domingo, 31 de agosto de 2008

SOU FEMINISTA DESDE A MAIS TENRA INFÂNCIA

Isso eu peguei de um dos meus cadernos cheios de anotações que eu já tinha aos oito anos (tudo sic):

O poder das mulheres

Era uma vez que as mulheres eram escravas. Agora não, agora, as mulheres são capazes de fazer tudo que os homens podem fazer.”

Estoria de amor

Estava na escola, André, um menino da minha classe estava me namorando. Uma servente viu: e dise: Vocês estão se namorando. Ai André dise: Eu não. Mas logo o amor infinito voutou.”

Chato que, numa folha do livro, estou eu pregando sobre o poder das mulheres. E, na página ao lado, estou sendo esnobada pelo André (nenhuma idéia de quem foi o pirralho). E isso devia afetar muito minha cabecinha - vide os erros de português. Felizmente, com treze anos eu já havia melhorado minha gramática e meu feminismo:Agora, um assunto bem sério, Feminismo x Machismo

Sim, eu sou feminista e digo isso com muito orgulho. Por que algumas pessoas (mulheres, principalmente) quando ouvem alguém falando de feminismo, começam à rir e deixam tudo por isso mesmo. A vida inteira é uma guerra, um desafio, mas eu acho que as maiores guerras são: a pobreza e o machismo. Até as pobres crianças, influenciadas pelos pais, são machistas. Eu acho que a culpa é mais das mulheres do que dos homens. Se as mulheres tivessem feito alguma coisa antes, desde a epóca de Adão e Eva, o machismo não existiria mais. Mas a maior culpada é, sem dúvida, a nossa sociedade. Você realmente acredita em Adão e Eva? No 'Deus' que fez primeiro o homem e depois a mulher? E Eva ainda foi a culpada pela expulção do Paraíso. Isso é um absurdo, entre outras coisas. O homem pode adiar o casamento se sua noiva não ser virgem. Mas, e o homem? Porque só os padres podem dar missas? E as freiras? Eu acho que noventa e nove vírgula nove das coisas que nós dizemos e fazemos são machistas. Até 'primeiro as damas' é machista. Também acho que a mulher é bem mais forte do que o homem, fisicamente e mentalmente. Só que a mulher não está acostumada a usar a sua força. Uma professora amiga minha, já me disse: 'É claro que as mulheres estão ganhando muito com isso, mas também estão perdendo muito. Eu trabalho muito como professora e quando chego em casa tenho que lavar pratos e fazer a limpeza da casa.' E daí? A culpa é de quem? A culpa é da professora. Ela deveria exigir ajuda do marido. [...] Sabe, eu sou um pouquinho comunista. Álias, todas as feministas são um pouco comunistas. Afinal, nós não queremos 'direitos iguais'? Mas não se preocupem. Eu vou ser uma revolucionária. Contra a pobreza e o machismo. Só esperem um pouquinho. 'Independência das mulheres ou morte'!

Outro exemplo: Ontém mesmo, dia 10 de janeiro de 1981, eu e minha irmã Consuelo, iriamos fazer uma guerra de areia [na praia dos Ossos, em Búzios] contra o meu irmão Ignácio e mais três meninos. Era covardia, quatro contra dois. Aí, chegou dois meninos que queriam entrar pro nosso lado. O outro lado começou a protestar. Os meninos do NOSSO lado falaram assim, 'Elas são meninas, deixa,' e o outro grupo topou. Só que EU não topei, e expulsei eles do MEU grupo. Depois que eles pediram desculpas, nós os aceitamos. NÓS (eu e a Consuelo) ganhamos. Ficamos com a cara super cheia de areia, mas mesmo assim. Eles tinham fugido pro mar. O importante é ter força.”

