Vasos redondos vem em vários formatos
Semana passada Carlos Brito (agora sabemos seu nome) chamou a atenção depois de gastar entre 15 e 24 mil reais colocando um anúncio enorme num jornal carioca: “Empresário, posição social elevada, separado, procura moça de ótima aparência, de 30 a 40 anos, para relacionamento sério. Carta com foto de corpo inteiro”.
Não sei por que esse fato corriqueiro atraiu holofotes. Tirando a quantia investida, é o que chamamos de classificado pessoal. É bem provável que, com a internet, a popularidade desse tipo de anúncio tenha despencado. Mas Carlos não participa de nenhuma rede social.
Não sei por que esse fato corriqueiro atraiu holofotes. Tirando a quantia investida, é o que chamamos de classificado pessoal. É bem provável que, com a internet, a popularidade desse tipo de anúncio tenha despencado. Mas Carlos não participa de nenhuma rede social.
Pelo jeito, um anúncio desses não gera mais o sucesso de outrora. Afinal, Carlos recebeu apenas cinco cartas, e uma delas era um folheto imobiliário. A resposta foi tão pífia que o empresário decidiu mostrar a cara, crente que isso aumentará suas chances. Uma nova entrevista permitiu que uma jornalista sapateasse sobre ele. A própria chamada já parece trollagem. Mas não estou reclamando: adorei a impaciência da repórter. Ela jogou a suposta neutralidade (que não existe) às favas.
Não é fácil ser respeitosa com Carlos, que declara que, no campo “espiritual”, quer “dar toda aquela segurança que toda mulher pretende”. E que diz que gosta do “tipo modelo” (só ele! é só seu gosto pessoal), tipo Gisele, Juliana Paes ou Ivete Zangalo. E que afirma: “Eu só detesto gordura. Contratei uma decoradora para meu novo escritório e só pedi a ela que não me traga aqueles vasos redondos. Não gosto da forma” (ele quer uma esposa ou um vaso?). E que exige uma mulher entre 30 e 40 anos, ao mesmo tempo em que se nega a revelar sua idade, porque o importante mesmo, pra ele, “é a idade mental”. Então uma mulher de 70 anos (que deve ser a idade dele, pra mais) mas com uma mentalidade de 30 tem chances com ele?
Antes de continuar, quero deixar claro que, apesar de achar graça nas besteiras que o pobre Carlos fala, na minha opinião ele tem todo o direito de só querer mulheres jovens e magras. Não considero necessariamente gordofóbico quem só se relaciona com magrxs, assim como não considero homofóbico quem só se relaciona com héteros. Só acho que as pessoas perdem oportunidades por terem visões estreitas.
Nesta entrevista, Carlos faz todos os rodeios possíveis para dizer que não gosta de mulheres “volumosas”, que é um termo melhor do que comparar mulheres a vasos redondos. Gosto, cada um tem o seu. O problema é que falta inteligência para entender que o seu, o meu, o nosso “gosto pessoal” não passa de uma construção social. Até rimou.
Também não vejo nada de errado em se valer de um classificado pessoal, ou de uma rede de encontros na internet, para se encontrar um amor. Hoje em dia cada vez mais gente responderá à pergunta “Como vocês se conheceram?” com “Na internet”. Conhecemos pessoas com quem nos relacionamos sexual e amorososamente através de amigos, no trabalho, na faculdade, em festas, em bares etc. Se a gente passa cada vez mais tempo na frente de um computador, nada mais normal que conhecer mais gente pela internet. É ridículo que ainda haja preconceito contra essa forma de conhecer pessoas.
Quando eu tinha vinte anos, por aí, ou seja, um quarto de século atrás, e muito antes da existência da internet, fiz um classificado pessoal (grátis, lógico, e acho que instigada pela minha irmã), pra saber como seria a resposta. Não lembro o que escrevi, mas não teve nenhuma mentira, nada que fugisse do que eu era e do que queria. Creio que recebi mais de cinquenta cartas no total. Durante meses chegaram cartas (já ouviram falar, né? Aquela coisa de papel, geralmente com envelope, que o carteiro traz). E fiquei impressionada com o número de cartas que vinham de... presídios. Taí uma coisa banal que ninguém nos diz: presos são pessoas solitárias que também sonham com o amor. Não lembro de ter respondido alguma carta, e muito menos de ter ficado com algum dos pretendentes. Mas fiquei surpresa com o alcance daquilo.
Muitos anos depois, como já contei a vocês, eu tive uma agência de casamento. E o mais interessante era que as moças mais jovens eram as que faziam menos exigências. Não se importavam se o candidato a namorado e futuro marido não tivesse bens materiais. E, pensando bem, os rapazes jovens, pelo menos quinze anos atrás, tampouco faziam grandes exigências. Mas depois dos 35 anos, não era incomum ouvir de mulheres, “Se ele não tiver carro, nem me apresenta”, e de homens, “Quero uma loira, alta, magra”.
Não que as mulheres com mais de 35 estivessem atrás de um cara rico. Elas estavam bem de vida. Mas exigiam alguém com um nível educacional semelhante aos delas. E não que todos os homens se preocupassem apenas com a aparência física. Acho que carinhosa aparecia mais do que bonita no topo da lista. E, de maneira geral, homens queriam mulheres mais jovens que eles. E mulheres, homens mais altos que elas.
Muito de vez em quando surgia alguém como o Carlos, um empresário bem sucedido de seus 70 anos procurando uma mulher entre 30 e 40. E olha, era difícil. As mulheres nessa faixa etária não estavam interessadas em caras tão mais velhos. Algumas, de 50 pra cima, até aceitavam conhecê-los. Mas não passava disso. O relacionamento não ia pra frente.
Muito de vez em quando surgia alguém como o Carlos, um empresário bem sucedido de seus 70 anos procurando uma mulher entre 30 e 40. E olha, era difícil. As mulheres nessa faixa etária não estavam interessadas em caras tão mais velhos. Algumas, de 50 pra cima, até aceitavam conhecê-los. Mas não passava disso. O relacionamento não ia pra frente.
Isso de que homens permanecem irresistíveis para as mulheres até morrer é puro mito. Claro, um monte de mulher adoraria sair com o Sean Connery ou com o Clint Eastwood (ambos com 82 anos), assim como um monte de homem adoraria sair com a Sophia Loren (78 anos), ou mesmo com a Lauren Bacall (88 anos), mas isso só pelo gostinho de ter um caso com uma super celebridade que já povoou os sonhos de tanta gente. Com homens comuns não é bem assim. A falta de juventude pesa pra todos.
Adoro este trecho do romance Desonra, de J. M. Coetzee. O protagonista David Lurie, agora com 52 anos, professor universitário, divorciado, frequentador de casas de prostituição, se dá conta de que já não faz mais tanto sucesso entre as mulheres: “Se olhava para uma mulher de um certo jeito, com certa intenção, ela retribuía o olhar, disso tinha certeza. Era assim que vivia; durante anos, décadas, essa foi a base de sua vida. Um belo dia isso tudo acabou. Sem aviso prévio, ele perdeu os poderes. Olhares que um dia correspondiam ao seu deslizavam como se passassem através dele. Se quisera uma mulher, tinha de aprender a conquistá-la; muitas vezes, de uma forma ou outra, tinha de comprá-la”.
Não duvido nada que Carlos receba mais que as cinco cartas iniciais e acabe encontrando a candidata que deseja. Mas também imagino que, com a maior independência feminina, vai ficar cada vez mais difícil prum homem exigir uma namorada décadas mais jovem em troca de segurança financeira.