Mais de dez anos atrás, eu tive uma agência de casamento. Sério. Eu apresentava pessoas com características comuns para que elas pudessem namorar e, um dia, se tudo corresse bem, casar. Isso é assunto prum outro post. No momento eu só queria dizer que, uma vez, conversei com uma senhora que, pros meus padrões (mais intolerantes na época), me pareceu tenebrosa. Tadinha, nem lembro da mulher, só que ela me causou uma péssima impressão. Uma impressão tão ruim que, quando ela foi embora sem se tornar minha cliente (estava lá só pedindo informações), eu até me senti aliviada, porque eu havia encucado com uma questão como “Pra quem vou apresentar essa ogra?”. Só que a agência ficava na minha casa e, bem no momento em que essa mulher estava saindo, entrou um senhor. E você precisava ver as faíscas. Os olhares que os dois trocaram. A porta fechou e a primeira coisa que o homem me perguntou foi: “Quem é ela?! Eu quero conhecê-la! Ela é linda!”. Ele também não virou meu cliente (é, eu não fiquei milionária com a agência), então não sei se aquele romance à primeira vista continuou. Mas a lição que aprendi foi inesquecível: beleza é algo subjetivo. Depende da visão de cada um, do momento, de expectativas, de tanta coisa. Mais um motivo pra não nos deixarmos afetar pelos trezentos outdoors e anúncios de revista que vemos todo dia. Aquela imagem é só um pedaço de papel alterado por computador. No dia a dia, a gente não apenas vê pessoas, como também as cheiramos, ouvimos, sentimos uma vibração, e às vezes até as tocamos. Beleza é muito mais do que os olhos vêem (e cada par de olhos vê algo diferente, lógico). Ou seja: quem morreu e me nomeou Deus pra eu decretar que aquela mulher não teria chance de encontrar alguém?
Eu sou gorda, baixinha, e já passei da idade de ser considerada bonita. Portanto, eu me surpreendia quando fazia o estágio de Pedagogia e dava aula pra crianças de primeira à quarta série e toda semana recebia um bilhete ou um elogio de alguma das minhas aluninhas. Era “Professora, você é tão bonita!” pra cá, “Você é linda” pra lá. Eu agradecia, mas, por um lado, queria dizer pras meninas não se concentrarem tanto na aparência física (nem na minha nem na delas). Por outro, eu pensava: “Tolinhas! Elas ainda não foram condicionadas a saber o que é e não é bonito”. Naqueles tempos eu não percebia que talvez elas me achassem bonita porque, de repente, eu lembrava a mãe delas. Com trinta e poucos anos, eu podia perfeitamente ser mãe de uma garotinha de 8. E aposto que as mães delas provavelmente tinham mais semelhanças físicas comigo que com a Giselle Bundchen.
Existem pouquíssimas coisas realmente universais no mundo, mas uma delas deve ser uma criança achar que sua mãe é bela. Acho que todas passamos por essa fase com nossas mães. Na nossa opinião, elas eram as mulheres mais lindas do mundo. E a gente achava muito estranho que elas se achassem horrendas. Era bizarro vê-las reclamar em frente ao espelho, fazer dieta após dieta, chorar por não caber numa roupa, passar tanto tempo no cabeleireiro, fazer cirurgia plástica. Como que aqueles símbolos da perfeição podiam se considerar tão erradas? Com o tempo a gente foi crescendo, encrencando com nosso próprio corpo, e vendo que sim, nossas mães tinham razão: elas não eram bonitas como se deve ser. Nossa devoção a elas não durou muito. Já com os primeiros sinais da puberdade nosso pensamento mudou do “Quero ser como ela quando crescer” para o “Será que vou ser como ela quando crescer? Deus me livre!”. Não sei como essa transição acontece, ou porquê. Mas o papai continua sendo bonito pra sempre, não?
Uma vez, não faz tanto tempo atrás, uma amiga foi até à esquina com um amiguinho nosso de uns oito anos (filho de uma outra amiga), e voltou revoltada. Isso porque ela perguntou ao fofo, “Qual a amiga mais bonita da sua mãe?”, e escutou a resposta errada quando o menino disse: “A Lola!”. Juro que entendo sua revolta (de brincadeira). Afinal, ela é mais alta, muito mais magra, e mais jovem que eu. Em suma, ela é linda, dessas mulheres que atraem muitos olhares mesmo. E ainda assim o meu amiguinho fiel me elegeu a mais linda – certamente porque eu havia ensinado pôquer pra ele (naquele momento, se ele tivesse que escolher a mais inteligente, divertida e maravilhosa, eu também ficaria com os títulos). Faz parte. Beleza é também atração, e atração é causada por uma série de fatores. Tudo bem que alguns dias depois o fofinho me disse na cara que eu era feia e gorda. Seus avós tinham lhe falado que gente gorda era feia. Bom, eu sou gorda, sem dúvida, mas não me considero feia. Não vejo como sinônimos gordura e feiúra, nem gordura e pé na cova, nem gordura e desleixo moral, nem gordura e falta de vontade, nem gordura e preguiça, nem gordura e burrice. Mas naquele dia eu vi um menininho querido lutando entre o que ele achava bonito (eu, entre outras coisas) e entre o que a sociedade achava bonito. Falei pra ele que a gente considera bonitos cães e gatos de todas as raças, cores e tamanhos, mas, em se tratando de pessoas, costuma ver beleza em um só um tipo. E que eu achava isso um tanto limitado, estúpido até. Não sei se ele mudou de opinião, ou se continua mudando de opinião todo santo dia.
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