Viram? Aos treze anos eu já era muita areia pro caminhãozinho dos meninos.

sábado, 30 de agosto de 2008

PLATAFORMA DE CAMPANHA REPUBLICANA

Recebi um email dos republicanos pedindo doações pra campanha do John McCain pra derrotar o democrata Barack Obama. Começa assim: “Você acha que a redistribuição de renda pelo governo federal é uma das maiores tradições americanas? E creches grátis? Sistema de saúde gratuito? Universidade gratuita? Seguro-desemprego? Estatizar refinarias de petróleo? Uma taxa global paga às Nações Unidas?”. E eu pensando: Uau! É muita cara de pau o McCain prometer que vai fazer tudo isso. Afinal, o partido republicano sempre foi a favor do estado mínimo. Mudou de idéia? E óbvio que ninguém em sã consciência vai ser contra essas coisas (saúde universal, distribuição de renda etc). Só que o email segue: “Se nenhuma dessas características soa como as maiores tradições da América, é porque elas não são. Mas para Obama e os democratas, esse é exatamente o tipo de programa de governo-babá que você pode esperar se eles tomarem o controle do nosso governo”. E continuam, afirmando que podemos derrotar essas medidas esquerdistas se contribuirmos com a campanha republicana. Pô, a direita deles é algo estranho, não? Aqui no Brasil, mesmo partidos conservadores como o DEM e o PSDB, que gostariam de privatizar tudo, não teriam coragem de defender o fim das creches e universidades públicas. Ainda que fizessem isso depois de eleitos, uma agenda dessas jamais faria parte da campanha. E nos EUA, ser contra o seguro-desemprego e a distribuição de renda é motivo de orgulho! Os sistemas de proteção social que funcionam tão bem na Europa são considerados coisa de babá. E por quê? Ah, porque “essas reformas de esquerda do Obama seriam devastadoras para os americanos que trabalham duro”, diz o email. E ninguém liga que não oferecer saúde universal deixe 50 milhões de americanos (todos vagais, suponho) sem qualquer acesso a um tratamento. Isso não é devastador (também é estranho o que é visto como esquerda nos EUA. Estava eu lendo os comentários de um blog americano qualquer quando vi que aquele blog, que pra mim é moderadíssimo nas suas posições políticas, é considerado ultra-esquerda. Eu não fui a única observadora atônita. Um leitor europeu escreveu: "Nunca vou deixar de me espantar com o que vocês americanos consideram esquerda-radical").

Agora é oficial: declaro que minhas últimas esperanças de que primeiro mundo exista de verdade residem na Escandinávia. Porque a América só é primeiro mundo pro capital. Não pra sua população.

UMA FUTURA PRIMEIRA-DAMA LOUVÁVEL, WE HOPE?

Esta semana Michelle, mulher de Barack Obama, fez um discurso que seu marido, não muito imparcialmente, chamou de “o melhor em toda a campanha presidencial”. Foi bonito. Ela, com muita segurança, sem ler nem titubear, falou todas essas amenidades que os americanos precisam ouvir – que a América (toda vez que escrevo América recebo mensagens de gente dizendo que eles são EUA, América somos todos nós. Bom, eu escrevo “América” porque é uma droga falar de um só país no plural, e também porque não me importo que só eles sejam americanos – e não estadunidenses. Eu não sou, nem quero ser, americana. Sou latino-americana. Ou sul-americana, nos dias em que acordo sem sentir minhas conexões com nicaraguenses e costa-riquenhos. Achar que faço parte de uma mesma América, que inclui o grande império, não é pra mim. Não estou unida aos EUA de jeito nenhum) é a terra das oportunidades, que o céu é o limite pras suas ambições, que há uma grande diferença entre a vida que levamos e a vida que queremos levar. Apesar de óbvio, foi um recado necessário, já que Michelle vem sendo atacada severamente pelos republicanos e demais direitistas desde que declarou, em fevereiro, que estava orgulhosa do país pela primeira vez em sua vida adulta (pela campanha do Obama estar deslanchando). Os americanos que penduram a bandeira na varanda e a usam na lapela chiaram: primeira vez?! Quer dizer que nos últimos trinta anos ela não se orgulhou da nação nem uma vez? Foi um escândalo. Ela virou anti-patriota e comunista da noite pro dia. Portanto, no discurso desta semana, ela deixou claro que idolatra o país. Acima dele, só seu amor pelas duas filhas. E por Obama, que, segundo ela, continua sendo o mesmo homem que ela conheceu há 19 anos, ou há dez, quando ele levou Michelle e a filha recém-nascida do hospital para casa. Foi uma sacada inteligente mencionar Obama como “homem do povo”, que dirige seu carro, sem motorista, na mesma semana em que o candidato republicano, John McCain, se confundiu a respeito de quantas casas tem. Ok, isso de esquecer quantas casas tem é pior que não saber o preço da passagem de ônibus (que duvido que tire votos nos EUA).

