sexta-feira, 30 de setembro de 2011

INVEJA DA GISELE? VERGONHA DE QUEM SE RECUSA A PENSAR

Na luta entre a ministra e a modelo, Globo deixa claro quem está certa

Acredite: eu gosto da Gisele Bundchen. Semanas atrás eu já planejava escrever um postzinho sobre ela referente a uma reportagem que li. Acho interessante sua trajetória. Aos 13 anos, ela era tão magra e alta que era chamada na escola de Oli (por causa de Olivia Palito) e Saracura, um pássaro com pernas longas e finas. Quando estreou nas passarelas, seus olhos eram considerados pequenos, seu nariz grande demais, e ela era constantemente recusada para as fotos. Em 1995 ela ainda se chateava com as recusas e contava suas desventuras ao pai, que lhe disse: “Gisele, ignore. Pessoas com narizes grandes têm grandes personalidades. Narizes pequenos levam a personalidades pequenas”. Ela decidiu não se importar mais: “Não vou ouvir pessoas que me fazem sentir mal”. Hoje, sua autoestima é uma de suas marcas registradas.
Tenho inúmeras críticas à indústria da moda e à ditadura da beleza, mas não responsabilizo Gisele por perpetuar um padrão irreal que frustra tantas mulheres. Se não fosse ela a top model do momento, seria outra (se bem que a reportagem da Vogue diz que o fenômeno Gisele fez aumentar o número de implantes de silicone no Brasil; nunca tinha ouvido falar nisso). Enfim, prefiro mil vezes o look Gisele que o heroin look dos anos 90.
Ela tem 150 milhões de dólares, é super profissional, já foi fotografada para mais de quinhentas capas de revista — só perde pra Lady Di. A revista Forbes aposta que ela será a primeira modelo a alcançar um bilhão. E ela pode se tornar a primeira bilionária brasileira a se fazer sozinha, sem herança. Por mais que eu seja contra bilionários (acredito que deve haver limite para riqueza: quem precisa ter um bilhão? Pra quê?) e a celebração a eles, admiro a energia da moça. Na sua vida pessoal, ela sempre foi bem discreta, e sempre adotou uma persona não arrogante, o que não deve ser fácil pra uma hiper celebridade. Ela participou do lançamento do Fome Zero, doou 1,5 milhão de dólares pro Haiti depois do terremoto, apóia várias causas ambientais, e foi uma influência muito positiva ela ter feito um parto humanista. Infelizmente, veste casacos de pele e aceita fazer comerciais machistas. Acho que celebridades deveriam ter responsabilidade social. Esta, imagino, deve ser a grande vantagem de ser tão rica: você pode recusar inúmeros trabalhos e convites. Então por que se juntar a projetos que não acrescentam nada de bom ao mundo, muito pelo contrário? Porque se auto-estereotipar como Amélia? Por exemplo: em 2008 Gisele posou para a Vogue com o jogador de basquete James LeBron. Foi o primeiro homem negro a ser capa da revista. O problema é que a foto de Annie Leibovitz é incrivelmente racista, ainda mais se colocada lado a lado da sua inspiração, um cartaz de alistamento do exército americano, de 1917, que ainda vem com as palavras “Destrua este bruto maluco” (que está invadindo a América e estuprando a democracia). É tudo muito parecido: o grito de LeBron, o jeito em que a clava do gorila está posicionada, em forma de bola, bem na altura da perna de LeBron, o vestido de Gisele, seus ombros desnudos. Será que LeBron e Gisele sabiam que estavam imitando um cartaz racista? Será que não sabiam, e se irritaram com a “homenagem”? Ela nunca disse nada.
Gisele é um sucesso em tudo que faz. Ela é uma Midas que dá certo — as marcas que a contratam aumentam em muito suas vendas. Vale o investimento. A Hope lhe pagou apenas 5 milhões. Olha só quanta propaganda gratuita está recebendo (com outra modelo a campanha também seria polêmica, mas não tanto). Se eu tivesse uma marca e 5 milhões sobrando, eu contrataria a Gisele correndo.
Isso posto, eu não gostaria de ser a Gisele, porque, permita-me, estou bem contente em ser a Lolinha. Meu sonho nunca foi ser uma modelo ou uma miss (lamento, mas esse não é o sonho de todas as mulheres), e eu não poderia nem que quisesse, porque não possuo dois quilômetros de perna. Logo, não tenho a mais remota inveja da Gisele. Dizer que eu tenho inveja da Gi porque estou criticando-a é tão ofensivo quanto dizer que critico algo pra ganhar fama. Isso cheira à censura, sabe? Porque parece que não posso criticar nada ou ninguém de jeito nenhum. Então quem pode criticar? Marcelo Tas, colega do Rafinha e cada vez mais parecido com ele, pode? A gente também não poderia dizer que Tas tá com inveja das mulheres no governo? Afinal, ele as critica! Ou que ele está implorando por atenção ao criticá-las? Tas já criticou outras pessoas também: será que ele tem inveja do Rogerio Ceni por não ter um corpão como o do goleiro? Ou Tas quer tomar os holofotes do Bolsonaro? E quando Tas me ameaçou de processo e me criticou, ele estava com inveja dos meus lindos olhos verdes? Não? Então com licença que posso criticar o que a Gisele representa sem lamentar que eu não seja casada com o Tom Brady (é futebol americano o que ele joga? Argh).
