.
O problema é: ela não se esforça para fazer coisas para mim.
Por exemplo: eu digo pra ela preparar uma comida pra mim. Ela diz que vai preparar, e não faz. Eu preciso insistir, ou mesmo brigar com ela, pra ela fazer muitas das coisas que peço (isso depois de esperar semanas ou meses.)
São coisas que, ainda que sejam para mim, seriam boas para o relacionamento. No exemplo acima, espera-se uma esposa que faça alimentos pro marido e filhos, então é lógico instigar essa característica o quanto antes.
Lendo Alita, encontrei isso:
'É comum, por exemplo, que nossas atitudes protetoras, cuidadosas ou carinhosas sejam desdenhadas caso não sejam postas em um contexto correto de evidente desinteresse. Se estivermos mecanizados em nossas expectativas, seremos surpreendidos pelo desdém, o qual é o oposto do que esperaríamos em tais circunstâncias. Logo, a solução é termos uma reação-resposta contrária disponível como uma carta na manga. Esta reação-resposta contrária e surpreendente, neste caso, consiste em frases ou atitudes que a atinjam no amor próprio, ferindo-a dolorosamente por meio de horrorizações ou manifestações decididas de rejeição.
'O desdém (dela) indica ausência do medo da perda, despreocupação em agradar e a segurança de que já estamos presos. Mais profundamente, há possivelmente uma auto-imagem exageradamente positiva (a mulher se acha a mais gostosa da Terra). Podemos provocar uma forte e perturbadora dissonância cognitiva se a rejeitarmos resolutamente, chamando-lhe a atenção de forma terrível para o fato de que houve uma ingratidão cuja conseqüência natural é a repulsa.'
A partir disso, devo puni-la de forma que atinja o amor-próprio dela. 
Um dos confrades sugeriu um ultimato. Beleza. Mas sempre que quero 'grandes' mudanças no relacionamento, recorro a essa ferramenta. Eu diria, então, que é um reflexo de algo que eu estou fazendo errado.
Sobre nossas crenças, usei ela como exemplo de que ela sabe que deve ser submissa ao homem, concorda quando isso é dito por quem quer que seja; quando eu falo como homem, sério, dando uma ordem e não aceitando não como resposta, ela obedece.
Se eu disser, por exemplo: 'Você tem até sexta-feira pra trazer o cupcake que me prometeu. E não estou brincando,' sendo ou não ultimato, tem 90% ou mais de chances de ela obedecer.
Mas se eu ficar dando essas ordens, o provável não é que eu passe a ser visto como ditador? Por isso eu busco que ela faça as coisas porque eu pedi, porque vai me agradar, não porque eu mandei.
Quero uma companheira subordinável se necessário, não uma indiferente que necessita ser subordinada para fazer qualquer coisa pra mim.
Quero ser um líder do relacionamento, não um controlador.
Seria o caso, então, de adestrá-la/ensiná-la primeiro, com a firmeza de um pai educando uma criança, e colher os frutos depois?"

Meus comentários: Que triste a vida de um mascu numa sociedade moderna! Esse daí arranjou uma namorada submissa, religiosa, que entende que o papel da mulher é ser servil ao homem, mas mesmo assim se rebela em fazer mingau pro seu macho! A instituição do casamento está falida mesmo! Malditas feministas! Pra que um homem vai querer casar, se sua mulher não lhe fizer cupcakes?
Dá um asco eterno ler um relato desses.
Infelizmente, não há muitas chances da namorada do sujeito ler um blog feminista. Aliás, seria interessante se ela lesse o fórum mascu, para ver o que o namorado está dizendo sobre o namoro, e o que espera dela. Por mais que ela tenha sido educada para obedecer, para sentir-se inferior submissa, será que ela não ficaria nem um tiquinho abalada ao ver que seu namorado quer ser seu pai e tratá-la como uma criança ou, pior, como um animal? Ele usa um vocábulo muito comum entre mascus -- adestrar. 
É o que o guru diz: que mulheres são crianças, e devem ser controladas através de joguinhos emocionais. É mezzo irônico que mascus vivam reclamando dos "joguinhos emocionais" que as mulheres fazem com os homens, mas a estratégia de controle é justamente fazer esses joguinhos: mentir pra elas, incentivá-las a contar suas "putarias", fingindo ser liberal, ficar em silêncio por longos períodos de tempo, dar uma risada estranha do nada (juro!), "horrorizá-las" (isso vem de técnicas PUA [Pick-Up Artist], e não é à toa que Nessahan na maior parte das vezes é visto como um guia -- meio falido, vá lá -- de técnicas de sedução). 
Ah, e o bom e velho "desapego". Ou seja, jamais se apaixone, jamais se entregue, jamais diga "eu te amo". Porque mulheres gostam mesmo é de serem tratadas como lixo. Aí elas fazem de tudo para segurar o cara.
Quais as chances de uma mulher ser feliz num relacionamento desses? Não falo nem das chances do mascu ser feliz, porque duvido muito que alguém nesse grau de misoginia consiga ser feliz. Ele está tão envolto no ódio que pensa que cabe a ele mandar, e à namorada obedecer. É assim que ele vê um relacionamento: uma série de testes para decidir se deve "premiar" a mulher com o casamento, seguido por adestramento. Assim, ele, um total medíocre, pode sentir-se rei em pelo menos um lugar -- no seu lar, com uma escrava. 
Os mascus têm mesmo que combater o feminismo (se bem que o que os prende é justamente o machismo). Porque, quando uma mulher conhece o poder dela, a força dela, ela simplesmente não aceita ser maltratada. Um cara exigiu um cupcake, porque ele mandar e ela servi-lo é bom pra relação? É pé na bunda pra ontem.