Agora que falta pouco pras eleições (menos de dez semanas), Barack Obama, que sua mulher definiu como “aquele do nome estranho”, tem um vice-presidente: Joe Biden (pronuncia-se bai-dem). Não é a Hillary Clinton. E nem podia ser, porque ela representa o passado. Um passado bem avaliado de oito anos de seu marido como presidente, mas, ainda assim, um passado. Chuif. Quem sabe uma das filhas do Obama, daqui a trinta anos, consiga se candidatar a presidente?

A outra chance dos EUA terem uma mulher presidente é que McCain seja eleito e morra logo. Ontem ele escolheu sua vice, a governadora do Alasca Sarah Palin, pra tentar ganhar o apoio de quem ia votar na Hillary. Ou isso ou pra ganhar o voto dos esquimós mesmo. É, o cenário vem melhorando muito pro Obama.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

TUDO QUE A GENTE PRECISA SABER É QUE O NEVOEIRO CHEGOU

Um supermercado com fanáticos religiosos não é um bom lugar pra se proteger do nevoeiro.

Gente querida, bem rapidinho, que preciso entregar um capítulo da tese. Só pra comentar o que chega neste final de semana aqui no Brasil: Reino Proibido, com Jackie Chan e Jet Li (o trailer é de doer), Trovão Tropical (comentei na semana passada), e finalmente, até que enfim, aleluia, salve salve, O Nevoeiro (leia a minha crítica e corra ao cinema. Pode ser em ordem inversa). E um nacional também: Bezerra de Menezes: O Diário de um Espírito, um filme de época sobre esse ilustre deputado e médico que nunca ouvi falar. Se ele não virou nome de rua, nunca ouvi falar mesmo. Pelo menos é com o Carlos Vereza (veja o trailer).

Nos EUA, as estréias são: Babylon AD (Missão Babilônia, no Brasil em 26/9) - tudo que a gente precisa saber é que uma aventura com o Vin Diesel; College, uma comédia acéfala sem nenhum nome famoso, aparentemente feita pra suprir a comunidade frat-boy (os universitários das fraternidades americanas que vivem de se embebedar), Traitor, um filme de espionagem com o Don Cheadle, e Disaster Movie (Super-Heróis: A Liga da Injustiça, chega 3/10 no Brasil) - tudo que a gente precisa saber é que é mais uma comédia tirando sarro de um gênero específico. A capa de College ilustra minha vontade de prestigiar esse tipo de produção.

Eu ia comemorar, crente que poderia ver O Nevoeiro pela terceira vez no cinema. As últimas duas foram no ano passado, então estava com saudades. Aí descobri que não chegou em Joinville. Sinto que tem uma neblina com nuvenzinhas negras pairando sobre a minha cabeça.- Não fica assim só porque Reino estreou no lugar de Nevoeiro em Joinville.

CRÍTICA: NEVOEIRO / Deixe o nevoeiro te envolver

Parafraseando Tubarão, “Vamos precisar de um pau maior”.

