sexta-feira, 28 de junho de 2019

50 ANOS DE STONEWALL! A LUTA CONTINUA

Hoje, 28 de junho, é o Dia Internacional do Orgulho LGBT! 
Mas este é um ano pra se comemorar ainda mais, já que marca meio século de Stonewall. Numa época em que a homossexualidade era considerada crime e doença, era aceitável perseguir quem não fazia parte do padrão.
No dia 28 de junho de 1969 a polícia invadiu mais uma vez o bar Stonewall Inn, na Greenwich Village, bairro boêmio de Nova York. O total desrespeito e as batidas policiais contra pessoas gays, lésbicas, trans, drag queens, travestis de baixa renda eram comuns, mas naquela madrugada o pessoal decidiu não aceitar aquilo calado. 
E lutou de volta, jogou pedras e garrafas, virou a viatura, fez barricadas, e os nove policiais corruptos e violentos tiveram que voltar ao bar pra se refugiar. Seguiram-se conflitos violentos que duraram três dias. Foi o início de uma resistência contra o fascismo, contra a intolerância, pela liberdade, pela diversidade. 
Um ano depois, para celebrar a revolta, nascia a primeira Parada do Orgulho Gay (a primeira Parada LGBT no Brasil foi só em 1997, em SP; em Fortaleza, começou dois anos depois). 
Antes de Stonewall, já existiam pequenas organizações de pessoas LGBT que lutavam por seus direitos. Mas eram grupos pequenos, clandestinos. Por isso Stonewall é visto como um marco.
Foi só em 1990 que a Organização Mundial de Saúde tirou a homossexualidade da lista internacional de doenças. 
Sabe quando a OMS deixou de classificar a transsexualidade como doença mental? No ano passado!
E tem tanta coisa que ainda precisa ser feita e que a gente nem desconfia. Por exemplo, mês passado, ao conversar com uma professora da Universidade Federal de Alagoas que passou a pesquisar transsexualidade depois de ter um filho trans, ela contou sobre as dificuldades que seu filho enfrenta para conseguir marcar consulta no ginecologista, apesar de ter útero, ovários e vagina. 
Acho até engraçado escrever "numa época em que homossexualidade era considerada crime e doença", como se esse sentimento de ódio tivesse ficado no passado. 
Para muitos obscurantistas de 2019, principalmente os religiosos, 
homossexualidade ainda é crime e doença, e Aids é uma doença divina mandada por deus para eliminá-los. Temos um governo abertamente LGBTfóbico, misógino e racista no poder. Se não houver resistência, haverá muitos retrocessos. 
O jornal O Povo, do Ceará, fez uma excelente matéria com vários nomes importantes dos movimentos LGBTQIA+ de Fortaleza e do Brasil. 
Parabéns pela luta! Mais do que nunca, a frase "a luta continua" faz todo o sentido.

quinta-feira, 27 de junho de 2019

GUEST POST: SOBRE UMA MULHER QUE JOGA

Publico aqui o excelente texto de uma jornalista e gamer sobre um caso que vem bombando nos últimos dias. Por motivos óbvios (nerdice misógina), a autora prefere manter-se anônima. Vamos lá!

