Acredite: eu gosto da Gisele Bundchen. Semanas atrás eu já planejava escrever um postzinho sobre ela referente a uma reportagem que li. Acho interessante sua trajetória. Aos 13 anos, ela era tão magra e alta que era chamada na escola de Oli (por causa de Olivia Palito) e Saracura, um pássaro com pernas longas e finas. Quando estreou nas passarelas, seus olhos eram considerados pequenos, seu nariz grande demais, e ela era constantemente recusada para as fotos. Em 1995 ela ainda se chateava com as recusas e contava suas desventuras ao pai, que lhe disse: “Gisele, ignore. Pessoas com narizes grandes têm grandes personalidades. Narizes pequenos levam a personalidades pequenas”. Ela decidiu não se importar mais: “Não vou ouvir pessoas que me fazem sentir mal”. Hoje, sua autoestima é uma de suas marcas registradas.
Tenho inúmeras críticas à indústria da moda e à ditadura da beleza, mas não responsabilizo Gisele por perpetuar um padrão irreal que frustra tantas mulheres. Se não fosse ela a top model do momento, seria outra (se bem que a reportagem da Vogue diz que o fenômeno Gisele fez aumentar o número de implantes de silicone no Brasil; nunca tinha ouvido falar nisso). Enfim, prefiro mil vezes o look Gisele que o heroin look dos anos 90.
Ela tem 150 milhões de dólares, é super profissional, já foi fotografada para mais de quinhentas capas de revista — só perde pra Lady Di. A revista Forbes aposta que ela será a primeira modelo a alcançar um bilhão. E ela pode se tornar a primeira bilionária brasileira a se fazer sozinha, sem herança. Por mais que eu seja contra bilionários (acredito que deve haver limite para riqueza: quem precisa ter um bilhão? Pra quê?) e a celebração a eles, admiro a energia da moça. Na sua vida pessoal, ela sempre foi bem discreta, e sempre adotou uma persona não arrogante, o que não deve ser fácil pra uma hiper celebridade. Ela participou do lançamento do Fome Zero, doou 1,5 milhão de dólares pro Haiti depois do terremoto, apóia várias causas ambientais, e foi uma influência muito positiva ela ter feito um parto humanista. Infelizmente, veste casacos de pele e aceita fazer comerciais machistas. Acho que celebridades deveriam ter responsabilidade social. Esta, imagino, deve ser a grande vantagem de ser tão rica: você pode recusar inúmeros trabalhos e convites. Então por que se juntar a projetos que não acrescentam nada de bom ao mundo, muito pelo contrário? Porque se auto-estereotipar como Amélia? Por exemplo: em 2008 Gisele posou para a Vogue com o jogador de basquete James LeBron. Foi o primeiro homem negro a ser capa da revista. O problema é que a foto de Annie Leibovitz é incrivelmente racista, ainda mais se colocada lado a lado da sua inspiração, um cartaz de alistamento do exército americano, de 1917, que ainda vem com as palavras “Destrua este bruto maluco” (que está invadindo a América e estuprando a democracia). É tudo muito parecido: o grito de LeBron, o jeito em que a clava do gorila está posicionada, em forma de bola, bem na altura da perna de LeBron, o vestido de Gisele, seus ombros desnudos. Será que LeBron e Gisele sabiam que estavam imitando um cartaz racista? Será que não sabiam, e se irritaram com a “homenagem”? Ela nunca disse nada.
Gisele é um sucesso em tudo que faz. Ela é uma Midas que dá certo — as marcas que a contratam aumentam em muito suas vendas. Vale o investimento. A Hope lhe pagou apenas 5 milhões. Olha só quanta propaganda gratuita está recebendo (com outra modelo a campanha também seria polêmica, mas não tanto). Se eu tivesse uma marca e 5 milhões sobrando, eu contrataria a Gisele correndo.
Isso posto, eu não gostaria de ser a Gisele, porque, permita-me, estou bem contente em ser a Lolinha. Meu sonho nunca foi ser uma modelo ou uma miss (lamento, mas esse não é o sonho de todas as mulheres), e eu não poderia nem que quisesse, porque não possuo dois quilômetros de perna. Logo, não tenho a mais remota inveja da Gisele. Dizer que eu tenho inveja da Gi porque estou criticando-a é tão ofensivo quanto dizer que critico algo pra ganhar fama. Isso cheira à censura, sabe? Porque parece que não posso criticar nada ou ninguém de jeito nenhum. Então quem pode criticar? Marcelo Tas, colega do Rafinha e cada vez mais parecido com ele, pode? A gente também não poderia dizer que Tas tá com inveja das mulheres no governo? Afinal, ele as critica! Ou que ele está implorando por atenção ao criticá-las? Tas já criticou outras pessoas também: será que ele tem inveja do Rogerio Ceni por não ter um corpão como o do goleiro? Ou Tas quer tomar os holofotes do Bolsonaro? E quando Tas me ameaçou de processo e me criticou, ele estava com inveja dos meus lindos olhos verdes? Não? Então com licença que posso criticar o que a Gisele representa sem lamentar que eu não seja casada com o Tom Brady (é futebol americano o que ele joga? Argh).