Não fico surpresa que Tas e demais representantes da mídia tradicional estejam defendendo uma marca de lingerie como se fosse a fábrica pessoal deles. Hay gobierno? Soy contra! E viva a iniciativa privada, que só quer o bem da sociedade e patrocina os nossos programas! Dizer que a propaganda não é sexista porque “é só uma brincadeira” é a escapatória mais antiga que existe. Em nome da piada pode tudo! Eu poderia xingar todo mundo e acrescenta um rs ou um hehehe no final e zuzo bem. Tudo liberado, inclusive contar piada de estupro e declarar que comeria uma cantora grávida e seu bebê. No humor e na guerra vale tudo!
A campanha da Hope é sexista? Lógico que é, como já discuti aqui. Ela diz que mulher não sabe dirigir, bate o carro do marido, gasta demais, e que precisa contar pro cara com jeitinho (tem medo de quê?) sobre as besteiras que faz. Também há o subtexto de que esse seria o subterfúgio da mulher brasileira — usar seu “charme”. Sinceramente, não vi muita gente negando o machismo explícito dos comerciais. Discutem-se apenas outros pontos.
Tipo: a campanha é engraçada? Depende do humor de cada um. Humor é algo muito pessoal. Pra mim essas mensagens são tão clichê que não dá pra rir. Tem alguma novidade nesses estereótipos todos?
O que mais vi foi gente dizendo se gostou ou não. Ahn, dica: melhorem a argumentação. Só gostar ou não gostar de uma coisa não é exatamente uma análise. Dê a sua opinião, mas procure falar de como a campanha representa a mulher em geral e a mulher brasileira em particular, se pode tudo em nome do humor, se não é ofensivo o comunicado da assessoria da Hope, falando da “sensualidade natural da mulher brasileira, reconhecida mundialmente” (natural? A gente quer ser reconhecida mundialmente pela nossa sensualidade? Isso ajuda em quê, além de aumentar os números do nosso turismo sexual?), se a contratação de uma mulher poderosa como Gisele “evidencia”, como diz a nota, que a propaganda é uma brincadeira, ou se a mensagem é que até uma mulher poderosa como Gisele precisa usar uma “arma eficaz” como posar de lingerie para ser validada como ser humano, e se marcas que vivem “da preferência das mulheres” costumam tomar atitudes que desvalorizam seu público consumidor (novelas? Revistas femininas? Grifes de moda? Cremes de beleza? Nah, tudo produto que só valoriza seu público consumidor!).
Aproveite também e reflita se você ficou chatead@ com o comercial da Caixa Econômica Federal, que cometeu a barbaridade de usar um ator branco para representar Machado de Assis num país racista e sem heróis negros como o nosso. Se quem tivesse feito isso fosse uma empresa privada, não estatal, qual seria sua reação? E se Gisele tivesse sido contratada não por uma empresa privada, mas por uma estatal, para promover a “sensualidade natural da mulher brasileira” e ensinar a usar charminho para passar más notícias, também estaria tudo belê?
Eu repudio idiotices machistas como a capa do Globo (que colocou Gisele e seu "certo" ao lado da ministra Iriny Lopes, a errada, porque dane-se que uma mulher seja ministra do quinto maior país do mundo -- se ela não for bonita, ela nem tem razão de existir). E concordo com a nota da Secretaria de Políticas para as Mulheres, que pediu a suspensão da campanha. Sim, a campanha é discriminatória e presta um desserviço à mulher. Mas não concordo com o pedido de suspensão. A campanha da Hope é apenas uma num oceano de propagandas e programas machistas. O que é preciso é uma ampla campanha institucional contra o machismo. Insisto: quero uma campanha como a do Equador. Quero que toda ação (machismo) seja acompanhada de uma reação (educação). E não quero que isso custe um só tostão aos cofres públicos. Pensamento único é o que temos na mídia, ou quantos programas de TV você conhece que discutem o sexismo? Nossa liberdade de escolha é tremenda: somos livres para escolher entre CQC ou Pânico. Ora, TV é concessão pública. Que se exija das TVs, que exibem sem piscar comerciais e programas machistas, homofóbicos, racistas, a veiculação de campanhas educativas. Que míseros quinze minutinhos por dia, espalhados por toda a programação, sejam usados pelo governo e ONGs para reagir contra os preconceitos. Talvez demore muito para que uma campanha educativa contra o machismo consiga superar a misoginia que reina na nossa sociedade. Mas é preciso começar já.
Então. Tem um montão de coisa pra você discutir sobre o tópico “campanha da Gisele e pedido de suspensão”. Mas claro que você pode continuar fechando os olhos pra tudo e ficar apenas chamando quem critica o machismo na mídia de feminazi invejosa mal amada. Fica a seu critério.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