Clique para ampliar
Nos últimos dias o assunto do Twitter tem sido mais um episódio de ataque às mulheres: a situação a qual foi submetida uma streamer chamada Gabi Cattuzo. A influencer gamer respondeu a um seguidor que comentou a sua foto dizendo “pode montar em mim a vontade”. A resposta dela irritou muitos homens que se sentiram pessoalmente ofendidos com a sentença “é por isso que homem é lixo”. 
A situação atraiu holofotes para a comunidade gamer que se mostrou mais uma vez misógina e recheada de incels [celibatários involuntários, os populares "virjões"]. Digo isso porque não tardou para que Gabi logo recebesse uma enxurrada de mensagens “mas nem todo homem” promovendo linchamento virtual, e se tornasse alvo dos fóruns e chans que diariamente ameaçam mulheres -- principalmente as feministas -- e outras minorias. 
Ridícula nota da marca Razer
A influencer já abandonou as redes sociais temendo sofrer mais intimidação, já que, como publicou em um dos seus últimos tweets, tanto ela quanto a família estavam recebendo ameaças.    
Como se fosse possível piorar a situação, a marca Razer, que patrocinava a profissional, pressionada pelo público, soltou uma nota onde anuncia a quebra de contrato com Gabi e ainda diz que não compactua com nenhum tipo de discriminação. Adendo: é esta mesma empresa que faz campanha para vender periféricos em cor de rosa às mulheres gamers e, com isso, diz que apoia o movimento. 
A marca usa o argumento de que o público gamer sempre sofreu preconceitos, por isso luta para acabar com esse tipo de situação. Ou seja, se o teor considerado ofensivo for uma arma de defesa da mulher contra o patriarcado que TODOS OS DIAS nos causa agressões, não pode porque é intolerância. Mas se forem insultos a ponto de causarem linchamento virtual por parte de homens direcionados às mulheres, aí pode porque esses homens são ~gamers~ e sempre sofreram preconceito. Tadinhos!
A generalização no tweet de Gabi foi o suficiente para atrair e revolta de toda uma comunidade masculina, e ela mesma disse -- em um comentário posterior -- que foi grosseira, que se arrepende de ter generalizado, e desculpou-se pela forma como falou. Mas não foi o suficiente, era necessário mostrar muito mais poder para restabelecer a ordem no mundo dos machinhos. 
A ideia de que a comunidade gamer é injustiçada rodeia o imaginário do jogador desde que o geek e o nerd deixaram de ser uma cultura estranha e passaram a ser pop. Mas o ódio às mulheres neste meio se reflete, assim como em todos os outros ambientes sociais dominados pelo patriarcado. 
Nós mulheres somos vistas como intrusas no clube do bolinha, como ingratas que muitas vezes rejeitamos os nerds, os abandonamos na friendzone, e preferimos o cara popular. Por isso não somos bem recebidas nesse espaço dominado por homens amargurados.
O curioso é que o oposto também acontece. Quando não ouvimos que nosso lugar é na cozinha e que os únicos botões que sabemos apertar são os do fogão, ouvimos assédio e sexualização. A reação do homem dificilmente é natural quando há uma mulher na partida,  seja ela identificada por voz, pelo nickname ou -- pasmem -- por jogar mal, o que já é associado ao comportamento feminino, assim como dirigir mal. 
Digo nós porque sim, sou uma mulher gamer. Nem me lembro qual a primeira memória com os jogos, eles estão na minha vida desde sempre. Hoje, aos 25 anos, continuo ativa e até poucos meses atrás, escondida sob nicknames masculinos. Não me envergonho em dizer que o medo de me identificarem mulher nesses espaços era maior do que o orgulho que sinto de ser uma feminista que defende o seu gênero. 
A experiência de jogos online para mulheres é traumatizante a ponto delas criarem grupos femininos exclusivos com verificação para comprovar acesso. Há três anos, quando terminei a graduação em jornalismo, escolhi este assunto como pesquisa para a minha monografia. Queria entender o que fazia os homens acharem que o universo gamer era um espaço deles.
Durante muito tempo foi negado às mulheres a oportunidade de frequentar espaços de debate acadêmico, de estudar, de debater. As tecnologias digitais e de comunicação, sempre impulsionadas pelas guerras, também eram ambientes masculinos. A nós foi negado o direito de ter protagonismo no desenvolvimento tecnológico, de produzir o saber acadêmico e filosófico (e mesmo assim resistimos quando descobrimos mulheres com importância histórica que foram apagadas). 
Busquei outras mulheres que assim como eu queriam diversão e entretenimento no mundo dos jogos, mas recebiam xingamentos e insultos -- depósito de porra e merdalher são os mais comuns. Foi uma época difícil em que eu me fragilizei por estar exposta a tantos casos de ódio às mulheres. E esse episódio com a Gabi me fez reviver tudo isso. 
Por mais que você seja ou não uma mulher gamer é impossível que não tenha sentido empatia com tudo a que Gabi foi submetida. Mas o pior é que não foi um caso isolado, esta é a realidade das mulheres que todos os dias logam em qualquer jogo online. Meu afeto a todas vocês. Resistimos e resistiremos! #SouMulherSouGamer

