Um dos assuntos mais falados da semana é que a ministra Rosa Weber, que fará 75 anos e vai se aposentar em outubro,
liberou para julgamento no STF a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 442, que requer a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.
A ação foi proposta pelo PSOL e Anis - Instituto de Bioética e questiona os artigos do Código Penal Brasileiro que impedem a realização do aborto por vontade da pessoa gestante. Neste caso, a ADPF aponta que o Código Penal, de 1940, fere a Constituição de 1988, que garante os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à integridade física e psicológica, à igualdade de gênero, à saúde e ao planejamento familiar, e proíbe tratamento desumano ou degradante e a tortura.
Se a ADPF passar no STF será uma vitória histórica para todas as mulheres brasileiras e pessoas que gestam, em especial as negras e periféricas, mais afetadas pela criminalização, ou seja, mais expostas a riscos e inseguranças.
Aqui há uma lista de argumentos muito úteis para poder debater a importância da descriminalização do aborto.
A PRÁTICA DO ABORTO É COMUM NA VIDA REPRODUTIVA
No Brasil,
1 em cada 7 mulheres já fez um aborto antes dos 40 anos. São quase 5 milhões de brasileiras que já passaram pela experiência. Quem aborta são pessoas comuns: 67% já são mães e 81% professam uma religião. Ou seja, são pessoas que sabem o significado da maternidade e por diversas razões entendem que não podem levar adiante uma nova gestação. Resultados parciais e preliminares da pesquisa Nascer no Brasil 2, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz, mostram que 37,8% das mulheres não tinham a intenção de ter filhos no momento em que ficaram grávidas.
CRIMINALIZAR NÃO IMPEDE A PRÁTICA DO ABORTO, MAS DESCRIMINALIZAR REDUZ
A América Latina e Caribe é a região com maior taxa de abortos, apesar de ser uma das regiões com com leis mais punitivas. Em países onde o aborto foi descriminalizado houve
redução no número de abortos e de mortes maternas por aborto inseguro. Pode parecer contraintuitivo, mas descriminalizar o aborto abre o caminho para que as mulheres sejam acolhidas pelo sistema de saúde e a gestão públicos de saúde elabore melhores programas de prevenção da gravidez indesejada e de planejamento familiar.
A CRIMINALIZAÇÃO MATA PESSOAS QUE GESTAM
A cada dois dias uma mulher morre por consequência de um abortamento feito de maneira insegura. Esta é uma das principais causas de mortalidade materna no país. Em muitos outros casos a pessoa que gesta não vai a óbito, mas fica com sequelas - 43% das pessoas que tentaram um aborto inseguro em 2021 precisaram ser internadas por complicações no procedimento, como hemorragia, infecções, choque séptico, perfuração de vísceras, traumatismos genitais e sequelas como dor pélvica crônica e infertilidade.
A CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO COMPROMETE A PROTEÇÃO DA INFÂNCIA
A cada ano, cerca de 20 mil crianças entre 10 e 14 anos dão à luz. Crianças são menos capazes de reconhecer os sinais de uma gestação ou de denunciar a violência sexual e chegam para atendimento com a gestação avançada, sendo ainda mais pressionadas para seguirem com a gestação. O caso da
criança de 10 anos pressionada por emissários da ex-ministra Damares Alves para não abortar é um exemplo. Equipes médicas que atuam neste serviço também
acabam perseguidas.
O ABORTO LEGAL É SEGURO
O aborto feito nas condições adequadas tem risco quase insignificante. Por exemplo, segundo a Organização Mundial da Saúde, apenas de 2% a 5% das mulheres que abortam usando procedimentos confiáveis precisam de intervenção médica posterior. A OMS, inclusive, aprova o uso domiciliar autoadministrado desses medicamentos até a 12ª semana. Os procedimentos feitos por AMIU também são bastante seguros e com complicações quase inexistentes. O risco de morte associado ao parto é aproximadamente 14 vezes maior do que o de um aborto seguro.