OS PRÓ-VIDA QUEREM QUE OS PRÓ-ESCOLHA MORRAM

Nem todos são tão cheios de compaixão como este pró-vida

Ontem foi o Dia Latinoamericano pela Legalização do Aborto na América Latina e Caribe. Como eu estava viajando, só lembrei (ou lembraram pra mim) da data na hora. E como quarta é um dos meus dias mais frenéticos na universidade, passei poucas horas no Twitter (mais no horário do almoço e após às 19 horas). Mas foi o suficiente pra me posicionar a favor da legalização do aborto... e receber uns setenta tweets muito, muito revoltados.Tá feia a coisa, viu? Acho que o segundo turno das eleições presidenciais do ano passado fez com que a luta pela legalização regredisse uns dez anos. O nível obscurantista da discussão, bem caça às bruxas, bem Idade Média mesmo, contagiou várias pessoas. Os argumentos dessa gente são abaixo da cintura. Simplesmente não há argumentos. Decidi compilar e comentar, bem sucintamente, alguns dos tweets que me foram enviados. Aviso um: estou sem tempo, então só falo dos que chegaram a mim. Acredito piamente que outras feministas que se manifestaram pela legalização tenham recebido insultos piores. E não tive coragem de clicar nos TTs, que ficaram com a hashtag #legalizaroaborto lá em cima durante horas. Aviso dois: sei o que alguns podem pensar -- que estou sendo desleal e selecionando apenas as mensagens mais escabrosas. Infelizmente, todas que recebi foram neste nível. Eles não têm um só argumento consistente. É estarrecedor. E é um choque de realidade também, porque no meu mundo as pessoas 1) são mais inteligentes; e 2) sabem debater com um pouquinho mais de finesse.Este foi um dos campeões de audiência. Há muitas variações sobre o mesmo tema, mas o tweet acima foi o mais resumido. E o que dá pra dizer contra uma contestação tão rasinha? Sim, de fato, meu jovem, é mais fácil falar depois que se nasce. Antes, quando somos um amontoado de células, falar é bem mais difícil. Dizem que nem os mais precoces conseguem.Se minha mãe tivesse escolhido a morte pra mim, você não teria o que ver. Nem eu. Nem minha mãe. Eu nem existiria. Ah bom, se deus não gosta, quem sou eu pra ser contra, né?Sabe outra coisa que não faria falta? Pontos de interrogação e exclamação em excesso.Pena que o pró-vida não disse logo o que eu mereço por apoiar a legalização do aborto -- a pena de morte, perhaps?Este me lembrou da música do Casseta: "Mãe é mãe / Paca é paca / Mulher é tudo vaca!". Hmm... Devo fazer plástica ou me matar? São tantas opções! Mas juro que não entendo direito essa equação de "quem é a favor da legalização do aborto é feia (e chata e boba)". Tipo assim, essa gente realmente acha que mulher bonita não aborta?
Teve uma hora em que, cansada de ler os obscurantistas se referirem ao embrião como criança, escrevi um tweet dizendo: "Pros anti-aborto: embrião é tão criança qto ovo é galinha, semente é árvore, tijolo é casa...". Descobri que essas pessoas têm uma ligeira dificuldade em interpretação de textos.Por que fico fazendo essas comparações sem anexo, né?A moça continua tratando embrião como criança, e eu continuo, ahn, matando casas. Já foram cinco hoje!Eu sei que escrevi o tweet no horário do almoço, mas esse pessoal bem que podia esquecer o estômago roncando de vez em quando! Tipo, quem falou em comida?
É, ontem quiseram que eu me matasse (43 membros), que eu fosse assassinada, surrada com urtiga, e frita em óleo quente. Se tem uma coisa que não pode ser dita sobre os pró-vida é que eles não têm muito amor no coração! O amor deles é transbordante... ao menos pelos que ainda não nasceram. Claro que, depois de fora do ventre da mãe, é cada um por si. Fim da comiseração. Nasceu? Ótimo! Agora morra!Mas nem tudo esteve perdido. Um senhor religioso me enviou um tweet agressivo, no melhor estilo "sua mãe devia ter te abortado, sua baranga", ou algo assim. E a descrição dele dizia que ele era um homem que prega a paz e o respeito. Eu mandei o seguinte tweet pra ele:Em questão de segundos, ele respondeu:
Espero que todos os pró-vida possam refletir também. Porque, sinceramente, se dependesse do seu nível de argumentação pra ganhar uma discussão, o aborto já estaria legalizado no Brasil faz tempo.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

