sábado, 14 de agosto de 1999

CLÁSSICOS: A NOITE DOS DESESPERADOS / Um desespero só

A Noite dos Desesperados se mantém atual nestes tempos de topa tudo por dinheiro

A Noite dos Desesperados, um dos filmes mais importantes da década de 60, está comemorando 30 anos em 1999 sem perder um pingo da sua atualidade. Bem, a verdade é que já não era tão atual na época, pois tratava de um fato ocorrido na depressão americana. Mas vamos ao tema, que com certeza é relevante hoje.

O título original é "Matam Cavalos, não Matam?" ("They Shoot Horses, Don't They?"), que também é a última fala. O drama trata de uma maratona de dança em 1932, quando isso era comum. Com o desemprego e a miséria, devido à recessão, as pessoas se sujeitavam a qualquer coisa para sobreviver. Parece familiar?

Um concurso se aproveita da tragédia alheia e oferece 1.500 dólares para o casal que agüentar ficar mais tempo dançando. Os participantes devem bailar durante duas horas sem parar, têm dez minutos de descanso, e voltam à ativa. Se quiserem dormir, devem fazê-lo em pé, apoiados em seus parceiros. Também não podem sentar-se para comer. Banho, necessidades fisiológicas, descansar as pernas, tudo naqueles dez minutinhos escassos. Se alguém cai, tem dez segundos para levantar-se, como no boxe.

De quando em quando, para satisfazer o público, o concurso organiza uma corrida de dez minutos, quando os casais têm de correr em volta de um círculo. Os últimos três casais a cruzar a linha de chegada são desclassificados. A platéia torce, aplaude e aposta, como se fossem cavalos, desta vez sem raça.

Muitos dos participantes estão lá pela comida, já que servem três refeições diárias. Outros cobiçam o prêmio maior. Há ainda os que estão nisso por não ter rumo nenhum, por não ter para onde ir. Com uma galeria de personagens, o filme traça um perfil da sociedade (não no sentido do colunismo social) da época.

Jane Fonda, em seu primeiro papel sério, faz uma mulher autodestrutiva e amarga (antes disso, era conhecida por Barbarella e por ser a filha de Henry). Todo o elenco está perfeito, mas o destaque fica mesmo com Gig Young como o showman, que acabou levando o Oscar de melhor ator coadjuvante. Seu personagem detestável também consegue ser humano, afastando-se de uma caricatura.

Este é o grande feito de Sydney Pollack, que dirigiu coisas boas como Tootsie e Ausência de Malícia, ganhou o Oscar pelo infinitamente menor Entre Dois Amores e hoje, só para não fugir da mediocridade geral, tem de encarar bobagens tipo A Firma e Sabrina. Felizmente, Pollack notou que não há mais futuro em Hollywood para autores e se enveredou para a carreira de ator.

Certo, mas por que A Noite dos Desesperados é relevante? Bem, porque é em tempos de fome que esses concursos pipocam. Logo depois do confisco do Plano Collor, houve várias competições, principalmente em São Paulo. Por exemplo, uma ocorreu dentro de um shopping center. As pessoas que passassem mais tempo dentro de um carrinho poderiam levá-lo para casa. Isso durou meses de suplício. Enquanto os participantes viviam no carro, os freqüentadores do shopping iam lá vê-los. Eram uma atração a mais entre tantas vitrines.

Na febre dos concursos, um organizador anunciou um prêmio para quem comesse mais baratas. Quando a festa estava pra começar, com centenas de inscritos, a Justiça proibiu. Alegou que isso seria degradante demais.

Hoje, em que a situação de indigência no Brasil alcançou índices alarmantes - 35% das famílias no País não conseguem sobreviver por conta própria, estando abaixo da linha da miséria -, não sei porque esses concursos não voltam a acontecer com força total. É óbvio que haveria montes de desesperados dispostos a fazer qualquer coisa por uns trocados. Mas filmes como esse ajudam a entender porque há uma fila de gente esperando para aparecer no Ratinho. Ano passado, um desempregado aceitou participar de uma fraude, ir ao programa, ser chamado de corno pelo auditório em coro, e colocar um chapéu com chifres. Ganhou R$ 100,00 para sofrer uma humilhação que não esquecerá jamais. O que mudou? O valor dos prêmios.

2 comentários:

Anônimo disse...

acabei de baixar o filme.
estou lendo o livro do horace mccoy que deu origem ao filme do pollack.

quando criança, eu via muitas vezes eles passar na televisão, mas nunca assisti. agora eu vejo

=] . abraço;

Enio disse...

Ouvi falar hoje desse filme, e como você diz, ainda é atual. Entrou pra lista do que assisti. Obrigadão.