quarta-feira, 26 de junho de 2019

#BOLSONARCOS E OS MILITARES DE CARREIRA

Tem algum dia sem um escândalo novinho em folha neste desgoverno miliciano da mais pura incompetência?
Ontem, no aeroporto de Sevilha, na Espanha, um militar da Aeronáutica foi preso no avião da FAB (Força Aérea Brasileira). Ele carregava 39 quilos de cocaína em 37 pacotes. Fazia parte da comitiva do Bolso, que estava indo pro Japão. 
Claro que 39 quilos é fichinha perto dos 455 quilos que foram pegos no "helicoca" em 2013, quando toda essa montanha de cocaína em pasta foi descoberta, num caso que nunca foi elucidado e que marcou para sempre a carreira de Aécio Neves. 
Mas, pô, tráfico de cocaína no avião presidencial?! Imagina se fosse com o Lula. Ou com a Dilma. Se sem nenhuma ligação direta com drogas já chamam esquerdistas e ativistas em geral de maconheiros e drogados (sério: todo dia eu, que odeio drogas e nunca experimentei coisa alguma, sou chamada de maconheira), imagina se a gente fosse traficante! Incrível, né? Nos dois maiores escândalos de tráfico de cocaína (o helicoca e este agora, que vem sendo chamado de #BolsoNarcos) do país, ambos estão conectados a políticos da direita.
Parece que aquele negócio de balbúrdia nas universidades públicas, de que a gente não estuda nem leciona nesses ambientes, só se droga e faz orgias intermináveis, só errou o endereço. Não é exatamente nas universidades, é no avião presidencial!
Ao ficar sabendo desse escândalo, a primeira coisa que lembrei foi quando, em 2017, o fotógrafo Lula Marques flagrou Jair trocando mensagens bizarras pelo WhatsApp com seu filho Dudu. O pai escreveu: "Compre m*rdas por aí. Não vou te visitar na Papuda. Se a imprensa te descobrir aí, e o que está fazendo, vão comer seu fígado e o meu". 
Depois, diante da repercussão (que m*rdas Dudu estava comprando? Por que ele iria preso por isso?), Jair explicou. Disse que Eduardo "estava na Austrália, não estava em paraíso fiscal, nem mexendo com droga. [...] Para botar uma pilha em mim, ele disse que ia comprar um fuzil nos Estados Unidos, mas não foi nada disso". Quer dizer, Jair não explicou nada! Disse que "não foi nada disso", sem dizer o que foi na realidade. E esse "nem mexendo com droga" chamou minha atenção na época. Ninguém perguntou e ele já falou em droga?!
Mas enfim, será que esta foi a primeira viagem internacional "transportando" drogas que o militar fez? Será que era recorrente? Era um militar de carreira? (ha ha, percebam o trocadilho). Era só uma mula? 
Lógico que, como sempre acontece quando o traficante em questão é branco de classe média ou alta, ele não é chamado de traficante. Só de militar. Não sabemos o nome dele. Quando um cara pobre numa favela é pego com droga, o rosto dele sempre estampa as páginas de jornal, e sabemos tudo sobre ele. No caso do BolsoNarcos, nem o nome! 
Outro fato interessante é que, nessas horas, todo aquele discurso de "bandido bom é bandido morto" vai pelos ares. Agora é "bandido bom é bandido só depois de julgado e condenado". Então vamos com calma! Nada de precipitar o julgamento e achar que aquele militar levando 39 quilos de cocaína pra passear é traficante!

Por exemplo, vocês sabiam que hoje, 26 de junho, é Dia Internacional do Combate às Drogas? Não, sério, é mesmo! Quem pode atestar com certeza que o tráfico na FAB não foi uma forma de alavancar a campanha? Hein? Hein? Notem como todos nós estamos falando de drogas neste momento! 
Fora isso, este tráfico internacional não é um jeito eficaz de movimentar a economia brasileira? Lembram quando Bolso comemorou os três caminhões de abacate vendidos pra Argentina? O que são abacates comparados a 39 quilos de farinha?
E além do mais, quem garante que aquele pozinho branco nos pacotes era mesmo cocaína? Como disse uma leitora, pode muito bem ser cal pra pintar de branco as árvores, não pode? Não é isso que militares tanto fazem? Pintam de branco as árvores?
Recordar é viver, Carluxo
Ahahahauahau, a gente ri pra não chocar neste desgoverno tragicômico. 
Olhem, fiz um novo vídeo hoje. Nada a ver com o caso, mas está bem descontraído. Vão lá assistir e se inscrevam no canal #Fala Lola Fala, que agora a meta é chegar aos dez mil inscritos e fazer os mascutrolls explodirem de tanta raiva e inveja. Ah, e agora eu tenho um Apoia-se! Nada deixa reaças mais rábidos do que alguém dar algum dinheiro pruma professora universitária feminista!
UPDATE: Agora que se sabe o nome do meliante, descobrimos que Manoel Silva Rodrigues, o militar traficante pego com 39 kg de cocaína no avião da FAB, votou logo em quem? Surpreendente!

