Depois da noite do Oscar, meu computador amanheceu queimado. Deu curto. Mesmo.
Tirando o final histórico (e histérico), do qual falarei mais adiante, não foi uma cerimônia muito marcante, pelo menos os pedaços que vi. Sim, porque estamos em 2017, mas eu tenho a pior conexão de internet em, sei lá, dez anos anos (a GVT era boa, aí foi comprada pela Vivo. E agora vive caindo). Sem falar que todos os livestreams no YouTube eram derrubados por caçadores de copyright após alguns minutos.
O desespero chegou num nível tão alto que me peguei ligando a TV (só tenho aberta) pra ver a cerimônia... só pra descobrir que a Globo compra os direitos de transmissão pra que ninguém mais passe o Oscar, mas fica passando BBB e desfile de escola de samba.
Pelamor, ano que vem alguém com TV a cabo em Fortaleza me convida pra ver a entrega na sua casa!
Do que consegui ver, não houve discursos muito inflamados. Todos esperavam uma noite bastante política, com várias críticas a Trump, mas não foi o que aconteceu. O apresentador Jimmy Kimmel, no monólogo de abertura, "agradeceu" ao presidente Trump:
"Lembram do ano passado, quando parecia que o Oscar era racista?" e puxou uma salva de palmas (a primeira standing ovation da noite, todo mundo aplaudindo de pé) para Meryl Streep, que foi considerada "superestimada" (ha ha, isso vai persegui-la até o túmulo) por Trump -- tão bom crítico de cinema quanto ser humano -- depois que ela o criticou num discurso.
Além disso, Kimmel disse, em alusão a Estrelas Além do Tempo (um filme protagonizado por mulheres negras que arrecadou mais de 150 milhões de dólares na bilheteria, mas que não levou nenhuma estatueta) e La La Land (recorde de 14 indicações, 6 prêmios), "Este foi o ano em que as pessoas negras salvaram a Nasa e as pessoas brancas salvaram o jazz. Isso é progresso".
Teve uma parte que não funcionou muito bem com astros e estrelas lendo alguns dos tuítes de ódio que recebem (os que vem pra mim e outras ativistas costumam ser mais engraçados), e outra em que turistas de uma excursão por Hollywood foram parar no auditório. Um casal foi "casado" por ninguém menos que Denzel Washington.
Denzel, infelizmente, perdeu a estatueta (que teria sido sua terceira) para Casey Affleck, impedindo que um recorde fosse quebrado -- maior número de vitórias para negros em categorias de atuação.
Mahershala Ali ganhou na sua categoria, e foi o primeiro ator muçulmano a ganhar um Oscar (de coadjuvante, pelo seu papel pequeno, porém memorável, em Moonlight).
E foi a vez de Viola Davis, linda e sensacional como sempre.
Chegou tarde o Oscar pra ela, aos 51 anos, mas finalmente chegou
(e foi só o primeiro; outros virão). Se ela tivesse concorrido na categoria de atriz principal, como deveria por Um Limite entre Nós, provavelmente teria vencido também. Ganhou Emma Stone, com 28 anos, numa categoria que nos últimos anos tem premiado apenas atrizes jovens (e brancas).
Ainda não foi desta vez que um diretor negro vence na categoria.
Barry Jenkins, de Moonlight, levou a estatueta de melhor roteiro adaptado, o que também é raro (em anos recentes roteiristas negros ganharam roteiro por Precious e 12 Anos de Escravidão) e já havia entrado pra história por ser o primeiro negro a ser indicado para diretor, roteiro, e filme. Damien Chazelle ganhou melhor diretor, por La La Land, e se tornou o mais jovem (32) a vencer nessa categoria.
Estou deixando o final pro final, você já percebeu.
Quanto ao meu tradicional bolão do Oscar, num ano que era considerado previsível, houve várias surpresas, como Animais Fantásticos e Onde Habitam para figurino (esperava-se Jackie ou La La Land), Até o Último Homem para montagem (merecido, mas durante décadas melhor filme levou melhor montagem), e Esquadrão Suicida para cabelo e maquiagem (Star Trek era favorito). Eu comecei com apenas um acerto em cinco categorias, o que me deixou sem chances no bolão pago.
Claudemir, que participa do meu bolão há não sei quantos anos (16? 18?), saiu na frente, e ficou lá até ter errar design de produção, que foi para La La Land. Lívia, Marielle, Silvio e Janaina sempre estavam na sua cola. Até que ficou claro que as categorias decisivas no bolão seriam roteiro original (Manchester à Beira Mar ou La La Land? Ganhou o primeiro) e ator (Casey ou Denzel), e a disputa mais acirrada estava entre Lívia e Silvinho, vulgo maridão. Ela apostou em Casey; ele, em Denzel. Quando Casey ganhou, Lívia ganhou o bolão.