STF JÁ CONFIRMOU QUE A CRIMINALIZAÇÃO É UMA FORMA DE TORTURA
No
julgamento da ADPF 54, que descriminalizou a interrupção da gravidez nos casos de fetos anencéfalos, em 2012, o STF já reconheceu que, quando a gestação gera abalo psicológico, impedir sua interrupção é uma situação de tortura -- o que é proibido pela Constituição.
A CRIMINALIZAÇÃO É DISCRIMINATÓRIA
A criminalização do aborto institucionaliza a discriminação racial. As pessoas denunciadas por aborto são, predominantemente,
mulheres negras e de baixa renda. Ou seja: mulheres com menos acesso à informação sobre educação sexual, métodos contraceptivos e planejamento familiar são as mais propensas a uma gravidez indesejada. São essas mesmas mulheres que, depois, estarão privadas de acompanhamento médico e assistência do Estado na criação dos filhos. Manter o aborto criminalizado significa agravar e perpetuar desigualdades.
A CRIMINALIZAÇÃO CUSTA CARO AO ESTADO
Segundo cálculos do Ministério da Saúde, o custo de hospitalizações por complicações de abortos inseguros foi de quase meio bilhão entre 2008 e 2017. Em países de média renda, como o Brasil, isso pode comprometer investimentos em outros serviços de saúde.
SER CONTRÁRIO AO ABORTO É UM DIREITO INDIVIDUAL, MAS O ESTADO É LAICO
O direito absoluto à vida desde a concepção é uma visão religiosa ou moral, mas que não pode ser assumida como política de Estado, pois o Estado brasileiro é laico - ou seja, o Estado não professa uma religião ou visão moral de mundo.
A MAIORIA DA SOCIEDADE NÃO CONCORDA EM CRIMINALIZAR PESSOAS QUE ABORTAM
A
pesquisa de opinião sobre Religião, Aborto, Política e Sexualidade no Brasil, publicada em 2022 pela organização Católicas pelo Direito de Decidir, mostrou que 85% das pessoas entrevistadas concordam que, se o aborto deixasse de ser crime, menos mulheres morreriam por abortos clandestinos; 67% apoiam o aborto legal em situações específicas; 85% concordam com o aborto em caso de risco à saúde; 87% quando a mulher corre risco de vida; e 83% quando a gravidez é resultante de estupro.
Outra pesquisa, publicada este ano, mostra que 59% das pessoas entrevistadas são contrárias à prisão de mulheres que interrompem a gravidez, ainda que a maioria da população siga contrária à legalização total.
É FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DO STF JULGAR A DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO
É função primordial do Supremo Tribunal Federal zelar pelo cumprimento da Constituição. A ADPF 422 pede justamente isso: que a Constituição de 1988 seja soberana no entendimento sobre os direitos à liberdade, igualdade, saúde e planejamento familiar e na proteção contra tortura e tratamento desumano das pessoas que gestam. Esses direitos têm sido violados por uma legislação anterior à Constituição, o Código Penal de 1940, elaborado quando ainda não havia sido reconhecida a igualdade formal entre homens e mulheres.
Além disso, a criminalização do aborto não passa no teste de proporcionalidade, que responde a três perguntas. A lei é adequada? NÃO, pois não reduz o número de abortos. A lei é necessária? NÃO, pois há medidas mais eficazes para reduzir o número de abortos sem violar os direitos das mulheres e pessoas que gestam. É proporcional? NÃO, pois viola direitos e coloca a vida e a liberdade das pessoas que abortam em risco, além de aumentar os gastos com saúde pública devido às complicações.
STF JÁ ANALISOU O TEMA OUTRAS VEZES
Em 2012, o STF analisou a ADPF 54, que descriminalizou o aborto de fetos anencéfalos, em 2012, reconhecendo que levar adiante a gravidez de um feto sem perspectiva de vida extrauterina é uma situação de tortura. Em julgamento anterior, de 2008, autorizou a pesquisa com
células-tronco embrionárias, rejeitando a tese de que o embrião é representativo da vida e goza de direitos constitucionais. Em 2016, a 2ª turma do STF decidiu, julgando um caso concreto, que o aborto até a 12ª semana de gestação não é crime.