terça-feira, 25 de junho de 2019

LULA LIVRE E RENUNCIA MORO

Hoje o STF julga o pedido de habeas corpus de Lula. A sessão mexe com o país porque pode decidir a liberdade do ex-presidente. 
Não tenho muita esperança, já que o STF havia optado por adiar a votação, e porque este é o país do golpe, do "Com o Supremo, com tudo". 
Porém, com o vazamento das mensagens (#VazaJato) divulgadas pelas reportagens da Intercept, que mostram que o então juiz Sérgio Moro nunca foi imparcial, fica impossível negar que Lula é um preso político. 
Coloco aqui alguns cartuns que indicam como muita gente vê Moro atualmente. E torço por #LulaLivre!

segunda-feira, 24 de junho de 2019

UMA CRÍTICA DO DOCUMENTÁRIO DEMOCRACIA EM VERTIGEM

Várias pessoas me pediram para falar de Democracia em Vertigem, um documentário que foi aclamado em vários festivais internacionais, 
como Sundance, que agora chegou a Netflix, e que fala de um tema muito importante pra gente, que é a política brasileira e como a gente chegou neste fundo do poço em que estamos. Gosto muito desses documentários com um tom pessoal, em que o documentarista aparece, narra, é um personagem, tipo o pai dos blockbusters dos documentários, Michael Moore. 
É isso que Petra Costa faz, ela narra em primeira pessoa e começa dizendo que tem quase a mesma idade da democracia brasileira, pois nasceu em 1983. Aí ela põe uma imagem dela bebê nos ombros do pai, apreciando a multidão pedindo Diretas Já. 
Petra é uma jovem cineasta de 35 anos, neta de uma família riquíssima, de empreiteiros da Andrade Gutierrez, e filha de pais de esquerda que tiveram que lutar na clandestinidade durante a ditadura militar. Ela conta que seu nome é uma homenagem a Pedro Pomar, fundador do PCdoB, assassinado pelos militares. 
Seu filme, Democracia em Vertigem, está cheio de contrastes, de oposições, de lados opostos, de dicotomias. Há muitas cenas filmadas por drones para mostrar a imensidão de Brasília, uma cidade planejada, e planejada também, como lembra Petra, para manter o povo afastado. 
Há um contraste muito grande dos espaços. Vemos enormes espaços vazios, como o Palácio da Alvorada, que aparece em várias cenas, e espaços lotados com multidões. Temos o próprio espaço, uma espécie de fosso, que separa o Palácio da Alvorada dos gigantescos gramados usados para manifestações. Temos os espaços cheios no sindicato. 
O senado lotado, e o senado vazio, com um funcionário reconstruindo a bandeira azul e as palavras “ordem e progresso”. A festa da democracia que são as eleições e a comemoração da vitória. É bom pra gente ver a diferença do que foi no dia 1o de janeiro de 2003 e o que foi agora em 2019. Em 2003 tínhamos policiais molhados, quase que comemorando junto com o povo. 
Há os espaços vazios, representados pelas empreiteiras, pela elite, pelos donos do poder. E o povo. Num ponto do filme, Petra narra um diálogo entre um político e um empresário: "Vc por aqui?", pergunta o politico. O empresário responde: "Nós sempre estivemos aqui. Vcs é que ficam mudando". 
Além dos voos dos drones, há várias caminhadas. A primeira é com Lula demorando pra atravessar o Congresso após sua primeira vitória. É como se ele estivesse moldando argila, moldando seus aliados. A narração enfatiza como demora pra ele atravessar aquele pedaço em meio a tantos braços (incomparavelmente menores que aqueles que o tocam no Sindicato dos Metalúrgicos quando ele sai para ser levado à prisão). Mais pro final do documentário, vemos Bolsonaro passando sem interrupções no Congresso, mostrando quão insignificante ele era, quão baixo clero, e como ele não era representante de nada a não ser de si mesmo e da sua monumental estupidez.
O documentário está cheio de imagens exclusivas e ótimas sacadas, como a análise da postura de Michel Temer na posse de Dilma, em 2011. A volta que ele dá pra sair na foto. O abismo que os separa. Como ele segura as mãos. Uma figura nefasta, sem dúvida. 