(Não vou perdoar o maridão tão cedo por errar melhor canção original. Ele não percebeu que havia duas canções de La La Land concorrendo, e escolhou a errada. A favorita era "City of Stars", que ganhou. Eu falei isso pra ele na hora da aposta, mas quem disse que ele me ouve?).
No bolão pago, portanto, os resultados foram: Livia em primeiro, com 15 acertos; Giciel, Marielle e Silvio em segundo, com 14; Maura, Júlio César, Claudemir, eu e Janaína, com 13; Camila e Vitor, com 12; Luciano, com 11, Rafael (que ganhou o bolão do ano passado), com 10; Nelly, minha mãe, com 8, e Gabriela L., com 6.
Parabéns a Lívia, que participou do meu bolão em 2010 e no ano passado (quando acertou 16 e ficou em segundo), e agora ganhou. Fico no aguardo do seu número de conta corrente para que eu possa depositar R$ 300.
No bolão grátis, que eu não acompanhei (com a minha internet, mal deu pra acompanhar a cerimônia e o bolão pago), houve cinco vencedores empatados com 15 acertos cada: Lilian, Ítalo, Lívia (é a mesma Lívia, que fez a mesma aposta nos dois bolões), Renata e Gabriella T. Espero que vocês façam como a Lívia e participem ano que vem do bolão grátis!
E agora eis que chego ao final da entrega do Oscar mais inusitada em 89 anos de sua história.
Warren Beatty e Faye Dunaway foram convidados para anunciar a estatueta mais esperada, a de melhor filme. Os dois foram chamados para marcar os cinquenta anos de um filme icônico, incrível (que se você não viu deveria ver, e se já viu deveria rever), Bonnie and Clyde, Uma Rajada de Balas. E na hora de abrir o envelope e ler o que lá está escrito, Warren fica enrolando, tentando encontrar um outro envelope, até que mostra o que tem pra Faye, e ela lê: La La Land.
Toda a equipe sobe ao palco, emocionada, se abraçando, um pessoal começa a discursar... E aí um dos produtores do filme diz no microfone que houve um erro e que o verdadeiro vencedor foi Moonlight, e mostra o envelope, em que está escrito Moonlight.
Toda a equipe de Moonlight sobe ao palco, emocionada, se abraçando, mas confusa e sem saber se está sendo vítima de um trote. O público aplaude muito e observa tudo, incrédulo. Nos bastidores, o diretor de Manchester brinca com os repórteres: "Nesse momento devem estar falando que houve um erro e que o verdadeiro vencedor de melhor filme foi Manchester à Beira Mar".
Tal erro já aconteceu em concurso de miss, mas nunca no Oscar. Quer dizer, algo parecido aconteceu uma vez, em 1964, quando deram o envelope errado pro apresentador Sammy Davis Jr. anunciar. Mas isso foi resolvido rapidamente, antes que qualquer um subisse ao palco, e numa categoria muito menos importante que a de melhor filme.
Culparam todo mundo pelo erro gigantesco. Parece que deram o envelope de melhor atriz (Emma Stone por La La Land) para o casal de Bonnie e Clyde.
Culparam Warren Beatty (tadinho, imagina a pressão na hora), culparam o Leonardo DiCaprio (que, de acordo com as conspirações, não entregou o envelope de melhor atriz para Emma), culparam a própria Emma, disseram que isso foi feito para causar maior emoção... Várias horas depois, a PriceWaterhouseCooper (a firma responsável por manter os envelopes lacrados e por auditorar cada prêmio) lançou uma nota pedindo desculpas e prometendo uma investigação. Vão acabar culpando o estagiário, quer ver?
É lamentável que isso ocorra. Você tem 24 categorias, 24 envelopes, e tem uma ordem que é repetida em toda cerimônia (melhor filme sempre é o último prêmio da noite). Não pode ser tão difícil organizar isso direito! O Oscar é uma cerimônia caríssima (como disse a diretora de um curta-metragem certa vez, "Este vestido que estou usando custou mais que o meu filme") que tem uma audiência de centenas de milhões de pessoas. Não deve haver espaço pra erros amadores desse tipo, que são embaraçosos para os apresentadores, para os vencedores e para os perdedores.
O pior é que aconteceu logo no ano em que o filme mais negro de toda a história ganha o Oscar. Moonlight, uma produção independente e baratinha, tem toda uma equipe praticamente negra. Não há personagens brancas neste filme feito por negros sobre negros, um filme importante com poder para suscitar debates sobre racismo, drogas, masculinidade, bullying, e homofobia na comunidade negra.
Não acho que foi uma conspiração do #OscarTãoBranco contra os negros, mas é lamentável que tenha ocorrido logo agora, tirando um pouco do brilho de Moonlight.
Por outro lado, essa presepada dos Oscars será lembrada para sempre.