sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

LULA, VOCÊ SERÁ LEMBRADO

Hoje é o último dia de Lula no cargo, e ele vai deixar saudades. Sai com aprovação recorde no mundo, com 87% de aprovação. Quem chegou perto disso? Michelle Bachelet (Chile) e Nelson Mandela (África do Sul), com 84% e 82%. A diferença é que Bachelet não conseguiu fazer seu sucessor, enquanto a de Lula toma posse amanhã (nossa primeira presidenta, que no início do horário eleitoral teve sua luta pela liberdade comparada à de Mandela). Pra efeito de comparação, FHC deixou o governo com 26% de aprovação. É esse o placar: Lula 87% vs FHC 26%. Só essa pequena diferença já explica por que um presidente consegue eleger uma ministra com perfil técnico, sem experiência nas urnas, e outro precisa se esconder pra não ser associado com seu candidato. Lula deixa o país muito melhor que o pegou. Não há um só indicador que aponte o contrário. A gente vê isso nas ruas, sente a euforia das pessoas, acompanha quem vem de família que nunca cursou uma faculdade ter acesso à educação superior. E no nordeste, então, nossa região mais pobre, que nos últimos anos do governo do PT teve crescimento chinês, a mudança é ainda mais visível. Imagino que seja justamente isso que faça a elite espumar de raiva. Onde já se viu 52% da população brasileira ser classe média? Antes esse era um luxo para poucos, e agora é a maioria. Gente que até ontem era pobre agora viaja de avião, ocupa hotéis, disputa vagas nas federais, desvirtuando o que era dos happy few por direito adquirido, porque eles fizeram por merecer. Isso sem falar que tá cada vez mais difícil arranjar uma empregada doméstica! Eu não entendo muito bem o ódio a Lula. Ontem, por exemplo, os 6% que não aprovam seu governo puseram nos Trending Topics do Twitter a tag Fora Lula. Quer dizer, o cara vai sair hoje de qualquer jeito, então por que gritar "Fora Lula"? Deve ser a vontade de quem perdeu três eleições seguidas ter o gostinho de poder ganhar alguma coisa. Vai que eles narram a história pros netinhos como o dia em que foram capazes de tirar Lula do poder. Um blog de extrema direita escreve rancores assim: “Sabe, Lula, sabe quem estuda, quem tem educação, quem tem vergonha na cara, quem conhece malandro? Estes brasileiros desprezam você. Tem nojo de você. Tem asco de você. Não podem nem ouvir a sua voz pegajosa, as suas piadinhas de baixo nível, o seu caráter do mais baixo calão. [... Você] será lembrado como um chicaneiro, um populista ardiloso, um espertalhão, um estelionatário eleitoral. Você fez o que, Lula? [...] A verdade, Lula, é que você pegou tudo pronto”. E continua, sem disfarçar o seu nojo pessoal por uma pessoa que não conhece.Teve um monte de presidente por quem eu não senti nenhuma admiração, muito pelo contrário: Sarney, Collor, Itamar, FHC... Mas não me lembro de alguma vez chamá-los de safados, porcos imundos, idiotas, asquerosos etc. Até porque eu, que tive o privilégio de nascer na classe média e vou me manter nela pro resto da vida, não era muito afetada pelo governo. Não era eu que dependia dele. Eu estudava em escola particular, tinha emprego, comprava dólar com o que sobrava do meu salário. Na minha vida pessoal, os oito anos de FHC me afetaram quase nada (eu não estudava nem trabalhava em universidade federal na época). Mas eu não me via como centro do universo e não votava pensando em mim, mas na vasta população que não teve a sorte de nascer numa família que nunca soube o que é passar fome. Esses 6% que odeiam Lula com tanta força perderam alguma coisa no seu governo? Qualquer coisa? Ficaram pobres? Ou é só que eles consideram injusto que tenham que disputar vagas em universidades e assentos em avião com quem está abaixo deles? A maior parte do ódio contra Lula é preconceito de classe. É só ver como o vocabulário do fascistóide que escreveu as linhas acima copia a visão hierárquica que tem da sociedade: baixo nível, baixo calão. Pra eles, a gente nasce em castas, e quem nasce rico ou classe média é porque mereceu. Um indivíduo pode até sair da sua classe, mas apenas com seu esforço próprio, sem nunca depender de um aparato social. Pra eles, a vida é uma eterna competição, na qual vencem os melhores. E todos temos a mesma linha de largada. Portanto, eles detestam que o Estado dê um empurrãozinho pros que têm menos, porque isso sim é tumultuar a competição. E também, pô, imagina que droga se todo mundo melhorar de vida! Não pode ser que todos mereçam. O conceito de meritocracia se baseia na exclusão.O próprio Lula é um símbolo de quem, pra eles, jamais poderia ter “chegado lá”. Não porque ele foi beneficiado pelo Estado, mas por ser tosco, sindicalista (patrão é bom, sindicato é ruim), de uma região atrasada. O mínimo que se podia esperar dele, com essas qualificações (pô, ele nem fala inglês!), é que fizesse um péssimo governo. Que afundasse de vez o país, pra gente se ver livre dessa raça por pelo menos trinta anos. E, no entanto, ele fez uma excelente administração, aprovada por 87% dos brasileiros. Como explicar? Dizendo que ele pegou tudo pronto, que no fundo não fez nada, e que todos que não têm essa opinião ou são analfabetos como ele ou são comprados. Porque quem está certo são esses 6%. Esses 6% que não têm um argumento sequer que não seja baseado em ódio irracional, mas que só podem estar certos. No grande Doze Homens e Uma Sentença, esses 6% seriam representados pelo homem rábido que deseja condenar "a gentalha", e é deixado falando sozinho, submerso em sua raiva.
Pra imensa maioria, Lula é o maior presidente que o Brasil já teve. E temos muita esperança que Dilma faça um governo melhor ainda. Vocês perderam. Aceitem que o tempo em que o país era governado por uma elitezinha já passou.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