Outra figura nefasta que é Aécio Neves. Que a história nunca os absolva. Quando aparece o pulha Eduardo Cunha, a gente já tinha quase se esquecido dele. Foram tantos personagens sórdidos, mas claro que Cunha foi um dos gangsteres com papel principal. 
Algo que não está no documentário, mas numa entrevista que Petra deu à revista Marie Claire, foi que ela não recebeu resposta para entrevistar Sérgio Moro, e só pôde entrevistá-lo por um minuto. Aí ela lhe perguntou  se ele temia que a Lava Jato, copiada da Operação Mãos Limpas da Itália, trouxesse para o Brasil uma figura como Berlusconi. Segundo Petra, Moro riu e disse que esperava que não. E eis que temos agora uma figura que faz Berlusconi parecer um santinho competente. 
O único que não sorri:
Lula entre Covas e Brizola, em
comício no 2o turno em 1989
(isso não está no documentário)
Petra fala na entrevista que, depois de filmar 40 horas a votação do impeachment no Senado, ela tinha mudado de cara, tinha dificuldade para sorrir. Ela não fala isso no documentário, mas, ao colocar imagens sobrepostas de Lula em suas trajetórias, é possível ver como o semblante dele mudou. Eu lembro do Lula de São Bernardo do Campo, e ainda mais do Lula da campanha de 1989. Ele nunca sorria. Sua mudança foi gigantesca. Não sei até que ponto ele mudou de discurso, já que, ao contrário do que juram os reaças, Lula nunca foi comunista. 
É bom que Petra pontua que foi removida a primeira mulher eleita do país e substituída por um ministério sem mulheres, só com homens brancos. E inteligente também que Petra não gasta tempo nem imagens com figuras coadjuvantes, ou figurantes mesmo, como Marcela Temer. 
99% das pessoas que dizem não ser
 de esquerda ou direita são
de direita (estatística minha)
O documentário vai e volta, fala da construção de Brasília, do golpe de 1964, de como nunca prestamos contas com a ditadura militar, do golpe de 2016. Tudo é pertinente. Ela dedica um pouco de tempo às Jornadas de junho de 2013, que começou contra o aumento da passagem de ônibus em SP. Dilma tinha 65% de aprovação quando esses protestos começaram, protestos que ainda precisam ser melhor estudados, porque foi nesse momento que a direita começou a crescer. 
Cartaz presente nos protestos de 2013:
"Vc acordou agora. A periferia
nunca dormiu"
Olhando pra trás, eu me orgulho de não ter participado dessas passeatas. Me lembro que as bandeiras eram muito difusas, muito mal especificadas, e de eu me recusar a marchar lado a lado com fascistas. Me lembro quando gente que estava saindo pra protestar pela primeira vez dizia que “o gigante acordou”, e eu e várias feministas e ativistas dizendo que a gente não estava dormindo, que a gente sempre estava nas ruas, protestando. Creio que o documentário erra um pouco ao não mencionar nem a Copa de 2014 nem as Olimpíadas. Muitos dos protestos eram por hospitais e escolas padrão Fifa. 
Há cenas magníficas, como o enterro de Marisa, o discurso de Lula e as pessoas chorando antes de ser preso, o Palácio da Alvorado retirando as coisas da Dilma. Na entrevista que li, Petra diz que deu sorte e pôde filmar no vácuo. Então tem os colchões sendo removidos. E pôde entrevistar funcionários. Por exemplo, a mulher da equipe de limpeza dizendo que não existe democracia, que não foi o povo que tirou Dilma. A cena mais bonita, mais poética e pessoal, é a de Petra dançando e girando na avenida, comemorando a vitória de Dilma em 2010.
Aliás, o que me marcou no documentário foi a dignidade de Dilma. Poucos aguentariam o que ela aguentou, de cabeça erguida, sem desistir, sem renunciar. Aí você vê a força dessa mulher. Eu posso não ter gostado do segundo governo de Dilma, mas tenho que tirar o chapéu pra ela. Nenhum desses homens honrados, desses machões “cidadãos de bem”, suportariam o que ela suportou. 
O documentário dedica algum tempo a um dos capítulos mais vergonhosos da nossa história: a votação do impeachment na Câmara dos Deputados, com todos aqueles políticos corruptos agradecendo à família e a Deus. 