PÔNEIS MALDITOS

Gisele em um dos comerciais da Hope

Há dois comerciais novos circulando na TV que eu, pra variar, só vi na internet, por indicação de leitor@s que gostam de me ver sofrer. Este é de um carro novo da Volkswagen. O filho, adolescente, pede ao pai que não o deixe na frente da escola. E o pai responde com uma saraivada de perguntas: “Você saber surfar? Voce sabe tocar guitarra? Você já pegou alguma garota?”. Diante das negativas do filho, o paizão conclui: “Então desculpa, mas se alguém tinha que ter vergonha de alguém aqui era eu, né?”. Tudo bem, entendo o conceito ― filhos adolescentes têm vergonha dos pais. É uma fase. É normal. São adolescentes, pô. É uma idade confusa. Eu lembro quando passei a ter vergonha de andar de mãos dadas com meu pai. Se dependesse dele, ele nunca teria largado minha mão. E isso deve doer nos pais. Eu me arrependo dessa minha atitude. Mas dava pra fazer um comercial levinho e divertido em cima desse rito de passagem, não? Precisa mesmo ser um pai tão antipático assim, tão bully? E também não fica claro por que o garoto tem vergonha. Não deve ser do pai, um modelo de masculinidade (ele nem sorri!). É do carro então? O Space Cross é uma bela de uma porcaria? (o nome pelo menos é, convenhamos). Ah, então o menino não tem motivo algum pra ter vergonha? Se não tem, por que o pai tem que ser tão grosso?
O machismo do comercial fica explícito na questão de “pegar mulher”. Termo nojentinho esse. Alguém pergunta pra uma menina se ela já pegou homem? Não, porque os nossos padrões sexuais insistem que isso cabe ao macho. Ele tem que ser o ativo, o predador, o que corre atrás, o que come. Já a mulher é a que dá, a que libera, porque de jeito maneira que ela pode estar interessada. Quando a gente incentiva a figura do “pegador”, estamos, ao mesmo tempo, incentivando o preconceito de que mulher não pode tomar a iniciativa (quem faz isso é vadia), e de que mulher não pode ser "pegada" demais (ou será uma vadia). Muita gente no mundo ainda vê o pai como fundamental pra ensinar o filho a ser um pegador, um grosseirão com desconhecidas na rua, um machão. Não há um gene pro machismo ― é um comportamento ensinado (e não só de pai pra filho). O comercial deixa claro que pai deve se envergonhar do filho que nunca pegou uma mulher. O próximo passo é levá-lo pra zona, pra que o garoto possa se livrar dessa terrível chaga social chamada virgindade.
O outro comercial na realidade é uma campanha de três da Hope com a Gisele. Não tenho muito contra a Gisele, até gosto dela em alguns pontos (vou escrever um postzinho a respeito), mas ela não prima exatamente pelo combate ao machimo nos comerciais que protagoniza, certo? Primeiro aquela campanha detestável da Sky, e agora esta. A mulher já tem uma fortuna pessoal de 150 milhões de dólares. Ela poderia dizer “Não, obrigada, não