OS MAIS VISTOS NOS CINCO ANOS DO YOUTUBE

O YouTube foi criado há cinco anos, em fevereiro de 2005. Vamos ver se o David Fincher faz um filme sobre a criação desse fenômeno também (que pra mim é mil vezes mais importante que o Facebook). O jornal The Sun diz quais foram os dez vídeos mais vistos nesses cinco anos (quer dizer, como a lista é de abril, e ficou mofando aqui no computador, vai que o Felipe Neto já tenha ultrapassado todos eles e eu não tô sabendo).
1) Esse da foto que ilustra o post é o número um, de um bebê que morde o dedo do irmão. Se o bebê não virar um Hannibal the Canibal, é lindo mesmo e faz rir, até pra quem não tem filhos.2) A hilária explicação pra baixíssima reprodão dos pandas. 3) Susan Boyle canta, comove os jurados, e muda as percepções de uma plateia. 4) A evolução da dança, pelo comediante Judson Laipply. Vídeo meio longo, seis minutos, mas muito legal, e ele dança bem. Faz parecer que a humanidade não teria evoluído se não fosse o John Travolta.5) Tava faltando a loira falando de sexo. Ela é simpática e fala bem de-va-gar-zinho pros carinhas entenderem. Fez sucesso.6) O garoto de Guerra nas Estrelas. Prefiro o panda, mas não sou ligada em Star Wars. 7) Muitos tentam dublar uma música de forma engraçada. Poucos conseguem. Não tenho certeza se esse conseguiu.8) Ah, esse eu e o resto do mundo já mostramos. É aquele comovente em que dois amigos encontram um leão que não veem há anos. Meu gatinho Calvin também se comporta assim comigo, mas ele não é tão grande.9) É bom saber que dá pra fazer tudo isso com uma bicicleta. A minha precisa ser com rodinhas se eu não quiser cair e rachar a calçada.10) Esse daqui do bichinho é o mais curto. Não é um chipmunk, ao contrário do que diz o título. Um chipmunk é uma espécie de esquilo, gracinha total. Esse é um prairie dog, outro bicho que não existe na nossa fauna (ou existe? Parem de me corrigir, pô! Assistam o vídeo!).
E aí, qual o seu preferido? O meu, se eu tiver que escolher um, é o do panda. Ou do leão. Ou do esquilo que não é esquilo. Deu pra notar que tenho uma quedinha por bichos? Por que eu não olho pro bebê e grito "Ah, eu quero um!", mas tô berrando até agora pro leão e pro panda?