Será que chega hoje? Eu vi O Nevoeiro (The Mist) nos EUA, no final do ano passado. Tava marcado pra vir ao Brasil em dezembro, e depois foi adiado mais duas vezes. Como já mencionei demais o filme, e sei que pra você o que eu falo é lei (basta ver como meus leitores sempre votam nos meus favoritos nas enquetes. É só eu odiar um filme, tipo Shrek, que ele fica lá, liderando a pesquisa, solitário, sem um votinho sequer), as expectativas devem estar enormes. E a gente sabe que, quanto maior a expectativa, maior o tombo. Então, por mais impossível que seja, tente ignorar minha opinião, e vá ver O Nevoeiro levando em consideração apenas os críticos americanos. Eles não fizeram trocadilhos infames como eu, que chamei o terror de misterpiece e obra-neblina. Não, os ridículos deram nota 58. Pra mim, é simplesmente a melhor adaptação de uma história do Stephen King pro cinema. Quer dizer, só perde pro Iluminado. Fica empatado com outros grandes filmes, como Carrie e Um Sonho de Liberdade. E é a melhor adaptação de uma trama do King desde o ótimo Louca Obsessão, que já tem dezoito anos. Pra não encher demais a bola do Nevoeiro, vou dizer apenas que foi o segundo melhor filme do ano passado (ainda prefiro um pouquinho Senhores do Crime), e o melhor terror dos últimos, sei lá, dez anos. Mesmo que eu seja famosa por falar bem dos filmes (cof), não é sempre que eu elogio tanto assim.

Mas, como eu disse, ignore tudo que falei, e vá tranquilo, esperando ver um filminho B (que é como eu fui na primeira vez). Em muitos sentidos Nevoeiro é um terrorzinho barato, meio trash, a la Ataque dos Vermes Assassinos. Pense assim: o que seria de Os Pássaros se o casal central não tivesse deixado a lanchonete no posto de gasolina? (em Nevoeiro tem até uma mulher pedindo: “Por favor, pare de falar isso. Você está apavorando as crianças”). A diferença é que o terror acontece quase que inteiramente num supermercado. Uma neblina toma uma cidadezinha. Ninguém sabe a causa, ou o que vem junto. A maior parte do filme é a reação das pessoas enclausuradas no super, e olha, não é uma reação bacana, que eleva o espírito humano. Pelo contrário, este terror não tem a menor fé na humanidade. Além de ser anti-militarista até a medula (o exército tem responsabilidade; os soldados são covardes ou inúteis), sobra mesmo é pra direita cristã, encarnada aqui pela Marcia Gay Harden (Pollock, Sobre Meninos e Lobos). A mulher tá incrível, inspiradíssima, e muito mais medonha que qualquer coisa trazida pela névoa. Veja o trailer, se quiser, mas saiba que ele não faz justiça ao filme.

E por que não? Fácil: porque o trailer se esforça em contar a trama, e trama em filme de terror não importa tanto. O fundamental é o clima. O Nevoeiro não deixa a peteca cair. É suspense puro desde que o pessoal pisa no supermercado até o final. E que final! Eu tinha certeza absoluta que esse não era o fim do conto do King. E estava certa, pra variar. Se você quiser ler o conto, tá aqui, em português. Eu fico impressionada com o que o Frank Darabont faz com as historinhas do King. Com todo respeito ao escritor, que tem idéias muito boas mas não escreve tão bem, o Darabont parece ser o único habilitado a adaptá-lo. O Nevoeiro é sua terceira vez. A primeira, Um Sonho de Liberdade, deu mais do que certo (um dos dez melhores filmes da década de 90). A segunda, À Espera de um Milagre, menos. Aí o Darabont pega um conto (longo) e o estica, sem que nada fique forçado. A única cena que eu tiraria seria um brevíssimo romance entre uma caixa e um soldado. Mas Darabont consegue uma proeza: faz um filme muito fiel ao conto (tirando o final), ao mesmo tempo que o melhora. Por exemplo, compare a cena assustadora do protagonista tentando pegar o revólver no capô do carro com o que tá no conto (duas linhas mal-escritas). Compare o tratamento dado à fanática religiosa no conto – King a chama de “aquela cadela louca, feiticeira” e não lhe dá voz. A explicação pro nevoeiro no filme quase justifica a fé da mulher, pois Darabont acrescenta algumas sombras de dúvida (e palpites pra que as pessoas no super a vejam como profeta). Quem sabe Deus até gosta da Marcia? Sem falar que Darabont mudou o tom do conto do King, que tenta aliviar a tensão com piadinhas. Não sei como é estar numa situação tão medonha, mas imagino que as pessoas não fiquem conversando sobre redução de impostos. No filme não tem alívio, e as piadas são substituídas por todo um subtexto político (Guerra do Iraque, EUA pós-11 de setembro). O diretor se dá direito a uma única gracinha: a velhinha que mata um inseto gigante com inseticida. O resto é puro desespero.

