A D. me enviou este relato:
Acompanho seu blog há algum tempo e o acho realmente fantástico! Ler certos relatos me faz ver que não sofro sozinha. Sinto verdadeira compaixão pelas pessoas que compartilham suas experiências traumáticas com as leitorxs do seu blog. Bom, aqui vai a minha.
Já faz alguns meses, tenho estado muito mal por conta de um problema psicológico. No começo foi assustador, minha família não entendia o que estava acontecendo comigo, eu mesma não entendia, só chorava, não queria sair de casa, não queria comer. Era meu último ano de colégio, isto é, era época de vestibular. Buscando ajuda na internet, encontrei o nome do mal que eu sofria. Acredite, isso me fez piorar, pois eu vi que era um problema considerado de difícil tratamento.
Além disso, eu sabia que minha família não teria dinheiro para pagar ao menos uma consulta num psicólogo, muito menos o tratamento e os remédios. Assim, eu passei a fingir que havia melhorado, que estava bem, e finjo até hoje. Não queria preocupá-los nem fazê-los gastar um dinheiro que não tinham. Cada dia foi um sofrimento. Mesmo estando mal, eu me obrigava a sorrir. Consegui realizar a façanha de esconder a doença até de mim mesma.
Parece absurdo, mas funcionou. Eu fingia para mim mesma que estava bem. Meus amigos, mesmo sem saber pelo que eu estava passando, me ajudaram a superar e esquecer o problema. Depois de algumas semanas eu melhorei. Me sentia 100% novamente.
Prestei o vestibular. Foi uma luta, mas, por incrível que pareça, tirei notas muito boas. Quando o ano estava para acabar, eu (não sei por qual motivo), fui pesquisar sobre o problema, talvez para ver como ele era ruim e como era bom tê-lo superado. Erro fatal, Lola. Imediatamente, ao ler sobre ele, tudo voltou em um turbilhão de memórias ruins e, dessa vez, eu não teria mais meus amigos para me ajudarem. Me senti pior do que no começo.
Emagreci, muitos perceberam. Não conseguia dormir, muitas vezes tive que tomar remédio. Eu sabia que era algo relacionado à depressão, estresse, ansiedade (sei que um autodiagnóstico não é o melhor a se fazer, mas tudo o que eu tinha batia com as informações que encontrei). Criei coragem e contei para os meus pais. Minha mãe compreendeu perfeitamente. Meu pai parecia mais bravo do que comovido, bravo por eu não ter contado pra ele antes. Disse que eles me levariam no psicólogo, que eu ia nem que fosse obrigada. Eu sei o quanto ele se esforça pra colocar comida na mesa, Lola. Não achava justo que ele fosse trabalhar mais do que já trabalhava por minha causa.
Novamente, eu fingi que havia melhorado. Virou o ano, minhas notas das provas chegaram. Eu já não sabia mais o que queria da vida. Usei minha nota do Enem, escolhi um curso completamente diferente do que o que eu imaginava que fosse fazer. Entrei em uma universidade de muito nome. Me mudei de cidade para estudar. Fui morar sozinha com pessoas da faculdade. Eu sabia que devia ficar perto da minha família, me tratar e tentar vestibular outra vez, se necessário fosse. Mas eu também sabia que, estando sozinha, seria obrigada a agir naturalmente, o que podia ser a saída para o meu problema.
Sinceramente, começou a dar certo. Aprendi a me virar, a engolir o choro e a ser mais corajosa. Até pouco tempo, eu estava bem. Até algumas pessoas começarem a fazer piada sobre um reflexo que o problema tinha sobre meu corpo. Por causa da ansiedade que eu tinha, eu transpirava muito. Quando o problema voltou, a transpiração em excesso voltou junto. Antes de eu vir para a faculdade, um médico do hospital público disse que eu estava transpirando muito por conta da ansiedade e que eu deveria aprender a controlar isso e me acalmar. Eu tentei, Lola.
Mas, há pouco tempo, eu tive que realizar uma tarefa física sob um calor infernal durante uma hora inteira. Não deu outra, eu transpirei tanto que minha camiseta ficou manchada de suor. Estava praticamente encharcada. Uns colegas da faculdade viram. Alguns dias depois, eu comecei a ouvir algumas indiretas e piadinhas deles sobre o ocorrido. Nunca me senti tão triste como quando eu entendi que aquilo era pra mim. As pessoas são impiedosas, Lola. Elas não sabem um terço dos seus problemas e te pisam, te matam por dentro. Agora, o problema voltou mais uma vez, tão forte quanto antes.