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

ALGUMAS IMAGENS MARCANTES DA DÉCADA

Manaus 2008. Mulher indígena resiste à força policial enviada para despejar sem-terras de um acampamento. Foto: Luiz Vasconcelos.Califórnia 2009. Alguns membros da família Jackson e os dois filhos de Michael, Paris e Prince, no velório do astro. Foto: Gabriel Bouys.Natwarghad, Índia 2003. No meio de uma severa seca, pessoas se reúnem para pegar água de um poço. A falta de água atinge dois bilhões de pessoas no mundo. Nova York, 11 de setembro de 2001. A segunda torre é atingida por avião, vista da Ponte Brooklyn. Foto: Sara K. Schwittek.Ruanda 2004. Cemitério e suas caveiras, dez anos depois do genocídio que matou 800 mil pessoas (vejam o chocante Hotel Ruanda: trailer aqui, filme inteiro sem legendas aqui). Foto: Radu Sigheti.Vaticano 2005. O novo papa, Bento XVI, vulgo Joseph Ratzinger, recém escolhido. Foto: Kai Pfaffenbach.Califórnia 2003. Governador Schwarzza. Foto: Blake Sell.Londres 2003. Pessoas protestam contra a invasão americana do Iraque. E isso num país cujo governo apoiou a guerra. Foto: Peter Macdiarmid. Dakar 2004. Praga de gafanhotos toma capital do Senegal. Meninos na foto de Pierre Holtz. Vocês já leram o impressionante conto de Doris Lessing, "A Mild Attack of the Locusts"? (em inglês aqui).Yokohama, Japão 2002. O capitão Cafu ergue a taça, após a vitória de 2 a 0 sobre a Alemanha. Brasil comemora seu pentacampeonato. Foto: Dylan Martinez.

Tirei essas fotos daqui. Tem muito mais lá.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

COMO FICAR RICA COM BLOG

No final de janeiro meu bloguinho vai completar três anos de idade e talvez então eu faça um levantamento dos momentos mais relevantes do EscrevaLolaEscreva em 2010, dos posts mais comentados e tal. Enquanto isso, estou preparando uma lista dos melhores e piores filmes da década (2001 a 2010). Aceito sugestões!
Agora só queria compartilhar com vocês minha miséria absoluta. Vocês devem ter percebido que tem um treco do Submarino na barra lateral à direita. Aliás, acho que tem uns três trecos diferentes. Com a ajuda técnica do maridão, instalei esses bannerzinhos pra tentar ter alguma renda com o blog. Isso já faz mais de um ano. Ahn, lamento informar que é meio impossível ficar rica com isso. Como meu bloguinho é super transparente, compartilho com vocês o faturamento de cada mês:

Dezembro de 2009 (quando instalei o primeiro banner): R$ 136,07
Janeiro 2010: 77,17
Fevereiro: 4,45 (isso é sacanagem, gente!)
Março: 68,52
Abril: 21,60
Maio: 85,23
Junho: 64,66
Julho: 89,26
Agosto: 99,38
Setembro: 67,98
Outubro: 81,50
Novembro: 112,45
Dezembro de 2010 (ainda não acabou, tenho fé): 122,51

Total: R$ 1.030,78. Média de 79 reais por mês.

Ou seja, permitam-me duvidar da pessoa que jura tirar a maior grana com o blog. Acho que é lenda urbana. Não acredito que exista.
No final de agosto recebi um email de uma querida leitora antiga querendo me ajudar a ganhar dinheiro com o blog. Aí, na correria do semestre, acabei nem respondendo. O problema de promover qualquer mudança no blog é que (além de eu ser conservadora) eu teria de gastar mais tempo com ele. E não tenho esse tempo! Pelo contrário, preciso realmente me afastar um pouco, sem ter a obrigação de escrever posts todo dia, pra eu arranjar tempo de fazer as outras dezenas de coisas que preciso fazer, e não estou fazendo.
Bom, mas isso não tem nada a ver com a parte financeira.
Pra quem não sabe, o Submarino funciona assim: a pessoa compra algum produto através do seu blog, e você recebe uma porcentagem dessa venda. Não vou me lembrar nunca o valor. Ah sim, encontrei no post que fiz pra comemorar o meio milhão de visitas (no final de novembro de 2009): ganha-se 8% do valor do livro nacional, 4% de livros internacionais e dvds, 2% de apetrechos pra computador. Ainda não sei se entra porcentagem de passagens aéreas.
Bom, lendo o post antigo, vi que eu ganharia menos que os R$ 79 se entrasse num portal, então não tá tão mal. E quero agradecer a todo mundo que comprou através daqui, e pedir que continuem comprando de vez em quando.
Sei lá, talvez seja uma questão de perspectiva. Já estive num encontro de blogueiros em que uma consultora falou de monetizar blogs e mencionou Submarino e Adsense, e disse que era possível ganhar até 50 reais por mês com eles, e eu ouvi na plateia um barulhinho de “Ohhh!”, sabe, como se R$ 50 fosse a maior grana preta. Acho que essas pessoas perderam a aula em que alguém dizia ser possível viver de blog.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