Não fico surpresa que Tas e demais representantes da mídia tradicional estejam defendendo uma marca de lingerie como se fosse a fábrica pessoal deles. Hay gobierno? Soy contra! E viva a iniciativa privada, que só quer o bem da sociedade e patrocina os nossos programas! Dizer que a propaganda não é sexista porque “é só uma brincadeira” é a escapatória mais antiga que existe. Em nome da piada pode tudo! Eu poderia xingar todo mundo e acrescenta um rs ou um hehehe no final e zuzo bem. Tudo liberado, inclusive contar piada de estupro e declarar que comeria uma cantora grávida e seu bebê. No humor e na guerra vale tudo!
A campanha da Hope é sexista? Lógico que é, como já discuti aqui. Ela diz que mulher não sabe dirigir, bate o carro do marido, gasta demais, e que precisa contar pro cara com jeitinho (tem medo de quê?) sobre as besteiras que faz. Também há o subtexto de que esse seria o subterfúgio da mulher brasileira — usar seu “charme”. Sinceramente, não vi muita gente negando o machismo explícito dos comerciais. Discutem-se apenas outros pontos.
Tipo: a campanha é engraçada? Depende do humor de cada um. Humor é algo muito pessoal. Pra mim essas mensagens são tão clichê que não dá pra rir. Tem alguma novidade nesses estereótipos todos?
O que mais vi foi gente dizendo se gostou ou não. Ahn, dica: melhorem a argumentação. Só gostar ou não gostar de uma coisa não é exatamente uma análise. Dê a sua opinião, mas procure falar de como a campanha representa a mulher em geral e a mulher brasileira em particular, se pode tudo em nome do humor, se não é ofensivo o comunicado da assessoria da Hope, falando da “sensualidade natural da mulher brasileira, reconhecida mundialmente” (natural? A gente quer ser reconhecida mundialmente pela nossa sensualidade? Isso ajuda em quê, além de aumentar os números do nosso turismo sexual?), se a contratação de uma mulher poderosa como Gisele “evidencia”, como diz a nota, que a propaganda é uma brincadeira, ou se a mensagem é que até uma mulher poderosa como Gisele precisa usar uma “arma eficaz” como posar de lingerie para ser validada como ser humano, e se marcas que vivem “da preferência das mulheres” costumam tomar atitudes que desvalorizam seu público consumidor (novelas? Revistas femininas? Grifes de moda? Cremes de beleza? Nah, tudo produto que só valoriza seu público consumidor!).
Aproveite também e reflita se você ficou chatead@ com o comercial da Caixa Econômica Federal, que cometeu a barbaridade de usar um ator branco para representar Machado de Assis num país racista e sem heróis negros como o nosso. Se quem tivesse feito isso fosse uma empresa privada, não estatal, qual seria sua reação? E se Gisele tivesse sido contratada não por uma empresa privada, mas por uma estatal, para promover a “sensualidade natural da mulher brasileira” e ensinar a usar charminho para passar más notícias, também estaria tudo belê?
Eu repudio idiotices machistas como a capa do Globo (que colocou Gisele e seu "certo" ao lado da ministra Iriny Lopes, a errada, porque dane-se que uma mulher seja ministra do quinto maior país do mundo -- se ela não for bonita, ela nem tem razão de existir). E concordo com a nota da Secretaria de Políticas para as Mulheres, que pediu a suspensão da campanha. Sim, a campanha é discriminatória e presta um desserviço à mulher. Mas não concordo com o pedido de suspensão. A campanha da Hope é apenas uma num oceano de propagandas e programas machistas. O que é preciso é uma ampla campanha institucional contra o machismo. Insisto: quero uma campanha como a do Equador. Quero que toda ação (machismo) seja acompanhada de uma reação (educação). E não quero que isso custe um só tostão aos cofres públicos. Pensamento único é o que temos na mídia, ou quantos programas de TV você conhece que discutem o sexismo? Nossa liberdade de escolha é tremenda: somos livres para escolher entre CQC ou Pânico. Ora, TV é concessão pública. Que se exija das TVs, que exibem sem piscar comerciais e programas machistas, homofóbicos, racistas, a veiculação de campanhas educativas. Que míseros quinze minutinhos por dia, espalhados por toda a programação, sejam usados pelo governo e ONGs para reagir contra os preconceitos. Talvez demore muito para que uma campanha educativa contra o machismo consiga superar a misoginia que reina na nossa sociedade. Mas é preciso começar já.