Pois é, inseto gigante? Tô vendo a sua cara de nojo. Entendo como você se sente. Eu também prefiro um terror onde as coisas são sugeridas, não mostradas. Logo, quando a primeira criatura estranha apareceu, eu fiz “Ihhhh”. Mas aqui existe uma explicação (rápida e rasteira, como deve ser) pra todos os monstrengos – que, aliás, além de darem um charme B à película, estão muitíssimo bem feitos, pela mesma equipe de Labirinto do Fauno. Um dos caipiras no super, o mais burro e contra-producente, me lembrou meu vizinho que adora música alta, só que mais velho. Uma das cenas mais terríveis ocorre quando insetos alados gigantes começam a entrar no supermercado, possivelmente atraídos pela luz. Algumas pessoas correm pra apagar as luzes, enquanto meu vizinho estúpido corre na direção oposta, acendendo todas.

Tirando a identificação com meu vizinho (que eu gostaria muito que virasse papinha de inseto gigante), é certo que eu amo filmes que sugerem o fim do mundo. E terror passado em lugares familiares é um prato cheio pra mim. O maridão sempre diz que supermercado é sinônimo de civilização, e eu mais ou menos concordo, às vezes. Portanto, se é pra estar presente quando o mundo acabar, que seja dentro de um super. Assim eu morro de overdose de chocolate muito antes que o nevoeiro venha me pegar. Pode ser que por conta dessas fantasias chocolamentais eu tenha gostado tanto do filme. Confira e me conte.Já já alguma coisa vai romper este cordão umbilical.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

ÚLTIMA CRÔNICA DE DETROIT

Escrevi este texto na última semana de Detroit (um mês atrás), e ele ficou perdido entre milhões de arquivos. Então tá aqui, antes tarde do que nunca.

Voltando da faculdade pra casa, lá pelas 7:30 da noite mas com pleno sol, passei por dois sujeitos, sentados, que falaram, “Good afternoon, young lady”. O young lady me deixou feliz, claro. Daí refleti como os homens de Detroit, em geral, são bem educados. Tudo bem, depende da idade – os mais jovens parecem revoltados, como tantos jovens em tantos lugares. E também não sei como esses dois sujeitos que me falaram boa tarde se comportariam com alguém da cor deles. É que a segregação aqui é tão grande que tenho a impressão que negros não desejam brancas, e vice versa (no momento estou meio amarela, com cabelo black power dos anos 70 pra ninguém botar defeito). Ok, tem os loucos, que são muitos. E digo loucos literalmente. Desses que andam na rua não apenas falando com eles próprios, mas gritando e se auto-xingando. E aí eles se cansam de brigar com eles mesmos e quebram uma garrafa e partem pra cima de você. Já aconteceu comigo. Me contaram, e eu acredito, que vários hospícios fecharam por falta de verba (saúde pública nos EUA é inexistente; veja o fantástico Sicko – SOS Saúde, do Michael Moore). E os internos foram simplesmente jogados na rua. Mas os não-loucos são gentis. Como eu e o maridão andamos de mãos dadas, é frequente alguém passar e falar, sem nenhum sarcasmo, “Ah! That's true love!” (oh, isso é amor de verdade). Pelo jeito somos o único casal caquético do universo a andar de mãos dadas e, às vezes, abraçados (geralmente um se apoiando no outro pra não cair). O zelador do prédio só diz: “Hello, lovers!” (olá amantes/namorados/pombinhos?). A primeira vez que ele falou isso eu pensei: “Ish, será que as paredes do nosso apê são finas demais e calhou de alguém passar no corredor bem quando, no Natal, o título de 'lovers' seria justo?”. Mas agora já me acostumei com o “Hello, lovers!” do zelador.