CLÁSSICOS: 12 HOMENS E UMA SENTENÇA / Dois filmaços

Época pré-vídeo em que um júri era composto só por homens brancos.

Eu li a teleplay (peça feita pra TV) Doze Homens e uma Sentença (12 Angry Men no original, ou 12 Homens Zangados), de Reginald Rose, na oitava série. Acho que foi em 82, quando eu tinha 14 ou 15 anos. Adorei, e fiquei muito impressionada com aquela história que se passa inteirinha numa sala quente com doze jurados discutindo o destido de um acusado. Só agora, neste natal, quando revi o clássico filme de 1957 de Sidney Lumet, me fiz a pergunta “Ué, por que eu e meus coleguinhas não vimos o filme na escola?”. E a resposta veio correndo: porque eram tempos pré-históricos. Vídeocassete tava engatinhando, duvido que minha escola (apesar de cara) tivesse um e, mesmo que tivesse, não haveria a fita em si (pouquíssimas fitas eram seladas, mas mesmo gravar da TV era serviço pra profissionais). Em compensação, naquela época a Globo passava filmes maravilhosos na madrugada, e Doze Homens era uma atração constante (eu e muita gente da minha geração viu seus primeiros clássicos na TV aberta. Atualmente contamos com o Intercine pra decidir se preferimos ver Norbit ou Garfield 2). Hoje, graças aos céus, é fácil baixar o clássico. Logo, você não tem desculpa: se não viu Doze, tá esperando o quê? Trata-se de um belo filme humanista. A trama é simples: um rapaz de 18 anos é acusado de matar seu pai. Não vemos nada do julgamento, apenas as considerações do juiz: a sentença do júri deve ser unânime, todos os doze jurados precisam votar igual, e se o rapaz for condenado, a pena será a morte. Os jurados, que não têm nome (são apenas mencionados como jurado número 1, jurado número 2 etc), estão convictos que o acusado é culpado. Só um dos doze membros quer discutir o caso, pois vê espaço para dúvidas razoáveis. Um outro quer acabar logo para ir assistir um jogo. Outro é um racista inveterado que crê que “pessoas daquelas bandas” (cortiços, favelas) são sempre culpadas. Outro tem um problema pessoal com o próprio filho, que não fala com ele há anos, porque ele, o pai, passou a vida toda batendo no rapaz para “torná-lo um homem” (violência, um remédio testado e aprovado para afastar seus filhos de você). Apesar dos jurados não terem nome, seus intérpretes têm, e vários são famosos. O principal, o jurado que duvida da culpa do rapaz, é Henry Fonda, pai de Jane e Peter, grande ator de Vinhas da Ira e Era uma Vez no Oeste (Oscar por Num Lago Dourado no seu último ano de vida, 1982). Martin Balsam, que faz o jurado número 1, é o detetive de Psicose. Já Lee J. Cobb, o jurado com motivos mais pessoais, é o detetive de O Exorcista e o principal mafioso de Sindicato de Ladrões. E o rosto mais velho do Jack Warden (o jurado brincalhão fanático por esportes) é conhecido por Todos os Homens do Presidente, Muito Além do Jardim, e Enquanto Você Dormia, entre muitos outros. Mas todos os doze atores estão perfeitos.
O que mais gosto do Henry Fonda nesse filme é que, apesar d'ele interpretar um personagem “do bem”, preocupado com direitos humanos e mais livre de preconceitos que seus colegas de júri, ele ainda assim é um homem zangado. Seu tom de voz não é dócil e carinhoso, mas bastante agressivo. Bem diferente do Jack Lemmon, que fez o papel quarenta anos depois, em 1997, numa versão para TV, dirigida por um cara de respeito, William Friedkin (Exorcista, Operação França). Essa versão é excelente também, já que a peça é excelente, mas não se compara ao clássico de 57. Pra começo de conversa, a peça em si tá datada, já que hoje seria impensável ter um júri composto apenas de homens (apenas brancos, em 1957, e misto, 40 anos depois). E seria complicado transformar alguns personagens em mulheres, já que mudaria toda a dinâmica. A versão de 97 ainda tenta colocar uma juíza (Mary McDonnell, de Dança com Lobos), mas é pouco. A ausência de mulheres ainda pode não chamar a atenção em algumas áreas, mas num júri, seria inegável.