quero participar de propaganda que difama as mulheres”. Mas não. A campanha da Hope já vem com um slogan pra lá de duvidoso: “Você é brasileira, use seu charme”. “Usar charme” é seduzir o marido para que ele te deixe fazer o que você quer, ou para que ele não te puna pelas coisas que você fez de errado. “Usar charme” é desfilar de lingerie e fazer vozinha infantil. A campanha ainda tem um tom condescendente, “Hope ensina”, em voz masculina. Porque mulher é tão burra que até pra seduzir precisa ser instruída. Ai, ai. Qual é a marca de lingerie que a gente vai boicotar pela associação com o Bolsonaro? Era a DuLoren? Daqui a pouco teremos tão poucas marcas de lingerie pra usar que nem precisaremos mais queimar sutiã.
No primeiro, Gisele avisa, do jeito “certo” (fazendo pose de lingerie): “Meu amor, sabe quem vem morar com a gente? Mamãe! Não é o máximo?” Bom, pelo menos aqui ela comunica, em vez de implorar. Este é o menos ofensivo dos três comerciais, se bem que ainda cai naquele clichê de que sogra é a inimiga número um dos homens.
O segundo aborda um outro lugar-comum: de que mulher é descontrolada e gasta demais. Gisele anuncia: “Amor, estourei o limite do cartão de crédito. Do seu e do meu”. Gisele é uma mulher multimilionária ― mais do que o limite do cartão, ela teria como gastar os lucros que uma empresa de cartão de crédito tem. Mas, no comercial, ela ainda depende do cartão do marido, na pior alusão à “teúda e manteúda” (alguém lembra de Tieta?).
O terceiro é o mais deplorável. Gisele diz: “Amor, eu preciso te falar uma coisa: bati seu carro... De novo!” Em uma só frase os publicitários passam que mulher não sabe dirigir (vive batendo o carro ― deve ser por isso que paga uma apólice de seguro muito menor em todas as faixas etárias), e que é um serzinho tão dependente que não pode ter seu próprio carro. Note que ela bateu o carro do marido!
E não vou nem entrar no mérito de como Gisele tem um biotipo tão parecido ao da mulher brasileira. O que me lembra uma capa de revista que a Gisele fez que foi acusada de racista. O pessoal que não viu racismo algum em Gisele posar ao lado de um negro imitando um King Kong disse: “Mas Gisele não é branca! Ela é brasileira!” (prometo falar mais dessa capa). Sabe, por mais que brasileiro realmente não seja considerado branco nos EUA, mesmo sendo muito branco, é ridículo aplicar isso a um padrão nórdico como o da Gisele. Aliás, desde quando não ter cintura é sinônimo de padrão de beleza? Toda vez que eu leio sobre as curvas de Gisele eu me pergunto: “Curvas? Onde?”. Mas isso sou só eu implicando com a pobre Gi. Minha queixa não é com ela, é com as propagandas que aceita fazer (e, se esses são os comerciais que ela faz de bom grado, eu a-do-ra-ria saber quais são os que ela recusa).
E pensar que eu já fui redatora publicitária em outra reencarnação...