Aí a gente vê como foi importante o discurso do Jean Wyllys, em que ele se diz “constrangido de participar desta farsa, desta eleição indireta, conduzida por um ladrão, urdida por um traidor conspirador, e apoiada por torturadores, covardes, analfabetos políticos e vendidos". 
O discurso de Bolsonaro homenageando o Coronel torturador Brilhante Ustra é outro ponto marcante, porque a gente vê que ninguém aplaude. Naquele momento, num país sério, Bolso seria cassado politicamente e considerado inelegível. Bom, num país sério, um tipo como esse seria naturalmente inelegível, no sentido de que jamais seria eleito. 
Eu discordo da análise de Petra que a elite rapidamente embarcou no barco de Bolsonaro. Bolso não era a primeira nem a segunda opção da elite (e nem da mídia que a representa) nem a pau. A elite queria o PSDB. Vendo que Alckmin e outros candidatos de direita não conseguiam crescer, aí sim a elite apoiou Bolso, porque, pra ela, qualquer coisa menos o PT. Mais vale acabar com a democracia e com o país do que a esquerda voltar ao poder. Aí vale tudo, até apoiar um sujeito que tinha fotos emolduradas no seu gabinete dos presidentes militares como seus heróis. 
Ah, praqueles que vivem cobrando autocrítica do PT, o ex-ministro Gilberto Carvalho diz no documentário: "Achamos que poderíamos ser amigo dos grandes. Esquecemos do que nos propúnhamos na luta política com o que chamávamos ‘pé-dentro, pé-fora’. Ou seja, um pé na luta institucional; o outro na mobilização social. Ficamos concentrados no pé-dentro. [...] Começamos a fazer como os outros naquilo que condenávamos em financiamento de campanhas. É dali que vem a corrupção”. Na fala mais sensata, Carvalho lamenta não ter feito a reforma política. Já Lula lamenta não ter votado a regulamentação da mídia. 
Pra mim um dos maiores erros do PT nesse xadrez político foi ter querido colocar Lula como ministro da Casa Civil para blindá-lo da prisão. Aquilo foi uma provocação que serviu como gás pro pedido de impeachment. Talvez o impeachment teria acontecido de qualquer jeito, com ou sem nomeação de Lula. Certamente demoraria mais, mas isso é análise pra outro momento, e um documentário de duas horas não tem como abranger tudo. Teria que ser uma minissérie.
Eu amei Democracia em Vertigem, uma análise tão triste, quase fúnebre da nossa história recente, que faz chorar. Falta talvez uma contextualização mais internacional. A subida da direita não é exclusividade brasileira. 
E uma imagem que eu certamente incluiria foi a comemoração no puteiro da prisão de Lula. Aquilo diz tudo sobre o Brasil e sobre a misoginia que derrubou Dilma. Vocês lembram? Tem uma outra figura nefasta: o cafetão e gigolô Oscar Maroni, que vive de explorar mulheres sexualmente, que já esteve preso por sonegação de impostos e outros crimes, e que se candidatou a presidente em 2017 com o slogan "O Brasil está uma zona, e de putaria eu entendo". Vários reaças, incluindo os moleques patrocinados do MBL, estiveram no seu puteiro para comemorar a prisão de Lula em abril de 2018.  
Maroni ofereceu cerveja de graça e exibiu uma de suas prostitutas nuas a um público de virjões que gritava "Mito! Mito!" Atrás dele, havia faixas saudando a ministra do STF Carmen Lúcia e o juiz Sérgio Moro. Ele prometeu mais cerveja se Lula fosse morto na cadeia. No discurso celebrando a prisão de Lula, Maroni disse ao seu ídolo, Moro, que ele teria um vale vitalício para frequentar o puteiro, “enquanto seu pau funcionasse”, e pediu para a Polícia Federal e o Ministério Público sortearem cinco agentes para frequentar o prostíbulo. 
Esta imagem é emblemática por mostrar como os juízes andavam próximos e eram tão cúmplices da bandidagem que fingiam combater, e por provar que os coxinhas, além de terem muitos bandidos de estimação, também tem cafetão de estimação.
Petra termina perguntando, "De onde tirar forças para caminhar entre as ruínas e começar de novo?" É o que nós que ainda amamos no Brasil, apesar de tudo, temos que descobrir. 
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