Tenho me segurado para não chorar. Estou super nervosa com os seminários que tenho que apresentar. Sinto que vou ser ridicularizada, que vão rir de mim quando eu falar. Não consigo nem pensar nisso que já me dá tremedeira. Estou criando coragem para ir no psicólogo da faculdade, não sei se vai me ajudar.
Estou muito chateada, pois estou gostando do curso que escolhi, e até fiz bons amigos aqui, mas estou com medo da humilhação que posso sofrer. Eu não esperava isso. Achei que a universidade era um ambiente mais descontraído, sem infantilidade, com pessoas mais maduras. Mas não é, Lola, é um lugar muito opressor.
Me ajude, Lola, não sei mais o que fazer, estou muito angustiada com o que aconteceu. Estou pensando seriamente em desistir do curso e voltar pra casa.
Meus comentários: Querida D., fingir que você não tem um problema não vai fazer com que ele vá embora. Ele pode até sumir por um tempinho, mas vai voltar. Por isso, você precisa de tratamento. Coragem! Procure o atendimento psicológico da sua faculdade. Muitas vezes demora até conseguir vaga, mas não desista.
Pelo que percebi, você fica com o pé atrás para buscar ajuda psicológica. Senti isso quando você descreveu a reação do seu pai, quando ele disse que você iria nem que fosse obrigada. Antes você dizia que não queria ir por questões financeiras. Mas agora, que você tem certo acesso a atendimento na universidade (não que seja fácil, a procura costuma ser grande), você diz que falta coragem.
E continua preferindo se autodiagnosticar. Vamos lá, linda! Você sabe que precisa, então vá lá, entre numa fila de espera, se precisar.
E sim, tem muita gente impiedosa na universidade. Tem gente impiedosa e cruel em todo lugar. Mas tente ignorar essas pessoas e se focar nas pessoas bacanas, naquelas com quem você estava começando a fazer amizade, em gente inteligente que não fica zoando de alguém que suou muito debaixo do sol.
Lembre-se que praticamente todo mundo fica super nervoso com os seminários que têm que apresentar em sala de aula. Eu sei porque sou professora e meus aluninhos queridos sempre entram em pânico, mesmo sabendo que estão diante de gente legal, que vão falar pra pessoas que só querem o seu bem. É incrível como o nervosismo toma conta de todos.
Tenho um aluno formidável, um dos melhores. E ele me mandou um email outro dia avisando que não viria pro meu curso porque iria dar sua primeira aula de inglês no estágio e não estava nem conseguindo dormir de tão nervoso. Antes do estágio, ele deve ter apresentado dezenas de seminários nas mais diversas disciplinas, e ele sempre brilhou em todos. Mas nem toda essa experiência e esses ótimos resultados adiantaram: ele continuava ansioso. Não preciso nem dizer que ele foi super bem, né?
Mas imagina você, ainda no início do curso, "enfrentando" uma turma que você considera hostil (talvez não seja). É compreensível que você fique nervosa. Mas nada de largar a faculdade por causa disso, ok? Prepare bem o que você vai apresentar, pratique, aprofunde-se no assunto, vá lá na frente da classe e dê o melhor de você, sem pensar no que os outros vão achar. Dificilmente alguém vai te ridicularizar. E, se tentarem, os ridículos serão eles, não você.
Mas não vão. Às vezes, quando estou ansiosa, eu tenho uma técnica chamada "pior cenário possível". Consiste em fantasiar o pior que pode acontecer comigo naquela situação. Ao pensar nisso, vejo que nem mesmo o pior cenário é tão desesperador assim.
Então pense, D.: o que pode acontecer de pior contigo se você procurar o psicólogo na sua faculdade? (é não ter vaga, acredite). O que pode acontecer de pior nos seus seminários? Um babaca qualquer rir de você? Como você reagiria? Ele não estaria se expondo muito mais pelo bacaca que é do que te expondo?
Não desista, D. Você tem um problema (que eu não sei qual é), e ele está te afetando. Vá à luta!