O filme de 97 também tá cheio de atores famosos. Além do grande Jack (Quanto Mais Quente Melhor, Se Meu Apartamento Falasse), tem entre os jurados James Gandolfini (Sopranos), William Petersen (CSI), George C. Scott (Patton, Rebelde ou Herói, Dr. Fantástico), Hume Cronyn (Cocoon), Ossie Davis (Faça a Coisa Certa), Edward James Olmos (O Preço do Desafio, e o detetive colega do Harrison Ford em Blade Runner), Armin Mueller-Stahl (Shine, Senhores do Crime), e Mykelti Williamson (o Bubba de Forrest Gump). Mas deixa eu tentar explicar por que prefiro o de 57 (fora a interpretação mais assertiva do Henry).A cena mais conhecida do clássico, aquela em que o jurado racista inicia um monólogo cheio de ódio contra “essa gentalha”, e os jurados se levantam um a um, deixando o irado falando sozinho, não funciona tão bem no remake. Nele, os jurados dialogam com o irado. O monólogo e a mesa vazia são muito mais eficazes. E tem uma escolha que eu considero bem problemática: quem faz o jurado racista na versão de 97 é um negro. E, numa história que não menciona religiões, é desconfortável que, nessa versão pra TV, esse jurado seja muçulmano com direito a chapéuzinho e tudo. Entendo que o discurso do sujeito nessa versão seja de racismo contra hispânicos (o rapaz acusado é hispânico), mas é complicado usar um negro pra ser racista. Não que eles não existam, mas, pô, pra mim o personagem tem que ser o típico homem branco padrão. Ou o pessoal que refez o filme achava que o racismo de brancos contra outras raças estava datado em 97?Também funciona muito melhor o jeito do jurado com problemas pessoais mostrar a foto do filho, e depois rasgá-la, como acontece na versão de 57. O modo como ele diz “Not guilty” (inocente) passa mais a ideia que ele está absolvendo o filho. George C. Scott é um ator excepcional, sem dúvida, mas nesse caso a idade atrapalha (ele, já velhinho, dificilmente teria um filho adolescente), e o Lee J. Cobb, com todo seu cinismo, marcou o papel em 57 (tanto quanto Henry marcou o seu).
Um outro detalhe que faz toda a diferença é que, na cena em que o jurado dos problemas com o filho vai mostrar como foi a facada (ou punhalada), na versão de 97 ele pede um voluntário, e quem se levanta é o Jack Lemmon. Essa cena é cheia de tensão porque, antes dela, vemos o jurado exaltar-se e gritar “Eu vou te matar!” pro dissidente. Então não é de bom tom que esse mesmo sujeito realize uma demonstração envolvendo uma faca e o corpo de seu desafeto. Que o filme faça com que o jurado “do bem” se voluntarie dá a ele poderes místicos, meio “bom demais pra ser verdade”, sabe? No filme de 57, Lee J. Cobb não pede voluntários. Ele vai até alguém que já está de pé, e esse alguém calha de ser o Henry Fonda. Claro que a continuação dessa cena (nas duas versões) já revela um monte sobre o caráter do jurado bonzinho, já que, quando o irado usa a faca e todo mundo espera o pior, o bonzinho nem pisca. De todo modo são dois ótimos filmes feitos a partir de uma teleplay incrível. Os conservadores odeiam a trama porque ela é sobre como um “bleeding heart liberal” (um sujeito que insiste em ver o contexto da criação do acusado, e que não quer mandá-lo pra cadeira elétrica, até porque o guri tem apenas 18 anos — alô você que defende a redução da maioria penal, tudo bem?) convence uma cambada de homens de cabeça feita a refletir e mudar de ideia. Ao mesmo tempo, o filme de 57 é um hiper clássico do cinema não só pelas suas inúmeras qualidades, mas também porque traz um tema querido aos americanos: o do indivíduo que luta sozinho contra todo um sistema. E ganha, lógico.