Eu e o maridão estávamos na principal praça da universidade, alimentando os esquilinhos, quando passaram dois rapazes bonitos. Sorridentes, eles disseram Good afternoon pra gente, a gente respondeu, e eles decidiram falar conosco. Só aí percebi que as roupas formais eram esquisitas pra meninos da idade deles. “Não quero afugentar o seu esquilo”, ele começou, e eu gostei que ele reconheceu que o esquilinho aos meus pés tinha dona, “Mas aqui tem um papel, e com esse papel você pode pedir o livro tal. Esse livro mudou a minha vida”. Agradecemos, e eles foram embora, felizes de ter cumprido o que sua religião manda – não basta acreditar, tem que aumentar o rebanho. Eram mórmons. Eu tive que falar pro maridão: “Por que, ó Senhor, por que fazer dois carinhas tão lindinhos gente tão religiosa? Por que eles não podem ser adeptos do amor livre?”. O maridão ainda estava na parte do “seu esquilo”.

E por falar em esquilos, desta vez pegamos um maníaco. Tão maníaco que, mesmo depois de ter devorado ou enterrado uns dez amendoins, ainda partiu pra cima de outro esquilo que queria um reles amendoinzinho. Eu apelidei o maníaco de Coringa. Esse não tinha o menor medo da gente. Pelo contrário. Se a gente demorava meio segundo pra dar o amendoim seguinte pra ele, ele já ficava em duas patinhas, nos encarando, quase ameaçando subir nas nossas pernas e escalar até as nossas mãos. Todo mundo passava e falava “How cute!”, mas eu sabia a verdade. Tanto que falei pra ele: “Ó, você pode estar fazendo o maior sucesso entre os humanos, mas desconfio que você não seja muito popular entre seus colegas esquilinhos”. Ele não ouviu e exigiu o próximo amendoim. Quando ele pisou no pé do maridão, ele (humano) até teve de dizer: “Cuidado, tá?! Eu sou maior que você!”. Mas ainda assim achamos de bom tom ir embora. Discretamente, pra ninguém captar o terror em nossos olhos.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

EM TODAS

Teve um dia, na década de 80, que o Casseta e Planeta anunciou que uma produção nacional seria “o primeiro filme brasileiro sem o Wilson Grey” - porque, de fato, o Wilson tava em todas (ok, nenhum leitor jovem vai saber quem foi essa figura. Não importa. Hoje estou em algum lugar do passado). Agora eu quero saber: o Terence Stamp vai se tornar o Wilson Grey deles? Ele deu de estar em todos os filmes! E, pobrezinho, se é pra fazer o que fez em Procurado, não precisava...

EROTISMO NO CINEMA. SEM TIRAR A ROUPA


(se o vídeo for desabilitado, clique aqui).

Sei que a maior parte de vocês não estava viva em 1955 (eu não estava viva! Nem o maridão, que é jurássico, estava vivo!). Mas me digam se esta não é uma das cenas mais sensuais da história do cinema. É de Picnic (que no Brasil recebeu o título de Férias de Amor). A trama, tida como ousada na época (pensa só, mais de meio século atrás), é sobre uma jovem, prometida a um rapaz, que vê sua vida sacudir quando chega à cidade um amigo antigo e meio vagabundo do seu namorado. Toda a vila sente a influência do forasteiro, que é feito por ninguém menos que William Holden (de Crepúsculo dos Deuses), um dos astros mais másculos de Hollywood. Ele tava um tanto velhinho pro papel (tinha 37 anos e, na minha opinião, até parecia mais; era pro personagem ter uns vinte e poucos), mas ninguém notou. A moça era a Kim Novak (de um dos melhores Hitchcocks, Um Corpo que Cai).