terça-feira, 27 de setembro de 2011

EXPECTATIVA DE VIDA DAS MULHERES: 30 ANOS

...era vidro e se quebrou

Esses seres exóticos que se auto-intitulam masculinistas e que eu chamo carinhosamente de mascus acreditam que a vida pras mulheres acaba aos 30 anos. Até os 30, elas têm poder (sexual, que é o único poder que as mulheres podem ter), são como sereias, encantam os machos, e podem escolher com quem querem ficar. No entanto, assim que a mulher soprar as trinta velinhas do seu bolo de aniversário, ela, tal qual Cinderela à meia noite, perde todo seu feitiço (imagino a desgraça: a moça sabendo que, no dia seguinte, já não terá mais 29 anos, e vendo sua vida desabar. Dá pra fazer um filme de ficção científica sobre o tema). Ela vira uma balzaca. Tudo cai. Ela se torna um traste. E aí, segundo os mascus, ela ataca homens sós na rua, à noite, desesperada por sexo (o que é um tanto estranho, já que, segundo mascus, mulher não gosta da fruta). Mas os homens honrados não dão bola pras balzacas. Eles gritam “Bem-feito!”. Eles querem mais é que elas colham o que plantaram. Se a mulher tivesse se comportado respeitavelmente quando jovem, estaria casada (o sonho de toda mulher), com filhos, cuidando da casa, com um marido que a sustente e a traia de vez em quando, mas quando homem casado sai com outras não é traição, é necessidade fisiológica, e quem não entende deve consultar qualquer artigo da psicologia evolucionista que comprova o instinto do macho em espalhar sua sementinha. Mas não. As mulheres abriram mão desse verdadeiro paraíso na Terra (casa, comida e roupa lavada por ela; filhos, marido que a sustente e saia com outras) quando cometeram a atrocidade de escolher com quem queriam transar. E mulher é que nem criança, é da natureza irracional dela, escolhe mal pacas, mas não é pra odiá-la por isso, já que mulher não foi feita pra ser odiada, e sim pra ser adestrada. Então, depois dos 30, o que pode uma mulher fazer, além de ficar sozinha e miserável reclamando dos homens, dizendo que nenhum presta? Mas pros homens não: a vida pra eles começa aos 30. Agora sim eles, que se esforçaram tanto na juventude, que trabalharam e estudaram duro, que inclusive se aprimoraram em academias de ginástica pra desenvolverem seus músculos (é verdade, gente, tá cheio de mascu que é fisiculturista), podem aproveitar o que plantaram. Sabe todas aquelas mulheres que negaram sexo pra eles quando elas eram gostosas e eles eram jovens e meigos, porém pobrinhos? Agora eles não querem mais! Agora eles podem escolher! Eles têm o poder! Agora sim vai chover mulher com menos de 30 anos na horta deles! It's raining women! Aleluia! E só um paspalho pra abrir mão desse harém e casar com apenas uma. Marriage strike e forever alone, vamos nós!
Essas frases foram compiladas de vários blogs e fóruns mascus e ajeitadas aqui pra compor uma narrativa. Como você pode ver, mascus vivem num universo alternativo. Pra mim a prova definitiva é que, no mundo deles, mulheres não são atacadas em ruas escuras à noite. Não, elas é que atacam pobres homens indefesos! Eu juro que não tô inventando porque não tenho criatividade pra tanto. Mas algumas coisas até fazem sentido, dentro da ótica misógina da nossa sociedade. O mundo em que habitamos prega que mulher deve ser bonita acima de tudo. Que essa é sua missão. Ao mesmo tempo, dita que beleza é algo que só as mulheres jovens (e magras, e brancas) têm. As mais velhas podem apenas aspirar a ser belas. Mas não conseguirão! (mas não desistam, implora a propaganda, que desconhece o raciocínio mascu). E, pro homem, beleza não importa. O que importa é dinheiro e poder, porque é isso que atrai todas as mulheres. Logo, se seguirmos essa lógica, uma mulher com mais de 30, tipo, sei lá, a Sharon Stone em Instinto Selvagem (ela estava acabadérrima aos 34 anos, quando fez o filme), não tem mais razão de viver. É como na Idade Média, em que a expectativa de vida ia até os 30. É esquisito, eu sei, que mulheres vivam cronologicamente mais que homens, mas este é o nosso destino: seremos zumbis chorando pela juventude perdida durante meio século de sobrevida. Nossa vida, vida mesmo, acabou aos 30. E daí que vamos viver até os 80? Pra que viver, se nenhum homem vai sequer nos dar bom dia? E o quê que a gente pode fazer sem homem, não é mesmo? Nada! Não consigo pensar em nenhuma coisinha! Todos os potes de geleia ficarão fechados para sempre! Game over!
É triste a vida das mulheres. A gente tem certeza absoluta que Gisele Bunchen (já com 31 anos), se não estivesse casada com um cara que ganha muito menos que ela (explica-se: ela já estava desesperada vendo o relógio biológico bater, e teve que aceitar o primeiro Tom Brady que apareceu), atacaria esses mascus na rua escura à noite. E eles iriam recusá-la! Ou senão transar com ela, mas nunca, jamais, sob hipótese alguma, casar com uma balzaca dessas (até porque só mangina aceita filho de outro pra cuidar). E o que dizer de Marisa Tomei (46 anos), Halle Berry (45), Demi Moore (48), Sandra Bullock (47), Monica Bellucci (46), Catherine Zeta-Jones (42), Catherine Deneuve (67), Julie Christie (70), só pra citar algumas velhinhas horrendas que há muito já viram sua felicidade acabar? Não deram pra homens honrados quando eles ainda queriam vocês? Agora sofram!
Se nem essas estrelas que ainda têm emprego porque vivemos numa sociedade b*cetista conseguem conquistar o coração dolorido dos mascus, que chance temos nós, balzacas comuns? Nenhuma. Só nos resta sentar no meio fio e chorar por termos deixado passar esses ótimos partidos quando ainda podíamos escolher. Agora, acabou. Nunca mais poderemos ter essas espécimes supremas da evolução humana em nossas vidas. Chuif.