Então. Tem um montão de coisa pra você discutir sobre o tópico “campanha da Gisele e pedido de suspensão”. Mas claro que você pode continuar fechando os olhos pra tudo e ficar apenas chamando quem critica o machismo na mídia de feminazi invejosa mal amada. Fica a seu critério.
Tenho inúmeras críticas à indústria da moda e à ditadura da beleza, mas não responsabilizo Gisele por perpetuar um padrão irreal que frustra tantas mulheres. Se não fosse ela a top model do momento, seria outra (se bem que a reportagem da Vogue diz que o fenômeno Gisele fez aumentar o número de implantes de silicone no Brasil; nunca tinha ouvido falar nisso). Enfim, prefiro mil vezes o look Gisele que o heroin look dos anos 90.
Ela tem 150 milhões de dólares, é super profissional, já foi fotografada para mais de quinhentas capas de revista — só perde pra Lady Di. A revista Forbes aposta que ela será a primeira modelo a alcançar um bilhão. E ela pode se tornar a primeira bilionária brasileira a se fazer sozinha, sem herança. Por mais que eu seja contra bilionários (acredito que deve haver limite para riqueza: quem precisa ter um bilhão? Pra quê?) e a celebração a eles, admiro a energia da moça. Na sua vida pessoal, ela sempre foi bem discreta, e sempre adotou uma persona não arrogante, o que não deve ser fácil pra uma hiper celebridade. Ela participou do lançamento do Fome Zero, doou 1,5 milhão de dólares pro Haiti depois do terremoto, apóia várias causas ambientais, e foi uma influência muito positiva ela ter feito um parto humanista. Infelizmente, veste casacos de pele e aceita fazer comerciais machistas. Acho que celebridades deveriam ter responsabilidade social. Esta, imagino, deve ser a grande vantagem de ser tão rica: você pode recusar inúmeros trabalhos e convites. Então por que se juntar a projetos que não acrescentam nada de bom ao mundo, muito pelo contrário? Porque se auto-estereotipar como Amélia? Por exemplo: em 2008 Gisele posou para a Vogue com o jogador de basquete James LeBron. Foi o primeiro homem negro a ser capa da revista. O problema é que a foto de Annie Leibovitz é incrivelmente racista, ainda mais se colocada lado a lado da sua inspiração, um cartaz de alistamento do exército americano, de 1917, que ainda vem com as palavras “Destrua este bruto maluco” (que está invadindo a América e estuprando a democracia). É tudo muito parecido: o grito de LeBron, o jeito em que a clava do gorila está posicionada, em forma de bola, bem na altura da perna de LeBron, o vestido de Gisele, seus ombros desnudos. Será que LeBron e Gisele sabiam que estavam imitando um cartaz racista? Será que não sabiam, e se irritaram com a “homenagem”? Ela nunca disse nada.
Gisele é um sucesso em tudo que faz. Ela é uma Midas que dá certo — as marcas que a contratam aumentam em muito suas vendas. Vale o investimento. A Hope lhe pagou apenas 5 milhões. Olha só quanta propaganda gratuita está recebendo (com outra modelo a campanha também seria polêmica, mas não tanto). Se eu tivesse uma marca e 5 milhões sobrando, eu contrataria a Gisele correndo.
Isso posto, eu não gostaria de ser a Gisele, porque, permita-me, estou bem contente em ser a Lolinha. Meu sonho nunca foi ser uma modelo ou uma miss (lamento, mas esse não é o sonho de todas as mulheres), e eu não poderia nem que quisesse, porque não possuo dois quilômetros de perna. Logo, não tenho a mais remota inveja da Gisele. Dizer que eu tenho inveja da Gi porque estou criticando-a é tão ofensivo quanto dizer que critico algo pra ganhar fama. Isso cheira à censura, sabe? Porque parece que não posso criticar nada ou ninguém de jeito nenhum. Então quem pode criticar? Marcelo Tas, colega do Rafinha e cada vez mais parecido com ele, pode? A gente também não poderia dizer que Tas tá com inveja das mulheres no governo? Afinal, ele as critica! Ou que ele está implorando por atenção ao criticá-las? Tas já criticou outras pessoas também: será que ele tem inveja do Rogerio Ceni por não ter um corpão como o do goleiro? Ou Tas quer tomar os holofotes do Bolsonaro? E quando Tas me ameaçou de processo e me criticou, ele estava com inveja dos meus lindos olhos verdes? Não? Então com licença que posso criticar o que a Gisele representa sem lamentar que eu não seja casada com o Tom Brady (é futebol americano o que ele joga? Argh).