E não entendo direito o porquê, mas este filme sempre me faz lembrar de um clássico que envelheceu com muito mais dignidade, Bonnie & Clyde, Uma Rajada de Balas (de doze anos depois). Um filme que também é sexy, apesar da impotência do personagem-título intepretado pelo Warren Beatty. Deve ser porque ambos começam com uma moça bonita e entediada numa cidadezinha no meio do nada, cuja rotina se rompe quando surge um carinha sem destino. Ou talvez porque os dois filmes têm lindas loiras (Kim, Faye Dunaway) e dois astros no auge da sua beleza?

Pouca gente hoje deve incluir Picnic entre os grandes filmes da década de 50, ao contrário de Bonnie & Clyde, que sempre tá presente no topo dos filmes mais influentes dos anos 60. No entanto, toda vez que elegem cenas sensuais do cinema, lembram da dança de Picnic. Acho que vi o filme na minha adolescência, antes de ver qualquer lista, e na hora pensei: quando crescer, quero ter um William Holden só pra mim. Fiquei com o maridão, praticamente um irmão gêmeo do William (hoje amanheci boazinha).

O trailer de Picnicaqui, infelizmente com a voz totalmente fora de sincronia. E a Marina escreveu sobre Picnic aqui.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

A MELHOR MANEIRA DE CONTROLAR OS OUTROS? MATANDO-OS, UÉ

Procurado termina com o James McAvoy dizendo como é importante tomar controle sobre a própria vida e perguntando “O que você tem feito ultimamente?”. É um incentivo à violência. Cá entre nós, precisa matar gente pra ter controle sobre a sua vida? Essa é uma mensagem perigosa numa terra onde pessoas são fanáticas por armas, participam de guerras, e costumam cometer chacinas em escolas e lanchonetes. O público (negro) em Detroit, onde vi o filme, amou a fala, e só vibrou mais na cena em que o Morgan Freeman faz um discurso enorme e sóbrio e de repente joga a palavra “motherf***er” no meio. A platéia foi ao delírio, riu pra caramba, aplaudiu, adorou. E eu pensava: em que planeta estou?

O CONSERVADOR RÁBIDO DE BRINCADEIRINHA SE MANIFESTA

Espero que vocês ainda se lembrem do Nate do That's Right Nate, um americano que fala sobre política fingindo ser um radical de direita (escrevi sobre ele aqui e aqui). Outro dia ele me mandou um email contando tudo, e achei interessante traduzi-lo pra vocês:

Oi, você poderia compartilhar isso no seu blog se quisesse, desde que não fosse em inglês. Queria ser franco com você sobre o que estou fazendo no meu blog. Sou um liberal, ainda que um convertido. Não me tornei um liberal até 2003. Acredito que os EUA tiveram três presidentes importantes no século 20: Franklin Roosevelt criou uma geração de democratas, Reagan criou uma geração de republicanos, e Bush criou e continua criando uma geração de democratas.

Meu blog é puramente satírico, como você esteve correta em perceber. Há um comediante chamado Steve Colbert que talvez você conheça. Ele faz um show satírico em que finge ser um conservador, mas a platéia sabe que é piada. Eu quis ser menos exagerado. Como resultado, meu blog tem vários leitores republicanos e alguns liberais que pensam que eu sou o diabo reencarnado. No entanto, a maioria dos leitores eventualmente capta o humor. Parte do humor que faço é muito sutil, e parte é bem exagerada.

