terça-feira, 28 de novembro de 2006

CRÍTICA: JOGOS MORTAIS 3 / História com cérebro

Comparado a “O Grito 2”, “Jogos Mortais 3” é uma obra prima. Também não assusta nem provoca um arrepio sequer, mas atrai pelo nojo, pelo desconforto que causa. Sabe como as pessoas se juntam pra observar alguém espatifado após um acidente de trânsito? Imagino que seja o mesmo atrativo. O problema é que esses filmes trapaceiam. Claro que vai haver uma quarta parte. E quiçá uma oitava. Só depende da bilheteria. Mas este é o melhor dos três “Jogos”, disparado. No começo até fiquei preocupada, quando apareceram esquetes sem nexo que fizeram meu vizinho de cadeira comentar com sua namorada: “Que desespero, né? Puxa, que horror. Coisa de doido”. Mas lá pela terceira ou quarta vítima a situação se acerta e a gente vê que tem alguma trama por trás de todo aquele sadismo.

Esta terceira parte, como os seus antecessores, e como todos os filmes de terror, é extremamente moralista. Aqui a vítima, antes de ser barbaramente torturada, ainda tem que ouvir um sermãozinho feito por uma máscara com bochechas vermelhas: “Você já estava morta antes. Sua vida é inútil e seu cabelo é feio”, essas coisas. A boa notícia é que se você conseguir escapar com vida, ainda que com alguns membros a menos, será como um renascimento, uma segunda chance. Já imagino os discursos de agradecimento: “A melhor coisa que aconteceu na minha vida foi ter colocado a minha mão dentro de uma jarra com ácido pra pegar a chave e abrir as argolas perfurando o meu tórax. Obrigada, Jigsaw!”. Jigsaw é o maníaco responsável pelos joguinhos. Não sei se você lembra, aquele um que fingia ser o cadáver no banheiro imundo do primeiro. Meu vizinho de poltrona certamente se esqueceu e não entendeu patavina quando mostraram uma reconstrução daquela cena. Não que ele não tenha tentado discutir hipóteses com sua namorada. Enquanto isso eu tava quase gritando, “Jigsaw, tira esse cara daqui e aplica um corretivo nele por falar no cinema! Por favor!”.

Então, se a pessoa conseguir superar os pesadelos de ter amputado seu próprio pé sem anestesia, ela certamente se tornará um ser humano mais completo. Quer dizer, emocionalmente falando. Outro conceito legal foi levar a Síndrome de Estocolmo (aquela em que o seqüestrado sente ternura pelo seqüestrador) às últimas conseqüências. Mas o mais interessante é a pergunta filosófica: numa circunstância desesperadora dessas, a gente seria capaz de perdoar nossos piores desafetos? Não só perdoar, como ajudar? Por exemplo, se meus vizinhos pagodeiros estivessem atados a uma máquina de tortura que quebrasse todos os seus membros lentamente, eu me arriscaria a levar um tiro para adquirir uma chave que travasse a máquina? Melhor não responder, pra não afetar a auto-estima dos meus vizinhos.

No quesito “originalidade”, que é o que conta nessas produções asquerosas, “Jogos 3” realmente mostra formas criativas de matar. Sabe como é, não basta afogar um sujeito num poço. Tem que afogá-lo com uma pasta de carne de porco estragada. Mas o que mais chocou o respeitável público foi uma lobotomia (e é por isso que a melhor frase do filme é “Amanda, preciso de ti aqui”). Desde “Hannibal” que a gente não é presenteada com uma cena tão didática de um cérebro aberto. Dá vontade de sair do cinema e entrar numa faculdade de medicina, agora que já sabemos tudo de anatomia. Essa longa seqüência me fez rir, porque olha os instrumentos de trabalho da médica pra abrir a cabeça do carinha: furadeira, serra elétrica, machado e martelo. Aposto como essas bossas a faculdade de medicina não ensina! Você se forma médico e vai trabalhar como carpinteiro. Prazeres que só os filmes de terror podem nos proporcionar.

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