Não fico surpresa que Tas e demais representantes da mídia tradicional estejam defendendo uma marca de lingerie como se fosse a fábrica pessoal deles. Hay gobierno? Soy contra! E viva a iniciativa privada, que só quer o bem da sociedade e patrocina os nossos programas! Dizer que a propaganda não é sexista porque “é só uma brincadeira” é a escapatória mais antiga que existe. Em nome da piada pode tudo! Eu poderia xingar todo mundo e acrescenta um rs ou um hehehe no final e zuzo bem. Tudo liberado, inclusive contar piada de estupro e declarar que comeria uma cantora grávida e seu bebê. No humor e na guerra vale tudo!
A campanha da Hope é sexista? Lógico que é, como já discuti aqui. Ela diz que mulher não sabe dirigir, bate o carro do marido, gasta demais, e que precisa contar pro cara com jeitinho (tem medo de quê?) sobre as besteiras que faz. Também há o subtexto de que esse seria o subterfúgio da mulher brasileira — usar seu “charme”. Sinceramente, não vi muita gente negando o machismo explícito dos comerciais. Discutem-se apenas outros pontos.
Tipo: a campanha é engraçada? Depende do humor de cada um. Humor é algo muito pessoal. Pra mim essas mensagens são tão clichê que não dá pra rir. Tem alguma novidade nesses estereótipos todos?
O que mais vi foi gente dizendo se gostou ou não. Ahn, dica: melhorem a argumentação. Só gostar ou não gostar de uma coisa não é exatamente uma análise. Dê a sua opinião, mas procure falar de como a campanha representa a mulher em geral e a mulher brasileira em particular, se pode tudo em nome do humor, se não é ofensivo o comunicado da assessoria da Hope, falando da “sensualidade natural da mulher brasileira, reconhecida mundialmente” (natural? A gente quer ser reconhecida mundialmente pela nossa sensualidade? Isso ajuda em quê, além de aumentar os números do nosso turismo sexual?), se a contratação de uma mulher poderosa como Gisele “evidencia”, como diz a nota, que a propaganda é uma brincadeira, ou se a mensagem é que até uma mulher poderosa como Gisele precisa usar uma “arma eficaz” como posar de lingerie para ser validada como ser humano, e se marcas que vivem “da preferência das mulheres” costumam tomar atitudes que desvalorizam seu público consumidor (novelas? Revistas femininas? Grifes de moda? Cremes de beleza? Nah, tudo produto que só valoriza seu público consumidor!).
Aproveite também e reflita se você ficou chatead@ com o comercial da Caixa Econômica Federal, que cometeu a barbaridade de usar um ator branco para representar Machado de Assis num país racista e sem heróis negros como o nosso. Se quem tivesse feito isso fosse uma empresa privada, não estatal, qual seria sua reação? E se Gisele tivesse sido contratada não por uma empresa privada, mas por uma estatal, para promover a “sensualidade natural da mulher brasileira” e ensinar a usar charminho para passar más notícias, também estaria tudo belê?
Eu repudio idiotices machistas como a capa do Globo (que colocou Gisele e seu "certo" ao lado da ministra Iriny Lopes, a errada, porque dane-se que uma mulher seja ministra do quinto maior país do mundo -- se ela não for bonita, ela nem tem razão de existir). E concordo com a nota da Secretaria de Políticas para as Mulheres, que pediu a suspensão da campanha. Sim, a campanha é discriminatória e presta um desserviço à mulher. Mas não concordo com o pedido de suspensão. A campanha da Hope é apenas uma num oceano de propagandas e programas machistas. O que é preciso é uma ampla campanha institucional contra o machismo. Insisto: quero uma campanha como a do Equador. Quero que toda ação (machismo) seja acompanhada de uma reação (educação). E não quero que isso custe um só tostão aos cofres públicos. Pensamento único é o que temos na mídia, ou quantos programas de TV você conhece que discutem o sexismo? Nossa liberdade de escolha é tremenda: somos livres para escolher entre CQC ou Pânico. Ora, TV é concessão pública. Que se exija das TVs, que exibem sem piscar comerciais e programas machistas, homofóbicos, racistas, a veiculação de campanhas educativas. Que míseros quinze minutinhos por dia, espalhados por toda a programação, sejam usados pelo governo e ONGs para reagir contra os preconceitos. Talvez demore muito para que uma campanha educativa contra o machismo consiga superar a misoginia que reina na nossa sociedade. Mas é preciso começar já.
Então. Tem um montão de coisa pra você discutir sobre o tópico “campanha da Gisele e pedido de suspensão”. Mas claro que você pode continuar fechando os olhos pra tudo e ficar apenas chamando quem critica o machismo na mídia de feminazi invejosa mal amada. Fica a seu critério.