O propósito do material sutil é fazer com que republicanos publiquem o post, para que tirem sarro deles, ou para fazer as pessoas concordarem com algo muito estúpido. Eu realmente me preocupo com este meu país que parece estar caindo pelas tabelas, e gostaria de dar às pessoas algo pra pensarem. Há alguns textos histéricos que qualquer um pode ver que são satíricos. Exemplos recentes estão aqui [em que ele diz que Bush, pra conter a imigração ilegal dos mexicanos, encolheu a economia americana, fechou vagas na construção civil, e desvalorizou o dólar] e aqui [ele narra uma piada machista que John McCain contou informalmente, sem saber que estava sendo gravado, e diz que todas as mulheres americanas vão votar no McCain por ele ser másculo, enquanto Obama parece um nerd no estilo “presidente do clube de xadrez”].

Sendo o conservador mais horroroso e exagerado que eu puder ser, espero estar expondo este elemento particular da sociedade. Sou solteiro e não tenho filha, mas não pude resistir em dar péssimos conselhos de pai num post antigo, e o personagem ficou. Meu 'cunhado' é na realidade minha irmã solteira, que sempre foi uma feminista liberal e adora que eu me tornei um também. Portanto, ela comenta sempre, mesmo quando não quero que o faça.

Obrigado pelo seu interesse no meu blog. Parece que você também tem um ótimo blog, embora você saiba que o babelfish [tradutor do computador] perde algumas coisas na tradução.

Nate Peel (Nome verdadeiro Joe).”

Devo dizer que, do pouco que conheço do blog, já estou adorando o cunhado Steve (na verdade, portanto, irmã de Nate), que aparece sempre nos comentários. A personagem que ambos criaram, a filha de 13 anos de Nate, é totalmente cruel, mas, por ser satírico, é divertidíssimo. Por exemplo, num dos posts Nate conta que levou sua filha gordinha ao cinema, para ver um filme pra meninas, e que ficou feliz que pôde passar alguns valores pra filha mesmo nessa sessão de entretenimento. Logo, no meio do filme, enquanto a menina e ele compartilhavam o mesmo saco de pipoca, ele aproveitou a presença da America Ferrera (atriz gordinha – e linda! - de Betty, A Feia e Mulheres de Verdade Têm Curvas) e sussurrou à filha: “Aposto como ela também se empaturra de pipoca”. Em seguida, ele escreve no post: “São momentos ternos assim que minha filha vai guardar na memória pra vida toda”. Essas coisas já me fazem rir em voz alta, mas eu quase engasguei com o comentário do Steve, que vive dizendo que a filha do Nate, sua sobrinha, é tenebrosa e tem até bigode: “Ah, o amor paternal está te cegando, Nate”.

Acontece que, com ironia, é aquele negócio: se você acha que um pai/mãe deve mesmo lembrar a filha o tempo todo que ela é gorda, vai achar a atrocidade do Nate um momento realmente terno, e não vai enxergar a ironia. Contexto é tudo.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

CRÍTICA: PROCURADO / Humilhe sua chefa gorda. Ela merece

E a gordofobia continua a pleno vapor em Procurado. A chefe do James McAvoy na sua versão pré-herói é gorda, e fica claro que ela é gorda porque come demais. E é uma bully. Só na ficção gordas são chefes e bullies, porque, na vida real, há estudos que mostram que gordas são discriminadas nas contratações, e por isso ganham menos que magras. E além disso, gordas são muito, muito mais vítimas de agressões que agressoras. Essa deturpação da realidade lembra a bel hooks quando diz que, quase sempre que há um juiz nos filmes de Hollywood, ele é negro. Na vida real não existem muitos juízes negros, mas a ideologia é fingir que existem, pra criar uma ficção de que os EUA não são racistas. Pelo contrário, são a terra das oportunidades. Agora vamos brincar também que gordas são agressoras, não agredidas. O discurso do James contra a chefa é horrível. Ele diz que entende que a escola deve ter sido ruim pra ela, mas que isso não lhe dá razão para descontar em todo mundo. E que a vê comendo donuts escondida. E que sente mais pena que ódio dela. O que é isso, um manual da gordofobia? Ultimamente Hollywood vem pegando pesado com as gordas. De cabeça, lembro de Agente 86 e Wall-E. Procurado vem se juntar ao time do preconceito.